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domingo, 22 de novembro de 2020

As histórias que o corpo conta - monólogo

         



         Não gostava das minhas mãos, quando comecei a envelhecer. Quer dizer, passei uma fase em que não gostava de nada em mim, até fiquei deprimida, ao olhar-me no espelho, e ver pintas por todo o lado, a pele a pingar, pregas por todo o lado, o cabelo a perder a cor, eu a ficar tipo uma cesta, varizes a sair, que personagem de um filme de terror. Mas era geral. As minhas amigas também se queixavam do mesmo. 
         Partilhei isso com os meus filhos, porque eles perceberam que andava triste, claro que andava triste, como poderia andar contente, se todo o meu corpo parecia lava a derreter tudo! 
        Como estava a ficar horrível, dizia eu. Mas os meus filhos relembraram-me do que as minhas mãos já tinham enfrentado, e que continuavam a ser lindas, maravilhosas. 
         Disse-lhes que eles eram uns amores, muito simpáticos, só para me animar, mas quando meditei nas palavras simpáticas deles, voltei a olhar para mim, para tudo o que estava a cair, e senti orgulho. Eles tinham razão. 
         Disseram-me que as minhas mãos são maravilhosas, sempre foram, porque seguraram neles ao colo, a barriga, mesmo mais larga, foi o lugar seguro onde estiveram 9 meses, e para onde durante muito tempo, às vezes ainda agora, gostariam de voltar, quando tiveram as desilusões e os sofrimentos deles.  
         As mamas satisfizeram o pai, e sempre os alimentaram desde que nasceram. Os braços e as pernas, foram onde eles sempre sentaram, dormiram enroscados em mim, e que lhes sabia pela vida, foi onde eles se curaram das doenças da infância. 
         A cara em geral, e os olhos, foram um meio de ensino de emoções, agradáveis e desagradáveis, relembram-lhes as noites que passei sem dormir, sempre preocupada com eles, só para os aturar, para responder às manhas, aos chorinhos de colo, e de fome, só porque sim. 
         Lembraram-me que foram as mãos que eu não gostava, que sempre lhes preparou a comida, com tanto carinho, e que lhes meteu, até conseguirem comer sozinhos,  sempre lhes deu banho, mudou as fraldas, vestiu, calçou, penteou, acariciou, beijou. 
         Sempre foram essas mãos que eu não estava a gostar, que seguraram nas deles, para brincar, passear, que lavou a roupa vezes sem conta, a toda a hora, pôs a secar, e passou para que andassem todos bonitos, limpinhos. 
         Sempre foi a minha voz que lhes contou histórias, de que se lembram ainda hoje. É esta mulher que não estava a gostar dela própria, com as transformações da idade, que esteve e está sempre do lado deles, e que segurará nos netos, se os houver. 
          Eles valorizaram as pintas e manchas na pele, dizendo que eu sempre fui bonita, mas estava mais agora, as artroses lembravam tudo o que eu passei por eles, e que por dentro, como pessoa continuava a mesma mãe maravilhosa que sempre fui. 
          Os meus filhos são maravilhosos, sempre foram, e eles têm toda a razão...quase me batiam quando eu lhes disse que estava a ficar feia, com umas mãos de velha, e um corpo que metia nojo.               Claro que o nosso corpo muda, é bom, e porque não deixá-lo livre, assumir as mudanças, os nossos corpos mudam, mas não é o nosso fim. 
         As nossas mãos enquanto mexem, com mais ou menos rugas, é bom, ainda podem fazer muita coisa: lavar, limpar a casa, cozinhar, passar a ferro, arrumar, telefonar à família e às amigas, sair, conversar, rir, aturar o marido, fazer-lhe também alguns carinhos, que eles gostam e precisam, sim, sou atrevida, desde que voltei a gostar de mim, agora mais velha, e ele responde (risos). 
          Eu ainda faço compras, bordo, ainda faço casaquinhos de bebés em malha, lã, algodão, e outras roupinhas, com as minhas amigas, que oferecem aos netos, ainda escrevo, ainda pinto de vez em quando, e em casa, não me falta o que fazer com as mãos. 
          Não importa se elas têm manchas, pregas ou ossos salientes, enquanto trabalham, aproveitemo-las. Não precisamos de fazer maratonas, mas faz-nos bem caminhar, apanhar sol, e é isso que faço, com as minhas pernas que achava que já não serviam para grande coisa...coitadas, já foram mais bonitas, mas ainda mexem, e deixam-me circular, ir para a piscina, ir ao cabeleireiro, dançar com o meu parceiro, jantar fora, e estar com os meus rebentos. 
          Os meus filhos estragam-me com mimos, são uns amores, dizem que retribuem agora tudo o que lhes dei, e mesmo assim, acham que fazem pouco, oferecem-me pequenas coisas, telefonam-me todos os dias, metem-se lá em casa. 
          Para quê sofrer, tentar transformar ou disfarçar o que é natural, o que faz parte da vida e ainda bem que lá chegamos? Se pensarmos em tudo o que já passamos até aqui, todas as dores, todos os problemas que ultrapassamos, às vezes nem sabemos como, devemos ter orgulho, em nós, nos nossos rebentos, que parece que estamos sempre a vê-los pequeninos, e já estão enormes, homens lindos, perfeitos, cheios de coisas boas, pela educação que lhes demos. 
          O que está debaixo da carcaça é o mais importante, o resto, enquanto funciona, há que aproveitar. 
         Esqueçam lá as rugas, o excesso de gordura desde que não prejudique a vossa saúde, as manchas na pele que na realidade não são nada do outro mundo, nem assim tão feias, fazem-nos parecer...aqueles animais exóticos, com manchas na pele, bonitos! 
          O mais importante é o que sempre foram, enquanto pessoas, enquanto esposas, mães e amigas, e o que ainda continuam a ser. 
         Não vão ser as quedas naturais que vão mudar a nossa vontade de viver, de amar, de sermos felizes com o que temos, não vai ser isso que nos vai tornar menos mulheres, menos bonitas e menos mães ou menos esposas...sim, perdemos algumas coisas, por fora, mas podemos ganhar outras, e o mais importante é saber apreciar o que temos! 
          Ainda podemos viver muito, com as limitações que vamos acumulando, ainda podemos aprender muito, ensinar ainda mais, e descobrir coisas novas, talentos, novas formas de nos relacionarmos com o nosso parceiro, é preciso imaginação, mas é possível e importante. 
          A juventude não está necessária e exclusivamente no corpo, mas sim na alma, na mente, na vontade de continuar cá, no querer ser feliz, e quanto mais jovem é o nosso espírito, menos o nosso físico sofre. 
          A magia está no viver e aceitar a realidade que temos, as rugas, as manchas, os cabelos, a pele, a gordura, os ossos mais salientes, isso não conta assim tanto, se a nossa alegria de estarmos vivos, e de podermos continuar a fazer tudo, mais devagar, com mais imperfeições, não importa, o que interessa é fazermos. 
          Continuamos a ser mulheres, com tudo o que isso envolve. Sejam vocês mesmas! Todo o nosso corpo, e o nossos ser, contam histórias inesquecíveis em qualquer idade. 


                                                               
                                     FIM 
                            Lara Rocha
                          22/Novembro/2020

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