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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

A jovem e o seu vizinho luminoso

            
Desenhado por Lara Rocha 


        Era uma vez uma jovem que para descansar os olhos da luz da cidade, ao entardecer, antes de entrar em casa, olhava para uma árvore cheia de buracos. 
       Ela sentia que aquela árvore tinha alguma coisa de especial, não sabia explicar. Já não era a primeira vez que ela tinha a sensação de ter visto a sair de um dos buracos um arco, com uma luzinha.
       Nunca deu importância, nem quis investigar, porque achou que era de cansaço, e que a sua mente procurava alguma coisa para relaxar, mesmo que não existisse. Ela sorria e voltava a entrar com outra energia.
       Um dia chegou do trabalho, olhou para a árvore, e viu outra vez o arco com a luzinha. Desta vez, quis ver de perto, para tirar dúvidas se era real, ou se estava a imaginar. Aproximou-se, e para sua grande surpresa...
- Áhhhhhhh!!! É real! Eu via mesmo este arco e uma luzinha. Que lindo! Mas como é que isto veio aqui parar...? De onde veio?
        Antes que a jovem continuasse a fazer mais perguntas, a luzinha começa a tocar, no arco, sem cordas.
- Mas, está a tocar sozinho, o arco?
        Era a luzinha que tocava maravilhosamente bem.
- Que música tão suave! Mas... como é que este arco dá música...?
        A luzinha aumenta de tamanho, e pisca, o arco continua a tocar. A luzinha mexe-se de um lado para o outro, roda no arco, desliza, como se estivesse a tocar cordas que não existiam. 
       A jovem estava tão deliciada a ver e a ouvir aquilo que quase não se mexia. Quando a luzinha para de tocar, ganha a forma de um lindo e pequeno pirilampo, que tocava num arco sem cordas, porque era ele que cantava e tocava, pois não tinha dinheiro para comprar um arco com cordas, como ele adorava poder ter.          
       Partilhou a sua história com a jovem, que gostou tanto dele, e ficou com pena dele, ofereceu fio de pesca e ajudou-o a pôr cordas no arco, bem presas e próximas umas das outras, como se fosse uma harpa.
      O pirilampo ficou tão feliz e tão agradecido à jovem, que quis logo experimentar. Ele nem queria acreditar que estava a tocar em fios verdadeiros.
      Tocou delicadamente em cada corda, primeiro, depois, soltou toda a sua alegria enquanto tocava músicas alegres, saltitando de fio em fio, dando cambalhotas, rodopios, saltinhos e até algumas lágrimas, que também o ajudaram a compor músicas.
        A jovem aplaudia e ria ao ver a felicidade do pequeno, com uma coisa tão simples, mas para ele era tudo. 
        O pirilampo nunca mais abandonou aquela árvore, e todos os dias, várias vezes ao dia, tocava para a jovem, como forma de agradecimento, conversava com ela, ajudava-a a adormecer, e fazia-lhe companhia.
        Em troca, ela dava-lhe abrigo, calor, alimentação e amizade, a ponto de acolher o pirilampo na sua sala de estar, ou no seu quarto, quando estava mais triste. 
        Às vezes a jovem cantava com ele, e outras vezes, os dois abraçavam-se, choravam juntos. Eram uma verdadeira família.

                                            FIM
                                            Lálá  
                                                                                                                            26/Fev/2020

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Anjo na ponte - peça de teatro para adolescentes e adultos sobre tentativa de suicidio, amizade (psicólogos, estudantes de psicologia e população em geral)


Monólogo para adolescentes e adultos; homossexualidade; amizade; Tentativa de suicídio; ideação suicida; respeito; acolhimento,

Era uma vez uma rapariga que estava em depressão, e não encontrava outra solução a não ser suicidar-se. Encontra-se numa ponte do Porto a olhar para o rio, numa grande angústia a chorar. Um jovem rapaz passa por ela, olha para ela, e pressente qualquer coisa de estranho.

ELE - Estás bem?

Ela estremece:

ELA - Empurra-me! Atira-me daqui abaixo. Por favor. 

ELE - O quê? Já vi que não estás bem.

ELA - Empurra-me! Apareceste na altura certa para eu realizar a minha vontade.

ELE - Qual é a tua vontade?

ELA - Eu vou atirar-me daqui abaixo.

ELE - Era só o que faltava!

ELA - Até tu apareceste para isso.

ELE - Achas? Nem nos conhecemos. Mas não vou deixar que faças essa loucura.

ELA - Não estou cá a fazer nada...O vazio em mim é maior que este rio. A tristeza é do tamanho desta cidade.

ELE - Vazio, tristeza... que conversa é essa?

ELA - Esquece...! Só se o sentisses, saberias. Anda lá... empurra-me, ou atira-me daqui abaixo.

ELE - Olha para mim. Vamos conversar. Por favor.

ELA - Só quero que me atires lá para baixo. 

Ele dá-lhe a mão e vira-a para ele. Os dois ficam ali uns segundos a olhar-se fixamente.

ELA - Que pena só teres aparecido agora, no meu fim....até podíamos ter sido amigos. Seremos se calhar na minha próxima reencarnação.

ELE - Que conversa. Eu não vim aqui por acaso, nem para te atirar lá para baixo...onde já se viu? Uma rapariga tão bonita, com todo o respeito e sinceridade, ter essas ideias estúpidas...nem penses que vou deixar que faças uma loucura dessas... vamos conversar!

ELA - Já é tarde, não há nada para conversar. Atira-me.

Num impulso, ele encosta-a a ele, abraça-a, e ela rende-se, entrega-se aos seus braços, desata a chorar, abraçada a ele. Ele acaricia-a.

ELE - Estás mesmo numa grande angústia, num grande sofrimento. Mas eu estou aqui. Fala comigo!

ELA - Não te vou chatear com as minhas coisas... acho que nunca nos vimos antes... mas... o teu abraço é bom. Nem quero saber se vais interpretar mal, mas é bom. Senti-me bem nos teus braços. Acho que é panca da minha cabeça.

Ela abraça-se outra vez a ele. 

ELE (sorri, sereno) - É para os meus braços que te vais atirar sempre que quiseres, daqui para a frente, e eu vou empurrar-te para eles, sempre que perceber que precisas.

ELA (ainda a chorar) - Porque é que estás a fazer isto, se não nos conhecemos?

ELE - Ora essa... não nos conhecemos antes, mas a partir de agora podemo-nos conhecer. Estou a fazer isto porque o que tu ias fazer, não se faz. Porque quero conversar contigo. Porque não gosto de ver meninas a sofrer tanto, porque...não sei mais.

ELA - Nada disto faz sentido.

ELE - O que tu ias fazer, não, não faz sentido. Para! Por favor! É aqui, é nesta vida, no hoje que tens a tua missão, seja ela qual for, e não é esta de certeza. É hoje, é nesta vida que tens de lutar e fortalecer-te, não te entregues à tristeza. Há muita coisa à tua volta. Há muita gente que precisa de ti, só precisas de te abrir e deixar de mergulhar nessa tua escuridão.

ELA - Eu não faço falta a ninguém.

ELE - Outra vez...?

ELA - Nem tu estás para me aturar.

ELE - E quê? Fazes futurologia, é? Para dizer o que estou para fazer? Eu já sou grandinho, sei bem o que quero, e o que faço, e porque o faço.

ELA - Mas eu disse-te que me atirasses lá para baixo.

ELE - E eu já disse que nunca faria isso.

ELA - Porque não?

ELE - Porque não! E também já disse porque não. Para de dizer asneiras, e vamos conversar. Prometes?

ELA - Já que fazes tanta questão... não sei para quê, se me vou atirar daqui abaixo.

Ele encosta-a outra vez a ele, ela abraça-o.

ELE - Faz-me um favor...

ELA - Vais-te atirar comigo...?

Ele ri-se:

ELE - Mau... já não estou a gostar dessa conversa... estás proibida de repetir esses disparates, combinado?

ELA - E o favor, qual é?

ELE - É esse! Vamo-nos sentar ali, e conversar, ok?

ELA - Não vais gostar... eu sou um cubo de gelo.

ELE - Não faz mal, eu gosto de gelo...não tenho medo do gelo. No fim digo-te se gostei ou não.

Os dois sentam-se num banco de pedra, a ver o rio. Primeiro em silêncio.

ELE - Saboreia esta água...ouve...

Os dois ficam em silêncio.

ELE - Agora...começa a falar-me de ti. Tudo o que te incomoda.

ELA - Vais-te afastar de mim.

ELE - Ai, que paciência...(troca os olhos)! Fala. Depois vês, se me vou afastar de ti.

ELA - Mas só me apetece chorar...

ELE - Boa! Não interessa. Podes fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

ELA - Começo por onde?

ELE - Por onde quiseres. O que eu quero é que fales...

Ele vira-se para ela, e ela começa a falar. Ele ouve-a atentamente, ela chora e fala. Depois cala-se.

ELA - Desculpa. Já falei demais.

ELE - Isso és tu que estás a dizer, não sou eu. Eu não me queixei.

Olham-se fixamente.

ELA - Porque é que estás a olhar assim para mim?

ELE (sorri) - Já acabaste?

ELA - Sim. Desculpa.

ELE - O quê?

ELA - A seca!

ELE (ri-se) - Se eu tivesse sede, tinha ido beber. (Os dois riem)

ELA - Falei tanto...

ELE - E não era o que eu queria...?

ELA - Sim.

ELE - Então, qual é a cena?

ELA - E tu, vais falar-me de ti?

ELE (sorri) - Queres ouvir-me?

ELA - Sim. Já que nos encontramos... e já que eu falei tanto de mim...

ELE (ri) - É justo! Sim, claro que sim, vou falar-te de mim.

Ele também partilha com ela muitas coisas. Descobrem muitos pontos em comum, riem juntos. No fim, ela está mais animada.

ELE (sorri) - Gosto do teu sorriso.

ELA (sorri) - Obrigada. O teu também é simpático e sereno.

ELE (sorri) - Obrigado. Como te sentes agora?

Silêncio. Ele olha para ela.

ELA - Acho que... melhor!

ELE - Até levava a mal se dissesses o contrário. Eu gostei deste bocadinho.

ELA - Obrigada pela tua paciência.

ELE - Vamos dar por ai uma volta?

ELA - Queres a minha companhia?

ELE (irónico) - Não... é por isso que te estou a convidar.

Ele abana a cabeça e ri-se.

ELA - Está bem.

Os dois levantam-se, e começam a caminhar lado a lado devagar.

ELA - Já estás cansado não?

ELE - Eu? Cansado? De quê?  Já sei qual é a tua resposta...não, não estou cansado.

Ela sorri. Continuam a conversar e a rir. Param de vez em quando, olham-se, e sorriem. Ele mostra-lhe coisas bonitas, ela sorri. Ela diz onde mora, e moram relativamente perto um do outro. Antes de se separarem, param à entrada de casa dela. Trocam contactos, e prometeram encontrar-se mais vezes.

ELE - Estás melhor?

ELA - Sim. Acho que sim... não sei como te agradecer!

ELE - Deixa lá isso. O que eu quero é que não voltes a ter aquelas ideias estúpidas, e que me prometas que qualquer coisa, vais ligar-me, ou falar...! Prometes?

ELA - Não quero estar sempre a melgar-te.

ELE - Nem vou responder...

ELA (ri-se) - Que simpático...

ELE (ri) - Achas que merece resposta isso?

ELA (ri) - Não sei.

ELE (ri) - Não. Não merece... mas isso é isso, e tu és tu Qualquer coisa, estou aqui.

Olham-se fixamente a sorrir.

ELA (sorri) - Sou um gelo, não sou?

ELE (ri) - Ai... eu não senti frio. (Os dois riem) És um ser especial. Só te peço: tem calma, e não faças merda... desculpa o termo. Não te esqueças que só o hoje interessa, amanhã já é outro dia, e será melhor...só depende de ti. No que depender de mim, já sabes que farei com que os teus dias sejam melhores, mas tu é que tens a maior responsabilidade, e toda a liberdade de aceitar ou não...! Aquela ponte foi para nos unir, e não para nos separar.  Só quero que te atires para os meus braços, sempre que quiseres.

ELA (ri) - Gostei muito do teu abraço! Obrigada.

Ele abraça-a, ela deixa-se ficar no abraço dele, a sorrir. Ele dá-lhe um sonoro beijo na cara, faz-lhe uma festinha.

ELE - Até já.

ELA - Até já.

Sorriem. Ele dá-lhe a mão.

ELE - Estou contigo!

ELA (sorri) - Obrigada, anjo!

ELE (ri-se) - Não sou anjo, sou homem, de carne e osso, como tu. Estou na terra como tu.

Riem.

ELA - Tu percebeste...

ELE (ri) - Sim... fica descansado.

Ele dá-lhe um beijo na mão, e vai para casa dele. Nesse mesmo dia, voltam a falar-se, e nasceu uma linda, forte e sincera amizade entre eles.

VOZ-OFF - Na terra existem anjos, disfarçados, que aparecem às vezes de forma inesperada e transformam toda a vida de pessoas que sofrem. Qualquer um de nós pode ser um anjo para outro, com a sua presença, atenção, carinho, dedicação e amizade. Numa sociedade solitária, são muitos os casos de tentativas de suicídio, pelo vazio intolerável, pela falta de realização pessoal e de tempo para construir relações de amizade. Construir uma amizade, demora o seu tempo, mas esta pode nascer, às vezes a partir das pessoas que nos parecem mais distantes ou mais indiferentes. A indiferença é outra causa de tantas tentativas de suicídio. Pedidos de ajuda que são ignorados. É importante estar atento, quando surgem, e não deixar essa pessoa sozinha. E qualquer um de nós pode ser um anjo que liga uma pessoa a outra, e à vida.

                                                                  FIM
                                                              Lara Rocha
                                                             (11/Fev/2020)






quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Devaneio romântico (para adolescentes e adultos)


         Olho para aquela estrela, da minha janela. Aquela estrela, que brilha mais, mesmo à frente dos meus olhos! Ela está lá todas as noites, de certeza mas eu não vou vê-la todas as noites. Mesmo assim ela está lá com certeza, muito senhora do seu nariz. E continua a ser ela, sem querer saber se olham para ela ou não! Porque ela sabe que é mesmo muito bonita, e que há sempre alguém que a vê. 
         Esse alguém sou eu, às vezes. Gosto de a ver. Para ela eu serei apenas mais uma, como outras almas solitárias, que nas noites de insónias olham para ela. Repousam na estrela os seus olhos tristes ou cansados, sonolentos, sonhadores ou perdidos. Que olham por olhar. Será que também olhas para ela? A mesma estrela brilhante que vejo? 
         Não te vejo nela! Também não me vejo nela, mas gosto de pensar se haverá alguém a vê-la à mesma hora que eu, e se imagina o mesmo que eu!? Será que também olhas para ela ao mesmo tempo que eu, e pensas que talvez alguém também esteja a olhar para ela? 
         Mesmo sem saber a resposta, gosto de imaginar que a vês, e que talvez outros olhos repousem nela. Os meus e os teus...o nosso corpo não se encontra, mas quem sabe, a nossa essência troque abraços feitos de astros e estrelas cintilantes, com a promessa de que um dia os nossos olhos se encontrarão, longe da estrela que vemos, e os nossos braços se entrelaçarão, como se envolvessem todo o universo, e nos tornaremos um só! 
         Uma só estrela! E na nossa estrela viveremos o nosso amor eterno. A estrela que talvez vejamos ao mesmo tempo, será  a nossa madrinha. Como saberemos que somos nós? Os dois que olhamos para a estrela? Quando os nossos olhos se cruzarem, e virmos a estrela a cintilar, eles reconhecer-se-ão. Aí teremos a certeza que a nossa essência se tocou, e que os nossos olhos viam a mesma estrela a brilhar. 


                                                                                Ilustração e monólogo de Lara Rocha
                                                                                 6/Fevereiro/2020