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domingo, 22 de novembro de 2020

As histórias que o corpo conta - monólogo

         



         Não gostava das minhas mãos, quando comecei a envelhecer. Quer dizer, passei uma fase em que não gostava de nada em mim, até fiquei deprimida, ao olhar-me no espelho, e ver pintas por todo o lado, a pele a pingar, pregas por todo o lado, o cabelo a perder a cor, eu a ficar tipo uma cesta, varizes a sair, que personagem de um filme de terror. Mas era geral. As minhas amigas também se queixavam do mesmo. 
         Partilhei isso com os meus filhos, porque eles perceberam que andava triste, claro que andava triste, como poderia andar contente, se todo o meu corpo parecia lava a derreter tudo! 
        Como estava a ficar horrível, dizia eu. Mas os meus filhos relembraram-me do que as minhas mãos já tinham enfrentado, e que continuavam a ser lindas, maravilhosas. 
         Disse-lhes que eles eram uns amores, muito simpáticos, só para me animar, mas quando meditei nas palavras simpáticas deles, voltei a olhar para mim, para tudo o que estava a cair, e senti orgulho. Eles tinham razão. 
         Disseram-me que as minhas mãos são maravilhosas, sempre foram, porque seguraram neles ao colo, a barriga, mesmo mais larga, foi o lugar seguro onde estiveram 9 meses, e para onde durante muito tempo, às vezes ainda agora, gostariam de voltar, quando tiveram as desilusões e os sofrimentos deles.  
         As mamas satisfizeram o pai, e sempre os alimentaram desde que nasceram. Os braços e as pernas, foram onde eles sempre sentaram, dormiram enroscados em mim, e que lhes sabia pela vida, foi onde eles se curaram das doenças da infância. 
         A cara em geral, e os olhos, foram um meio de ensino de emoções, agradáveis e desagradáveis, relembram-lhes as noites que passei sem dormir, sempre preocupada com eles, só para os aturar, para responder às manhas, aos chorinhos de colo, e de fome, só porque sim. 
         Lembraram-me que foram as mãos que eu não gostava, que sempre lhes preparou a comida, com tanto carinho, e que lhes meteu, até conseguirem comer sozinhos,  sempre lhes deu banho, mudou as fraldas, vestiu, calçou, penteou, acariciou, beijou. 
         Sempre foram essas mãos que eu não estava a gostar, que seguraram nas deles, para brincar, passear, que lavou a roupa vezes sem conta, a toda a hora, pôs a secar, e passou para que andassem todos bonitos, limpinhos. 
         Sempre foi a minha voz que lhes contou histórias, de que se lembram ainda hoje. É esta mulher que não estava a gostar dela própria, com as transformações da idade, que esteve e está sempre do lado deles, e que segurará nos netos, se os houver. 
          Eles valorizaram as pintas e manchas na pele, dizendo que eu sempre fui bonita, mas estava mais agora, as artroses lembravam tudo o que eu passei por eles, e que por dentro, como pessoa continuava a mesma mãe maravilhosa que sempre fui. 
          Os meus filhos são maravilhosos, sempre foram, e eles têm toda a razão...quase me batiam quando eu lhes disse que estava a ficar feia, com umas mãos de velha, e um corpo que metia nojo.               Claro que o nosso corpo muda, é bom, e porque não deixá-lo livre, assumir as mudanças, os nossos corpos mudam, mas não é o nosso fim. 
         As nossas mãos enquanto mexem, com mais ou menos rugas, é bom, ainda podem fazer muita coisa: lavar, limpar a casa, cozinhar, passar a ferro, arrumar, telefonar à família e às amigas, sair, conversar, rir, aturar o marido, fazer-lhe também alguns carinhos, que eles gostam e precisam, sim, sou atrevida, desde que voltei a gostar de mim, agora mais velha, e ele responde (risos). 
          Eu ainda faço compras, bordo, ainda faço casaquinhos de bebés em malha, lã, algodão, e outras roupinhas, com as minhas amigas, que oferecem aos netos, ainda escrevo, ainda pinto de vez em quando, e em casa, não me falta o que fazer com as mãos. 
          Não importa se elas têm manchas, pregas ou ossos salientes, enquanto trabalham, aproveitemo-las. Não precisamos de fazer maratonas, mas faz-nos bem caminhar, apanhar sol, e é isso que faço, com as minhas pernas que achava que já não serviam para grande coisa...coitadas, já foram mais bonitas, mas ainda mexem, e deixam-me circular, ir para a piscina, ir ao cabeleireiro, dançar com o meu parceiro, jantar fora, e estar com os meus rebentos. 
          Os meus filhos estragam-me com mimos, são uns amores, dizem que retribuem agora tudo o que lhes dei, e mesmo assim, acham que fazem pouco, oferecem-me pequenas coisas, telefonam-me todos os dias, metem-se lá em casa. 
          Para quê sofrer, tentar transformar ou disfarçar o que é natural, o que faz parte da vida e ainda bem que lá chegamos? Se pensarmos em tudo o que já passamos até aqui, todas as dores, todos os problemas que ultrapassamos, às vezes nem sabemos como, devemos ter orgulho, em nós, nos nossos rebentos, que parece que estamos sempre a vê-los pequeninos, e já estão enormes, homens lindos, perfeitos, cheios de coisas boas, pela educação que lhes demos. 
          O que está debaixo da carcaça é o mais importante, o resto, enquanto funciona, há que aproveitar. 
         Esqueçam lá as rugas, o excesso de gordura desde que não prejudique a vossa saúde, as manchas na pele que na realidade não são nada do outro mundo, nem assim tão feias, fazem-nos parecer...aqueles animais exóticos, com manchas na pele, bonitos! 
          O mais importante é o que sempre foram, enquanto pessoas, enquanto esposas, mães e amigas, e o que ainda continuam a ser. 
         Não vão ser as quedas naturais que vão mudar a nossa vontade de viver, de amar, de sermos felizes com o que temos, não vai ser isso que nos vai tornar menos mulheres, menos bonitas e menos mães ou menos esposas...sim, perdemos algumas coisas, por fora, mas podemos ganhar outras, e o mais importante é saber apreciar o que temos! 
          Ainda podemos viver muito, com as limitações que vamos acumulando, ainda podemos aprender muito, ensinar ainda mais, e descobrir coisas novas, talentos, novas formas de nos relacionarmos com o nosso parceiro, é preciso imaginação, mas é possível e importante. 
          A juventude não está necessária e exclusivamente no corpo, mas sim na alma, na mente, na vontade de continuar cá, no querer ser feliz, e quanto mais jovem é o nosso espírito, menos o nosso físico sofre. 
          A magia está no viver e aceitar a realidade que temos, as rugas, as manchas, os cabelos, a pele, a gordura, os ossos mais salientes, isso não conta assim tanto, se a nossa alegria de estarmos vivos, e de podermos continuar a fazer tudo, mais devagar, com mais imperfeições, não importa, o que interessa é fazermos. 
          Continuamos a ser mulheres, com tudo o que isso envolve. Sejam vocês mesmas! Todo o nosso corpo, e o nossos ser, contam histórias inesquecíveis em qualquer idade. 


                                                               
                                     FIM 
                            Lara Rocha
                          22/Novembro/2020

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

A barafunda das figuras geométricas

     


                                                                       

    Lara Rocha 

          Era uma vez numa grande fábrica, várias figuras geométricas que foram deitadas ao lixo, porque o responsável achou que tinham defeito. Quadrados, círculos, triângulos, lusangos, paralelepípedos, retângulos, meias-luas, às dezenas, juntaram-se no depósito, tristes e sem perceberem onde estavam. 

- Ui, que cheirete! - diz um quadrado 

- Onde estamos? - pergunta um triângulo 

- Acho que estamos...no lixo! - responde um círculo 

- No lixo...? Mas... porquê? 

         Levantam-se, olham em volta, olham uns para os outros, e em pânico correm de um lado para o outro, a gritar por socorro, a procurar uma saída, engancham-se uns nos outros para tentar chegar ao cimo do depósito. 

        Os retângulos presos uns aos outros, tentam fazer uma escada, por onde sobem os quadrados e os círculos, mas os círculos não se seguram, os retângulos estão tão assustados que escorregam e desmontam-se. 

         Os triângulos tentam ajudar, servem de apoio, mas os paralelepípedos são pesados e ao rolar dão encontrões às outras figuras, passam por cima de alguns retângulos, quadrados e círculos. Todos gritam, discutem, empurram-se, voltam a fazer de tudo para saírem de lá. 

         Um arrumador do lixo, fez a ronda pelo espaço e preparou os sacos para meter na trituradora. As figuras geométricas gritam por socorro. O arrumador, um rapaz jovem que aproveitava os seus tempos livres para fazer obras de arte, ficou com a sensação de que ouviu alguma coisa. 

         As figuras ficaram muito quietas, com medo que fossem destruídas. O jovem espreita e fica muito surpreso: 

- O que é que estão aqui a fazer estes objetos...? São... figuras geométricas? Porque é que estão no lixo, não as vejo estragadas. 

         E sem perder mais tempo, num piscar de olhos encheu quatro sacos de lixo com as peças em madeira, que para ele estavam perfeitas. Meteu na mala do seu carro, e no fim do serviço levou-as para sua casa. 

         Tirou-as do saco, uma por uma, pô-las em cima de uma mesa, observou-as atentamente, limpou o pó a cada uma, carinhosamente, e começou a criar obras com as figuras geométricas. Pintou um quadrado com várias cores, colou um círculo no meio, de outra cor, e em cima do círculo um cilindro. Virou o quadrado ao contrário, e serviu de suporte a uma cara com um chapéu de palhaço. 

        Colou círculos, e fez uma figura feminina, com um bebé ao colo, pintadas. Com  outros quadrados, retângulos e tiras de madeira que não tinham forma, fez casas, muito bonitas, prédios, com janelas e portas, a estação de caminhos-de-ferros, túneis, escolas, centros comerciais, o hospital e carrinhos pequeninos.  

        Usou retângulos e paralelepípedos para montar árvores, a igreja, os bancos de jardins, um supermercado em miniatura, com círculos e pedaços de madeira para construir figuras humanas, pintadas, e até pediu à sua mãe para fazer roupas e vesti-los. 

        A mãe fez as roupas com gosto, e o rapaz continuava a inventar figuras, a brincar com as figuras geométricas que iam para o lixo. Ele divertia-se muito a construir objetos, casas, pessoas, natureza, meios de transporte, animais, quadros com objetos transformados, e tudo que se lembrasse. 

         E vocês, já brincaram com objetos que pareciam estragados, transformaram-nos noutros brinquedos, ou imaginaram servir para outras tarefas? Quais? Em que os transformaram? 

Podem deixar aqui as vossas respostas, ou os vossos papás e avós. 

                                                                        

                                                                                FIM 

                                                                           Lara Rocha 

                                                                        18/Novembro/2020


             

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Brincar com o tempo

       


        O tempo… como passa rápido e não volta atrás! É um sopro. Não o vemos propriamente, como vemos objetos ou pessoas. Como passa! Tudo passa rápido, só nos lembramos quando pensamos que...parece que foi ontem, e já vai há tantos anos. Vemos o tempo nas fotos, nas rugas, nas mudanças do corpo, nas mudanças do pensamento, mas não podemos vê-lo, como vemos coisas.

        O tempo brinca connosco como quem brinca com marionetas, o tempo...serve de desculpa para muitas fugas à realidade. O tempo justifica muitas atitudes, o tempo...tudo faz, tudo supera, tudo destrói, tudo constrói. O tempo tem o valor que cada um lhe dá. 

        Na verdade...será que existe mesmo tempo? Acreditamos que ele existe, mas nunca o vemos de verdade… passa tão rápido! O tempo corre connosco, faz-nos correr, e às vezes parar. O tempo existe na atmosfera: tempo de sol, tempo de chuva, tempo de neve, tempo de vento, tempo de trovoada, tempo de frio, tempo de calor, tempo de tudo junto, tempo de nuvens, tempo de geadas, tempo de granizo, tempo de mar bravo. 

        Tempo...é sempre tempo de passear, rir, brincar. saltar, abraçar, beijar, acariciar, conquistar, fazer amigos, conviver, conversar, fazer atividades diferentes, ouvir música, cantar, dançar, apaixonar-se. Ter medo, vencê-lo, sofrer, lutar, ganhar, planear, construir, destruir. 

        Há tempo de se apaixonar pelas pessoas, pela natureza, por tudo...é sempre tempo para sonhar, desejar, tentar de novo, corrigir, fazer de novo, aprender, viver, relaxar, descobrir coisas novas, conhecer, inventar, criar, recriar. 

        É sempre tempo de adormecer e renascer, ser forte, não se deixar vencer...sentir-se jovem, ser sempre criança, ser feliz. É sempre tempo de agradecer, todos os dias, a mim  a muita gente, ao mundo, à terra, a tudo! 

     O tempo brinca connosco, como quem brinca com marionetes, mas nós também podemos brincar com ele! E os tempos modernos...que loucura! Nós os dois, eu e a minha mulher, temos o tempo muito ocupado. 

        Depois de nos reformarmos, o tempo ainda ficou mais recheado de atividades, principalmente, quando os nossos 4 filhos se casaram e saíram de casa, para nós foi difícil, no início, mas rapidamente ficamos contentes porque percebemos que tínhamos mais tempo, um para o outro! 

        Porque não, aproveitar para compensar o tempo perdido, dos tempos em que trabalhávamos, chegávamos a casa, mal tínhamos tempo para ir à casa de banho, quanto mais olhar um para o outro. Foi inesquecível quando recomeçamos a ter tempo para nós, quando olhamos outra vez um para o outro, sem pressa, com todo o tempo por nossa conta! 

        Depois de tanta correria, esse reencontro e recomeço, foi quase uma primeira vez, que romântico! Percebemos o quanto era e é importante termos tempos só para nós os dois, para percorrermos o corpo um do outro, brincarmos, redescobrirmos novas formas de sabermos do que somos feitos, partes do corpo que parecia que nem sabíamos que existiam, por termos pressa. 

        Quando voltámos a ter tempo um para o outro, revelamo-nos, facetas desconhecidas, ou que já existiam, mas não sabíamos. O tempo deixou de existir, e éramos só nós os dois...como dois adolescentes a descobrir o sexo, debaixo de rugas e gordurinhas, ossos salientes, mais ou menos arqueados... o que importa? 

        As emoções, o amor, o carinho, o respeito, o desejo, a vontade de sentir! Se das outras vezes, em que não tínhamos tempo, tivéssemos feito dessa maneira, bem... não sei, mas talvez agora seja melhor, temos mais maturidade, e a nossa descoberta um do outro, continua! 

        Ela é uma revelação diária, e prova-me que valeu a pena tê-la conhecido. Em lugar de outras mais jeitosas...aventuritas. Ela nunca soube, e provavelmente também as teve, mas nunca lhe perguntei, nem ela a mim. O mais importante é o agora, em que somos um do outro, e tudo melhorou quando voltámos a ter tempo só para nós. 

        Amámos os nossos filhos e os nossos netos, passamos tempos maravilhosos com eles, mas continuamos a ter momentos só para nós. É especial. Eu brinco, enquanto tenho saúde, brinco com a minha esposa desde a adolescência, apaixonámo-nos muitas vezes um pelo outro, ao longo destes anos, e voltamo-nos a apaixonar, eu volto a pedi-la em namoro, ela emociona-se tanto como na primeira vez, e eu choro de felicidade com ela! 

        Nós esquecemos o tempo e a idade, principalmente quando voltamos a ter noites quentes, eróticas. Não, não é como a primeira vez, porque os nossos corpos mudaram, mas o desejo acorda constantemente. Ela é uma velhota atraente e eu também. 

        Tentamos sempre reacender a paixão, todos os dias, como fizemos ao longo do nosso casamento. Às vezes elas mandava-me dormir com o cão, quando estava virada ao contrário, mas eu lá lhe fazia o frete, dormia no sofá, e de manhã estava tudo bem! 

        Isso faz-nos sentir vivos, mais novos, o tempo deixa de existir nesses momentos. Gostamos um do outro, ao fim de tanto tempo, mas é possível sim. Não é fácil, é preciso ter imaginação, isso também nos faz bem aos miolos, não deixa queimar os fusíveis. 

        Até descobrimos uns brinquedos....(ri) que são um mimo! (gargalhada) Aproveitem o vosso tempo com as vossas companheiras, ou com outras, mas tenham tempo. Elas são exigentes, e merecem que lhes dêmos os nossos tempos com qualidade, independentemente do nosso físico. 

        Os jovens agora, não têm tempo para nada, só dão rapidinhas, e perdem o melhor...o percorrer o corpo, a descoberta, as sensações, a beleza da comunicação silenciosa. Experimentem! O tempo corre, mas eu, e a minha mulher fazemo-lo andar mais devagar. 

        Aproveitem! Muita imaginação, paciência, vontade, carinho, respeito, companhia...e... tempo!!


                                                                              FIM 

                                                                            Lara Rocha 

                                                                           13/Novembro/2020 

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Entre as trevas e a Luz

          foto de Lara Rocha 


          Era uma jovem bonita, alegre, sonhadora, que vivia num mundo de fantasia. Ela não gostava do mundo onde vivia, por isso refugiava-se na sua imaginação. Um mundo muito diferente do nosso e do dela, construído por ela, onde só havia o que ela gostava. 

        Ela era a rainha, todos lhe faziam as vontades, ninguém a chateava, ninguém a incomodava, toda a gente a elogiava e valorizava, e respeitava. Era tudo ao contrário do mundo real onde ela vivia. 

        As pessoas do seu mundo real achavam-na estranha, fugiam dela, pois sempre que se aproximavam dela, preocupados, ela transformava-se numa rapariga completamente diferente: fria, arrogante, cruel, indiferente. Era como se a rapariga se dividisse em duas. 

Um dia teve uma depressão profunda, grave, e ficou quase na pele e no osso. Numa noite, ouviu uma voz, de uma sombra negra, à sua beira, que a acusava:

- Olá...estás assim?

- Quem és tu? - pergunta a rapariga

- Tu sabes muito bem quem eu sou.

- Não sei, não. Nem te vejo!

- Sou eu.

- Quem?

- Aquele a quem não respondeste mais, de há uns tempos para cá. Alguém que gostava muito de ti.

- Sei lá quem é, ninguém gosta de mim.

- Como dói receber o teu silêncio.

- Qual silêncio?

- Como dói receber a tua indiferença!

- Qual indiferença?

- Aquele silêncio e aquela indiferença que me dás de há uns tempos para cá.

- Não sei do que estás a falar.

- Convém-te não saberes, mas eu sei que sabes! Como dói não ter respostas para o teu silêncio.

- Cala-te.

- Cala-te tu. Silêncio! Quero ouvir as palavras do teu silêncio.

- Quem és tu para me mandar calar? Já agora, não tens nada que ouvir o meu silêncio, o silêncio não fala.

- Fala sim! E de que maneira. Como fala.

- Tu deves estar louca…ou louco. És homem ou mulher?

- Sou…

- Quem?

- Ora, tu sabes muito bem quem.

- Não sei

- Quero ver cada palavras do teu silêncio.

- Como é que vais ver isso? Está escuro, e as palavras não se veem.

- As tuas com certeza veem-se.

- Quais?

- Aquelas que não disseste.

- Não sei de nada.

- A que sabe o teu silêncio?

- Sei lá, nunca provei tal coisa.

- Mas já o sentiste…!

- Não.

- Quero saborear e provocar, provar, sentir alguma coisa do teu silêncio no meu corpo.

- Estás-te a passar? Acho que estás a delirar.

- Eu? A delirar…? (gargalhadas)

- Não te podes rir mais baixo?

- Porquê?

- Pode aparecer aí alguém!

- E…?

- Vão pensar que estou a falar sozinha.

- Quero agarrar no teu silêncio!

- Mau… já vais aí?

- Aí, onde?

- Já lhe ouvi chamar muita coisa, mas silêncio…

- Que pornográfica.

(gargalhadas dos dois)

- Mente poluída…

- Isso era o que tu querias. Mas não me estava a referir a isso. Quero saber se é um silêncio quente, ou um silêncio gelado!

(gargalhadas)

- A conversa está a subir… é quente, com certeza, está aqui debaixo da roupa.

- Ai, valho-nos…! Eu estava a falar do silêncio que me mandas… porque é que és assim?

- Mudaste com uma rapidez… eu até estava a gostar da conversa!

- Mas eu estou a falar de coisas muito sérias. Será que o teu silêncio diz alguma coisa, ou muita coisa?

- Ah, voltou a aquecer…não sei, acho que o meu silêncio, se é assim que lhe chamas, não fala, eu é que posso dizer, com a minha boca, ou com o resto do corpo.

- Mostra-me o teu silêncio. Eu quero saber o que é que ele diz…

- Já?

- Sim.

Ela começa a tirar a roupa entusiasmada.

- Não quero ver tanto… (gargalhadas) eu quero saber o que é que ele diz...quero ouvir palavra por palavra, letra por letra…

- Sei lá se falo nesses momentos…

- Gostava de sentir o teu silêncio!

- Anda… começa tu.

- Ai, senhor… não é disso que estou a falar.

- Não estou a perceber nada. Queres ou não queres?

- És mesmo ignorante! O meu gostar de ti não é esse que tu pensas, é sincero, inocente, com o coração…

- Óh, estás envergonhado, é? (gargalhada) Vá lá, fica à vontade. Eu nem estou a ver-te, só vejo a tua sombra. Mostra-te lá, se queres ver o meu...silêncio!

- O meu gostar de ti não é um gostar de amor, ou de desejo!

- Não acredito. Só queres uma relação de ocasião é…? Ok…

- É um gostar de carinho, um gostar sensível, que nada tem de assustador.

- Podemos explorar outras formas, mais quentes. Eu estou aberta a novas possibilidades.

- Que insensível.

- Porquê?

- O teu silêncio tem rostos, nomes, palavras, sentimentos.

- Desde quando…? Nunca o vi, nem ouvi…

- Choca-me…

- Eu sou alguma galinha, ou pata para te chocar…? E tu és algum ovo…?

- Não percebi!

- Congela-me!

- Nunca fiz isso.

- O teu silêncio faz isso, em mim.

- O que é que ele tem para te fazer isso? Cheira mal…?

- Não! Ai, que coisa… eu estou a falar de sentimentos.

- Não sei do que estás a falar.

- O teu silêncio, esvazia-me, a ti satisfaz-te?

- Porquê? És homossexual? Está-se bem, não tenho nada contra!

- Irraaaa…que indiferença!

- Tu estás indiferente…?

- Não, tu! Eu vim falar contigo, saber porque é que deixaste de falar comigo?

- Não sei quem és, nem vejo a tua cara, não sei do que estás a falar.

- Sou aquele que gostava de ti.

- E agora não gostas?

- Não.

- Então não sei o que estás aqui a fazer.

- Vim à procura de respostas para a tua indiferença.

- E insistes nisso… não te posso ajudar.

Aparecem mais duas sombras que falam com ela:

- Oh, trouxeste mais duas amigas? Hummm...amor a três? Nunca experimentei, mas está bem! Se queres…

- Como tu mudaste! - comenta a sombra negra

- Olha como ele está a sofrer. - mostra outra sombra

- É por causa de não lhe responderes às mensagens. - acusa a outra

- Mas eu não sei quem é! Vocês sabem? Vieram com ele? - diz a rapariga

- Sim, viemos com ele, sabes quem somos, sim! - comenta a sombra

- Não sei.

- Transformaste-te no pior que podia haver. - acusa a sombra negra

- Ele adorava-te! - relembra a sombra

- Que grande desilusão! - diz a sombra negra

- Quem te magoou assim tanto?

- Tu!

- Porquê?

- Não percebes mesmo nada! A sombra negra desaparece, e quando olha para o lado e vê uma rapariga que está a olhar para ela com ar ameaçador.

- O que é que estás aqui a fazer? Também vieste para a farra é? Queres ver o meu silêncio?

- Credo! Chamas-lhe isso? Bem, sempre é melhor do que outros nomes mais badalhocos… (gargalhadas) Eu tenho um igual… se és dessas não tenho nada contra, mas não tenho que te satisfazer.

- Ainda agora estava aqui uma sombra a dizer que queria ver o meu silêncio, e ouvir, trouxe mais duas, agora desapareceram, e vens tu?

- Não sei de nada, não tenho nada a ver com esses dois.

- Então o que vens cá fazer?

- Não sei. Talvez o mesmo que tu!

- Como não sabes?

- E tu também não sabes, mas estamos aqui.

- Onde?

- Aqui!

- Onde?

- Não sabes onde, eu muito menos. Eu vim para aqui porque tu também vieste. Mas se não sabes onde é, eu também não sei.

- Estás a gozar comigo?

- Não!

- Estás louca?

- Estamos.

- Não pode ser…lá porque tu estás, não quer dizer que eu esteja.

- Pode, é… e quer dizer…! Qualquer um pode ficar louco…desta vez, ficamos nós.

- Mas que raio de conversa é esta?

- É uma conversa normal.

- Não acho nada normal.

- Estamos loucas!

- Tu deves estar.

- E tu também.

- Estás no meu quarto?

- Estou!

- Entraste por onde?

- Por onde? Pela porta é claro.

- Que porta?

- Ora…um quarto tem porta.

- Áh! Pois…está bem. Mas o que é que tu queres de mim?

- Quero mostrar-te um sítio.

- Onde?

- Verás.

- Mas eu não posso sair daqui, pois não?

- Podes.

Ela estala os dedos e as duas raparigas vão para um labirinto cheio de caminhos, árvores e sombras.

- Que raio de sítio é este?

- É o teu interior!

- O quê?

- Sim…a tua cabeça, o teu coração…é aqui que está tudo.

- Mas eu não quero estar aqui.

- Mas tens de estar! E é agora.

- Porquê?

- Porque é aqui que vais encontrar muitas respostas.

- Respostas?

- Sim! Qual é o espanto? Não queres saber porque estás ali naquele quarto, que não é o teu quarto?

- Quero!

- Anda.

- Mas o que é que tens a ver com isto?

- Sou uma parte de ti!

- Estás louca?

- Estamos loucas. Precisamos de dar este passeio por este sítio para ficarmos bem.

- Tu és muito estranha.

- Somos.

- Não estou a perceber nada.

- Anda comigo.

Dão a mão e vão por uma série de caminhos sem saída. A rapariga grita aflita:

- Isto não tem saída! Não quero estar aqui…estou a sufocar. Eu quero sair daqui.

- Tem saídas, temos de procurar.

- Eu não gosto deste sítio.

- Procura a saída.

A saída está bem perto, mas ela não a vê, e a outra rapariga desaparece.

- Onde estás, outra?

- Continua a procurá-la. – Diz a voz da rapariga que está escondida.

- Ajuda-me.

- Procura sozinha. Também não ajudaste ninguém que te pediu.

- Não…por favor, volta!

- Áh, áh…tu sempre disseste que eras capaz de fazer tudo sozinha! Que não precisavas de nós nem de ninguém. Safa-te agora! Tu vais encontrar.

- Mas eu preciso.

- Não quero saber. Procura. Tens de sair daí sozinha…

A rapariga procura muito aflita, anda de um lado para o outro, entra em cada caminho diferente do labirinto, grita, chora, corre. A outra ela ri-se escondida.

- Por favor ajuda-me. Estou muito nervosa. – Grita a rapariga

- Continua à procura…vais encontrar. Eu não posso ajudar-te.

- Que cobra, má, nojenta! – Grita

- Era mesmo isso que tu eras. Continua. – Diz a outra

    Ela procura desvairada por caminhos sem saída, escuros. Encontra outros caminhos escuros: um com fantasmas brancos, outro com monstros, outro com figuras aterradoras e horríveis, outro onde só ouve vozes e gargalhadas. 

        Noutro caminho, as vozes gritam com ela, acusam-na, insultam-na. Noutro, umas sombras não dizem nada, só apontam dedos e empurram-na. Noutro, as sombras gozam-na, puxam-lhe os cabelos, riem-se dela, gritam-lhe. A outra ela ri-se. No quarto, ela abre os olhos sobressaltada, muito agitada, e grita ofegante:

- Não! Eu quero sair. Eu não quero voltar àquele sítio.

- Mas vais voltar. – Diz a outra

- Onde estiveste?

- Perto.

- Porque é que não me ajudaste? Já conhecias aqueles caminhos?

- Já. E tu também.

- Eu não…se conhecesse antes, já sabia como sair dali. Porque é que não me levaste por outros caminhos?

- Tu é que escolheste esses!

- Como é que fui eu que escolhi? Eu não gostei, nem gosto daqueles caminhos. Estão cheios de coisas horríveis.

- Tu é que quiseste ir por eles! Tinhas muitos outros. Tu é que foste por eles, pela tua maneira de ser, porque te afastaste e afastaste a tua realidade. As pessoas que estavam à tua volta e que gostavam de ti, que sempre se preocuparam, tentaram sempre desviar-te desses caminhos, e levar-te por outros, mas tu não quiseste segui-los. Preferiste ficar no reinado onde tu eras a única rainha, onde todos estavam aos teus pés, e à mercê das tuas vontades.

- O quê?

- Sim. Eras arrogante, fria, distante, má, indiferente, nada à tua volta existia, nem ninguém. Só tu.

- Não pode ser.

- Pode! E foi mesmo isso. É por isso que agora estás aqui.

- Mas eu não quero isso!

- Tens de voltar ao labirinto.

- Não! Lá só tem figuras horríveis.

- Mas tens de as enfrentar…

- Não!

- Sim! Para saíres, tens de voltar.

      E a outra rapariga volta a levá-la para o labirinto. Ela volta a passar pelos menos caminhos, e por outros igualmente escuros. Um tem sombras que lhe estendem as mãos, e choram ajoelhadas. Um choro perturbador. Outras, gritam, outras ajoelham-se e contorcem-se. Entra noutro caminho que tem gelo quebradiço no chão, e parte à medida que ela passa rapidamente. Entra noutro onde vê uma série de portas. 

    Abre uma porta e só tem esqueletos, outra tem fumo, outra tem serras a trabalhar, outra tem pregos no chão, outra tem água, outra fogo, outra buracos no chão e na parede, outra com raios, outra com vento ciclónico, e outra com relâmpagos e redemoinhos. Ela não entra em nenhuma. Foge de todas.

      Vai dar a outro caminho escuro, e cheio de lama, onde acha que várias mãos a empurram e ela cai. Sai desse caminho com dificuldade, e muito assustada. Entra noutro caminho onde vê sombras que lhe apontam objetos cortantes, gritam e riem. 

        Ela foge desse e entra noutro, onde ouve o som de chicotes a bater no chão. Ela desata a correr, e entra numa porta cheia de vento que a suga. Dá um grito e um salto na cama. Abre os olhos muito aterrorizada.

- Gostaste do que viste?

- Não. Eu não volto lá! Não quero voltar lá! É um mundo horrível. Assustador. Cansativo. Estou esgotada!

- Era o mundo onde estávamos.

- O meu mundo não era assim.

- Era! Tanto era assim que agora estamos aqui. Tu é que só te vias a ti! Eras o centro de tudo. Nada do que estava à tua volta, interessava. Fizeste sofrer muita gente que tentou tirar-te desse mundo. Mas não quiseste sair dele.

- Eu não conheço aquela gente, nem aqueles caminhos. Nem quero conhecer, nem andar por lá outra vez.

- Para isso é que estamos aqui.

- Por favor…não me deixes voltar para lá!

- Agora achas feio.

- Claro. Não pode ser pior.

- Mas na altura achavas bonito.

- Na altura não era nada daquilo. Ninguém me fez mal, agora querem fazer-me mal. Parece 

que estão todas as personagens a vingar-se de mim.

- Claro. É mesmo isso!

- Posso pedir-lhes desculpa?

- Podes. Não sei se elas vão aceitar, mas podes tentar.

- Como é que eu faço isso?

- Volta ao labirinto.

- Óh não!

- Queres pedir desculpa, ou não?

- Quero mas naquele sítio…

- Eles só estão nesse sítio.

- Eles vão acabar comigo na mesma hora. Todos têm um ar assustador… mau…raivoso.

- Tenta, não sejas como eles.

        Ela volta ao labirinto, e chama todas as personagens que viveram no seu mundo. Elas aproximam-se silenciosamente e olham-na. Encontram-se num caminho escuro, mas com alguma luz.

- Por favor…não olhem assim para mim. Não me façam mal! Sei que estão muito magoadas e magoados comigo, ofendidos, e querem vingar-se…eu sei…compreendo-vos. Só agora é que estou a ter a noção disso! Por isso…até me sinto envergonhada. Não sei como pude chegar a este ponto.

            As sombras falam com ela num tom irónico:

Rainha…!

Como é bom ver-te aqui.

Desapareceste…

Estamos cheias de saudades tuas…rainha.

Muitas.

Vieste visitar-nos?

Ou vieste pedir-nos um favor…

Dar uma ordem…?

Castigar?

O que nos vais fazer mais?

Ou vieste pedir-nos que acabasses contigo?

- Pensamos que já tinham acabado contigo!

- Sofremos muito por tua causa.

- Chegamos ao nosso limite.

- Passaste todos os limites.

- Não mereces nada de bom.

- Claro que queremos vingar-nos.

- O que tu fizeste connosco não tem classificação.

- Foi muito mau.

- Nós é que não percebemos como fomos capazes de permitir tanto.

            A rapariga envergonhada responde:

- Têm toda a razão.

- O quê? - perguntam todas

- O que estás a dizer é mesmo verdade?

- É!

- Mas que grande mudança! - comenta uma sombra

- Não sei se devemos acreditar nisto. - comenta outra personagem

- Acreditem! - pede a rapariga

- No inicio foi bom, mas cansamos!

- Quer dizer…foi divertido…foi uma tentativa de enganar o medo.

- Tu eras a nossa rainha…primeiro amiga…depois…cruel!

- Fizeste tudo para que o medo se apoderasse de nós…e para que pudesses fazer tudo o que quisesses connosco.

- Depois de tudo, como te atreves a chamar-nos?

- Eu chamei-vos para vos pedir perdão. - diz a rapariga

- O quê? – perguntam todas, e desatam a rir

- Essa é boa…

- Muito boa.

- É. Eu não quero mais este mundo. Quero libertar-vos, e quero viver no mundo real. - assume a rapariga

- Tu é que o transformaste neste mundo horrível.

- Eu sei. Não sabia disso, mas agora sei. - diz a rapariga

- Nós também não gostamos de aqui estar! Só estamos onde nos deixaste.

- Por isso é que estou aqui! Para me perdoarem e para irmos todos para o mundo real que espero ser muito mais bonito que este. - reconhece a rapariga

- Huuuummmm… - dizem todas, e faz-se silêncio

A claridade aumenta.

- Por favor perdoem-me todas as maldades que vos fiz. Este foi o refúgio que encontrei do mundo real, de coisas que eu não gostava. Encontrei-vos aqui. Não tinha noção de onde estava metida. Juro-vos que não queria ter construído este mundo horrível.

- Este mundo horrível, foste tu que construíste, com tudo de mau que tinhas e que não podias mostrar na tua sociedade.

- Vivias na escuridão da tristeza e da desilusão, da dor, do ódio, da raiva, da maldade…

- Tudo dentro de ti era feio! - dizem as sombras

- Como querias construir um mundo bonito…

- um refúgio agradável com tanta carga pesada, escura?

- Pois…não tinha percebido isso. Mas é verdade! Mas acho que ainda posso mudar de mundo, não? - diz a rapariga

- Sim. - respondem todas

- Só depende de ti.

- Vocês gostam de estar aqui? - pergunta a rapariga

- Claro que não! - dizem todas

- Tira-nos daqui. - pede uma sombra

- Odiamos este sítio. - diz outra sombra

- Estamos cansados do escuro!

- Estamos esgotados. - dizem todas

- Estamos fartos deste ambiente.

- Por mau que seja o teu mundo real, de onde fugiste, temos a certeza que é bem melhor que este!

- Acho que começo a perceber que sim. Vocês perdoam-me? - pede a rapariga

Faz-se silêncio. Aumenta a claridade.

- Tu libertas-nos? - perguntam todas

- Tiras-nos daqui?

- Sim. Liberto-vos, e tiro-vos daqui com todo o gosto. - diz a rapariga

- Nós perdoamos-te. - respondem todas

         A rapariga abre um grande sorriso, e o mundo que era escuro, cheio de sombras, e figuras horrendas, encolhe. Um vento fortíssimo arrasta todas as personagens e ela incluída, de mãos dadas para se segurarem, elas rodam, algumas caem, outras ajudam a levantar, outras batem contra algumas árvores, mas não se magoam, seguram-se umas às outras.

            Há muitas cores, muitas luzes misturadas. O novo espaço é um jardim cheio de sol, luz, cores vivas, flores, relva, pássaros, lagos, fontes, cascatas. As sombras deixam de ser pretas, e todas as personagens são visíveis, sorridentes, com ares serenos, meigos, todos se abraçam, e beijam e abraçam a rapariga. A outra ela aparece com um enorme sorriso.

- Vês? Conseguiste! Muito bem…parabéns!

A rapariga abraça a outra ela, as duas sorriem:

- Muito obrigada por me terem perdoado!

- Muito obrigada por nos teres libertado! - dizem todas

- Que lindo sítio!

(Ouve-se barulhos da cidade ao longe)

- Não vou sair daqui.

- Tens de sair para voltares para a cidade onde vives e onde todos te esperam. Mas poderás voltar a este sítio sempre que quiseres.

- Estaremos sempre aqui…mas queremos é ver-te aqui poucas vezes.

        Todos riem.

- Muito obrigada pela vossa companhia, durante este tempo.

- Eles são muito mais bonitos com luz!

- Pois são!

- Está na hora de acordares.

- Mas eu estou a dormir?

- Estás! Vais acordar dentro em breve, como nova…agora que mudaste para a luz.

- E eles?

- Eles vão estar sempre aqui. Podes vir visitá-los algumas vezes, mas a este lado do labirinto. 

lado da luz.

- E o lado horrendo?

- Esse quase desaparecerá. Não voltes a entrar nele.

- Não voltarei. Até breve amigos! Ou…personagens!

- Olha como eles estão felizes!

- E ganha juízo!

        As duas raparigas dão a mão com um grande sorriso, e ela acorda na ala psiquiátrica, consciente. Olha em volta, e familiares e amigos estão à sua volta. Primeiro preocupados, depois quando ela abre os olhos, sorriem aliviados.

- Olá! - dizem todos

- Bem-vinda!

- O soninho foi longo, não?

- E bom?

- Eles amam-te!

        A rapariga sorri.

- Onde estou?

- Não te preocupes com isso!

- Vais sair daqui.

- Vais ficar boa!

- Não sei o que aconteceu!

- Não faz mal.

- Sabes quem somos?

- Sei!

       Eles põem a conversa em dia, contam-lhe novidades, todos riem muito e com a medicação ela melhora de dia para dia. Teve força suficiente, com a ajuda da família, dos amigos e da sua outra ela para não voltar ao mundo da depressão, das sombras, e figuras assustadoras, e agora, figuras bonitas, sorridentes, de paz e alegres que brincam com ela.     

        Ela reaprendeu a viver em sociedade, e transformou-se numa pessoa do bem, passou a procurar ajuda quando precisou, e aprendeu a aproveitar tudo de bom…reencantou-se pela cidade, por tudo o que a rodeia. 

        A depressão tem cura, é preciso estar atento aos sinais e qualquer um de nós pode tê-la. Qualquer um de nós pode viver no mundo da escuridão, das trevas, onde tudo é horrível, assustador, e viver no mundo da luz, da cor, da felicidade.

        Mesmo quando o mundo da luz tem trevas e as sombras invadem esse mundo, podemos sempre contar com quem nos ama, com a família, com os amigos e com os anjos em forma de psicólogos ou médicos. 

        Mesmo com trevas e sombra, vale a pena viver…e no mundo da luz! No nosso mundo.

Fim

Lara Rocha

(11/Julho/2015)