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sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Demência de uma hipocondríaca (monólogo) psicólogos; estudantes de psicologia; população em geral


Demência de uma hipocondríaca
                  MEMÓRIA NOSSA DE TODOS OS DIAS!
(monólogo) 
 

                                                        (desenhado por Lara Rocha) 

Todos os dias temos memória! Memórias.  A memória faz-nos mover, agir de forma automática, quase sem pensarmos, principalmente naqueles gestos rotineiros, aprendemos, lemos, estudamos, escrevemos. 

 Pela memória emocionamo-nos (ou re-emocionamo-nos), rimos às gargalhadas, choramos, sentimos saudades, e vontade de repetir determinados momentos, ou lembramos acontecimentos que queríamos esquecer, e esquecemos por vezes recordações que gostaríamos de reavivar todos os dias, falamos, pensamos, decidimos, sentimos o mundo à nossa volta, defendemo-nos de agressões internas e externas.

A memória por vezes corresponde a momentos, outras informações ficam armazenadas, e umas são ativadas sempre que necessário, outras parece que se apagam. 

A memória pode ser tão fugaz como um suspiro, dá sentido à nossa vida e à nossa existência, às nossas relações, pois permite-nos armazenar informações relativas a rostos e dados sobre as pessoas que nos são familiares, permite-nos andar com segurança por espaços, e conhecer outros, sem esquecermos as nossas origens, a memória conta histórias.

Em todos os tipos de memória, há a conservação do passado através de imagens ou representações que podem ser evocadas. Não há tempo sem um conceito de memória, não há presente sem um conceito de tempo, não há realidade sem memórias e sem uma noção de presente, passado e futuro. 

A memória é o armazenamento e evocação de informação adquirida através de experiências, e a aquisição de memórias designa-se aprendizagem. Memória e aprendizagem estão interrelacionadas, as memórias, tal como os sonhos, planos e projetos, nascem do que alguma vez percebemos ou sentimos. 

Mas a memória também nos atraiçoa, não dura para sempre, tem quebras, falhas, lapsos que nos assustam. Ninguém imagina a angústia que me assombra! A mim e a toda a gente, mas parece que só eu, em nome de todos os que sofrem do mesmo que eu, tenho coragem de assumir esse medo. 

É que ninguém imagina, nem sabem que sou uma mensageira enviada pelas deusas angelicais, desde o dia em que nasci, para denunciar, ser a voz… dos medos das pessoas. Aqueles medos secretos, que se escondem debaixo de sorrisos amarelos e falsos.

Eu ainda tentei negociar com elas, e disse que não queria, porque não sou coscuvilheira. Disse que não queria essa missão, porque todos os seres humanos, são um bando de falsos. Usam máscaras. Eu sou a única que não uso máscaras, por isso é que elas me escolheram.

Sim, e medo é pouco. Acho que é mesmo fobia ou lá o que quiserem chamar. Tenho muito medo de ter demência. Eu acho, acho não, tenho a certeza… que ela já está em mim. De certeza que todos vocês também notam que estou a ficar demente. Se é que sabem o que isso é. Ainda é um segredo para muita gente. Não sei porquê, afinal estamos todos sujeitos.

Toda a gente à minha volta me rotula, dizem que sou louca, que preciso de tratamento psiquiátrico, que estou a delirar, que tenho a mania das doenças. Como é possível? Até me magoam. Só quem tem demência, sabe e sente a dor que é.

Já se imaginaram dementes? Também vos chamaram loucos? Como não ter medo de uma cena dessas… ai…como se chama…? Óh, lá estou eu. Já me esqueci. O que é que eu estava a dizer? Acho que era sobre…a loucura, não era?

Já não sei o que disse, mas repito outra vez o meu terror, que é o de todos vocês, só que não assumem: ficar…esquecida de tudo! Já aconteceu comigo, mas dizem que sou muito nova, ainda sou uma criança. Ora…já nem sei que idade tenho, a família diz que sou uma criança. Não acredito que seja uma criança. Porque se já tenho demência, a demência é dos mais velhos, por isso já devo estar com bastante idade.

Até o espelho me engana, e concorda com eles que dizem que ainda sou uma criança. Não sei se sou aquela que aparece no espelho, não a conheço. Eles, todos os que me rodeiam estão a enganar-me. Tenho a certeza…ou acho eu! Tenho a certeza. Estão a esconder-me o meu real problema. A demência.

Ou foi aquela maldita que me roubou o meu amor, claro, só pode…ela deve ter feito algum feitiço contra mim, levaram-me ao hospital, e disseram para lá que eu tinha uma depressão, grave, é claro. Comigo é sempre tudo o pior.

Estúpida, roubaste o meu amor, e ainda por cima lançaste-me um feitiço, mas vais pagá-las! Não vou ser eu que me vou vingar, mas alguém, estás rodeada de gente má…cornos vais ter com toda a certeza! Que grande pinta! (gargalhadas) Uau, vão ficar a matar. Eu também os tive, e tu não és mais do que eu! Aliás, deves ser bem menos que eu, para ele gostar de ti, quando me tinha.

Será que ele também já sabia que eu estou demente ou que tinha muito medo de estar demente? E não me disse nada? Deixou-me…mas que maldoso. É o que ele merece, porque na prática também não era flor que se cheirasse. Era um babadola. Não podia ver uma mulher. Acho que na realidade, ele nunca me viu, porque se me visse, dava-me um beijo daqueles que me aspirava, e quebrava o feitiço daquela cabra!

Ele nunca me deu desses beijos, mas era um dos meus sonhos a realizar com ele. Monstro! Tínhamos tanta coisa para viver e realizar. Ele é que deve estar demente, para ter gostado daquela porcaria.

Até ela deve ter demência, ou tem medo, mas arma-se em forte! Sim, claro, ninguém está livre de ter uma cena dessas! Áhhh,,, onde é que eu ia? Estava a falar de quê? Isto é sinal de demência. Eu li!

Outro sinal… eu olho para o espelho e para as fotos e não sei quem é aquela mulher. É por isso que eu digo que me querem muito mal. De certeza que entraram no meu cérebro e apagaram uma série de lembranças. Não sei se foi lá no…como se chama…onde estavam todos vestidos de branco, os que me esconderam que eu tenho demência, e inventaram que era depressão.

Se calhar são as porcarias que eles me mandaram tomar. Sinto-me muito estranha! Aquilo deve ser droga, deve ser isso que apaga a minha mente…é que estou perdida no espaço e não sei onde estou, nem que dia é hoje.

Aqueles de branco disseram que era próprio da…como se chama? Óh! Já me esqueci outra vez. Bem, eles disseram que era da tal…depressão grave. Mas não sei porque dizem que é depressão, se eu tenho mesmo é…demência!

Eu sei que é! O não saber onde estou, nem me conhecer também é sinal de demência. Ou foi aquela bruxa que mexeu na minha cabeça e roubou-me tudo, até o meu amor. Não sei se o nome dele era esse, mas sei que ela mo roubou.

Eu sempre soube que estava rodeada de gente má! Gente que me odiava e que só me queriam mal. Mas porquê? Eu sempre fui boa para eles, ao contrário do que eles dizem, só que às vezes tinha mau feitio pelo que dizem.

Não sei se tinha, porque eles são muito suspeitos a dizer isso. Toda a gente tem mau feitio, e se eu fui má, assim tão má como eles dizem, é porque eles provocaram. Claro! Eu não ia ter mau feitio assim às boas, só porque eles diziam.

Só me queriam fazer mal. Mas porquê? Eu sempre fui boa para eles…que mal agradados, ou lá como se diz. Esqueci-me como se diz, Óh valha-me não sei quem! Vou de mal a pior. Também aquela que aparece nas imagens e no espelho, podia dar-me uma ajuda. Se calhar foi enviada por aquele monstro que só me quer prejudicar.

Cá para mim foi o tal amor, que não me lembro se era assim que se chamava, mas era o que acho que lhe chamava. Não sei o que é que ele tinha para eu gostar tanto dele, mas eu gostava. Já devia ser a bruxaria da outra a começar.

Como é possível eu esquecer-me da cara de quem chamava amor? Amor…não me lembro da cara dele, mas sei que é bom o que sinto quando digo o nome dele…amor…! Como é possível haver gente tão má, para lançar feitiços, e principalmente, conseguem pegar. Em mim, e no tal Amor.

Não sei se ele está como eu. Não consigo encontra-lo. Ele estava sempre à minha beira, mas como desapareceu…nunca mais o vi. Foi aquela que o levou, só não sei para onde. Mas eles estão a esconder o meu verdadeiro problema.

Até o Amor saberia qual era o meu problema e pôs-se a andar. Lá porque parece que já estou velha, nem sei quantos anos tenho. Isso é outro sinal de que tenho demência.

Eu li isso. Felizmente agora a internet tem todas as informações, assim não nos deixamos enganar. Só que no meu caso, sou eu a dizer uma coisa, e aqueles de branco a dizer outra coisa completamente diferente.

Eles é que estão errados. Tudo o que eu li, bate certo com a demência. Têm muito essa mania de esconder dos velhotes, os verdadeiros problemas. Que falsidade. Não sei como aturam isso. Até inventam outros nomes, mais mimosos, estão a brincar com uma coisa muito séria. Não gosto nada disso.

Não lhes adianta nada esconder, porque eu sei que é isso que eu tenho… demência. Acho que não vou acabar bem. Porque a tendência desta doença é piorar, e a minha já está adiantada!

Não tardará nada, eu sei, eu li isso, perder-me-ei na rua. Aliás, isso já acontece. Já imaginaram o que é…? Que medo! Já não me deixam sair à rua sozinha. Eles não dizem, mas de certeza que é para tomar conta de mim, a ver se não me perco. Não gosto destas brincadeiras de esconder coisas sérias.

Não ia mudar nada, se me dissessem que tenho mesmo é demência. Eu já sei que sim. Porque é que fazem isso comigo? Não sei que mal lhes fiz. Eles e elas é que se fartam de me fazer mal. Que nojo. Insensíveis.

Escondem-me a demência, com a máscara da tal…depressão grave, que eu nem sei quem é. Mas fartam-se de falar nela. Deve ser alguém de muito valor, para se ter encostado a mim. Sim, porque só se encosta a mim quem tem mesmo valor.

Porque eu não sou qualquer um…ou uma…também não interessa se sou um ou uma, porque na realidade ela encosta-se a cada um, a quem quer, pelo menos ela não se importa com rótulos.

A tal…depressão, pelos vistos gosta de toda a gente. Cá para mim, ela é uma falsa. Deve fazer-se de simpática e boazinha com todos, e depois, nas costas trama…dá facadinhas! A mim também me deu facadinhas, facadinhas não… facadonas! Está aqui a prova, no meu corpo! Óóóhhhh… cicatrizes por todo o lado.

Sabem o que me disseram disto? Que fui eu que me cortei. Como? Mas alguém acredita? Impossível… acho que ninguém é tolinho para se cortar de propósito. Mais uma vez disseram que era a tal…depressão. Será que foi ela que me cortou?

A missão que me deram as angélicas foi assumir os meus medos e denunciar os medos dos outros. às vezes parece que uso uma máscara, ou então, alguém me invade e fala por mim, porque sou tímida, mas ás vezes, falo como se não houvesse amanhã. Não sei de onde me sai tanta palavra. Parece que engulo no ar um monte de palavras.

Aqueles falsos…tenho a sensação que…já sei, foi aquele monstro que incluiu isso no feitiço que me lançou para toda a gente se afastar de mim! Claro, quem é que está para aturar alguém que parece um rádio ou uma rela?

Mas ela vai ver! E ele também! Eu não atribuo as culpas do que me acontece, aos outros, mas nisto, eu tenho a certeza que foi ela, e ele também, que era tão idiota que de certeza caiu que nem um pateco no feitiço dela.

Eu não digo que a culpa é dos outros, mas neste caso, é! Eu não sou louca, nem sou assim tão tagarela que não me calo. Eles é que me fazem falar demasiado. Não sei se são eles, ou se são elas…para eu cumprir a minha missão.

Os outros nem precisam de abrir a boca, para mostrarem as suas máscaras. Eu, ou alguém que toma conta de mim, percebo muito bem as falsidades. Mas todos acham que sou uma idiota.

E eu finjo que acredito neles, e não lhes conto sobre a minha missão. Mais cedo ou mais tarde revelam-nas, mas primeiro sou eu que as vejo. O que fazem com elas não sei, nem me interessa, nem tenho que me meter nosso. só lhes levo as informações.

Mas eu não uso máscaras! Os outros é que as usam. Às vezes, só finjo que acredito, é diferente de usar máscaras. Estou rodeada de falsos. Mas, eu estava a falar de quê? Raios. Já me esqueci outra vez.

Como é que se atrevem a tornar a coisa leve, com o rótulo de…depressão profunda? A depressão profunda não dá nada do que eu tenho. Não dá esquecimentos, e esqueço-me de tudo. Não dá confusão mental, bem, isso, eu às vezes tenho…não sei onde estou, nem que dia é, nem semana, nem mês…os que ficam na companhia da tal rapariga de que tanto falam…a…como é que ela se chama?! Ai, Santos, ajudai-me! A que dizem que eu tenho…depressa ou algo assim. Depe…qualquer coisa. Eles é que estão com ela. Mas claro, os outros é que têm sempre a culpa. Estão a ver como são falsos?

A culpa é deles, e estão a dizer que a culpa é da tal rapariga. Eu se fosse à tal rapariga ficava muito zangada, pior que um bicho. Insultava-os. Ela deve ter mais o que fazer do que me fazer companhia e comandar-me!

Na, na… isto que eu tenho…é demência! Eu li sobre isso. Já não se pode confiar naqueles de roupa toda branca. Aliás, acho que nunca se pôde confiar. Não me lembro se alguma vez estive com eles, mas supostamente não. Só quando me falaram da tal rapariga é que…eu vi-os, mas de certeza que não estive com eles antes, porque não os reconheci.

Estão a ver? Não há dúvida. Eu ~sei mais que eles, também não sei se a missão deles é ensinar, mas debaixo daquela máscara deles, não sabem nada. Nem sabem dizer que a minha verdadeira doença é demência, dizem que é depressão grave! Vejam lá, vão ao médico por causa de sinais de demência, e ouvem dizer que é a rapariga. Ela não apareceu.

Não sei o nome de nenhum deles, mas sei que disseram que não tenho demência. Ora! Acho que vou ter que lhes ensinar as diferenças entre a depressão profunda e a demência. Também não sei quais são! Tenho de ir ver à internet, e fotografo. É, pode ser.

A outra que me comanda ou que vive em mim, a que me ajuda a descobrir as máscaras, bem me disse, não sei o quê, mas sei que na verdade ela quis dar-me sinal da falsidade deles! E estava certa. Eles estão a mentir sobre a minha doença. Não sei para quê!

Tudo o que li, bate certo com demência, e não com a maneira de ser da tal gaja…a…como é que ela se chama? A…ai.,. depressão. Coitada. Que nome! Ela se calhar é um fantasma porque nunca a vi. Fartam-se de falar nela. Deve ser alguma personagem mística. Que mauzinhos. Podiam ter escolhido um nome mais simpático para ela.

Um dia destes, eles vão dizer que tenho razão. O que eu tenho mesmo é um medo desmedido de ter demência, um medo que me domina por inteiro, e que me faz sentir tudo o que caracteriza essa doença. Porque sou hipocondríaca.

Talvez esteja com depressão profunda, depois de ter levado com enfeites na cabeça, aquela armação que muitas recebemos, mas a depressão e dor passam, têm tratamento. Agora…a demência…tenho muito medo de ter. Os sintomas aparecem em muitas perturbações, mas a que tenho realmente muito medo é a demência.

A demência separa-nos dos que amamos, dos que não queremos esquecer, dos que sempre se lembraram de nós, e nós deles. A demência apaga-nos as recordações mais felizes, os lugares por onde passamos.

As pessoas que conhecíamos tornam-se estranhos mascarados. Temos medo de tudo. Perdemos a noção de tudo, do espaço, do tempo, de nós, dos outros. claro que temos muito medo da demência. E quem é hipocondríaco, fica demente só de ler os sintomas, ou com sintomas de depressão grave.

Não há que ter medo da depressão, porque tem cura e pode ser prevenida!  A demência não tem cura, mas pode ser prevenida em parte. Mais importante do que ter medo, é fazer o que for possível para não evoluir.

Hipocondria, demência ou depressão…tudo se resume a… medo!



Fim

Lara Rocha

11/Novembro/2019






minhas queridas sombras - momólogo e diálogo sobre anorexia e bulimia (psicólogos; estudantes de psicologia; população em geral)


Minhas queridas sombras

1ª parte – monólogo



            Minhas queridas sombras! Onde estão? Abandonaram-me? Fizeram como todos os outros? Ingratas, depois de tudo o que vivemos juntas naquele nosso sítio secreto! O deserto escuro sem água, sem comida, só eu e vocês. Era tão bom. Fartamo-nos de trocar carinhos, brincar rir e fotografar. Fizemos longas caminhadas, rolamos na areia, treinamos andares.

Esquecia tudo, enquanto estava lá convosco. Até me esquecia de mim mesma, que era o que eu queria. Lá não havia espelhos, felizmente. Era tão agradável aquele espaço. Melhor que a realidade assombrada que me cerca, cheia de gente falsa, julgadora, que só critica, humilha, fere.

Tenho saudades vossas, apesar de quase me terem matado, eu sentia o vosso apoio. Sei que só fizeram isso para me ajudar a concretizar o meu desejo, de emagrecer. Vocês amavam-me, davam-me valor! Nunca me chamaram gorda, baleia, nem recusavam entradas, não me rejeitavam.

Eu queria ser como vocês, por isso é que me juntei convosco. No meio de tanta indiferença, vocês preenchiam-me. Nunca vos encontrei na cidade, entre todos os que passavam por mim indiferentes, a olhar de canto e a apontar, a disparar risinhos, e comentários.

Não era esta vida que queria, mas é esta a que tenho agora. Dizem que foi escolha minha. Mais uma vez, lá está a maliciosa sociedade que só sabe apontar o dedo. Tanta falsidade! A vida que tive já desapareceu, e depois desta vida, terei outra com certeza muito diferente. Não sei como será, mas uma coisa é certa: não voltarei a passar fome para agradar aos outros.

Ainda tenho pouca força, e estou aqui a receber vida por este tubinho. Foi fácil espetarem-me uma agulha nesta minha mão, que só tem pele e osso. Não sei se doeu, se não doeu. Não me lembro de mais nada. Sei que estava a caminhar pelo deserto, vocês não estavam lá, o deserto ficou cada vez mais escuro, parecia que tinha sido engolida por um buraco de areias movediças, e afundava-me não sei onde.

Eu procurava-vos. Fiquei triste como a noite por não vos ver lá, no sítio de sempre onde já fomos tão felizes. Acho que foi isso que acabou comigo. Algo neste tubinho impede-me de me encontrar convosco, e ir para o nosso esconderijo.

Tenho saudades vossas. Não sei há quanto tempo não nos vemos, perdi a noção de tudo! Aliás, nem sei há quanto tempo estou aqui. Ouço para aqui a falar em números e não sei sobre o que se referem.

Não sei quem é esta gente. Não sei se isto que vejo é real ou não. Não sei se isto que vejo é uma mão ou um engaço, um garfo ou um pente. Estou muito confusa das ideias. Umas que andam sempre por aqui dizem que é a minha mão. Até essas são cruéis.

Tenho de vos agradecer, queridas sombras, por me terem ajudado a atingir o objetivo de ser elegante. Esta sociedade respira e explode em maldade por todos os poros.

Quando era gorda, chamavam-me um jardim zoológico ambulante, uma incrível variedade de bichos… vaca, porca, baleia, tubarão, lontra, foca, monstro, e produtos de mercado, como pote de banha, banha de porco, bola de unto, e outros piores que eu nem conhecia.

Todos os outros, riam, não sei onde estava a piada. Se estou elegante, dizem que estou magra ou perguntam-me se estou doente. Se estou um balão, perguntam se estou grávida.

Tudo o que era diferente, comentavam, até os meninos com deficiência, eram gozados, humilhados, imitados, afastados, desrespeitados. Para que comentam?

Os meus pais nunca se pronunciaram sobre isso, mesmo assim, eu achava que eles não gostavam de mim por ser tão gorda. Eu queria emagrecer para deixar de ouvir aqueles comentários maldosos, e para agradar a todos, para não afastar os meus colegas, ter muitos amigos, ser apreciada, e escolhida, ter namorados como as outras meninas que eram magrinhas.

Eu detestava-me ver ao espelho, ter de me despir e vestir em frente às outras, porque elas riam-se e chamavam-me gorda. Quando eu ia tomar banho, fugiam, e nos balneários punham-se bem longe. Nas aulas não queriam ficar á minha beira.

Ficava triste como a noite! Fiz de tudo para emagrecer, consegui umas míseras gramas perdidas, quando a médica de família regrou a minha comida. Cortou-me à ração. Consegui cumprir, mas sempre que sentia fome, comia o triplo, a toda a hora, escondida.

Não percebiam que o comer tanto deixava-me feliz, preenchia o maldito vazio dentro de mim que aumentava de dia para dia com a solidão cada vez maior. 

E eu, engordava! Claro que só podia engordar. Quanto maior era a minha vontade de emagrecer, mais eu engordava, e mais me apetecia comer, com o desgosto. Cheguei a uma altura em que não queria saber do que os outros pensavam, o mais importante era eu preencher-me. Era tudo sol de pouca dura.

Quando aderi aos conselhos da médica, pesava-me todos os dias, várias vezes por dia, e o maldito peso assombrava-me. Estava sempre na mesma! Não descia nem uma grama.

Desisti. Continuei a comer. Só quando vos conheci, querida Anorexia e querida Bulimia, é que consegui emagrecer. Primeiro conheci a Bu, Bulimia. Era linda, uma rapariga sexy, simpática, magra, que me ensinou o segredo dela para ser magra!

Vomitar depois de comer. Claro! Mas que ideia genial, como é que eu nunca tinha pensado nisso? Era uma maneira fácil. Que espetáculo. Quase a pus no altar. Quando apliquei esse truque, consegui finalmente emagrecer.

Conseguia controlar a cena. Uau! Que liberdade. Era um alívio indescritível. Habituei-me, e os vómitos várias vezes por dia, depois de comer tudo o que mais gostava e queria, fizeram parte do meu ritual diário.

Senti-me poderosa a ninguém reparou. Esse foi o problema. Ninguém reparou que havia qualquer coisa de diferente em mim. Como era possível? Eu ia todos os dias para a balança, várias vezes por dia, e perdia uma grama de cada vez. Era uma festa quando perdia um kilo depois de quase um mês a vomitar o excesso.

Não ficava satisfeita, é claro, porque o excesso continuava. Queria uma coisa mais rápida…então…além de provocar o vómito, enfrasquei uma série de produtos laxantes e de emagrecer, comecei a ter disenterias, cólicas horríveis, dores de estômago e da cabeça, acidez, mas a partir daí, as coisas começaram a melhorar.

Eu achava que sim, independentemente dos efeitos secundários. Emagreci realmente mais rápido. E tu, querida Bu, sempre presente do meu lado, a incentivar-me a não desistir e a continuar.

Obrigada, amiga! Era de pessoas como tu que eu precisava, mas ninguém à minha volta fazia isso. Escondia isso tudo dos meus pais, e comia com eles, como se estivesse com fome, e tudo estava bem.

Mas tu, Bu, era assim que eu te tratava carinhosamente, achaste que me estava a sentir sozinha, e para me incentivar, apresentaste-me a Ano, como carinhosamente a tratava, porque o nome dela era estranho… Anorexia!

Ela era uma brasa, até fazia inveja! Pálida, pele e osso, e com olheiras. Usava uns vestidos que lhe ficavam na perfeição. Foi muito especial quando comecei a andar mais com ela.

Ela foi tão espetacular e gostou tanto de mim à primeira, que não largava. Ensinou.me muita coisa, principalmente, fez com que os outros começassem a reparar mais em mim, eu estava a ficar parecida com ela! Aliás, eu acho que ainda consegui perder mais peso do que ela, até vir para aqui.

Estava tão feliz, sentia-me preenchida, que não tinha necessidade de comer. Era correspondida na amizade, mesmo feminina, e elas davam-me tudo o que eu precisava para me livrar do enorme vazio.

Não sei porque é que ela desapareceu. Eu estava a passear no deserto e não a vi, depois acordei aqui. Onde estás, Bu? Onde estás Ano? Tiraram-me daquele deserto escuro, mas eu estava lá bem, e estava convosco. Agora não sei onde estão.

Devem ter posto alguma coisa aqui neste tubinho, além de vida e comida, tomo carradas de medicamentos. Já quiseram que me visse ao espelho, mas não tenho força para me levantar e segurar nas pernas.

Disseram-me que ainda tenho um longo caminho a percorrer, mas que vou ficar bem. Pensando bem…a Ano não era muito bonita, mas era magrinha, isso agrada aos outros. Ela tinha qualquer coisa de especial, não sei explicar muito bem o que era.

Talvez na verdade, eu própria, não sei se gostava muito de ser assim como ela! Só que, gorda também não podia ser. Ao ser gorda era motivo de gozo, desgraçavam-me.



2ª Parte

(Diálogo)

Aparecem duas mulheres no quarto dela, vestidas de azul.

RAPARIGA (sorri) – Buli…Ano…

AS DUAS – Olá!

RAPARIGA – Estava mesmo aqui a recordar os bons tempos que passamos juntas. Porque é que vocês despareceram?

AS DUAS – Estamos aqui.

RAPARIGA – Ano…estás diferente!

ANOREXIA – Sim, estou mais refeitinha, mais saudável, não te parece?

RAPARIGA – Sim! Mas eras tão magra quando te conheci.

ANOREXIA – Era doente! Como tu.

RAPARIGA – Mas eu não sou doente.

AS DUAS – És.

RAPARIGA – Ei, já parecem a sociedade.

BULIMIA – Desde que eu te conheci! A minha presença na vida das pessoas é para as alertar de que estão doentes.

ANOREXIA – A minha também!

RAPARIGA – Não acho nada. Para mim, vocês foram uns anjos.

BULIMIA – É por isso que estás aqui.

RAPARIGA – Foram vocês que me trouxeram para aqui?

AS DUAS – Não.

RAPARIGA – Foram vocês que me tiraram do deserto?

AS DUAS – Não.

RAPARIGA – Não me lembro de coisas más, só me lembro dos momentos bons que passava convosco.

ANOREXIA – Nós desaparecemos quando te trouxeram para aqui!

BULIMIA – Porque desmaiaste na rua, e descobriram que estavas pele e osso.

RAPARIGA – Mas isso era mesmo o que eu queria, como te contei, Bu. E foste tu que me ensinaste o truque de vomitar.

BULIMIA – Mas já aí estavas doente.

RAPARIGA – Toda a gente vomita de vez em quando, e toda a gente quer ser magra. E eu também queria ser, porque quando era gorda, toda a gente fugia de mim; gozavam comigo, chamavam-me nomes feios. Eu odiava ver-me ao espelho.

ANOREXIA – E agora, gostas?

RAPARIGA – Não sei, ainda não me vi, não me seguro nas canetas…mas acho que gosto.

AS DUAS – Não!

BULIMIA – Quando vires a tua imagem no espelho não vais gostar.

RAPARIGA – Porque não?

ANOREXIA – Estás na pele e osso.

RAPARIGA – Mas era isso que eu queria ser.

BULIMIA – Magra, não é pele e osso como tu estás.

ANOREXIA – Porque é querias tanto ser magra?

RAPARIGA – Para ter amigos, e para repararem em mim. Nas gordas não reparam, ou se reparam é para dizer mal. Queria sentir orgulho em mim, e senti porque consegui controlar o meu impulso selvagem de comer, e não engordar mais. Senti-me forte, corajosa, atraente e apreciada. Foi difícil emagrecer, mas consegui. Sinto-me realizada! Vocês não estão orgulhosas de mim?

AS DUAS – Não.

ANOREXIA – Estou orgulhosa por tu não teres desistido, mas estou triste porque quase perdeste a tua vida, e agora tens muito para recuperar, só por causa dessa tua ideia fixa de ser magra.

RAPARIGA – Como não? Foram as primeiras a incentivar-me a emagrecer.

BULIMIA – Não era para teres chegado a este ponto.

RAPARIGA – Não estou a perceber.

BULIMIA – Tu foste longe demais nessa obsessão pela magreza.

RAPARIGA – Claro. A sociedade só me criticava.

ANOREXIA – Porque é que a sociedade era tão importante para ti?

RAPARIGA – Faziam-me sentir uma porcaria.

BULIMIA – Porquê?

RAPARIGA – Porque humilhavam-me, gozavam-me.

ANOREXIA – Porque é que a opinião deles era assim tão importante para ti?

RAPARIGA – Porque não me integravam, e eu sentia-me isolada, sozinha, feia, gorda.

BULIMIA – E os outros, eram iguais a ti?

RAPARIGA – Não. Mas eram mais magros.

ANOREXIA – Achas que gostavam todos da mesma maneira uns dos outros?

RAPARIGA – Não sei.

BULIMIA – Então porque é que dizes que eles te isolavam e gozavam?

RAPARIGA – Era o que eles faziam.

ANOREXIA – Alguma vez tentaste aproximar-te deles, para quanto mais não fosse mostrar-lhes que estavam errados a teu respeito?

RAPARIGA – Tentei…

BULIMIA – Como é que tentaste?

RAPARIGA – Aproximava-me, a sorrir, mas eles ignoravam-me na minha cara.

ANOREXIA – Tu é que fugias, porque achavas que eles te iam rejeitar.

RAPARIGA – Acho que não. Como é que vocês sabem?

AS DUAS – Não és a única.

ANOREXIA – A tua função era ignorar os outros e gostar de ti como eras.

RAPARIGA – Mas eles não sabiam que eu não gostava de mim.

BULIMIA – Na verdade suspeitavam que não gostavas de ti.

RAPARIGA – Eu nunca falei com eles sobre isso. E eles também nunca me perguntaram.

BULIMIA – Há outros sinais que eles percebem.

RAPARIGA – E não sabiam ajudar-me?

BULIMIA – E se eles tentassem ajudar-te, será que tu deixavas?

RAPARIGA – Claro que sim, eu não sou como eles.

BULIMIA – Não sei.

RAPARIGA – Acho que eles deviam ter dito e ter-me ajudado.

ANOREXIA – Foi por isso que desaparecemos.

RAPARIGA – Para me fazer sofrer?

AS DUAS – Não.

BULIMIA – Para tu veres que eras tu que não estavas a deixá-los aproximar-se para te ajudar.

ANOREXIA – A culpa foi tua, não foi nossa.

BULIMIA – Não tinhas de nos seguir, nem de te deixar influenciar pelos outros.

RAPARIGA – Mas eu gostei tanto de vocês.

BULIMIA – Já sabes que os outros falam sempre. Mas tens de gostar de ti, o suficiente para não ficares tão afetada com os comentários.

ANOREXIA – A tua oportunidade de renascer é agora. Esquece os outros. não prejudiques a tua saúde e a tua vida, para agradar aos outros, pelos outros.

BULIMIA – O teu vazio interior não vai ser preenchido pelo excesso de comida, vómito e magreza.

ANOREXIA – Quando aprenderes a gostar de ti e esqueceres os outros, vais ver a diferença.

BULIMIA – Para quê, ser magra e doente, infeliz, só para os outros gostarem? tens é de mostrar o teu valor interior.

ANOREXIA – O dentro é que faz toda a diferença.

BULIMIA – O que os outros falam de ti, não é o que te alimenta, não te faz feliz. São só opiniões, como tu tens as tuas!

ANOREXIA – Podem não corresponder ao que és mesmo.

BULIMIA – Escusavas de estar aqui, a receber vida e alimento por um tubinho.

ANOREXIA – A felicidade está em ti, não no teu físico, não nos outros.

BULIMIA – Dá valor a ti própria, como és. O teu corpo é perfeito, como é! Funciona bem, tem tudo no sítio. É teu! Não é dos outros. os outros têm o deles, se não gostam é problema deles, ou inveja de não ser como tu!

ANOREXIA – O teu corpo é único, tu és única, cada um é único, para quê, ser outro, que nem sequer é saudável, para os outros? cada um tem a sua beleza!

BULIMIA – Enquanto não gostares de ti, e enquanto puseres os outros à frente, nunca vais ficar satisfeita, nunca vais ser feliz, e nunca te vais sentir plenamente realizada nem preenchida.

RAPARIGA – Estão a querer dizer que a culpa foi minha?

AS DUAS – Sim.

RAPAIGA – Isso é muito mau.

ANOREXIA – Mas tem retorno.

BULIMIA – E é a partir de agora.

RAPARIGA – E os meus pais não estão orgulhosos de mim por eu ter emagrecido?

AS DUAS – Claro que não.

BULIMIA – Estão os dois muito tristes e muito preocupados. Acham que a culpa foi deles, porque não estiveram atentos, ou que não te deram amor suficiente.

RAPARIGA – Tristes…? Envergonhados?

AS DUAS – Sim.

RAPARIGA – Isso é muito mau.

AS DUAS – É.

BULIMIA – Mas tem retorno.

ANOREXIA – A partir de agora!

RAPARIGA – O que é que tenho de fazer?

BULIMIA – Cumprir tudo o que as pessoas especializadas vão dizer-te para fazer.

RAPARIGA – Não são vocês?

AS DUAS – Não.

ANOREXIA – A nossa missão contigo, está cumprida. Sê forte! Ainda tens uma nova e longa caminhada pela frente, mas acredita em ti, e em quem te quer ajudar.

RAPARIGA – Não quero! Estou cansada!

ANOREXIA – Agora estás cansada, mas não quer dizer que te vais entregar ao cansaço, e que vais ficar o resto da vida cansada.

BULIMIA – Não voltes a brincar com a tua saúde.

RAPARIGA – E vou ficar gorda outra vez?

ANOREXIA – Gorda não! Com um ar saudável, sim, um corpo saudável, e uma menina, mulher feliz que gosta dela. Respeitada, valorizada, bonita.

RAPARIGA – Óh, vocês são tão simpáticas. E vocês o que vão fazer?

ANOREXIA – Nós vamos estar por aí.

BULIMIA – A ensinar outras jovens e adultas como tu.

RAPARIGA – Há mais?

AS DUAS – Claro que sim.

RAPARIGA – Eu vou deixar de voa ver?

AS DUAS – Não…

ANOREXIA – Nós vamos visitar-te nos próximos dias.

BULIMIA – Mas promete-nos que vais recuperar, que vais gostar de ti, e que vais ficar bem.

RAPARIGA – É difícil.

ANOREXIA – O que é que é difícil?

RAPARIGA – Prometer-vos isso.

AS DUAS – Porquê?

RAPARIGA – Não sei o que fazer.

BULIMIA – Mas vais saber.

ANOREXIA – Sê paciente. As coisas demoram o seu tempo. Prometes?

RAPARIGA – Vê lá se cumpres, se não, vamos embora!

RAPARIGA – Óh, por favor… não vão embora. Não vão abandonar-me aqui, pois não? Depois de tudo o que passamos juntas, aqueles momentos tão bons, tão nossos…

(As 3 sorriem)

BULIMIA – Não, não te vamos abandonar, mas vamos encontrar-nos cada vez menos.

RAPARIGA – Não! Vou ficar sozinha?

AS DUAS – Não.

ANOREXIA – Não vais precisar de nós.

BULIMIA – Vais ter muitos amigos, muita gente a gostar de ti, e a ajudar-te.

ANOREXIA – Vamo-nos encontrar, mas só para matar saudades.

RAPARIGA – Mesmo?

AS DUAS – Sim.

RAPARIGA – Obrigada por tudo, amigas!

AS DUAS – De nada!

ANOREXIA – É essa a nossa missão.

AS DUAS – Até já.

(Trocam carinhos e abraços)



3ª PARTE

(Monólogo)

Passados uns longos meses…a rapariga está em recuperação, e escreve uma carta à Anorexia e à Bulimia.



            Queridas amigas Ano e Bu: escrevo-vos da minha casa. Finalmente sai do hospital. Não reconheci o meu quarto, à primeira. Parece que dormi um sono de meses, ou que emigrei e voltei.

Ainda é tudo muito novo para mim, tenho a sensação que nunca estive nesta casa, mas aos poucos, vou reconhecendo. Depois de vários meses em acompanhamento psicológico, psiquiátrico e alimentar, exercício físico, passeios, relaxamentos, culinária e muitas outras atividades, estou quase nova. Irreconhecível.

As refeições com os meus pais são fantásticas, parece que estão a ensinar um bebé a comer, provar sabores, comer bocadinhos e horas certas. Vejo que eles estão felizes. Eles são um apoio incansável.

A minha alimentação sofreu grandes mudanças, mas sinto-me cada vez melhor, e tanto eu como os meus pais festejamos todos os mais pequeninos progressos. Cumpri o que vos prometi. Engordei, quer dizer…recuperei o peso até ao valor saudável e indicado para mim, de acordo com a altura e idade.

Ainda tomo suplementos alimentares, mas agora gosto muito de mim. Aprendi que tenho muitas qualidades que a obsessão pelo peso não me deixava ver.

Agora que estou mais composta, gosto muito mais do meu aspeto. Todos repararam que estou bonita e elegante. Sinto-me maravilhosa! Ganhei uma série de amigas, que me têm dado muito valor, rio muito com elas, saímos muitas vezes, vamos às compras, elas preenchem-me de carinho. Estou feliz, e não sinto aquele vazio.

Não voltei ao nosso local secreto, mas também não sinto falta. Gosto mais da luz que há à minha volta, a que os meus olhos veem. Estou a aprender a gostar da perfeição, imperfeição do meu corpo.

Eu estava mesmo feia, Ano, com a pele e o osso, parecia uma radiografia, via os ossos todos. Não gostava de mim, gorda, nem assim tão esquelética. Estou a aprender a não ligar ao que os outros dizem, e a perceber as belezas de cada um que se cruza comigo.

Antes ficava ofendida, agora, sorrio ou ignoro. Talvez fiquem surpresos por ver as minhas mudanças, e se não virem já não me preocupo. O mais importante é que estou a gostar.

Os profissionais que me estão a ajudar desde o início, são uns anjos, e tenho conhecido outras raparigas, bonitas, que estiveram na mesma situação que eu, nas terapias de grupo. Como aprendo com elas!

Gosto das minhas mudanças e estou feliz com as minhas vitórias. Registo-as todas, desde as mais insignificantes, às maiores. Faço os trabalhos de casa que eles marcam.

Alguns fazem-me chorar, no início antes de escrever, sinto coisas más, mas depois de as escrever e de falar sobre elas nas terapias, é um alívio. Sinto que cresço e que me transformo.

Às vezes releio-as, e nem imaginam como me sinto quando vejo tudo o que passei, tudo o que mudei, o que melhorei e as descobertas que esse episódio me ofereceu.

Sinto-me mesmo orgulhosa. Desculpem, amigas. Vou ter de sair para a minha ginástica. Outro dia escrevo-vos mais, porque acho que também ficarão orgulhosas por todas as minhas vitórias.

Saudades.

Beijinhos, e até já.

Olha para o espelho, ajeita-se, sorri, manda um beijo e sai.





FIM

Lara Rocha

(23/Novembro/2019)