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quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

As letrinhas da Avó Mar






















Era uma vez uma senhora já com alguma idade que tinha umas mãos mágicas para a costura. Era muito querida na aldeia, e conhecida por todos, pelas coisas tão bonitas que ela costurava, e diziam que fazia magia.
Além de roupa, ela costurava letrinhas em pano, com desenhos mimosos, carinhosos, delicados, preenchia as letrinhas com pedacinhos de lã que sobravam das suas malhas, algodão, e outros tecidos, para ficarem almofadadas, coloridas.
Diziam na aldeia que as letrinhas dela faziam bem às crianças: faziam-nas gostar de ler, de escrever, de falar, e tornava-as mais felizes. A Avó Mar era tão simples, que não acreditava que as suas letrinhas fizessem isso, mesmo assim, fingia que acreditava e mostrava um sorriso luminoso, isso deixava-a feliz, e com mais vontade de construir as suas letras.
Um dia, a aldeia foi visitada por muitas pessoas da cidade, crianças que não conheciam a aldeia, e viram entre muitas outras coisas, muitas letrinhas da Avó Mar a secar, penduradas nos estendais, cada qual a mais bonita.
- Bom dia, Avó! – Gritaram todos
A senhora aparece à janela, sorri e retribui o Bom dia. O seu ar era tão meigo que as crianças e as educadoras, e os pais ficaram encantados com ela.
- O que está ali pendurado? – Pergunta uma criança
- São letras! – Responde a senhora  
- Vocês já as conhecem, não já? – Pergunta a educadora
- Sim! – Gritam todos
E as crianças começam a dizer cada letra. A Avó Mar aplaude, e outra educadora comenta:
- Que letras tão bonitas. Como as faz?
- Obrigada, filha. Faço-as como faço outra roupa qualquer.
- Essas são especiais, não são?
- Não! São letras, apenas.
- Elas transmitem-nos alguma coisa…
- Talvez…o carinho com que as fiz.
- Deve ser mesmo isso. – Dizem as educadoras a sorrir
- Dá para ver que as faz com muito carinho.
- Sim!
- Estão para vender? – Pergunta outra educadora
- Estão, se quiserem comprá-las.
- Sim.
- Meninos...cada um pega na letra inicial do seu nome. – Sugere a senhora
E as crianças desatam a correr, desobedecendo á educadora, enquanto outra educadora trata de acertar as contas com a senhora. Cada criança puxa a letra.
- Não puxem, meus anjos. Eu tiro…esperem aí… - pede a senhora
Ela tira uma por uma, desprende-as das molas, e cada criança dá-lhe um abraço e um beijinho, diz obrigada, e abraçam a letra que lhes calhou. Todos vão embora mais felizes, mais calmos, sorridentes e de forma ordenada. A Avó pega noutras letras e põe a secar. Passa outro grupo de crianças que ficam a olhar maravilhados para as letras, e repetem-nas. A senhora sorri.
- Que lindas letras. – Comentam as educadoras
- Querem levá-las? – Pergunta a senhora
- Estão à venda? – Pergunta outra educadora
- Estão.
- Então vamos levá-las.
E antes que as crianças puxassem as letras, como as anteriores, a senhora desprende uma por uma, e dá a cada criança. Elas retribuem com sorrisos, beijos e abraços.
- Como consegue fazer umas letras tão bonitas? – Pergunta outra educadora
- Em cada letra ponho muito amor, carinho, paciência, paixão, cor, sonho, fantasia, magia…
- Que lindas! Muito obrigada. – Sorriem todas
Elas pagam e seguem caminho. A Avó Mar põe outras letras a secar, e é visitada por crianças mudas, que quando vêem as letras, sorriem, querem tocar nas letras, mas não as arrancar, apenas sentem as letras e repetem-nas. A senhora oferece uma letra a cada menino, que se juntam por ordem e escrevem a palavra «obrigada!» e um grande sorriso.
A Avó Mar retribui um sorriso, e deixa escapar umas discretas lágrimas, onde as crianças mudas vêem o arco-íris, elas organizam-se e escrevem a frase: «É a nossa Avó do coração!». Abraçam-na e beijam-na, e ela oferece-lhes chá, biscoitos e mais letras. Elas brincam com as letras, e a Avó convida-as a aprender a construir as letras como ela.
Nesse mesmo dia, todas aprenderam a construir as letras, e todas conseguiram umas letras tão bonitas como as dela. Ela pergunta-lhes:
- Como fizeram essas letras tão bonitas?
Elas pegaram nas letras, encostaram aos rostos, sorriram, fecharam os olhos, e abriram com um brilho especial. A Avó percebeu:
- Tal como eu…fizeram-nas com muito carinho, muito amor, paciência, paixão, cor, sonho, fantasia, magia…
Todas dizem que sim.
- Estas foram as letras mais bonitas que eu já vi até hoje, aquelas que vocês fizeram! Obrigada! – Diz a senhora
Elas organizam-se e escrevem: «obrigada, Avó! Estamos muito felizes. Adoramos-te!»
Ela sorri e exclama:
- Obrigada, meus amores…eu também vos adoro, e também estou muito feliz. Falta só um ingrediente para tornar as letras completas… (Todos ficam surpresos a olhar para as letras) pô-las ao sol. (Todos sorriem, e cada um pendura a sua letra na estendal) No fim do dia levam-nas, combinado? (Todos acenam com a cabeça a dizer que «sim») Vão dar uma volta pelo resto da aldeia, e no fim do dia, vão buscar as suas letras. Enquanto isso, a Avó já tinha feito outras tantas, diferentes de todas as outras, que mostravam muito bem a felicidade que ela sentia.
E as crianças mudas não deixaram mais a Avó Mar…todos os dias foram vê-la, conversar com ela, buscar os sorrisos dela, os arco-íris das suas lágrimas, os biscoitos, os chás, os carinhos e ajudavam-na a construir mais letras que penduravam ao sol no seu estendal, e todo o dinheiro das vendas, foi para ajudar a escola desses meninos, e outras necessidades delas.
A Avó Mar era um ser realmente muito especial não era?

FIM
Lara Rocha 

25/Janeiro/2017

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

A lareira da saudade


















Foto de Lara Rocha 

Era uma vez uma senhora com alguma idade que vivia sozinha, embora a sua família estivesse perto, mas não se encontrava muitas vezes porque cada um tinha a sua vida. A senhora lamentava-se, tinha pena que tudo fosse a correr, ficava muito triste com a pressa com que se vivia, e com a falta de tempo.
Ela tinha algumas amigas, da sua idade, que às vezes dormiam na sua casa, e conviviam muito, mas sentia-se incompleta. Não pensava na velhice, nem nas capacidades que já não eram as mesmas que em jovem, lutava e fazia tudo o que podia, tinha muita ocupação de dia, só à noite ficava mais triste.
Uma noite gelada, de tempestade, a senhora acendeu a lareira, e nesse dia estava mais triste, sem saber muito bem porquê. Sentou-se no cadeirão com o pijama vestido e enrolada em várias mantas, televisão ligada, e ficou a olhar para a lareira.
De repente, uma chama cresceu, enrolou-se, e dela saiu um pequenino palhacinho, espreguiçou-se, sorriu e a senhora ficou assustada:
- Ai, quem és tu? Como é que apareceste aqui? Saíste daí?
- Olá! Há quanto tempo não nos víamos… estás igual… quer dizer…um bocado maior, ou fui eu que minguei? – Diz o palhaço com um grande sorriso
- Ei…espera aí…eu acho que te estou a conhecer… e…parece que também me conheces…
- Sim, já nos conhecemos há muitos anos! Quando tu ainda eras uma criança.
- Estás-me a chamar velha?
- Não! Estou só a dizer que já vai há muitos anos, que nos vimos a primeira vez.
- Sim, pois é…o tempo passa e nem damos por ela.
- É verdade.
- Mas como é que estás aí?
- Eu sempre estive aqui…estou em muitos lados, e volto para o mesmo sítio. Aqui estou bem.
- Pois, estás quentinho…
- Isso mesmo. E tu, estás com frio?
- Sim, hoje está muito frio, o tempo está feio lá fora…sabe bem a lareira.
- Óh sim. É maravilhosa.
- Mas o que fazes aqui?
- Vim visitar-te…fazer-te companhia…rever o teu sorriso.
            A senhora sorri
- Obrigada…
- Lembras-te que adoravas palhaços?
- Sim. E ainda adoro…ainda continuas a ser palhaço?
- Continuo, mas já não é a mesma coisa.
- Porquê?
- Dantes, na tua infância, e idade adulta as pessoas ainda reparavam em mim, riam, e aplaudiam, brincavam comigo, ficavam com brilhos diferentes nos olhos…era tão bom… agora…passam a correr, nem para mim olham, vão a olhar para umas coisas quadradas, que os teus filhos e netos devem ter…
- Áh, sim…os telemóveis e tabletes ou lá como se chama aquilo. Como é que sabes que eu tenho filhos e netos?
- Eu já os vi aqui…
- Mas eu nunca te vi antes.
- Sempre estive aqui. Mas nunca apareci, porque as crianças já não se riem, vêem-me e assustam-se… chamam-me nomes feios…
- A sério?
- É. A coisa não está bem.
- Realmente isso é muito mau.
- Já não há trabalhos como antes…agora tudo é diferente.
- Sim, tens razão.
- A magia já não existe!
- Óh…também estás triste?
- Sim…quer dizer…não, eu não vim ter contigo para ficar triste, porque triste estás tu. Óh, desculpa, eu não queria falar-te de coisas tristes.
- Não faz mal. Já não nos víamos há muito tempo, por isso é normal querermos saber um do outro, neste reencontro.
- Agora estou mais feliz, de ver o teu sorriso e o brilho nos teus olhos, como antes!
- Pensei que estavas sempre feliz.
- Não!
- Pelo menos na minha infância, eu achava que os palhaços nunca ficavam tristes.
            O palhaço ri de uma forma tão engraçada que contagia a senhora que também se ri.
- Que gargalhada maravilhosa! Obrigado. Há quanto tempo não ouvia uma gargalhada destas, vinda do coração, da criança que há em ti. E esse sorriso que ilumina tudo à tua volta…que lindo! – Diz o palhaço cheio de ternura a sorrir
- Para mim, a magia continua a existir! E nunca te agradeci antes, mas…obrigada por existires e pelo teu trabalho! – Diz a senhora a sorrir
- Óh, que lindo isso que disseste! E vê-se no sorriso, no olhar…obrigado, minha querida!
Os dois trocam um abraço carinhoso, e escapam umas lágrimas entre sorrisos.
- Pega uma manta, senta-te aí nesse almofadão ao meu lado, e vamos conversar. Queres um chá?
- Com muito gosto.
            A senhora vai buscar chá quente enquanto o palhaço se instala e aconchega entre duas mantas que a senhora lhe deu. Entretanto, quando ela chega, saem da lareira outros palhacinhos que a senhora conhece bem.
- Áh! Olha os meus palhacinhos também aqui estão! – Diz a senhora a rir
- Olá! – Dizem todos a sorrir e aos saltinhos
            Eram uns palhacinhos que a senhora tinha desenhado na sua infância, todos coloridos, brincalhões, que faziam malabarismos e brincadeiras, e por magia transformaram-se em palhacinhos verdadeiros. A senhora serve chá para eles também, e eles instalam-se noutro almofadão, cobertos. Conversam uns com os outros, entre muitas brincadeiras e gargalhadas, falam de tudo, contam histórias, e estão felizes por se encontrarem. Umas horas mais tarde, os palhacinhos adormecem, e a senhora também.
            Enquanto ela e os palhacinhos dormem, na lareira acontece a dança das deusas chamas, que acordam a senhora com a música, usam lindos vestidos vermelhos, amarelos e cor-de-laranja, que se entrecruzam e misturam, rebolam, entrelaçam-se, parece que se desmontam todas. A senhora delicia-se, completamente rendida aos encantos daqueles movimentos, e músicas, que aplaude no fim com um grande sorriso. As chamas agradecem e adormecem.
            A lareira está agora com um borralho pequenino, e a senhora volta a ficar um pouco triste, sem perder o brilho no olhar. E de repente, do borralho levantam-se artistas de circo que fazem um espectáculo mágico para a senhora, com muita variedade, e na parede da lareira, ela vê personagens da sua infância, retalhos de histórias que a sua imaginação ditava, e ela escrevia, os seus brinquedos, os seus bonecos, as suas brincadeiras, os seus medos…
Os palhacinhos acordam bafejados pelos suspiros de saudade que os tocaram suavemente vindos da lareira. Era um código secreto de comunicação de alarme, que combinaram entre eles.
Da lareira sai uma fada que resmunga:
- Ei…vamos lá pintar esta lareira da saudade com outras cores, já estou encharcada de lágrimas, cheia de frio. Quero o meu bairro cheio de cor, calor, alegria, chamas, sorrisos, risos, brincadeira.
            A senhora ri:
- Também vives aí?
- Sim. – Diz a fada
- Já te conheço. – Repara a senhora
- Pois já…na tua infância eu era uma das tuas melhores amigas…e posso continuar a ser. Como estás crescida, linda… - diz a fada a sorrir  
- Óh, que simpática, estou velha, queres tu dizer…! – Comenta a senhora a rir
- Não gosto nada dessa palavra! – Resmungam a fada e os palhacinhos
- E eu abandonei-te?  - Pergunta a senhora
- Abandonaste, mas já estamos habituadas a que estas coisas aconteçam, mesmo assim, é sempre bom quando nos reencontramos. As nossas amigas já com filhos, e netos…e ainda se lembram de nós. É muito bom. – Responde a fada
- Eu falei de ti à minha neta. – Lembra a senhora
- Eu sei! Brinquei muitas vezes com ela, falei muitas vezes com ela, ouvi-a muitas vezes, como fazia contigo. Ela ficava feliz…e eu também. – Diz a fada a sorrir
- Sim, ela bem dizia que tinha falado contigo, e brincado contigo, mas pensei que fosse imaginação dela, e que ela te tinha criado com o que eu lhe dizia sobre ti. – Comenta a senhora
- Não. Aconteceu mesmo. – Confirma a fada
- Será que ela se lembra disso? – Pergunta a senhora pensativa
- Talvez…se ela vier para esta lareira da saudade.  – Responde a fada
- Talvez não precise de vir para a lareira da saudade…ela é capaz de se lembrar. – Defende a senhora
- Não tenho a certeza. Ela é doutra geração, onde acho que a magia desapareceu! – Pensa alto a fada
- É. Só existem máquinas. – Diz a senhora
- Eu sou assim, sei que faço muita gente feliz. Mas tenho saudades dos tempos antigos, como aqueles em que brincava contigo. – Diz a fada
- Ei…chega de falar em saudades…vamos mas é reavivar esta lareira, enchê-la de calor, alegria e brincadeira, magia…como tu disseste…se não, daqui a pouco estamos aqui todos a chorar. – Aconselha um palhacinho
- Isso! – Concordam todos
- Mas chorar também é bom…e chora-se por coisas boas…como saudades de coisas boas ou felizes, como a infância. – Repara a senhora
- É verdade! – Dizem todos
            Todos dão umas gargalhadas sonoras e com vontade, a cada gargalhada, as chamas da lareira tornam-se mais altas, e tudo volta a ficar um ambiente animado, com muitas brincadeiras, danças, músicas, habilidades, palmas, risos, e alegria, até de manhã. Nem se lembraram mais da tempestade, e dormiram a manhã toda na sala quente, confortavelmente instalados nos almofadões macios, cobertos com mantas e sacos camas.
            Essas personagens nunca mais largaram a senhora, passaram a viver na casa dela, eram excelentes companhias, que adoravam o riso dela, e o brilho nos olhos, tinham longas e animadas conversas, brincavam, ajudavam-na, e às vezes apareciam outras muito simpáticas para se juntar à festa.
FIM
Lara Rocha 
(19/Janeiro/2017)





quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

AS DEUSAS DE PEDRO E SARA

                                                           foto de Lara Rocha 

Era uma vez um casal com muita idade, que vivia numa casa isolada no pico de uma montanha com a povoação no seu vale. O casal vivia feliz, e tinha tudo o que precisava, amigos também. À volta da casa tinham um quintal enorme, e campos onde pastavam animais.
Um dia Pedro e Sara foram ao quintal e pareceu-lhes ver alguma coisa de diferente…não sabiam o que era, mas algo tinha mudado. Brilhava uma luz diferente naquele espaço, mas não viram que havia uns pequeninos rebentos na terra.
Nessa noite, os rebentos cresceram e na manhã seguinte, com o sol acabado de se levantar, já se via um pé alto, com umas cabecinhas de flores, fechadas em botão. Pedro e Sara tinham a certeza que não haviam plantado nada nos últimos dias, pelo menos ali, mas a verdade é que estavam mesmo uns rebentos com cabecinhas de todas as cores…cada qual a mais bonita. Levantaram as mãos para o céu e agradeceram.
Pedro e Sara deixaram que as flores abrissem, mas não abriram. Sempre que eles olhavam para elas, nunca as viram abertas, viam-nas sempre em botão. Mas uma tarde, Sara foi ao quintal, e ouviu umas vozes, uns murmúrios e risinhos pequeninos. Ficou preocupada, olhou para todo o lado, e não viu ninguém, sentiu muito medo:
- Acho que ouvi alguma coisa…estarei a ficar louca? – Diz assustada
As vozes calaram-se. Passado um bocadinho, voltaram. Sara fica gelada, e pergunta nervosa:
- Quem está aí?
As vozes calaram-se outra vez, quando ela chamou o marido muito assustada:
- Pedro…Pedro…anda cá fora… - Chama a Sara aflita
Pedro vai ter com a esposa assustado:
- O que foi? Estás pálida…está tudo bem?
- Eu ouvi vozes. – Diz Sara
- O quê? – Pergunta Pedro assustado
- Sim. Já por duas vezes. – Confirma Sara
- Não pode ser!
- Eram vozes, tenho a certeza…
- Se calhar foi alguém que passou aqui.
- Não…não passou ninguém! Eu ouvi…Elas falam e calam-se, e riem.
- Não pode ser.
- Estou-te a dizer.
- Acho que te vou levar ao médico.
- Não.
- Sabes que ouvir coisas pode não ser um bom sinal.
- Estás-me a chamar velha, ou louca?
- Não…
As vozes regressam, e os risinhos também.
- Olha…estão a falar outra vez.
- Eu…não ouvi nada.
- Estou a ouvir…
- Mas estás a ouvir o quê?
- As vozes…e risos.
- Óh…que disparate…acho que apanhaste sol a mais…
- Não. Elas estão a falar.
E as flores desenrolam-se, uma por uma…botão por botão, mostrando as suas belas cores.
- Olha…as flores abriram!
- Áh! Que lindas.
As flores voltam a fechar-se, muito enroladinhas, e envergonhadas.
- Então…? Fecharam outra vez…?
- Mas…não estou a perceber nada.
- O melhor é…vamos para dentro… vamos… está calor, e acho que nos está a fazer mal.
O casal volta a entrar, muito pensativo e intrigado. As flores voltam a abrir e delas saem umas lindas fadas, cada uma com longos vestidos, cintilantes, cabelos compridos brilhantes, olhos grandes, elegantes, e conversam alegremente umas com as outras. Espreguiçam-se, bocejam, e rodam os seus vestidos para se sacudirem.
Sara espreita à janela, abre os olhos e a boca até não poder mais, quando vê as fadas a rodar os seus vestidos, a passear pelo quintal e as flores sem cabecinhas, porque as cabecinhas eram as fadas a dormir.
Sara corre para o jardim.
- Mas o que é que se passa aqui? Quem são vocês? Vocês existem mesmo? De onde vieram? Quem vos deu autorização para virem para aqui?
As fadas riem, apresentam-se, e dizem que vivem nas flores que ela viu. A senhora nem quer acreditar, sorri e diz:
- Desculpem tanta pergunta…mas que antipática que eu fui…é que…então eram vocês que falavam, murmuravam e riam?
- Sim! Éramos nós.
- E como é que não vos via?
- Porque estávamos em botão!
- Apareceu o teu marido, ficamos com vergonha, voltamos a enrolar-nos.
Sara ri.
- Áh! Então, não estou louca…!
- Não.
- Claro que não.
- O teu marido é que não nos viu porque nós não quisemos.
- Nem vos ouviu.
- Pois não!
- E porque ele não acredita em nós.
- Pensei que estava a ficar louca, ou a ouvir coisas que não existiam na realidade. Era muito mau sinal.
- Existe…somos nós.
- Mas como é que vieram aqui parar?
- É uma longa história.
- Gostamos deste sítio.
- Sentimos as vossas boas energias.
- E viemos fazer-te companhia.
- O meu marido já me faz companhia.
- Sim, mas sentimos que gostarias de ter mais meninas à tua volta.
- E acertaram. (sorri)
- Podemos ficar aqui?
- Claro que sim.
- Vais poder assistir aos nossos ensaios.
- Ensaios…?
- Sim, de danças.
- Áh…adoro danças.
- Boa…até podes dançar connosco.
- Está bem. Se eu souber…mas…e o meu marido?
- Deixa o teu marido…
- Ele vai achar que avariei de vez!
As fadas riem.
- Aproveita para te divertires…não te preocupes com o que o teu marido pensa…desde que isso te faça feliz.
- Acredito que sim.
- Vê lá.
Umas fadas vão buscar os seus instrumentos às flores, e começam a tocar. As outras dançam com os grande vestidos a rodar, que se encaixam uns nos outros, cruzam e foram um lindo espetáculo de cores, quando se abraçam e rodopiam, entrançam os cabelos umas nas outras, sempre com um sorriso.
Às vezes rodam tão rápido que só se vêem riscos de cores, a passar como se fossem estrelas cadentes, e voltam a subir, descem. A Sara fica encantada, e quando as fadas mudam a música, Sara acompanha-as como se fosse outra vez criança. Isso fê-la sentir-se tão feliz, e cheia de energia, riu, saltou, mexeu-se, tanto como elas.
O marido apreciava-a da janela, preocupado mas ao mesmo tempo ria-se. Ele não via as fadas. Quando vai ter com Sara, viu que ela estava rodeada de encantadoras mulheres, e rapidamente elas voltaram a enrolar-se sobre elas próprias e a esconder-se nas flores.
- Estás feliz…! – Comenta Pedro
- Sim. Parece que renasci! – Diz Sara com um enorme sorriso
- Dá para ver. Que linda que estás…sempre foste, mas estás mais agora.
- Estou ótima.
- Eu sei…sempre foste ótima.
- Estas flores são especiais.
- Eu acho que vi alguma coisa…
- Viste! E eu tinha razão. Não estava louca, nem a ouvir vozes… era tudo verdade, tanto que agora dancei com elas.
- Com quem?
- Meninas…
E cada flor volta a desenrolar-se, e aparecer como fada, com os seus lindos vestidos.
- Olá! – Dizem todas
Pedro solta uma longa exclamação:
- Ááááááááááhhhhhhhh….com todo o respeito pela minha esposa… que lindas mulheres! De onde vieram?
- São aquelas flores que apareceram de novo!
- O quê?
- Isso mesmo!
- E foi com elas que dancei agora.
- Mas que lindas…
E as fadas dançam outra vez para eles. A partir desse dia, tornaram-se uma verdadeira família. Sempre que não atuavam, as flores enrolavam-se sobre si próprias, e repousavam nos pés, descansavam, conversavam com a senhora, riam, e quando queriam, saiam das flores, e andavam pelo quintal, livres, ajudavam Sara e Pedro a plantar, a regar e a colher os alimentos, e frutos. Eram as deusas de Pedro e Sara, como se fossem filhas.
FIM
Lálá
(4/Janeiro/2017)