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sexta-feira, 23 de junho de 2017

A luzinha de presença

     

Era uma vez uma menina que tinha muito medo do escuro. Sempre que tinha de ir para a cama gritava, resistia, lutava, inventava mil e uma coisas para fazer até cair mesmo com sono. Quando acordava de noite, via tudo escuro e a sua imaginação começava a trabalhar. Parecia que o seu quarto era invadido por seres monstruosos, horríveis, que a assustavam, diziam mal dela, provocavam-na e obrigavam-na a gritar. 
        Saía do seu quarto a correr, para o quarto dos pais, os pais iam com ela ao quarto, acendiam a luz e mostravam-lhe debaixo da cama, nos armários, nas gavetas, em todos os sítios que não havia ninguém, estava tudo sossegado, e ela tinha era de fechar os olhos e dormir. Ela achava aquilo tudo muito misterioso. 
      Os pais voltavam a deitá-la, faziam-lhe carinhos, e quando adormecia, apagavam a luz, e voltavam a sair. Acordava outra vez, e lá estava outra vez o seu quarto cheio de criaturas assustadoras, vindas das gavetas, das portas, das janelas, cada qual o mais feio, debaixo da cama, uns que lhe puxavam os cabelos, outros que a descobriam, outros que lhe tiravam a chupeta, outros que lhe tiravam a almofada. 
        Gritava outra vez, e lá ia a mãe a correr, acendia a luz, ela estava muito assustada, mas a mãe não via nada no quarto, a não ser o que já existia. A mãe ficava com ela até adormecer e voltava a apagar a luz. Quando percebeu que era tudo imaginação da menina, e o medo do escuro, deixou de ir ter com ela. 
         A mãe ensinou-a que sempre que ela sentisse medo, ou achasse que aquelas criaturas estavam no quarto, acendia a luz, porque elas tinham medo de luz. A menina voltou a sentir medo, acendeu a luz, e não é que a mãe tinha razão? As criaturas que a assustavam tinham mesmo muito medo do escuro. 
        No seu aniversário, a mãe ofereceu à menina uma luz de presença, fraquinha, pequenina, de colocar na tomada para quando ela acordasse e olhasse em volta, percebesse que estava em segurança no quarto, e que não havia monstros nenhuns. Era uma luz azul clarinha, onde até o João Pestana gostava de repousar um bocadinho e aquecer-se, quando ia levar os frasquinhos com pó de sono e sonhos. 
          Uma noite, a menina viu o João Pestana pousado na lâmpada e perguntou-lhe: 
- Olá João...o que fazes aqui?
- Olá! O mesmo de sempre. 
- E o que é o mesmo de sempre? 
- É trazer-te soninho e sonhos!  
- Mas trazes coisas que eu não gosto, não trazes? 
- Eu? Trago coisas que não gostas? Como assim? O quê? 
- Tu trazes criaturas horrendas que se metem em tudo quanto é sítio aqui no quarto e depois atacam-me, puxam-me os cabelos, puxam-me a chupeta, puxam-me a almofada, gritam-me, chamam-me nomes feios, fazem-me gritar. 
          O João Pestana dá uma sonora gargalhada. 
- Ai, que susto! O que foi isso?
- Isso o quê? 
- Esse barulho, não ouviste? 
- Foi uma gargalhada minha! - Diz o João Pestana 
- E porque é que te riste assim? Foi para me assustar? 
- Não. 
- Também fazes parte das criaturas horríveis que me assustam?
- Também não! Nem sei do que estás a falar. 
- Nunca ouviste falar de umas figuras assustadoras, feias, malvadas, no quarto das crianças?
- Não. Também nunca falei com eles. Só deixo os frasquinhos, e depois eles que se arranjem. 
- Será que elas só vêm ter comigo? 
- Não sei! 
- Mas se não és tu que as trazes...quem as trará? 
- Não sei! Vou continuar o meu serviço. Gosto muito da tua lâmpada. 
- Gostas? 
- Gosto. 
- O que tem de especial? 
- É bonita, e aquece-me. 
- Tu também tens frio?
- Tenho, claro. 
- Mas não vais levá-la pois não?
- Não! 
- É que desde que a tenho, os monstros não voltaram. 
- Ainda bem...Boa noite! 
- Óh, espera! 
- O que foi?
- Achas que esses monstros estão aí nessa lâmpada? 
- Claro que não! Aqui nesta lâmpada, só tem a sua luz. 
- De certeza? 
- Sim. 
- Consegues ver? 
- Consigo! Não está aqui nada, nem ninguém. Agora, tenho de ir...Dorme bem! 
- Espera! 
- O que foi?
- Então se calhar elas têm mesmo medo da luz! 
- Talvez. E tu, tens medo do escuro?
- Tenho! 
- Então é por isso que eles aparecem! 
- Como assim? 
- Esses monstros aparecem quando os meninos têm medo do escuro! 
- Ah! Então conhece-los? 
- Acho que sim... Mas agora fecha os olhos que eles também não aparecem. 
- Não?
- Não! 
- Como é que sabes? 
- É o que dizem! 
- Então também já os conheces? 
- Não! Já ouvi falar neles, por outras crianças, mas eu nunca os vi. Nunca falei com eles. 
- Não tens medo do escuro?
- Não! Agora dorme... 
- Espera! 
- O que foi? 
- O que é que os outros meninos dizem deles? 
- Óh, não sei, não decorei, mas acho que são coisas parecidas com o que tu dizes. 
- Como é que sabes? 
- É o que todos dizem. Dorme! 
- Espera... 
- O que foi? 
- Eles também têm luzes como as minhas? 
- Sim, alguns. 
- E os monstros aparecem? 
- Acho que não. 
- E aos outros que não têm luzes? 
- Acho que aparecem, pelo menos é o que dizem! Agora, fecha os olhos, e dorme...eu tenho de continuar o meu trabalho. 
- Espera! 
- O que foi agora? 
- Espera mais um bocadinho! 
- Não posso. 
- Vá lá! Porque é que estás com tanta pressa de ir embora? 
- Porque ainda tenho muitas casas para onde ir. Daqui a pouco é tarde. 
- Não é nada, para nós crianças não existe tarde, são sempre horas de tudo, e ficamos muito zangados quando temos de interromper o que estamos a fazer, para te fazermos a vontade! Dormir...detestamos dormir. 
- Mas dormir é preciso, e eu só faço isso para vosso bem, porque vos faz bem, e porque me mandam. 
- Quem é que te manda? 
- Os vossos pais e outras pessoas que não conhecem. 
- E para que é que eles te mandam fazer isso?
- Porque vocês crianças precisam de descansar, e eles também. 
- Tu também dás sono aos grandes? 
- Claro.
- Mas eles ainda não estão a dormir. 
- Pois não, dormem mais tarde. 
- Porquê? 
- Porque não conseguimos distribuir sono e sonhos por toda a gente ao mesmo tempo, as crianças têm de dormir mais tempo, e precisam mais, por isso damos primeiro às crianças. 
- Não é justo! 
- Dorme! Boa noite, descansa... 
- Espera! 
- O que foi? 
- Faz-me companhia até eu adormecer. 
- Mas ainda vais demorar a adormecer...e eu tenho mais o que fazer. 
- Como é que sabes que vou demorar a adormecer?
- Porque estás com vontade de conversar. 
- Não, se ficares só um bocadinho à minha beira, eu adormeço rápido. 
- Posso ficar aqui na lâmpada? 
- Não. Anda mais perto de mim. 
- Óh...! 
- O que foi? Viste alguma criatura das que te falei? 
- Não. Para que queres que eu vá para a tua beira até adormeceres? 
- Quero sentir-te! 
- Para quê? 
- Para ter a certeza que tu existes. 
- Ora essa, é claro que existo, acho que não preciso de ir para a tua beira, para saberes que existo. 
- Vá lá! 
- Vocês são muito estranhos...pessoas! 
- Tu não és uma pessoa?
- Sou...mas não como vocês. 
        O João Pestana aproxima-se, e a menina sorri:
- Sim, já percebi que existes mesmo...mas aquelas criaturas... 
- Não está aqui mais ninguém: só eu, tu e aquela luz maravilhosa.
- Boa noite, obrigada! Volta um dia destes para conversarmos mais, e para te aqueceres ali na lâmpada. 
- Está bem. Um dia destes. Enquanto isso, dorme descansada. 
- Tens a certeza que os monstros não vão aparecer aqui no quarto? 
-Tenho! 
- Prometes? 
- Prometo! 
- Olha, podes vir aqui aquecer-te mais no fim do trabalho, mas não deixas os monstros entrar aqui, está bem? 
- Está bem! 
- Se os vires, dá-lhes uma sova! 
- Está bem. 
- Prometes? 
- Prometo! 
- Eu não gosto deles! 
- Eles não entram aqui. 
- Tens a certeza? 
- Tenho!
- Como? 
- Eles não gostam da tua luz de presença! 
- Não? 
- Não! 
- Tens a certeza? 
- Tenho.
- Toma conta de mim, se os vires avisa-me. 
- Está bem. 
- Obrigada, boa noite.
- Boa Noite

        A menina boceja, sorri e adormece. O João Pestana sorri respira de alívio, e sai. Quando a menina acordava via a luzinha de presença e não via os monstros. Era uma luzinha mágica que fazia desaparecer os monstros, porque eles têm medo da luz e adoram o escuro. 

                                                                 Fim 
                                                                 Lálá