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quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

A tradição das casquinhas de nozes

         Era uma vez uma aldeia isolada da cidade, com lindas casinhas todas em pedra, muito bem decoradas. Várias vezes por ano, havia uma tradição de lançar ao rio da aldeia, que nascia numa montanha, começava pequenino, quase só uma lágrima. 

         Mas rapidamente ganhava a forma de um fio de água, pela rocha da montanha abaixo, mais abaixo ficava mais largo, e tornava-se num riacho, que passava pelas pedras, de diferentes tamanhos. 

        O som da água era delicioso: poucos eram os que conseguiam ouvir o som da lágrima, mas o fio de água já se ouvia alguma coisa, e o riacho, quem o ouvia dizia que ele cantava e encantava as pedras por onde passava. 

         O riacho a cantar e a encantar as pedras fazia parte de uma história muito antiga da aldeia, onde se contava que o riacho era um homem que vivia por trás das rochas, na sua solidão e tristeza, chorava tanto que formou aquele rio, e a lágrima no início do rio, ensinou-o a cantar para as pedras. Pode ter sido inventada por alguém solitário, há muitos séculos atrás, mas fazia parte das memórias e da vida de todos. 

        Realmente, diziam que era isso que o fazia sentir-se feliz, elas gostavam de o ouvir, e das suas carícias. Depois o riacho alargava, rodeava as rochas, passava por cima de umas, mais rápido e por outras,  mais devagar, também aqui, diziam que era o solitário a cantar. 

        Depois de percorrer esse espaço, alargava mais ou menos, conforme a largura que a paisagem e as bermas dos campos permitiam. Todos adoravam esses sons, porque nas bermas mais largas e com rochas, fazia muito barulho, nas mais estreitas, corria mais devagar e quase sussurrava em alguns espaços, passando delicadamente por cima de outras rochas. 

         E mais próximo das casas, era um rio com muita água, com muita força, uma ajuda preciosa para moinhos, rega dos campos, e para os animais beberem. Além desta história, havia uma tradição, que não tinha dia certo. 

        Acontecia mais nas noites quentes de verão, e durante o Outono, à luz da lua. Lançavam casquinhas de nozes, do cimo da montanha, pelo rio abaixo, desde a lágrima até às casas. Umas casquinhas de nozes levavam velas acesas, outras levavam pirilampos, outras levavam cigarras e grilos, e em certas alturas o vento também participava, para dar uma ajuda. 

        Outras nozes, tinham pequeninas prendinhas, que eram ofertas de produtos da terra, partilhavam uns com os outros, com bilhetinhos que diziam onde podiam ir buscar, quem as apanhasse. Era um sonho ver as casquinhas das nozes como se fossem barquinhos, pelo rio abaixo, às voltas, a rodopiar nas rochas, a descer mais depressa e mais devagar. 

        Cada um sabia qual a sua noz, porque eram pintadas, outras decoradas com luzinhas de Natal, outras com desenhos, outras com o número da casa a quem pertenciam. Não era uma competição, nem para ver quem chegava primeiro, era para se deliciarem e conviverem, partilharem. Esse era o único e o mais valioso prémio. 

        Fotografavam, filmavam, aplaudiam, agradeciam a fartura das produções da terra, agradeciam a água, agradeciam uns aos outros, a amizade, a companhia, a partilha, a saúde e aquele espaço. Adoravam ver as casquinhas das nozes a circular ao sabor das correntes de água, que variavam e faziam sons diferentes. 

        Ficavam encantados, e relaxados! E vocês, se participassem nesta tradição, o que levavam na vossa casquinha de noz? Porquê? 

Podem deixar nos comentários. 

                                                                 FIM 

                                                              Lara Rocha 

                                                            29/12/2022

sábado, 3 de dezembro de 2022

Cabeça e coração, cansamos! - Monólogo ou peça de teatro para Adultos


M/H - Cansamos! E desistimos. Dizemos não, enquanto o coração insiste em dizer que sim. Não, não queremos desistir do que achamos que queremos, de quem pensamos ser a nossa alma gémea, o amor por quem tanto esperamos, com quem tanto desejamos estar, e pensamos que era para sempre! Mas cansamos, e acabamos por desistir, ao perceber com a maturidade que as pessoas que nós queremos, sonhamos, desejamos, não nos querem na vida delas. Criamos uma guerra entre o coração e a mente porque, o coração diz... 

CORAÇÃO - Não, não desistas, continua a insistir, se ele ou ela tiver de ser teu ou tua, será, a vida vai juntar-vos, o destino. Continua a acreditar, porque quando menos esperares vai aparecer. É sempre o que ouvimos dizer. Mas o coração acredita, porquê? Se do outro lado nem sinal, para que estamos a iludir o coração? Ou ele é que se ilude?

M/H - Se calhar gosta de sonhar como nós! 

M/H - Mas, e se não se realiza o sonho? 

M/H - Cansamos de esperar que apareça, cansamos de esperar que aconteça, cansamos de acreditar. 

OS DOIS/ 1 - Desistimos. 

M/H - Lá vem o coração e a mente, conversarem uma com a outra dentro de nós. A mente diz: 

MENTE - Esquece, ele, ou ela, não quer nada contigo, porque se quisesse já te teria procurado, ligado, mandado mensagem. Mas não fez nada disso. Ignora-te a toda a hora. Faz o mesmo! Esquece-o, ou esquece-a, ignora-o, ignora-a, é melhor para ti!». 

M/H - Mas o coração não gosta de ouvir essas palavras, e teima em não acreditar, então diz: 

CORAÇÃO - Não acredites no que estás a pensar. Acredita em ti, acredita que é possível, hoje ignora-te, amanhã pode procurar-te, hoje não fala, hoje não te liga, hoje não te responde às mensagens, mas pode ser que esteja ocupado, ou não ter tempo como diz sempre. Espera. Não desistas, é porque ainda não tem de ser já.

M/H - Vem a cabeça e contradiz: 

MENTE - Não acredites no que o coração diz. Não é verdade. Olha que ele ou ela não te quer, se ele ou ela quisesse alguma coisa contigo, arranjava tempo para te falar, para te ligar, para te mandar uma mensagem de vez em quando, nem que fosse para saber como estás, se precisas de alguma coisa. Se ele ou ela quisesse alguma coisa contigo, arranjava um minuto ou vários para ler as tuas mensagens, os teus e-mails, responder, perguntar. Ele ou ela não faz nada disso. Porque teimas em continuar a pensar nisso, em querer que aconteça, em querer que seja ele ou ela, ou a achar que é ele ou ela só porque achaste piada á cara dele. Não é só a cara que conta, até pode ser bonito, ou bonita mas não ser para ti. Não, não estou a dizer que és feia, ou feio, mas estou a dizer só para não te iludires, para não acreditares a 100% no que pensas, sentes ou achas que pensas e sentes. Desiste! É porque não tem de ser esse ou essa. É apenas coisa da tua imaginação, tu na verdade não sentes nada, a não ser atração, porque como podes sentir, querer, desejar alguém com quem te cruzas, vês nas redes sociais, ou no dia a dia mas nunca se falaram? 

M/H - Quem tem razão? A mente, ou o coração? 

M/H - Os dois, talvez! 

M/H (os dois, ou um/a) - Porque... 

M - Às vezes desistimos mesmo! Não porque queremos, porque na verdade queríamos era que os nossos desejos se realizassem, receber atenção da outra pessoa, mas desistimos porque cansamos. Não aguentamos mais continuar a esperar uma coisa que o coração até sabe que é real, ou seja, que o que nós desejamos não vai acontecer. O que tanto queríamos, ou não é mesmo para nós, ou ainda não é, nunca será. Isso não sabe, talvez, mas sabe que o melhor é mesmo esquecer. Esquecer...quer dizer...desistir! Não queríamos desistir, queríamos continuar a acreditar, mas é demasiada utopia, porque somos tantos no mundo, e podemos não ser o que a outra pessoa deseja. Também, como podemos querer se não a conhecemos. De que adianta gostar do físico que atrai, se na verdade não sabemos como é o outro, ou a outra, nem ele ou ela sabem de nós! Claro que todos fantasiamos, mas as fantasias na sua maioria não se realizam. Por isso de que adianta continuar a fantasiar sequer? 

CORAÇÃO - Fantasiar é só para dares mais força à tua vontade que quem sabe, pode realizar-se! 

MENTE - Ou não realizar-se, que será o mais certo. Temos olhos, podemos ver, gostamos de ver, faz-nos bem ver, de preferência caras bonitas, mas isso não quer dizer que aconteça alguma coisa. Somos tantos milhões, cruzamo-nos com tantas dezenas por dia, umas caras bonitas, outras que não nos atraem, como nós, alguém pode reparar em nós, e outros não. 

CORAÇÃO - Mas fantasiar é só para te desiludires! Enquanto fantasias, achas que vai acontecer, ou desejas que possa acontecer, mas não sabes se sim, ou se não! 

M/H - É por isso que cansamos! Não queremos desistir, mas cansamos. 

M/H - Cansamos de receber Indiferença, silêncio, frieza, em troca de atenção. Cansamos de dividir o coração com alguém que desliga, que nem repara no carinho, ou interpreta mal... 

M/H (ou os dois) - Às vezes desistimos, não porque queremos, mas porque cansamos! 

M/H - E cansamos da bondade...Quando recebemos de volta o gelo da indiferença, do silêncio. 

CORAÇÃO - Óh, não, não é caso para cansar, nem interpretar como gelo de indiferença, silêncio. 

MENTE - É claro que só pode significar isso, é dessa maneira que ele ou ela te trata: com indiferença, silêncio, é claro que sentem gelo. 

CORAÇÃO - A mente é que faz sentir-vos um cubo de gelo, mas não acreditem nela. 

M/H - Às vezes desistimos, não porque queremos, mas porque percebemos que não vale a pena! 

CORAÇÃO - Claro que vale a pena! Nada de desistir, as coisas podem mudar. 

MENTE - Claro que é melhor desistir, é claro que se cansam de esperar, de não receber nada em troca, o que esperavam, o que desejavam, o que sonhavam, de quem queriam. E não vale a pena! 

M/H - Às vezes, desistimos, não porque queremos, mas porque cansamos Da tristeza, da solidão. A cada desilusão, a cada ilusão que criamos. 

MENTE - Não tenho nada a ver com isso! 

CORAÇÃO - Tens sim, tu é que crias ilusões. 

MENTE - Pensa bem se sou eu que crio ilusões....pensa bem! 

M/H - A cada tristeza que sentimos, a cada perda, a cada derrota, a cada abandono...a cada doença, a cada maldade, a cada injustiça...Lançamos um pedaço de gelo para o nosso coração. 

CORAÇÃO - Confirmo! 

MENTE - A culpa é tua! 

CORAÇÃO - Ninguém te perguntou nada. 

M/H - Umas vezes grande, outras vezes pequeno, mas é sempre uma pedra de gelo! 

CORAÇÃO - É verdade, eu é que levo com elas. Uns pedaços de algumas  derretem, outros não! Uns transformam-se em lágrimas, outros ganham ainda mais força, peso e espessura. 

MENTE - Não tens vergonha de pôr as pessoas a chorar, e aceitas as pedras? Gostas de sofrer? 

CORAÇÃO - Tu também as atiras. 

MENTE - Era só o que faltava…! 

M/H - E quanto mais gelo acumulamos mais pesados ficamos e mais frios somos. Quem pode desfazer os cubos de gelo? 

CORAÇÃO - Isso também gostava de saber, porque não gosto nada de carregar com elas. Talvez tu, óh mente…! 

MENTE - Não tenho nada a ver com isso. 

M/H - Talvez...Cada um de nós, alguém, ou nunca os desfaremos. 

CORAÇÃO - Que medo! Que previsões terríveis…! 

M/H - Mas mais cedo ou mais tarde, o gelo torna-se visível Mais gelado, mais duro. E nós? Em que nos transformamos? Em nada A não ser… Gelo! 

CORAÇÃO - Em lágrimas! 

MENTE - E cada lágrima conta um segredo, nunca confessado! Aqueles momentos em que querem ser vocês a mandar mensagens, a ligar, a chamar a atenção, e têm de ficar com o desejo nunca realizado para vocês. 

CORAÇÃO -  As lágrimas veem-se, e cada lágrima transporta um sonho, uma recordação, recordações, felizes, tristes, doces, românticas que já viveram, mas não sabem se vão viver desta vez.

MENTE - Em cada lágrima, vai um sentimento, uma emoção, um medo, mágoas, rancores, iras, frustrações, que o outro não vê, porque te ignora. E tu continuas a acreditar, ou desistes?! 

CORAÇÃO - Eu digo, não desistas, porque tudo pode acontecer, tudo pode mudar, quando estiveres preparado, preparada para amar, quando curares as feridas que ainda não estão fechadas, quando te deres o direito de esquecer o passado, e pensar que o futuro será outro, muito melhor. 

MENTE - Tanta ilusão, pobre coração! Sejam realistas...não há respostas do outro lado, esqueçam, não vai mudar. 

CORAÇÃO - Porque é que és tão quadrado. 

MENTE - Não sou quadrado, tenho muitos caminhos, recantos. 

H/M - Cansaço, desilusão, realidade e a ilusão, razão, coração, emoção. 

M - Quem ganha? 

H - Quem tem razão? 

M/H (os dois) - Uma pergunta sem resposta. 

                                                  FIM 

                                             Lara Rocha 

                                            3/12/2022