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quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Pesadelos, medos, histórias, adultos e crianças


       Era uma vez uma menina que adorava ler, e sempre que acabava de ler um livro pensava: - «quem me dera ser esta personagem! Quem me dera visitar este lugar, quem me dera dançar como ela, quem me dera ter este cabelo tão bonito! Gostava de ter este animal. 

       Como já era crescidinha sabia que nada daquilo era possível, só na sua imaginação, e enquanto lia. Um dia estava tão concentrada e deliciada a imaginar-se, numa praia, uma história que falava falava de gaivotas e praia. 

       Ouviu o piar de um bando de gaivotas esfomeadas que voavam bem perto dela sua janela, numa grande barulheira, que de dirigiam para a lixeira. Ela nem queria acreditar, estava a ler sobre gaivotas e elas ali! Realmente era tudo como ela tinha lido sobre essas aves.  

        Ficou encantada e tentou imaginar onde iriam, será que iriam para as praias que descrevem nos livros? De certeza que não! Na cidade onde ela vive, as praias não eram assim! Cansou de ler, e sonhou com as praias que visitava nos livros. 

        Nas praias dos seus sonhos, o mar estava sempre calminho. As águas eram transparentes, limpas e com peixinhos. Às vezes apareciam golfinhos, sereias, para brincar com ela, dar grandes saltos, mergulhos e passeios pelo mar. 

         Mas uns caranguejos malandrecos também queriam fazer parte da brincadeira, e chamar a atenção, então, para isso, pensavam que estavam a dar carinho à menina, mas sem querter, puxavam-lhe os cabelos com as tenazes. Como ela gritava, eles pediam desculpa, e davam abraços à maneira deles sem magoar. 

        Passeava pela areia limpa e branca, e encontrava búzios, conchas e pedras, pequeninas, grandes, médias, e gigantes. O sol era escaldante e fazia brilhar a areia, como cristais preciosos, mas uma coisa muita estranha aconteceu. 

        De repente, o céu ficou coberto de nuvens, o mar agitado, com ondas tão grandes que pareciam querer engolir a cidade toda e tudo o que aparecesse. As ondas cresciam cada vez mais, e os cristais da areia brilhante, transformaram-se em vidros. 

       O vento fazia um barulho ensurdecedor, parecia gente a gritar. A menina sai a correr, muito assustada da praia, com muita dificuldade e quase sem ar porque o vento empurrava-a, e ela gritava. Acordou! Ufa! 

        Foi só um sonho, a tempestade estava a acontecer na sua cidade, com chuva, vento e trovoada, granizo, e por isso aconteceu no seu sonho. Que medo que ela sentiu! Como acordou muito nervosa, foi ter com os pais, os avós e os irmãos que estavam totalmente encantados com a tempestade, e mostravam-lhe os raios a fazer desenhos no céu, os clarões, as nuvens, o granizo.  

        Ela contou-lhes o pesadelo, e os pais disseram-lhe que foi da sua imaginação por ter estado a ler sobre aves, praia, sol, tempestades. Perguntou se ninguém estava com medo, todos disseram que não, e os pais até a lembraram que ela de certeza que já tinha lido sobre o que estava a acontecer! 

        Ela confirmou que sim, e apreciou a tempestade com os pais, os avós e os irmãos. Cada um dos adultos partilhou o que sabia sobre aves, tempestades, praias, ondas, chuva, trovoada, granizo, vento, e outros fenómenos. 

        Aproveitaram e falaram dos seus medos, em pequenos, riram muito, perceberam que já tinham passado, e dos medos agora em adultos, que tinham razão para alguns deles, outros não. Como estavam em casa e em segurança, divertiram-se e apreciaram a tempestade. 

E vocês? Têm medo de tempestades? 

Que outros medos sentem? 

Perguntem aos adultos que estão convosco, se não sentem medos. Claro que sentem medos, os crescidos também, não acreditem se eles disserem que não têm medos. 


                                                        Fim 

                                                       Lara Rocha 

                                                        23/Dezembro/2021 

      

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Monólogo de reflexão, silêncio que dói, revolta

        

        Começaste por me responder. De há uns tempos para cá...não respondes mais. Como dói receber o teu silêncio! Como dói o teu silêncio! Como dói a tua indiferença...Como dói não ter respostas para o teu silêncio. 

        Silêncio! Quero ouvir as palavras do teu silêncio. Quero ver cada palavra do teu silêncio. A que é que sabe o teu silêncio? Quero saborear e provocar, sentir alguma coisa no meu corpo...Boa ou má...Quero agarrar no teu silêncio.

        Quero saber se é um silêncio quente, ou um silêncio gelado! O silêncio que me mandas...é gelado!
E a cada silêncio teu, mais gelada me torno. O coração não quer o teu silêncio gelado. Porque é que és assim? Será que o teu silêncio diz alguma coisa, ou muita coisa?

        Diz-me...Mostra-me o teu silêncio. Eu quero saber o que é que ele diz...Quero ouvir palavra por palavra...letra por letra...Gostava de sentir o teu silêncio. Gostava de o transformas em pessoa...Será que o teu silêncio é uma criança que pede colo?

        Será que o teu silêncio sofre? Será que o teu silêncio tem medo? Será que o teu silêncio tem sonhos? Será que o teu silêncio tem lágrimas? Será que o teu silêncio tem risos? Será que o teu silêncio tem sorrisos?

     Será que o teu silêncio é um mistério? Sim, é um mistério. Que eu gostava de entender...De entender o teu silêncio! Gostava de saber o que fazes com as luzinhas que te mando. Gostava de saber o que fazes com as minhas palavras, com os carinhos...

        Porque não me respondes? Porquê essa tua indiferença em relação a mim? Porque não me envias as tuas palavras? Eu gosto delas, gosto de ti...É por isso que não me respondes? É por eu gostar de ti?
És mesmo ignorante. O meu gostar de ti não esse que tu pensas, o meu gostar de ti é sincero, inocente, com o coração...

        Não é um gostar de amor...ou de desejo. É um gostar de carinho, um gostar sensível, um gostar, que nada tem de assustador. Meto-te medo? Porquê? Porque é que as tuas palavras tão bonitas ficam presas para mim?

        Porque é que o teu silêncio não fala? Ele existe...mas porque não me diz nada? Porque é que o teu silêncio foge? O que esconde o teu silêncio? Eu não gosto do teu silêncio. Não o entendo. Diz ao teu silêncio que fale comigo...Fala, silêncio...Fala.

                                                                        Lara Rocha 

monólogo: como se...

 COMO SE...

        Escrevo-te como se fosses ler o que escrevo, mas talvez não leias o que te escrevo, ou será que lês? Porque não respondes! Pergunto-te como se fosses responder-me, talvez leias as minhas perguntas, mas por qualquer motivo, não me respondes! 

        Desabafo contigo, como se fosses dizer-me alguma coisa que me consolasse...Quer dizer, que eu gostava de ouvir de ti, ou esperava ouvir de ti. Mas de ti só ouço o teu silêncio que me congela. Se é o teu silêncio que recebo, então porque te escrevo, pergunto e desabafo? 

       Como se me fosses ler, responder, consolar…? Se sei que a única resposta que me devolves
É o silêncio, a indiferença. Escrevo-te, pergunto-te, desabafo contigo, como se me ouvisses, como se me compreendesses, como se me consolasses. 
        
        Envio-te carinho...Como se mo devolvesses, nem que fosse só com palavras. converso contigo, como se conversasses comigo, como se me acarinhasses nem que fosse com as tuas palavras doces.
Escrevo-te, pergunto-te...Como se me fosses responder, talvez na esperança de que um dia destes
eu receba de ti palavras, respostas, consolos.

        Diz-me...O que vou fazer com todo o carinho que tinha para te dar, Que ficou preso em mim, e que tu me obrigaste a fechá-lo? Sim, todo o que ficou contigo, e o que ainda era para ti, Antes de receber o teu silêncio e indiferença? 

        Diz-me...E o carinho que te dei? O que fizeste com ele? Chegou a ti, ou fechaste-lhe a entrada do teu coração? Diz-me...O que vou fazer a todos os restos de desilusão que deixaste me mim? Com todas as mensagens que ficaram sem resposta,  com toda a ingratidão?

        Diz-me...O que vou fazer com o teu gelo? O que vou fazer com os sentimentos bons que fizeste nascer em mim? Já fiz! Esses guardei-os num lugar especial, aqueles em que trocamos algumas palavras simpáticas, e fugazes. 

        Aqueles momentos em que pelo menos agradecias...Porque deixaste de o fazer? Porque é que descaradamente passaste a ignorar-me? Como se eu não existisse, como se não me visses...É claro que me vias! É claro que sabias, e sabes que eu existo, porque fazes isso comigo? 

        Diz-me...O que vou fazer contigo? Isso não precisas de dizer, mesmo que queiras...Já sei qual é a tua resposta...É igual às anteriores. Indiferença! Silêncio! Distância! Ingratidão! Diz-me...O que vou fazer contigo, com o gostar de ti, mesmo sem ser correspondida, com a tua energia boa. 

        Porque não dizes nada? Desliguei-me de ti. Não porque quisesse, Mas porque és tu que me fazes agir assim. Sim, tu! Eu não queria ser como tu: desligada, indiferente, fria, distante. Não queria ser nada como tu, apesar de gostar de ti.

        Mas a forma como me tratas, é assim que me obriga a tratar-se...É uma retribuição. Acredita. Não queria fazer isso, mas fi-lo...Porque...CANSEI! As tuas respostas cansaram-me, a tua indiferença cansou-me, a tua ingratidão cansou-me, o teu silêncio cansou-me! 

        Cansei-me de te dar o que não me davas, nem o mais essencial e primário...um...«obrigada/o». A DESILUSÃO apoderou-se de mim. Como podes ser assim? Eu não sou perfeita, e podias não gostar de mim, nem podias gostar...Não tens tempo, não é? 

        Claro, tempo...o tempo tem as costas largas, e anda de mãos dadas com a vontade. Querias preza fácil, e rápida, para consolares os teus olhos, mas o que ia adiantar…? Isso iria preencher a tua alma? 
Não tens tempo para mi, mas tens para todos os outros/as...Só para mim é que não tens tempo? 

        Porquê? Não tens tempo para conhecer alguém difícil, que não se mostra facilmente, mas mostra-se. Só tinhas de ter tentado...Só tinhas de ter «perdido algum tempo». Diz-me...O que vou fazer com a decisão que tomei? 

        Igual à tua, mas difícil de aceitar? Sim, para mim é difícil...Porque eu não queria fazer o mesmo que tu. Diz-me...Porque te afastaste, sem dizer nada? Diz-me...Como vou desprender tudo o que eu tinha de bom para ti? 

        A quem vou dar? A quem vou abrir o meu coração? A quem vou mostrar a minha luz? Foi a minha luz que não te permitiu olhar para mim, e receber tudo o que eu tinha para ti? Diz-me...Porque decidiste não dizer mais nada? Porque passaste a ignorar-me? Porque te tornaste indiferente a mim? Porque me obrigaste a mudar? 

        Diz-me...Já sei que não me dizes nada! 

                                                                        Lara Rocha 

Aquele sorriso de criança

desenhada por Lara Rocha 
    

    Às vezes a vida brinca connosco. Junta-nos e separa-nos. Umas vezes aceitamos bem, outras nem tanto, dependendo da pessoa que é, do que tivemos com ela. Algumas felizmente afastaram-se de nós, outras, lembramos de vez em quando mas achamos que nunca mais as vemos, temos apenas recordações fugazes, que se perdem no espaço rapidamente. 

        Mas o destino às vezes volta a juntar-nos passados uns anos, de forma inesperada, como aconteceu ontem. Ontem passeava-me pelos Jardins do Palácio de Cristal, e apanhava sol sentada no banco, perdida na paisagem. (p.c) Uma paisagem para a Ribeira…com águas cristalinas e rastos de brilho do sol… (p.c) Que lindo! (p.c) Pelo canto do olho vejo um rapaz, mais ou menos da minha idade, que me olhava fixamente. 

        À primeira vista não o conhecia, até que ele sorriu, e cumprimentou-me, sorriu-me. Com aquele sorriso…acendeu-se um pequeno flash na minha cabeça…eu já tinha visto aquele sorriso lindo, de malandreco, mas cheio de meiguice em algum lado, mas agora, num corpo de homem. 

        Ele percebeu que eu não estava a reconhece-lo, e começou a falar comigo…fiquei boquiaberta…afinal conhecíamo-nos tão bem…! Tínhamos estado juntos no hospital, ainda muito pequenos, há uns bons anos atrás…! Por causa de familiares nossos…eu tinha lá a minha Avó internada, e ele tinha lá o Avô dele. 

        Nós os dois tínhamos brincado juntos, e tínhamo-nos tornado amigos…mesmo depois dos nossos familiares terem saído do hospital, trocaram contactos, e ainda nos encontramos várias vezes. Mas entretanto, crescemos, e cruzávamo-nos de vez em quando… na rua, ou nos centros comerciais…sorriamos um ao outro, mas nada demais…Até que ontem…ele reiniciou as nossas conversas. 

        Falamos essa tarde toda, trocamos contactos, rimos muito, recordamos as nossas brincadeiras…foi tão engraçado! Há coisas que ele ainda mantém…os cabelos aos caracóis, castanhos…que lhe ficam lindamente… e um sorriso…aquele sorriso que tinha em criança! E que lindo que está! Um homem…elegante, simpático, meigo…com um sorriso de criança! 

        Hoje…daqui a bocado…sairemos outra vez juntos. Foi tão bom! E ele disse que eu estou na mesma, os traços da cara, que ele se lembrava de mim, ainda são os mesmos. O Mundo é mesmo pequeno! 

        E há características nossas, físicas e mesmo psicológicas, que por mais que os anos passem, não mudam. Como aconteceu com o sorriso daquele rapaz…agora homem…com um lindo sorriso de criança.  

        Fica tão atraente…! Pude perceber que nele, tal como em mim, a criança interior que fomos, mantém-se bem viva ainda hoje, e que tanto a minha criança, como a dele, reconheceram-se através dos nossos olhos, ou do sorriso. 

        E ontem…as duas crianças voltaram a rir, a brincar uma com a outra, a chorar, a trocar carinhos e a relembrar momentos felizes que passaram juntas. É por isso que hoje, os dois na casa dos 30…ainda somos as crianças que fomos, num corpo maior, transformado. 

        Que saudades de quando éramos inocentes…quando não tínhamos maldade, nem más intenções. Foi tão boa a nossa infância. Quem sabe, se as nossas crianças interiores, não olham uma para a outra, e não se descobrem, com os olhos do coração! 

        Estamos os dois solteiros…livres…descomprometidos…Pode ser o destino a juntar as duas crianças que um dia se encontraram, para continuarem a ser crianças, numa só alma…juntas num amor sincero, puro, verdadeiro e inocente. A minha criança espera pela tua, e a tua espera pela minha. 

                                                                    Fim 

                                                                Lara Rocha