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domingo, 25 de outubro de 2020

Os grilos da minha cabeça (monólogo)

      

                                 Foto de Lara Rocha 


      Já alguma vez passaram pela experiência até divertida, relaxante, agradável de estar ao ar livre, numa noite quente, cheia de estrelas por cima, instalados num lugar silencioso, envolto em mistério, composto por escuro, e pelo som de grilos, cigarras, os mochos, as corujas e outros, a cantar? Espetacular não? 

        É. Este cenário fez parte da minha infância, adolescência e idade adulta. Eu até gostava, principalmente quando saía do barulho e da agitação da cidade, dos computadores e carros. Era quase um ritual místico, espiritual para mim e para a minha família. Quase como se estivéssemos a ouvir anjos a cantar em coro, sem os vermos. Acho que isso despertava a nossa imaginação, sabíamos que eram insetos, mas como não os conseguíamos ver, talvez os imaginássemos de forma diferente.

        Adorávamos ouvir os grilos e as cigarras, às vezes as rãs e sapos a coaxar nos ribeirinhos com água por onde passávamos quando passeávamos à noite, e o próprio som da água a cair no escuro, era lindo! Outras vezes, os sons da água, dos insetos misturados com o vento que mexia as folhas, ainda tornava o ambiente mais fantástico, quase a tocar o suspense. Não sabíamos o que ia aparecer...quer dizer, nunca apareceu nada! 

        Mas toda essa magia que ainda paira as minhas memórias, deixou de ser assim tão especial, a partir do momento em que...os grilos e as cigarras cantoras, decidiram apropriar-se indevidamente do terreno onde escolheram, quer dizer, onde achavam que tinham direito de se instalar. 

        Que grandessíssima lata! Um terreno que só era povoado por cera e por outros sons, e tenho que as aturar? Mas era só o que faltava. Já não estou nesses terrenos por onde andei, a ouvi-los, mas é como se a minha cabeça tivesse ficado lá, ou como se estivesse viciada nesses sons! 

        Oiço grilos! Oiço-os por todo o lado, a toda a hora, de dia e de noite! Perseguem-me, não me deixam sossegada, só deixo de os ouvir quando durmo. Não vejo um único, só os oiço. Um coro irritante de grilos a cantar nos meus ouvidos ou na minha cabeça. 

        Como pode ser? Acho que acabei de descobrir de onde vem. Mando mails com propostas de trabalho, concorro por conta própria, proponho parcerias com colegas, e não tenho uma única resposta. Dia, após dia, semana após semana, um mês atrás do outro. Silêncio...é a única resposta que recebo do outro lado. Só cortado pelos malditos grilos que até parecem cantar com o dobro do entusiasmo. 

        Portas fechadas, janelas fechadas, portões fechados para mim! Não há trabalho. Lá vem os malditos grilos fazer festa. Como se não ter trabalho fosse motivo de festa. Eles é que nunca ficaram sem trabalho, é por isso que cantam dia e noite na minha cabeça. Claro, ao contrário de mim estão felizes! 

        Ora pois, compreendo, até eu, se tivesse respostas, em vez de silêncios que para mim são a mesma coisa que «nãos», estaria feliz, e cantaria com gosto. Os grilos até têm sorte, andam felizes o dia todo, levam uma vida relaxada, não têm desilusões, nem desgostos, não recebem «nãos», nem silêncios. Só me infernizam as noites e os dias, sempre que há mais silêncio. 

        Estúpidos grilos. Calem-se! Invejo-vos! Sim, até gostava de ser grilo só por um dia e para poder azucrinar as cabeças dos que me dizem «não», dos que se esquecem de me responder, dos que me fecham portas atrás de portas. 

        Gostava que os que me dizem «nãos», com  palavras ou com indiferença que ainda me custa mais a aceitar, e silêncio, experimentassem, como é viver com grilos irritantes dia e noite, sem sequer os ver. E quanto mais os mando calar, mais eles cantam, é mesmo gozar de fininho! 

        Quando disse que ouvia grilos, todos se riram na minha cara. Disseram-me que eu estava louca, a delirar, que estava a ouvir a mais, ou o que é que eu tinha andado a fumar. Pois, se o fumar os calasse até experimentava, mas eles podem gostar de fumar, ter esse vício, ou até gostar da experiência, e querer repeti-la. Depois então é que não me largavam! 

        Como eu era feliz, sem estes malditos grilos. Até gostava de apreciar o silêncio e ouvir o som dos grilos, das cigarras quando ia de férias no Verão para o campo e para a praia! Mas tudo ficava em silêncio e eu dormia embalada por esse coro. Quando ia dormir, toda a bicharada ficava fora da porta.

        Mas a minha apreciação e relação com grilos e cigarras, mudou desde que se lembraram de fazer morada nos meus ouvidos e na minha cabeça. Não sei como se atreveram, devem ter ficado tão convencidos por eu os apreciar, que não me largaram mais, acharam que deviam retribuir-me a atenção que lhes dei, infernizando-me as noites! 

        Já os ameacei que os punha fora porque não pagam renda e ocuparam o espaço indevidamente. Não adiantou nada, parece que ainda foi pior! Fui ao médico, para ver se eles estavam mesmo lá, coisa que eu acreditava ser muito improvável, para não dizer impossível, porque sei que isso só acontece nos desenhos animados. Mas nos desenhos animados, tal como entram no corpo dos bonecos, também saem, só que os meus, pareciam ter entrado e não saiam. 

        Obviamente, o médico viu os ouvidos e não estava lá grilo algum. Nem um, quanto mais um coro. Mas eu ouvia-os. Isso tinha a certeza. Mandou-me para o médico psiquiatra, que me sugeriu não dar importância aos grilos, ou cantar com eles; para pensar noutras coisas, e receitou um calmante. 

        Ia pensar noutras coisas? Que coisas? Sem trabalho...só se fosse pensar em coisas más, mas pelo que ele disse, as coisas más ainda os alimentam mais. Era impossível, e ainda é, não me centrar neles, com o barulho que fazem, e eu sem poder controlá-los. Ele falava, porque não era quem os aturava. 

        Mesmo assim, abençoado calmante, pensei eu, toda satisfeita, quando tomei e durante umas boas horas não ouvia esses malditos grilos. Só que...passava o efeito e lá vinham eles outra vez! Que inferno! Pelo menos enquanto não os ouvia, tinha sossego. 

        Fui ao otorrino. Caiu-me tudo! Quase explodi com o que ouvi. Os grilos da minha cabeça, e dos  meus ouvidos, eram para viver comigo! Não acreditei, o Dr. só podia estar a gozar! Eu já não os podia aturar e ia ter que viver com eles? Como assim? E quê? Tinha que lhes oferecer um cafezinho, almoço, jantar e quarto, sem pagarem, sem contribuírem com nada?! Não queriam mais nada. É que nem boa companhia são! 

        Pois, mas, ou aprendo a viver com eles, e tento negociar com eles, para me incomodarem menos, ou aturar mil campos com grilos e cigarras a toda a hora a cantar! Sempre será melhor habituar-me a eles, ou pelo menos fazer as pazes e não stressar, para ver se não dou tanto por eles! 

        Ainda por cima, sempre que eu stressasse, eles cantariam mais alto, e foi mesmo isso que aconteceu! Os malditos cantam em coro, sempre que me irrito, cantam mais baixo com medicamentos e quando estou mais calma, ou mais ocupada, mais feliz, mas não saem dos meus ouvidos. 

        Nunca me imaginei a viver com grilos e cigarras, mas o médico disse que não tem cura! É um estrago de tanto stress. Claro, faz todo o sentido, stress de tantos «Nãos»; diretos e indiretos, silêncios, portas fechadas, umas atrás das outras! 

        Pelo menos os meus grilos não são filhos da esquizofrenia ou outros problemas, como inicialmente me disseram que podia ser, porque causam alucinações, até eu cheguei a pensar que fossem alucinações de saudades desses tempos, mas não. 

        Os que sofrem de esquizofrenia e outros problemas mentais que causam alucinações, também têm que viver com essas vozes desconhecidas que lhes dão ordens, ou que as insultam. Que pesadelo, já estes não são fáceis de aturar...o psiquiatra também pensou que fosse o meu caso, mas percebeu que não. Felizmente, acho que então é que enlouqueceria. 

        Não gosto destes grilos, odeio-os, tanto como odeio os silêncios, as «não respostas», que na verdade são respostas. Não tenho outro remédio senão aceitar e viver com eles, desde que não me infernizem. São como os vizinhos indesejados. 

        Não me livro deles, mas tive de aprender a domá-los, a mandá-los tocar e cantar no raio que os partam, mais baixo, e às vezes dou-lhes veneno que os cala temporariamente, pelos vistos gostam. Se fosse agora, voltava a querer ouvir o som dos insetos, nos campos, não nos meus ouvidos, nem na minha cabeça. 

        Agora a única coisa que posso fazer é idealmente não stressar, no mundo ideal, no mundo real é difícil, mas pelo menos stressar o menos possível. Os meus grilos e cigarras passaram a ser um alarme despertador, que toca para parar e acalmar, mudar de atividade, descansar. 

        Claro que me perturbam, mas passei a vê-los de forma mais familiar, para tentar que não me massacrem tanto! Já que não posso livrar-me deles, tento que se tornem mais toleráveis. O melhor é reconhecer quando estou stressada, e agir para diminuir. Cada um tem as suas criaturas no corpo para viver com elas, ou lutar contra elas, mas na impossibilidade de lutar, o melhor é mesmo aceitar. 

                                                                                FIM 

                                                                            Lara Rocha 

                                                                          25/Outubro/2020

sábado, 24 de outubro de 2020

A águia e o medo

       
desenhado por Lara Rocha 


       Era uma vez um ser muito pequenino, muito simples, feito de paus e folhas. Um dia, os seus pais fizeram uma grande festa em casa, com muita gente de família, que durou até de manhã, mas os pequenitos, ele e os primos, quiseram experimentar dormir no terraço da casa, que era um lugar sossegado. 
        Esse pequenino e os primos, acomodaram-se como puderam, instalaram-se confortavelmente em cascas de bolotas, espalhadas por todo o terraço, pelo vento, que levantava e arrastava as folhas, as bolotas e tudo o que apanhasse. 
        Cabiam na perfeição, era um lugar aconchegante! Cobriram-se com uns trapinhos do pequenino ser, e ficaram em silêncio, naquela noite, protegidos do vento, mesmo assim, ouviram sons desconhecidos de todos, só o pequenino é que já conhecia. 
        Ouviram vento a mexer com as folhos no solo, e o vento entre as árvores. 
- Ai, o que é isto, primo? - perguntou um pequenino assustado 
- Não precisam de ter medo, é o vento a embalar as folhas no chão para elas dormiram. - disse o pequenino da casa 
- E as folhas dormem? 
- Dormem! 
- Acho que deve ser algum monstro debaixo das folhas. - diz outro pequeno 
- Qual monstro, qual quê? Nunca vi nenhum monstro aqui! É o vento! 
        Passado um bocadinho, ouvem o barulho dos mochos e das corujas a piar. Ficam todos estáticos. 
- O que é isto, primo? 
- São os mochos e as corujas a piar. 
- Já costumas ouvi-los? 
- Já. 
- Fazem mal?
- Não! 
        Tentam adormecer, mas não há maneira. Ouvem outro barulho: 
- Primo, o que é isto? 
- São cigarras e grilos a cantar! 
- Já conheces? 
- Já. Durmam, estamos num lugar seguro! 
- É que estes barulhos são muito esquisitos. 
- Não são nada. Ouçam, como é bonito o cantar deles e delas.
- São perigosos? 
- Não. Nem se veem. 
        Distraem-se com os barulhos, e como não conhecem o lugar, tudo os assusta. Passam uma águia a voar baixinho. 
- Primooo... - gritam todos 
- O que foi? Durmam! - resmunga o pequeno 
- Quem é este aqui por cima? 
- É uma águia. - estremece - não se mexam. 
- É perigosa? 
- Esta pode ser. 
        A águia paira: 
- Olá, boa noite... aqui fora, hoje? - pergunta a águia, simpática 
        O pequenino ser, tenta disfarçar o medo, mas responde: 
- É! Hoje houve festa cá em casa, ainda está a haver, e nós, mais pequenos viemos dormir para aqui, mas os meus primos estão tão assustados que não me deixam dormir, nem dormem. 
- Áh! Estão com medo, e tu também! Não, não fiques envergonhado, nem precisas de disfarçar, eu sei que todos têm medo de mim, e dos meus, mas somos vítimas de discriminação, pelo nosso aspeto! Só que, nem sempre é verdade, o que dizem por aí de nós. - diz a águia  
- A...A sério...? 
- Sim! 
- Como não estão com sono, querem ouvir a minha história? - pergunta a Águia 
- Sim! Por favor... - respondem todos 
      A águia chama-os, para se aproximarem mais. Todos se chegam mais para a beira do primo, sentam-se nas caminhas e olham para a águia. Como ela é gigantesca, e no escuro ainda parece maior e mais assustadora. 
- Sei que vos pareço agora, ainda mais assustadora em tamanho, e porque o escuro desperta a nossa imaginação! Porque é que dizem que somos tão perigosas... - a águia conta pacientemente a história da evolução da sua espécie, fala sobre a forma como vivem, e o que se diz delas. Às vezes dá mais intensidade às palavras que diz, e os pequeninos estremecem, quase com os olhos a saltar de órbita, desde que a Águia contou a sua história. Quando eles estremecem, ela ri-se e diz: 
- Desculpem, não vos quero assustar... é só o meu entusiasmo! Continuando... 
        Os pequenos riem, ouvem atentamente, e como ainda estão muito despertos, a Águia convida-os para dar uma pequenina volta, nas suas asas, só naquele espaço, para conhecerem os barulhos e dormirem descansados. 
        Eles aceitam, adoram sentir a maciez e o calor das penas da águia, ela voa devagar, e baixinho, mostra cada milímetro daquele espaço, quem vive nesse lugar, põe-nos a ouvir os sons e explica o que são, quem os faz, e garante que não são perigosos. 
        Põe-nos a ouvir barulhos mais distantes, e fala sobre eles. Os pequeninos começam a ficar mais calmos, e com sono. A águia devolve-os ao terraço, deita-os nas caminhas, cobre-os, e levanta voo. Eles dormem até de manhã, quando os pais vão buscá-los. 
        A partir dessa noite, os pequeninos seres não tiveram mais medo de barulhos, porque quando voltaram para as suas casas, pediram aos pais, e aos avós que lhes apresentassem o espaço onde estão, ficaram muito atentos aos barulhos que os cercavam, dentro e fora de casa, com luz acesa, luz apagada, de dia e de noite, com escuro e claridade, aprenderam a distingui-los, e a saber que estavam num lugar seguro. 
        Sempre que iam para casas de familiares ou amiguinhos, lembravam-se que podiam ouvir barulhos diferentes, mas estavam com pessoas que conheciam, e que não faziam mal, por isso, dormiam descansados. 

E vocês, pequeninos leitores, conhecem os barulhos que há fora e dentro do vosso quarto? Quais são? Podem pedir aos vossos papás para os desenhar, ou escrever aqui no blog. 

                                                                Fim 
                                                           Lara Rocha 
                                                          24/Outubro/2020
                                            

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Afago na alma

        
                                       Foto de Lara Rocha 


        Era uma vez uma rapariga ainda jovem, solitária, que tinha ido viver para outra cidade, para trabalhar. No início não conhecia ninguém, passeava pelas ruas, às vezes parava, triste por estar mais longe dos seus pais e família, mas feliz porque trabalhava. 
        Ao fim da tarde, num desses passeios depois de um dia cheio de trabalho, a jovem foi para o parque da cidade, cheio de gente a correr, a praticar desporto, a ler, a desenhar, e a descansar. Ela caminhou lentamente e parou várias vezes para apreciar as árvores, tocar-lhes nos troncos carinhosamente, abraçá-las. 
        Sentiu todas as irregularidades dos troncos, viu cada cor das folhas, sorriu, apanhou uma folha de cada cor, e guardou-as para as pôr a secar. Apreciou os casais com filhos pequeninos e outros maiores, a simplicidade e a felicidade nos seus rostos, a leveza das folhas a dançar levemente com a brisa, sentiu o calor do sol, deliciou-se com o silêncio que parecia falar com ela, e ela entendia. 
        Ficou maravilhada com os espelhos de água, os vários reflexos e cores, ouviu os cães a ladrar, viu a alegria com que os animais corriam, saltavam, abanavam o rabo e ladravam, viu casais românticos, e pessoas mais velhas sentadas nos bancos. 
        Mesmo na cidade, aquele parque tinha muitas coisas bonitas para ver, tinha acabado de descobrir que a fazia sentir-se mais próxima da sua terra, na companhia da Natureza, e prometeu a si própria que voltaria sempre que pudesse. 
        Quando se preparava para sair do parque quase ao pôr do sol, lembrou-se que na sua terra, os pássaros voavam às dezenas e centenas e faziam um bailado. Era um espetáculo visto diariamente, que adorava e não perdia. Mas pensou que na cidade, por causa da poluição e ruido os pássaros não fariam isso. 
       Parou uns momentos a olhar para o céu, e que surpresa! Viu dezenas de pássaros que pareciam ainda um bocadinho distantes, a voar de um lado para o outro, formando ondas, setas e meios círculos, com uma leveza e harmonia tão bonita e especial, como ela já conhecia. 
        Ficaram todos a olhar para ela, que estava parada, com um sorriso de orelha a orelha, e os olhos colados ao céu, a acompanhar os movimentos de dança dos pássaros. Não sabiam o que é que ela estava a ver. 
Um jovem perguntou-lhe: 

- Estás bem? 

        Ela não respondeu, e parecia que estava noutro planeta. Aproximou-se um senhor e perguntou: 

- Menina... está tudo bem? 

        O jovem explica: 

- Eu já perguntei se estava tudo bem, mas ela não respondeu. Parece que está a dormir de olhos abertos. 

        O bando de pássaros aproxima-se, em movimentos ondulantes, a jovem suspira e diz: 

- Olhem que lindo, que coisa mais maravilhosa... o bailado dos pássaros! 

- O quê? - perguntam os dois 

        Ela responde, sem tirar os olhos dos pássaros: 

- O bailado dos pássaros! 

        O senhor insiste: 

- Menina, está mesmo bem? 

- Sim, estou ótima, deixem-se de perguntas e apreciem este momento. Olhem para aquele bando de pássaros, tão leves, tão elegantes, tão coordenados no voo, parece que estão a dançar, a ondular. Que delícia! 

        O jovem e o senhor olham para os pássaros, e quase sem dar por isso, em seguido estavam todos parados no parque a olhar para os pássaros, igualmente encantados. 

- Nunca vimos isto aqui! - comenta um jovem de um casal 

- Áh! Que bonito. - diz uma jovem 

- Uau! 

        Ela ouve grandes exclamações, e quando os pássaros desaparecem num telhado onde teriam os seus abrigos, a jovem aplaude, e todos seguem o seu exemplo. 

- Menina, obrigada por nos mostrar uma coisa tão bonita! - comenta uma senhora com alguma idade 

- Nunca tinham visto? - pergunta a jovem muito surpresa 

- Não! - respondem todos 

- Na minha cidade, vi muitas vezes, e aqui também deve acontecer mas nunca repararam! - diz a jovem 

- Se acontece, nunca reparamos! 

- Passam todos os dias a correr, só a olhar para a frente, e a grande velocidade, perdem o que há de mais bonito. É como na minha cidade, só alguns são capazes de ver esta magia! Olhem as cores do céu, que coisa mais encantadora! Nos próximos dias estejam mais atentos. - recorda a jovem 

- Que lindo! - suspira um senhor com alguma idade 

- Vou para casa, com este afago na minha alma! É o bailado dos pássaros. - diz a jovem com um grande sorriso 

- Eu também! - respondem todos 

- Até amanhã! - diz a jovem 

- Até amanhã, menina. - dizem todos 

        Cada um vai para a sua casa, com os olhos cheios de beleza, com a imagem daquele bailado, mais serenos, e sorridentes. No dia seguinte, mais ou menos à mesma hora, a jovem voltou ao parque, e percebeu que todos se juntaram a ela, para ver outra vez o bailado dos pássaros que se repetiu sempre bonito e especial, com palmas e sorrisos quando os pássaros recolheram. 
        O momento do bailado dos pássaros, naquele parque passou a ser um hábito, repetido por todos, apreciado em silêncio, do início até ao fim, e aplaudido. Parecia quase uma contemplação sagrada que todos respeitavam, paravam e seguiam os movimentos encantadores dos pássaros a dançar. 

                                                                FIM 
                                                            Lara Rocha 
                                                         15/Outubro/2020

terça-feira, 13 de outubro de 2020

As prendinhas das pinhas

 

                                                                                foto de Lara Rocha 


           Era uma vez uma grande família, que depois de uma festa foram dar uma volta até à montanha que ficava poucos metros abaixo da casa. Pelo caminho, e como rapidamente se aproximava o Natal, apanharam pinhas. Uma tradição de Natal para esta família, era trocar pinhas, decoradas a gosto por cada um, e embrulhadas, para a noite em que todos se reuniam.  

           Depois de apanhadas, cada um levou todas as que precisava, e começa a preparação. Maravilhosamente pintadas, com brilhantes e outros pequeninos objetos colados, outras salpicadas de púrpura de várias cores, outras coladas com tecidos, outras com flores artificiais, uma grande variedade. 

           O que ninguém estava à espera era das surpresas que algumas guardavam nas aberturas. Não. Não eram pinhões. Uma senhora que estava deliciada a decorar a sua pinha para oferecer, apercebeu-se de alguma coisa branca, pequenina, redonda, numa das aberturas. Pegou numa palhinha e tirou, para grande surpresa dela, era mole, e percebeu que era um pequenino ovo. 

- Um ovo numa pinha...? Será que não vai sair daqui alguma coisa…? Não, não deve ter vingado, é capaz de ter caído de um ninho, ou levado por algum outro animal e foi parar aqui. Mas que direitinho e bonito, está. Vou pô-lo uns dias ali ao sol no jardim, e ver se acontece alguma coisa, se não crescer, nem aparecer nenhum bichinho, deito fora! 

          Assim fez. Levou o ovinho para o jardim, pô-lo debaixo de uma árvore, pousado em cima de relva fofa, onde dava sol e sombra, e continuou a sua arte. Só passado alguns dias é que olhou para o ovo, e para seu grande espanto, estava grande. Ela ficou mais atenta, e até cobria o ovo à noite, pousado numa alcofa, e tapado com um pequenino cobertor dos bonecos das suas netas. 

          Poucos dias depois, o ovo estalou, e tinha mesmo lá um passarinho fraquinho, sem penas. Ela levou a um veterinário que conhecia, e mostrou-lhe. O veterinário deu-lhe todas as instruções, e ela cuidou do passarinho, mesmo sem saber o que seria. O passarinho cresceu, ela alimentou-o, encheu-o de carinho, conversava com ele, as netas brincavam com ele, cantavam-lhe, e como ficou lindo!

         Grande, com umas penas coloridas e brilhantes, que se tornou o seu animal de estimação, andava pelo jardim, aprendeu a voar sozinho, fazia os seus passeios, e voltava sempre para o jardim. A senhora observava os seus voos, encantada, sempre que ele aterrava, ela aplaudia, e ele dava uns passinhos que pareciam de dança. Era uma delícia, e apresentou-o a toda a família, tratavam-no como se fosse uma pessoa. 

        Outra senhora, que estava muito entretida a pintar as pinhas, ouviu alguma coisa estranha, não sabia o que era, nunca antes tinha ouvido. Parou, e observou atentamente toda a sala. Tudo igual, continuava a parecer que estava a ouvir qualquer coisa, umas pequeninas vozes, em coro, que pareciam cantar, conversar ou rir. 

        Ela ficou tão assustada, porque pensou que estava a ficar avariada da cabeça. Ouvia as vozezinhas, e não via ninguém. Ligou para umas amigas, e chamou as vizinhas, contou-lhes o que estava a acontecer, juntaram-se todas e ficaram a ouvir. Primeiro muito silêncio, e todas ficaram a pensar que a senhora estaria mesmo com algum problema, ou seria a solidão, já que ela era solteira. 

            Mas logo a seguir, todas ouviram as vozezinhas, um lindo coro. 

- Ouviram? - pergunta a senhora muito assustada 

- Ouvimos! - respondem em coro, surpresas 

- Ouviram mesmo, ou estão a dizer isso, só para eu pensar que não estou tolinha? - insiste a senhora 

- Ouvimos mesmo. - confirmam todas 

- E de onde vem? Não estamos a ver aqui mais ninguém, não estamos a cantar. - pergunta a senhora 

- Pois…- ficam em silêncio e as vozes continuam 

            De repente, perceberam que as vozes vinham da pinha, e viram uns pequeninos arco-íris a sair, a voar pela sala toda, e a cantar. Confirmaram que eram as vozes que elas ouviam, todas ficaram imóveis, geladas com o susto, mas logo abriram um grande sorriso. 

- Que lindas! - dizem todas 

- O que é isto? - pergunta a senhora, dona da pinha 

- São fadas da Natureza. - responde uma amiga 

- Áh…afinal tu é que estás a ficar maluquinha da cabeça… olha agora, fadas… isso era na nossa infância! 

            Todas riem. 

- Óh mulher, temos que acreditar em alguma coisa, ou devemos. Não há idades para acreditar em magia, e em coisas bonitas. Ou tu sabes explicar, de forma racional o que são estes arco-íris que cantam e tudo…? 

- Pois, não sei! Mas, e agora o que é que eu faço? - pergunta a senhora 

- Deixa-as andar e aprecia, só...que maravilha. É mágico...uau! 

- Está bem, pelo menos não estou a ficar maluquinha. 

            Ficam todas a apreciar aquele momento mágico, sorridentes, como se tivessem voltado à infância. A senhora ganhou uma nova companhia. Outra senhora que pintava, quando virou a pinha ao contrário para colar um pedaço de tecido em baixo, percebeu que tinham saltado sementes que não sabia o que eram. 

- O que será isto…? Umas sementes? Vou pôr num vasinho, a ver o que acontece. 

            Plantou as sementes, regou-as e passados alguns dias, apareceram umas cabecinhas de lindas flores, de várias cores, que passou para o seu jardim, regou-as, falou para elas, cuidou muito bem delas, e cresceram. Ao lado das flores, começou a nascer um pinheiro.

            Na noite de Natal, toda a família se juntou na grande casa onde tinham nascido os mais velhos, Uma grande bonita festa, cheia de pessoas, que se abraçavam, riam, conversavam, brincavam, os mais pequenos estavam tão eufóricos que não paravam, falavam alto, riam, corriam, saltavam, partilhavam brinquedos. Os mais crescidos, ajudavam na cozinha, e também conversavam uns com os outros. 

            Chegou a hora da troca de prendas. Cada um recebeu pequenas lembranças materiais, e uma pinha, cada qual a mais bonita. As senhoras que ofereceram as pinhas contaram as surpresas. Uns acreditaram, outros não, porque a única surpresa que tinham visto realmente, foi o pássaro, e mesmo assim, duvidaram que tivesse saído da pinha, o que vale é que a senhora tirou fotografias, tal como as outras. 

            A magia do Natal, é bonita e contagia! E vocês? Se encontrassem uma pinha de surpresas, o que haveria nelas?

                                                                            FIM 

                                                                         Lara Rocha 

                                                                    13/Outubro/2020 

                     

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Gratidão pelas nozes e amor à Natureza

        

fotos de Lara Rocha 

        Era uma vez uma aldeia, onde havia uma montanha muito alta. Nessa aldeia viviam centenas de esquilos em árvores centenárias com grandes troncos ocos, onde fizeram portas e janelas. A partir do mês do Setembro, que era, segundo a lenda das origens da aldeia, festejavam as nozes, e faziam muitas atividades para agradecer ao planeta, por terem alimento o ano todo. 

        Havia festa dia e noite, que começava com um momento de reunião com todos, em círculo, onde cantavam, aplaudiam, e faziam vénias aos pés de um gigantesco pote de vidro cheio de nozes, tocavam no vidro, outros beijavam e cada um agradecia como gostava mais. 

        Os esquilos mais velhos da aldeia, com o pelo branco, benziam as nozes, faziam uma oração, todos rezavam com ele, cantavam e acendiam velas à volta do pote, mas não eram as velas que ardiam, eram elétricas, com um interrutor que cada um ligava ao passar num grande fio elétrico, agradecendo como queria. 

        Fotografavam, e a festa continuava. Aconteciam corridas de nozes, que eram largadas de um balão de ar gigante, e os esquilos ficavam eufóricos, corriam atrás delas, pela montanha abaixo que dava acesso às casas, as esposas e restantes famílias, acompanhavam-nos ao lado, com grandes sacos para encher quanto mais podiam. 

        Os esquilos corredores atiravam para os sacos, com uma pontaria arrepiante, em movimento e não acertavam em ninguém. No meio de muita gargalhada, cambalhotas, quedas, escorregadelas, mas sacos a estourar de nozes, bem precisas para o Inverno demasiado rigoroso que rapidamente se aproximava. 

        Chegados à aldeia, eram presenteados com um belo banquete, num mobiliário de cascas de nozes, em pratos e talheres de cascas de nozes, uma bela sopa cremosa de castanhas e nozes, sumo de uva em copos de casca de noz, puré de castanhas com nozes, pão com nozes, e todos conviviam, ao som de músicas compostas por esquilos artistas, estudantes de música e cantores. 

        Música para todos os gostos que dançavam até de manhã. Descansavam o resto o dia, e no dia seguinte acontecia a corrida das nozes, em carros feitos de cascas de nozes. Era uma loucura e uma delícia de ver.

        O primeiro a chegar ganhava uma taça feita de noz. Os outros recebiam o prémio de consolação:  uma noz. Depois, festa outra vez. Outra atividade que fazia parte dessa festa, era o desfile de moda, mais para as esquilos fêmeas, que desfilavam lindos vestidos e acessórios de moda, para o Outono/ Inverno, maravilhosamente feitos pelas Avós, Mães e Tias. 

        As modelos eram de todas as idades, e passeavam-se pela passadeira ao longo do pequeno rio que passava naquela zona. Aplaudiam, e no fim, umas compravam às outros, encomendavam roupa a gosto, e com pequenas mudanças. 

        Os esquilos machos, conviviam e assistiam a jogos de futebol entre si, com bolas feitas de nozes, torneios de sabedoria, exposições de trabalhos manuais feitos a partir da noz, à noite, havia concursos de culinária entre esquilos macho e esquilos fêmeas, com votação, provas de degustação e prémios. 

        Depois da comezaina, vinha a caça às nozes, que eram escondidas por toda a aldeia, nos sítios menos prováveis, outras mais ou menos fáceis de encontrar, onde todos, até os mais pequenos participavam. Dançavam pelo caminho ao som da música alta, enquanto apuravam os narizes e as mãos para encontrar o máximo. 

        Cada um tinha um saquinho, cheiravam tudo e mais alguma coisa, espreitavam em todas as tocas, apanharam alguns sustos, com habitantes subterrâneos, que gritavam ao vê-los, e rapidamente fugiam, algumas gargalhadas e quedas, mas no fim, ganhava quem fosse o mais rápido e o que tivesse o saco mais cheio. 

        Era tudo registado, porque cada um tinha um número, pesavam cada saco, e havia peso limite. Quem tivesse acima desse valor, perdia alguns pontos. Diziam que era para chegar para todos. Ninguém levava a mal, e no fim todos festejavam, com trocas de carinhos, e até pequeninos presentes, feitos pelos mais pequenitos do colégio. 

        Depois havia o mercado solidário, onde montavam uma enorme tenda, em forma de noz, compravam quase de graça, ofereciam e vendiam o que tinham a mais, o que outros podiam precisar, e o que fazia falta. 

        E um acontecimento que ninguém estava à espera. De repente....abateu-se sobre a aldeia uma enorme e assustadora tempestade, com trovões, chuva e vento muito forte. Os alarmes dispararam todos, e cada um dirigiu-se para as suas casas, numa correria como nunca antes vista.

        Felizmente, conseguiram todos proteger-se, não se molhar, e estavam em segurança com as suas famílias, apesar do medo. No dia seguinte, além das nozes, foram agradecer o ter conseguido escapar, e por nada ter ficado estragado. 

        Os mais velhos decidiram criar um centro de convívio, seguro, para todos se encontrarem no Inverno, de forma segura e que não tivessem de passar pelo perigoso frio. Pensaram, planearam e pouco tempo depois, construíram no espaço coberto de árvores nas traseiras das casas, próximas umas das outras, uma cobertura com pedaços de cascas de nozes que não se aproveitavam para comer, equipado com todo o conforto de um salão. 

        Num curto espaço de tempo, e com a ajuda de todos, puderam reunir-se sempre que queriam para conviver, dançar, cantar, fazer jantaradas, almoçaradas, festas de aniversários, reuniões, desafios, brincadeiras. e até casamentos. Todos adoravam aquele espaço. 

        A estreia de utilização do salão, foi um jantar e uma festa de agradecimento à Natureza, por terem abrigo, família, alimento, e por estarem em segurança, protegidos. Puseram outra vez as nozes num gigantesco pote de vidro, cada um acendeu uma vela eletrónica à volta do pote, cantaram, dançaram, rezaram e agradeceram. 

        Mas desta vez, o que os esquilos mais velhos da aldeia não sabiam, nem estavam à espera, é que também tinham preparados uns mimos para eles. Cada um dos mais velhos recebeu de cada esquilo vários presentes, uns comprados no mercado solidário, outros feitos pelos próprios, uma ternura.

        Ofereceram coisas muito úteis, como meias, camisolas interiores, botinhas de agasalho, pijamas, cobertores, saquinhos, almofadas, bonequinhas, bombons de nozes e de castanhas e outras que quiseram. Além das ofertas materiais, receberam beijinhos e abraços de todos. 

        Os mais velhos ficaram mesmo muito felizes, com um sorriso de orelha a orelha, retribuíram com carinho, cantigas, danças e muita alegria. E assim, custou menos a passar a tristeza dos dias pequeninos de Inverno, na companhia uns dos outros, em família, com amigos, em festa, quase nem deram pela chuva que marcou muitas vezes presença, e suportaram melhor o gelo. 

        O Natal nesta aldeia, foi mesmo muito diferente e ainda mais especial do que nos anos anteriores, porque todas as famílias, depois de jantarem juntas, nas casas de familiares, como é tradição em todo o mundo, encontraram-se no salão, onde tiveram direito a troca de prendas, muita festa e muita alegria. 

        No final da noite de Natal, voltaram a pôr o gigantesco pote de vidro com nozes, e agradeceram, acenderam uma velinha eletrónica, rezaram, fizeram vénias. Encontravam sempre motivos para agradecer, juntar-se e conviver. 

E vocês. também agradecem todos os dias, ou às vezes? O que agradecem? 

                                                                    FIM 

                                                                    Lara Rocha 

                                                                   12/Outubro/2020  

        

        

domingo, 11 de outubro de 2020

A saia das invejosas

 

         Era uma vez uma menina que andava numa escola, onde outras meninas tinham inveja dela. 

        Muito bondosa, simpática, tímida, amiga e preocupada com todos, ao contrário das outras que se fizeram de amigas dela para a  prejudicar, e tentar desviar a atenção de toda a gente para elas. 

         Diziam mal dela nas costas a toda a gente, inventavam coisas más que ela não tinha feito e tentavam envenenar todos contra ela, para que se afastassem!

          A menina dava-se bem com toda a gente, e quem a conhecia, gostava dela, não acreditava no que as outras diziam, nem contavam à  amiga que tinham dito maldades e coisas feias, falsas, sobre ela.

          Uma tarde de festa de Natal na escolinha, a menina vestiu uma linda saia, com folhos, e às cores. 

           Tirou-a para vestir um fato de bailarina e atuar, as invejosas aproveitaram esse momento para sujar a saia da menina com tinta, corta-la em tiras em baixo e não satisfeitas, ainda salpicaram os sapatos. 

           Foram para a plateia como se nada tivessem feito, e aplaudiram, o espetáculo que correu lindamente. 

           Ela estava feliz, principalmente porque os seus pais e mais família estavam lá. Mas quando regressou...nem queria acreditar no que estava a ver! 

- A minha saia… o que aconteceu? Quem fez isto? E agora? 

           Desata num choro, com gritos, vai a correr ter com a mãe e a professora, muito aflita, mostra a saia: 

- Mãe, professora… olhem o que fizeram à minha saia e aos sapatos! Quem foi? Para que é que fizeram isto…? 

          A mãe e a professora soltam uma grande exclamação. 

- Não pode ser! - dizem as duas 

- Mas como foi possível? - pergunta a mãe 

- Temos de descobrir e castigar. - diz a professora 

- Acho muito bem. Obrigada senhora professora. 

- Querida, tens alguma ideia de quem possa ter sido? - pergunta a professora 

- Não! 

           As suas verdadeiras amigas, pediram para falar com a professora, na sala, e contaram tudo o que sabiam das invejosas, logo, suspeitavam delas. A professora agradeceu, entendeu e disse que ia descobrir. 

          Não foi difícil: as responsáveis estavam muito nervosas, e a professora chamou-as. Fez de conta que não sabia de nada, contou o que tinha acontecido e percebeu nas suas caras, mesmo sem falarem. Elas disfarçam: 

- Ah, a sério? 

- Coitadinha. 

- Isso não se faz... 

- Que maldade. Ela deve estar muito triste. 

- Eu não ia perdoar.

- Nem eu. Ia descobrir quem tinha feito isso. 

          A professora abre a porta da sala e manda entrar a mãe da menina e a menina. Elas ficaram tão assustadas e tão nervosas, vermelhas até à raiz dos cabelos, e a tremer. 

- Mãe... quer dizer alguma coisa? 

- Quero saber quem pôs a saia da minha filha assim. 

          As invejosas não dizem nada. 

- Sabem quem foi, meninas? Viram alguma coisa? - pergunta a professora 

- Não! 

- Porque é que estão tão nervosas? - pergunta a professora

         As meninas não respondem. 

- Foram vocês, não foram? Porque fizeram isto? 

         As meninas ficam muito envergonhadas: 

- Fomos nós! - acusa-se uma delas 

- Porquê? Alguma vez a minha filha vos fez mal? Ou estragou alguma coisa vossa? 

- Não. - respondem todas 

- Então porque é que fizeram isto? 

- Porque temos inveja dela. - confessa outra 

- Inveja? De quê? - pergunta a professora 

- Porque toda a gente gosta delas, repara nelas e em nós não! 

- Porque será? - pergunta a professora 

- Que coisa mais feia! Quem é que vos ensinou a ser assim? Vou falar com os vossos pais agora… 

           A professora chama os pais das meninas, a menina chora, desiludida. A professora conta aos pais o que elas fizeram, os pais ficam muito envergonhados, pedem desculpa à mãe e à menina, todos ralham com elas e dão sapatadas.

         Descoberto o mistério, vão para casa, a mãe da menina lava a saia que ficou estragada, devotada e manchada. 

        As mães da menina ofereceram-lhe roupa nova e puseram as filhas de castigo, mas nunca mais se esqueceram e não voltaram a fazer maldades porque a professora também não permitia. 

          As meninas que contaram tudo o que sabiam, continuaram a ser boas amigas dela, e receberam um prémio da professora. Tudo ficou resolvido. 

                                   FIM 

                                    Lala

                                  11/ Outubro/ 2020 


terça-feira, 6 de outubro de 2020

Coisas estranhas (monólogo para psicólogos; estudantes de psicologia e público em geral - adolescentes e adultos)

 

Coisas estranhas

    (monólogo)

Sou a Dara, tenho 19 anos feitos há pouco tempo, e estou a fazer uma cura de sono. Estudo na Faculdade e andava numa fase de muita euforia, a viver noitadas de borga, convívio, até quase de manhã, copos e comes, tudo a que há direito.

Bem, aquele ambiente com toneladas de adrenalina por todo o lado, uau! Impossível ficar indiferente e não alinhar. Temos que aproveitar, porque tudo passa muito rápido, e é um tempo que não volta!

Assumam! Esse é o nosso, vosso pensamento quando para a faculdade, não é? Parece-nos que vamos acabar amanhã, então temos que viver tudo e mais alguma coisa, hoje. Uns mais, outros menos, e compreende-se!

Depois de vários anos no secundário em que é só marrar, livros, copianço, testes, aulas, trabalhos, explicações, notas, bué, bué de competição, e limitações.

Ufa, fica cansada e stressada só de dizer esta parte. Que loucura. Por fim podemos respirar, pelo menos algum tempo...patrão fora, já se sabe, dia santo na loja. Eu diria mais: Universidade, igual a libertação, e segunda adolescência. (ri)

Sim, ainda somos adolescentes, metidos a adultos. Queremos curtir, já somos de outra idade, já irre...responsáveis por nós, claro! Está-se bem, é o mundo perfeito!

Que espetáculo, agora é a nossa altura de provocar inveja aos mais novos, que ainda estão no secundário, como nos acontecia quando lá estávamos e pensávamos como seria fixe, ansiávamos e até contávamos os dias para estar nas Universidades.

Socializamo-nos, praxes, brincadeiras, integração, orgulho, vaidade, baldas a algumas aulas. Beber até cair. Não faz mal. No dia seguinte podemos dormir a manhã toda e de tarde estamos nas aulas, corporalmente, revitalizadas, mentalmente a pensar na noite que se aproxima, de mais convívio, mas temos de beber menos porque de manhã temos aulas, e somos muito atinadinhos.

Claro. Claro. O mundo ideal é irreal. Nada disto condizia com os nossos planos. Chegámos à noite, desse dia e… pimba. Quando damos por ela, ou sem dar por isso, convívio, copos, até de manhã, o sol nascer.

E de manhã, passávamos em casa, nos apartamentos, que estava longe de casa, banho, mudar de roupa, pequeno-almoço, material para as aulas e lá estávamos, frescos, como se tivéssemos dormido a noite toda.

Arranjadinhos, bem-dispostos, lúcidos, cheios de pica, com o fogo todo para mais um dia, cheio de coisas novas para aprender. E voltava tudo ao mesmo. Noites, copos até o fígado suportar a última gota, ou transbordar onde calhasse, até de manhã.

Qual sono? Tínhamos muito tempo para dormir, estávamos só no início, depois a coisa acalmava! Interessava era curtir, socializar, fazer amigos para a vida!

Começa a fase dos trabalhos. Noites, mas não era para os fazer, a vida da faculdade é muito mais do que estudo e trabalho, não é só estudo, livros, aulas, temos muito tempo para os fazer, para tudo isso, o que interessa é estar presente.

Havemos de recuperar. Se chumbarmos à primeira, tá-se bem, acontece a qualquer um, passaremos à segunda, terceira ou quarta...ninguém corre connosco. O que interessa é aproveitar.

Pois, é que o corpo e a cabeça têm raízes daquelas como as árvores que saem para os passeios! É que o corpo e a mente têm adrenalina que nunca mais acaba e habitua-se a não precisar de dormir e repousar.

Ora pois! Talvez no mundo ideal, perfeito, isso acontecesse, se não precisássemos de dormir, nem de silêncio e descanso. Mas não vivemos no mundo ideal, e sim, no mundo real, bem diferente.

Só nos lembramos disso quando? Quando ao fim de dois ou três meses, umas vezes menos, outras pessoas nem precisam de tanto tempo, começamos a quebrar! Tudo se transforma, tudo começa a falhar!

Quando é que eu me apercebi que vivia no mundo real, e que nada do que eu estava a fazer e a viver, era o melhor para mim? Quando é que eu me lembrei que sou falível, e que não sou sempre aquela adolescente, cheia de vontade de achar que leva o mundo à frente, que é tudo dela.

Dela e dos amigos que acham que vão para a faculdade e controlam tudo, sabem muito bem o que estão a fazer, e aguentam borgas o ano todo, tanto como as aulas, noitadas seguidas, diretas, como se nada fosse!

Só acordamos, eu e as minhas amigas de apartamento, quando nos começamos a passar. Sim, a passar completamente. A primeira a dar sinal, foi uma delas, que num dia passou pela mesa, olhou para a toalha que tinha uns desenhos curtidos, de alimentos e bolos, chávenas, garfos e facas.

Perguntou-me porque é que eu tinha posto tanta coisa na mesa, se ia haver alguma festa. Disse que via as coisas da toalha em 3D, como se estivessem fora da toalha e a mexer.

Eu não as vi a mexer, mas realmente, pensando bem, via-as muito grandes, talvez maiores do que o que elas eram. Disse-lhe que a mesa ainda não tinha nada, e eram os desenhos da toalha. Partilhamos a mesma ideia… se calhar estamos com a vista cansada.

Sim, poderia ser, não demos muita importância. Uns dias depois, a outra minha amiga foi à despensa, e começou aos gritos, porque diz que viu uma sombra a entrar, antes dela acender a luz, e quando acendeu a luz, não viu a sombra, mas sentiu a sua presença.

Fez-nos andar a procurar na casa toda, porque ficamos sugestionadas, nunca sabemos o que pode andar por um sítio desconhecido. Realmente, depois de revirar a casa, espreitar nos sítios mais inesperados, cheias de medo, aramadas com vassouras e facas, não vimos ninguém.

À noite, a outra minha amiga, deu um grito na casa de banho, fomos ver o que tinha, e estava branca, sentada na sanita. Perguntamos o que tinha acontecido. Disse que tinha visto no espelho uma cara que não era a dela. Ficamos todas assustadas, e juntas fomos todas olhar para o espelho.

Não sei se foi sugestão, ou influencia umas das outras, todas vimos caras que não eram as nossas, a mexer, e com uns olhares penetrantes, fundos. Desatamos todas aos gritos, deitámo-nos na cama e cobrimo-nos com os lençóis.

Olhamos em volta, e não conhecíamos aquele espaço. Perguntamos umas às outras onde estávamos, e quem éramos. Depois de algum tempo sem dizermos nada, fez-se luz. Reconhecemos o lugar e umas às outras. Ficamos alerta, de luz apagada, prontas a agir no mais pequeno movimento ou som estranho.

Uma das amigas, depois de apagar a luz, fica agitada, e grita: meninas, não vos quero assustar, mas...estou a sentir uma coisa estranha...não sei o que é!

Acendemos de imediato a luz, à procura dela, e ela disse: sinto uma presença diferente neste quarto. Presença? Perguntamos nós, a olhar para todo o lado, numa grande inquietação.

Garantimos-lhe que só estávamos 4… Contamo-nos umas às outras várias vezes, parecia que nem sabíamos contar, apontávamos, e incluíamo-nos, contávamos sempre 4, mas ela continuava a dizer que éramos cinco.

Não víamos mais ninguém, nós só nos víamos a nós as 4. Perguntamos se ela via alguém, em corpo como nós, ela jurou que não via outro corpo, mas sentia a presença.

Uma das nossas amigas sugeriu que ela não se preocupasse, porque devia ser uma reação ao desconhecido, ou ao escuro, e depois do susto que tínhamos apanhado a ver outras caras no espelho, podia ser normal.

Ela concordou, pediu desculpa, apagamos a luz, e tentamos dormir, mas aquela sugestão misturada com medo de estar lá mais alguém, acho que nos perturbou.

Caiu uma peça de roupa que estava mal acomodada e como estávamos todas demasiado alerta, parece que o barulho foi muito intenso. Ouviram alguma coisa, meninas? Ouvimos!

Demos um salto na cama, acendemos a luz, e vimos o que podia ter sido. Aparentemente só a roupa. Foi ela, a presença estranha que deitou a roupa abaixo. Disse a minha amiga. Mostra-te! Gritou a minha amiga. Eu…? Perguntamos todas. Não, a presença, respondeu ela, quase da cor da parede.

Ai, senti uma vibração no chão… eu também…disseram duas amigas. Será um tremor de terra, ou a presença? Começamos todas a gritar e atentas ao que ia acontecer a seguir.

Não apareceu ninguém, e a vibração foi o telemóvel de uma delas que estava no chão, com uma mensagem. Ela tinha-se esquecido que estava a carregar.

Ficamos mais aliviadas, e sobre a presença que a outra sentia, enchemo-nos de coragem aparente, e espreitamos debaixo da cama. Só estavam os sapatos dela.

Decidimos tomar um chá, e uns comprimidos sedativos que usávamos de vez em quando, no secundário antes dos exames. Foi remédio santo. Não sentimos mais nada, dormimos como já não acontecia há muito tempo. De manhã acordamos bem-dispostas, e nem falamos mais no assunto.

Na noite seguinte, a minha amiga voltou a sentir a presença, mas não nos disse nada, só que outra, diz que ouviu um estrondo que parecia estarem a deitar a nossa porta abaixo.

Mas o estrondo só ela é que tinha ouvido, mais nenhuma de nós. Sai disparada do quarto para a porta, com uma faca em punho, muito aterrorizada. Fomos atrás dela, e tivemos medo por a vermos de faca em punho a olhar para a porta.

O que vais fazer com isso? Perguntamos. Está alguém a tentar entrar aqui. Eu ouvi um estrondo, parecia que estavam a deitar a porta abaixo. Esta porta! Negamos, e ela não ficou muito convencida. Tivemos de espreitar pelo olho da porta, e realmente não estava ninguém.

Começamos a achar tudo muito estranho e confuso. No dia seguinte, outra amiga, sentiu que lhe cheirava a fumo e a enxofre pela casa toda. A nós não cheirava.

A outra continuava a sentir a presença e todas a ver caras que não eram a nossa. Decidimos ir juntas ao médico, porque pensamos ter alguma coisa muito grave.

Contamos todos estes acontecimentos, e o médico receitou-nos uma pedra para dormir, regularizar o sono. Já estamos a tomar há várias semanas, e realmente, pouco depois de começarmos a tomar, deitámo-nos e não ouvimos mais nada, não sentimos mais nada.

Conhecemos bem o espaço, sentimo-nos bem neste apartamento, e temos muito trabalho para fazer, que deixamos acumular, mas não conseguimos ficar até muito tarde.

Não voltamos a sair à noite, pelo menos enquanto temos trabalhos para entregar. Não, não façam isso, não se armem que aguentam noites atrás de noites, com copos, até de manhã. Isso é só uns dias, mas depois, tudo vira ao contrário.

Depois desse susto, somos raparigas diferentes. Com os medicamentos não podemos consumir álcool, vamos a jantares convívio, claro, mas muito menos, e voltamos cedo para os apartamentos porque há trabalhos a fazer.

Aprendemos a descansar, e aproveitamos todos os tempos para trabalhar, compensar o tempo perdido que não foi mau, mas foi demasiado eufórico e agitado.

Quase nos destruía. Aproveitem, divirtam-se, mas acima de tudo, sejam responsáveis e tenham cuidado, com regra. O mundo não acaba amanhã, e têm muito tempo para tudo, divertir, aprender, estudar, brincar e muito importante, descansar.

Não abusem! Boa sorte.


FIM

Lara Rocha

6/Outubro/2020


segunda-feira, 5 de outubro de 2020

DANÇAR ATÉ CAIR (MONÓLOGO para Adolescentes e Adultos; psicólogos)

        

                                desenhado por Lara Rocha 

    Sou a super Márcia...ou serei Marciana? Ainda não vai há muito, acho eu, que sabia como me chamava! Agora estou confusa. Não interessa. Sou uma dessas que vai dançar até cair! Não sei quem era essa que gosta assim tanto de dançar, não me lembro de dançar, mas sonhei muitas vezes que dançava e que era feliz ao dançar. Dava autênticos xous! Até quase furava o chão, pelo menos era o que me diziam. Sonhava ou foi real? Parecia mesmo real. Disseram-me que aconteceu mesmo, mas se essa que adorava dançar, dançava assim tanto, que quase furava o chão, até cair...eu não a conheci! Disseram que era eu. Como fui eu, se estou aqui neste sítio tão estranho, que não é o meu quarto? Ou se é o meu quarto, aquele sítio confortável, seguro, bonito, onde me transformava...eu…ou a outra tal de quem falam, que me imitava, ou que era eu, está muito diferente. Não tenho qualquer memória de ter modificado, com esta decoração mórbida. Acho que tinha bom gosto, mas talvez tenha sido a outra, aquela de quem se fala...louca...que mudou o que era o meu quarto. Não sei quem lhe deu autorização para mexer nas minhas coisas, nem sequer falei com ela, nunca a vi mais gorda, nem mais magra, não sei se é bonita ou feia, ou se dança bem! Duvido que dance bem, eu é que dançava bem, espetacularmente bem, até cair. Essa tal, que devia ser eu...mas se era eu, porque é que eu não me lembro? Como estava a dizer...essa que adorava dançar, dava espetáculo, às 6ªs feiras e aos sábados, acho que era isso...pelo menos é o que dizem por ai. Era quase a minha espiritualidade, um ritual…! Bem, e que ritual! Lembro-me que bebia alguma coisa, acho que era água, não sei, estão para aí a dizer que tinha mais alguma coisa, eu nunca senti, a minha cena, era dançar até cair. Acho que de tanto dizer...até cair, cai mesmo! Sei que estava a dançar e de repente o palco virou-se ao contrário. As luzes estavam loucas, piscavam sem parar, e encandeavam-me. Na plateia não tinha gente, só tinha extraterrestres, caras horrendas, monstros que se riam na minha cara, unhacas que saiam do teto, das cortinas, dos holofotes, e tentavam agarrar-me. Umas aranhas gigantescas saltaram não sei de onde, e puseram-se em cima de mim, sentadas, a apertar-me, quase me abafavam. Que nojo! Eu gritava, ou a tal, gritava… e quanto mais gritava, mais garras apareciam em chamas, vindas do Inferno, só pode. Tudo girava, tudo ria, os monstros da plateia pareciam possuídos, riam, mostravam-me línguas bífidas, gigantescas, que rodopiavam, os seus olhos aumentavam cada vez mais, saiam de órbita e entravam, com luzes psicadélicas. Sentia um cheiro estranho, não sabia o que era, ouvia estrondos que pareciam explosões, e vozes aos gritos que não percebia nada do que me diziam. A minha roupa, ou a roupa dela...parecia ter ganhado vida própria, até ela dançava, tanto como a artista. Apertavam o meu corpo, como serpentes, beliscavam-me, as cores tinham-se transformado todas em fosforescentes psicadélicas. Umas mãos saíam de buracos no palco e apertavam-me as pernas, os pés, eu tentava libertar-me, e as mãos arranhavam-me. Depois os monstros da plateia, voltaram a ser pessoas, com ar esgazeado, olhos brilhantes, vidrados, insultavam-me, apontavam-me dedos, os homens mostravam-me a … arte sacra… com luzinhas a piscar, do mais horrível que pode haver. Que nojo, aquilo abria e fechava, quase parecia que me iam sugar, e mostravam os rabos, feios...que medo! Eu não queria ver tanto! As mulheres dançaram comigo, esfregavam-se, umas nas outras e em mim, gritavam, riam, até que pegaram em mim, a cantar, as luzes estavam cada vez mais fortes, e perturbadoras, os sons cada vez mais estridentes. As safadas estavam tão loucas e tão eufóricas, que me atiraram pelo ar, para a plateia, e era suposto os gajos segurarem-me! Mas não! Deixaram-me cair redonda no chão e ficaram a olhar para mim. Apaguei. Deixei de ver coisas, ouvir coisas...tudo ficou escuro e silencioso. Acordei num quarto parecido com este, e disseram-me que estava no hospital...porque tinha caído do palco abaixo, e havia uma substância na água que tinha bebido, e pelos vistos já há muito tempo. Confirmou-se. Depois de ter contado o que tinha visto e ouvido, disseram-me que tinham colocado uma substância alucinogénia. Fizeram-me uma limpeza ao estômago, deram-me não sei o quê, mas foi remédio santo. Ao fim de algum tempo, estava nova. Completamente possuída de raiva, fui a casa de cada um dos meus amigos que costumavam ir comigo, ou com a tal...e a cara de pau deles, deixou-me ainda mais demoníaca! Armaram-se em santinhos e disseram-me que não sabiam de nada, que eu estava normal, nessa noite, muito feliz, como em todas as outras noites…, super divertida, super bem-disposta, mas de repente caí e perdi os sentidos. Como não sabiam de nada? De certeza que também tinham visto aquelas coisas todas. Não! Não viram nada! Duvidei, voltei ao médico e ele confirmou, que foi tudo um delirium por uma substância que tinham posto na minha bebida. Então, os meus amigos tinham razão! Eles não tinham visto nada daquilo que eu vi. Fiquei muito estranha, e como gostei tanto do efeito de um calmante que tomei uma altura, decidi tomar não me lembrava da dose, mas era grande. Fiquei tão perturbada e irritada que tomei...dois diazepans...é isso! Lembrei-me agora do nome. Mas que grande anormal! Se eu tivesse dormido um sono, teria feito melhor. É verdade! Pouco depois de ter tomado Diazepam, alguém na minha casa tomava, acho que era a flechada da minha Avó...uma dose que acho que nem aos cavalos se dá, coitados deles se tomam isso. Voltei a delirar, antes de adormecer. Tinha a certeza que o que estava a ver era real, mas mais uma vez levaram-me ao hospital, aspiraram-me o estômago e puseram-me a soro, lá com umas coisas mais, uns medicamentos para proteger. Esses deliriuns, não foram tão agressivos como os primeiros. Mas foram igualmente estranhos! Tinham a ver com...pareciam...pesadelos, não sei. Penhascos, quedas, ondas gigantes, peixes devoradores, pedras que se mexiam, areias movediças, cheias de falsos, onde caí. Depois houve uma explosão por baixo dos meus pés, e eu voei com o impacto porque a areia movediça era a cobertura de uma cratera de um vulcão. O meu corpo destilava, na verdade eu estava banhada em suor. Ia a voar por cima da praia, e chegava a uma outra cratera, cheia de lava a fervilhar. Eu brincava com a lava, como se aguentasse a temperatura dela, comia-a, mastigava-a, cheirava-a...cheirava-me a enxofre...e acabei a vomitar no chão da minha casa. Os médicos disseram-me que foi consequência de intoxicação de medicamento, e logo esse. Horrível. Depois disto, não voltei às discotecas, nem a dançar. Ganhei muito medo, não sei. Não sei quanto tempo durou, perdi a noção do tempo, e ainda hoje, agora, não sei que dia é, nem semana, nem há quanto tempo estou aqui, ou que horas são. Mas foi o suficiente para saber como é mau! Recuperei, mas tenho muito medo, há gente capaz de tudo. Se eu soubesse quem foi, não sei o que lhe fazia. Talvez...dava-lhe o mesmo para ver se ele ou ela, via o mesmo que eu, mas numa dose a triplicar. Um dia, vai ter a paga! É a minha esperança. Talvez esse ser maldito já tenha feito o mesmo a muitas outras e outros. O médico disse que já não era o primeiro, mas não disse se foi no mesmo sítio que eu, ou se viu a mesma coisa que eu. É muito mau, não sei como há gente tão perigosa e tão mal intencionada. Agora estou aqui...num quarto que não é o meu, numa casa que não é a minha, rodeada de batas brancas a toda a hora, a escrever os meus delírios, a pedido de um estagiário de psiquiatria, para o seu relatório de estágio. Jeitoso e giro por sinal, mas é claro que esta parte não lhe vou escrever...ou será que posso escrever isso? Não! É melhor contar só a parte dos deliriuns, não vá ele pensar que esse comentário simpático, é outro delírio meu! Acho que não estou a delirar...o futuro Dr. É mesmo giro, jeitoso e carinhoso. Ups...espero não ter nenhum delírio com ele (ri à gargalhada), só se for...um sonho...erótico...ou da minha imaginação. É uma visão agradável. Ora… está aqui uma pergunta difícil. Acreditei no que vi, e ouvi? Sim, esta é fácil, acreditei. Que conselho dou às pessoas…? Hummmnão beba, nas discotecas, ou, bebam com alguém ao lado da vossa confiança, não sei. Nunca se sabe quem está por lá, e o que vai pôr na bebida. Há gente que fica feliz por dar cabo dos outros. Quase conseguiram dar cabo de mim. Eu caí, qualquer um pode cair. Não sei se fui clara nesta mensagem, mas é o que me ocorre. O Dr. Giro que faça o resto, como entender. (ri) Daqui a pouco está aí. Se eu tivesse delírios com ele, até teria sido bom...acho que voltava a repetir, só para ter alguma coisa com ele, pelo menos, por alguns instantes...encontro delirante! (ri à gargalhada) Que giro! Acho que até vou escrever esse romance! (ri) Quem sabe serei famosa. Não. É melhor não, podem querer experimentar e ainda me arranjam problemas. Qual será o alucinogénio para ter esse delírio, com o Dr. Giro? (ri à gargalhada) que loucura! Que máximo. Acho que estou a delirar outra vez. Não! Uau! É ele! Jeitoso! (ri à gargalhada) Comporta-te, Márcia ou Marciana ou lá quem és! Óh… uma pergunta difícil...que dia é hoje? Dia de semana, mês, ano…? Já estou aqui há muito tempo? Que dia foi ontem? Quantos anos tenho? O nome dos meus pais…? Tenho irmãos…? Não sei! Sei lá! Nem sei quantos são hoje, quanto mais ontem, nem se o ontem já aconteceu. Hummm… não sei! Será grave, não saber isto? (pensa um pouco) Não sei mesmo. (grita) Doutooooooooooorrrrrrrrrrrrr… venha cá rápido, se faz favor…não sei que dia é hoje. Óh não. Acho que ainda estou a delirar, ou será que o delírio limpou a minha memória? Doutoooorrrr….


                                         Fim

                                    Lara Rocha

                                (4/Outubro/2020)