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quinta-feira, 24 de março de 2016

sei que voltarás


Desenhado por Lara Rocha a pastel

         Era uma vez um senhor de meia-idade, que desde há uns tempos se refugiava na berma de um rio, e dormia num barco, com uma lanterna.         Passava os dias naquela zona a olhar para o horizonte, e às vezes à noite olhava para as estrelas, e via nelas o neto e a filha que tinham desaparecido sem deixar notícias, sem avisar, ninguém sabia nada deles.
   Ele acreditava que os dois voltariam, e esperava…pacientemente, dias, e dias…que pareciam intermináveis, pelo regresso dos seus.        A sua esposa, de quem estava separado desde a meia-idade, embora não vivesse com ele, leva-lhe lá comida, e água, com pena dele, e roupa. 
       Quem passeava de noite, ficava a olhar para o senhor muito espantado. Ele dizia:
- Boa noite!
       Quem passava retribuía, e ficava com pena a comentar:
- Coitado…é vádio.
- Deve ter sido expulso de casa…
- Parece é que fugiu do esgoto ou da prisão.
- Deve viver num bairro de lata.
            Ele ignorava os comentários.
- Porque está a olhar para mim assim…? Não sou um pobre coitado, nem um vadio! – Perguntava o senhor
- Precisa de alguma coisa?
- Não obrigado, e você, precisa? Eu não sou louco.
- Está tudo bem, não se preocupe.
            Outros passavam e perguntavam.
- Boa noite, o que está a fazer aí sozinho a esta hora?
- Boa noite. Qualquer hora, é hora…para estar onde queremos.
- Claro, claro…mas está muito frio…
- A luz da esperança aquece-nos e dá-nos força.
- Não tem casa?
- Tenho…estou na minha casa.
- Vive aqui?
- Sim.
- Podia pedir ajuda…
- Não preciso! Estou à espera da minha filha e do meu neto.
  Todos tinham ouvido falar no desaparecimento, e por isso, pensavam que o senhor estava a delirar. Mas ele estava totalmente saudável. Cheio de esperança que a sua filha e o seu neto iam voltar.
            A sua esposa volta a ir ter com ele.
- Precisas de alguma coisa?
- Não, obrigado. A comida estava deliciosa. Aliás, sempre cozinhaste muito bem!
- Ainda bem! (sorri) Fi-la com todo o carinho.
- Porque me tratas tão bem?
- Porque gosto de ti, e porque me preocupo!
- Não devias.
- Porque não?
- Porque eu não fui bom contigo!
- Todos temos momentos na vida, em que somos maus…em que sofremos e magoamos…mas tudo passa…o tempo é o melhor remédio.
- O tempo…? Áhhh…o tempo! Já não sei o que isso significa há muito tempo. Desde aquele maldito dia. Para mim, o tempo não existe! Tu perdoaste-me?
- Perdoei!
- Porquê?
- Porque entendi a tua parte.
- Não devias ter perdoado…o que eu te fiz, não tem perdão.
- Não tem perdão, mas o coração tem capacidade de anestesiar a dor, e fazer-nos seguir em frente. Não foi fácil, mas perdoei-te!
- Porquê?
- Porque és o pai dos meus filhos! E eles são o mais importante para mim. Não têm nada a ver com os nossos assuntos.
- Certo, mas eu nunca me perdoei a mim mesmo. Sinto muita vergonha do que fiz.
- Agora não podes voltar atrás!
- Pois não!
- Mas eu estou a dar-te uma segundo oportunidade…
- Porque queres dar-me uma segunda oportunidade?
- Porque sinto-me muito sozinha, e sei que mudaste.
- Não sei se mudei.
- Sim. Mudaste.
- O meu neto é que me mudou.
- Porque esperas, homem? – Perguntava a mulher
- Pela nossa filha, e pelo nosso neto!
- Ele deve estar a ficar louco… - Murmurava a mulher – Mas porque é que ainda esperas? Vais ficar doente.
- O meu neto e a minha filha vão voltar. Tenho a certeza!
- Porque é que ainda tens esperança?
- Porque é ela que me mantém vivo, e que me dá força, tal como esta luz que me ilumina…eles vão voltar…demore o tempo que demorar…! Eu espero.
- Mas olha para ti…! Pareces um andróide.
- Recuperarei. Eles protegem-me.
- Já vai há tanto tempo que eles desapareceram…infelizmente, acho que não vão voltar.
- É claro que vão. Leva a minha lanterna, para te acender a esperança.
- Não é preciso, obrigada.
- Achas que estou louco, não é?
- Sim, um pouco…mas tu é que sabes! Se queres continuar a alimentar essa falsa esperança, continua…sofres por que queres.
- Eu estou bem! Tu não acreditas que eles vão voltar, pois não?
- Não…
- Que pena.
- Eu é que tenho pena de ti.
- Não sei porquê!
- Por estares assim…a alimentar uma chama que nunca se acenderá.
- Que tristeza.
- É. Anda comigo…para a nossa casa…para aquela que já foi a tua casa…! Nós divorciamo-nos, mas ainda temos amizade, e muita coisa em comum.
- Obrigado pela tua preocupação, mas não vou. Só saio daqui quando a minha filha e o meu neto voltarem.
- Teimoso.
- Sim, sou! E vou vencer…verás!
- Vais ficar doente…
- Não! Em breve estaremos juntos outra vez.
- Bom…não posso levar-te a rastos. Faz como quiseres. Queres que te traga alguma coisa…?
- Não, obrigado. Já trouxeste tudo. Gosto muito de ti…tu sabes!
- Sim, eu também gosto muito de ti, por isso é que queria que viesses comigo. Enquanto esperamos pela nossa filha e pelo nosso neto, podíamos recuperar o tempo perdido.
            O senhor sorri.
- Afinal acreditas que eles vão voltar!
- Bem…acho que é melhor acreditar que sim…pode ser…quem sabe…!
- Dói menos acreditares que eles vão voltar.
- Sim, é verdade.
- Tens saudades do tempo em que éramos um só?
- Sim! Muitas saudades…e tu, não?
- Bom…também!
- Então, anda…e vamos recuperar o tempo perdido.
- Ai…
- O que foi?
- Não sei se posso!
- Porque não?
- Acho que devia ficar aqui até a minha filha aparecer com o meu neto…
- Por favor…
- Não tens saudades da tua filha?
- Tenho, mas o que ela fez não foi correcto.
- Ninguém é perfeito…se me conseguiste perdoar a mim, também deves conseguir perdoar a tua filha…
- São situações diferentes. Vá lá…volta! Já estás aqui há tanto tempo.
- O tempo não importa.
- Deixa o tempo respirar…pode ser que quando menos esperares…eles voltem.
- Achas?
- Tenho a certeza. É o que costuma acontecer!
- Sim, espero que sim…deves ter razão.
- Por favor, volta comigo.
            Suspira.
- Pronto, está bem…já que tanto insistes…! Mas amanhã bem cedo, volto.
- Está bem. Anda, nem que seja só por esta noite.
- Está bem…
   Os dois levantam-se, e vão abraçados para casa. Recuperam o tempo perdido, e matam as saudades, numa noite quente e animada. 
    Entretanto, a filha que o senhor tanto esperava regressa, com um bebé pequenino ao colo, exausta, em lágrimas, com algumas feridas, e suja, com as roupas rotas. Vê o barco:
- Olha, filho…vamos ficar aqui, está bem? Nem que seja só por esta noite…estou muito cansada. Estás seguro.
      A rapariga ajeita o barco, põe roupas umas por cima das outras, deita o bebé e ela deita-se ao seu lado, cobrem-se os dois com bastante roupa, e dormem até de manhã.
       De manhã bem cedo, a rapariga acorda com o sol e com o bebé a chorar. Amamenta-o, e olha em volta, ainda muito cansada.
- Onde estão…? Papá…e mamã…! Este sítio…não me é desconhecido…será que estou perto de casa? Não sei se alguma vez me vão perdoar, mas talvez…!
     Pouco depois, aparece o senhor…o pai da rapariga…ele olha para o barco.
- Ei…está gente ali no meu barco!
        Aproxima-se e vê uma rapariga e um bebé.
- Filha…? É a minha filha…? E o meu neto…?
    Vai depressa, e põe-se de joelhos, com um enorme sorriso.
- Filha…
- Papá! – Diz a rapariga a sorrir com lágrimas nos olhos.
- És tu…?
- Sim, sou eu!
- És mesmo tu, filha…?
- Sim, Papá… sou eu…
- A filha por quem esperei este tempo todo…
- Sim, Papá! Este é o teu neto…
        O senhor, muito emocionado, abraça a filha e beija-a sem parar. Olha para o bebé maravilhado, acaricia-o.
- Que coisa mais maravilhosa! É um presente…! O meu neto…! A minha filha e o meu neto…! Eu sabia que iam voltar…!
- Perdoa-me, Papá! Eu sei que nunca devia ter feito o que fiz, vocês não mereciam…mas na minha inocência…deixei-me levar pela ilusão e pela emoção…e fui atrás de quem me deu um pontapé no rabo! – Diz a rapariga a chorar.
- O quê? – Pergunta o pai
- É. O pai do meu filho…teu neto…não assumiu, não quer saber…nem de mim, nem dele…pôs-nos fora da porta.
- Mas que bandido! – Grita o senhor
- Deixa, Papá…o meu filho não precisa de gente incógnita…precisa é da mãe e de outras pessoas que o amem…! Tudo isto, serviu para eu aprender quem é realmente importante para mim…os meus pais, os meus irmãos…família…e agora…o meu filho! – Diz a filha a chorar
- Esse pseudo-homem vai pagá-las.
- Não te preocupes com ele.
- Deixa-me pegar no meu neto…por favor…para eu ter a certeza que são reais.
- Claro, Papá…somos reais…
      A filha põe o bebé no colo do Pai, e este chora emocionado e sorri, pegando com todo o carinho no neto. A filha acaricia o pai, e beija-o.
- A mamã…?
- Está em casa…! Eu e a tua mãe voltamos a juntar-nos!
- A sério? (surpresa e feliz) Que maravilha! Como é que isso aconteceu?
- Vamos para casa que eu conto-te pelo caminho!
- Está bem! A mamã não vai gostar…
- Claro que vai…quando vir esta maravilha…
       A rapariga levanta-se, o senhor leva o bebé e ela leva as roupas. Voltam para casa.
- Foi naquele barco que esperei por ti e pelo meu neto…dias…noites…horas…mas eu sabia que iam voltar!
     Chegam a casa. A mãe está louca à procura do marido. Quando vai a sair a porta, para o procurar na praia, dá de caras com ele. 
Olha para a filha, e para o bebé no colo.
- Olá mamã…!
      A mãe desata a chorar, mãe e filha abraçam-se, o marido e a filha choram também de alegria.
- Filha…
- Este é o nosso neto! – Diz o senhor
- Que coisa mais linda… - Diz a senhora
- Pega nele! – Diz o senhor
     A senhora pega no bebé ao colo, emocionada, e sorridente.
- Perdoa-me, mamã…! – Diz a rapariga a chorar
- Entra… (Os três entram) Com certeza queres tomar um banho, e o bebé também tem de tomar.
- Sim!
- Vai à vontade, filha…queres ajuda?
- Sim, se faz favor.
- Está bem.
- Queres a minha ajuda?
- Não, papá, obrigada.
- Nós já voltamos! – Diz a mãe.
    As duas sobem, com o bebé ao colo, e enquanto a rapariga toma banho, e a mãe dá banho ao bebé, têm uma longa conversa. A filha explica porque fugiu, e pede desculpa. Vestem-se, a rapariga e o bebé.
- Perdoa-me mamã…vocês não mereciam isto que vos fiz…! Estou muito arrependida.
- Esquece, filha…o importante é que tu voltaste, e trouxeste um rebento…um ser vivo…mais que lindo! O meu neto…que coisa maravilhosa. O importante é daqui para a frente, e sabes que terás sempre o nosso apoio para qualquer coisa.
- Eu sei, mamã…tudo isto, serviu para eu aprender quem é realmente importante para mim…são vocês, os manos, e agora o meu filho.
- Estou mesmo feliz por teres voltado, e pelo meu neto. Precisais de médico.
- Sim.
- Eu trato disso!
- Obrigada, mamã.
     As duas vão para o quarto da rapariga. Deitam o bebé.
- Ele já comeu? – Pergunta a mãe
- Já.
- E tu?
- Não…
- Vou preparar-te o pequeno-almoço.
- Está bem. Queres ajuda?
- Não. Deixa-te estar.
    A mãe prepara o pequeno-almoço, e a rapariga fica com o bebé no seu quarto, feliz.
- Eu não te disse que a nossa filha e o nosso neto iam voltar? – Pergunta o senhor à esposa
- Sim, tinhas toda a razão…! (sorri) Estou tão feliz…
- Eu também! (sorri) A triplicar!
- A nossa vida nunca mais vai ser a mesma!
- Pois não…será muito melhor, a partir de agora, querida! Obrigado pela noite fantástica que me proporcionaste! – Diz a sorrir
- (ri) Eu também adorei…e esta foi só a primeira de muitas mais que virão…!
- Uuuuu…!
       Os dois abraçam-se a rir, e beijam-se como dois adolescentes apaixonados.
- Acho que estou apaixonado por ti…! – Diz o senhor a rir
- A sério? (ri) Eu também…
- E antes não estavas apaixonado por mim?
- Estava…depois…arrefeceu…e agora voltou a reacender…
- (ri) A minha também, meu amor…!
            Os dois riem.
- Parecemos dois adolescentes! – Diz o senhor a rir
- É mesmo! – Concorda a senhora a rir
- Estamos sempre a tempo de voltar a ser…
- Com certeza. Vou preparar o pequeno-almoço para a nossa filha.
     Os dois riem e trocam carinhos, o senhor ajuda a esposa a preparar o pequeno-almoço para a filha. 
    Desde esse dia, todos voltaram a ser uma família feliz, unida, pais e filhos, e netos…e os pais voltaram a apaixonar-se e a ser novamente adolescentes.
     A esperança e às vezes a espera valem a pena! Dão-nos força e surpresas agradáveis.
                                                                       

                                                         FIM
                                                 Lara Rocha 
                                                                                                                                             (1/Fevereiro/ 2014) 

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