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terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Histórias de amor, ou histórias de terror?

         Era uma vez uma árvore onde viviam muitos morcegos, corujas, e mochos. Um morcego tinha muita imaginação e adorava ler. Devorava livros e mais livros. 
        Gostava tanto de histórias que quando as lia parecia que as vivia. Tanto, que falava sozinho, ele dizia que estava a falar com as personagens, mas ninguém, a não ser ele as via.                 Gritava, insultava, agitava-se, às vezes até se atirava de repente e caia no chão. Todos ficavam assustados, até que se habituaram aos seus repentes, e riam com ele.
             Embora lesse um pouco de tudo, o que gostava mesmo era de histórias tenebrosas, assustadoras, de terror, aquelas que assustam e ao mesmo tempo muitos gostam de ouvir. Não entendiam como não tinha pesadelos de noite, com tanta história de terror, mas não tinha, e adorava contá-las aos outros pequenos, o que passou a ser um grande problema, porque tinham pesadelos.
            Uma noite, as corujinhas pequenas quiseram juntar-se ao grupo, e ouvir as histórias. Quando perceberam que eram de terror, viraram costas e foram ler outras histórias, as delas, mais românticas, de temas que as meninas gostam. Nessa noite, mesmo não ouvindo as histórias de terror, elas tiveram pesadelos, talvez porque ouviram os mochos a gritar e a rir.
            Os mochinhos eram teimosos, ouviam as histórias, e claro, de noite tinham um sono muito agitado, mexiam-se, gritavam, caiam abaixo da árvore. Os pais dormiam como se nada fosse, as morceguinhas e as corujinhas acendiam as luzes e tentavam acalmá-los.

- Olhem, meninas, os valentões acordaram assustados! - diz uma morceguinha irónica
 (Todas riem)

- Coitadinhos… - dizem todas a rir

- Vão ouvir mais histórias de terror, vão…! - recomenda uma corujinha a rir de fininho

- Que palermas! - comenta outra morcega

- A culpa é do teu irmão. - Resmunga um morcego que acordou estremunhado

- Essa agora…? Porquê?

- Porque ele é que nos lê essas histórias.

- Se não gostam, porque as ouvem?

- Porque ele é nosso amigo!

- Lá porque é amigo, não têm de gostar das mesmas coisas que ele! - diz a irmã do morcego

- Pois. - Concordam todas

- Nós não temos medo! - afirma convicto um mochinho que ainda está a tremer do pesadelo

- Naaaaaa... - exclamam todas a rir

- Então porque é que estás a tremer, e acordaste aos gritos?

- Eu…? A tremer, e aos gritos…? Tu é que deves ter tido um pesadelo… - diz o morcego que parecia uma vara verde, armado em forte. Elas riem

Uma morcega dá um espirro. Os mochinhos e os morceguinhos escondem-se assustados. As meninas riem

- Até um espirro lhes mete medo, quanto mais, uma história de terror.

- Pois é.

- Acham que são muito corajosos…

- Eu não gosto nada dessas histórias.

- Nem eu!

- É por isso que quando as oiço, mesmo não estando muito atenta, estes palermas a gritar, assusto-me, tenho sonhos maus.

- Eu também.

- Nós sabemos que aquilo não é real, mas não sei porquê...mete medo.

- Pois é.

- Não temos que gostar todos do mesmo.

- Claro que não.

- E se eles experimentarem ouvir ou ler as histórias que nós lemos? - sugere uma morceguinha

- Boa! - concordam todas 

            Uma noite as corujinhas e as morceguinhas convidaram os amigos que se diziam muito corajosos, mas na verdade tinham muito medo, a ouvir as histórias que elas liam.

- As histórias que vocês gostam, são pirosas...- resmunga um mochinho

- Mas ouviste-as, e vais ver como esta noite não vais ter pesadelos! - garante uma morceguinha

- Eu até acho que gosto de histórias de amor, mais do que de terror. - pensa alto um morceguinho

- Claro, o amor é muito mais bonito, terror... já temos muito, à nossa volta e é mau! - diz uma morceguinha

- À noite precisamos de ouvir coisas bonitas, agradáveis, para descansar e ter bons sonhos! - acrescenta uma corujinha

             Nessa noite, não tiveram pesadelos, e alguns descobriram que afinal também gostavam das histórias para meninas. Como, ainda assim, gostavam das histórias de terror, e pensavam que sabiam que essas histórias não eram verdadeiras, decidiram experimentar ler essas histórias de dia, e as outras das meninas à noite. 
            Gostaram da experiência, mas poucos dias depois, voltaram a não resistir ao convite do amigo morcego que lia as histórias de terror. Lá voltaram os pesadelos! Elas não tentaram mais, mas desafiaram-se uns aos outros, para ver quem tinha razão...se eles, ou elas. 
            Convidaram toda a floresta para ouvir histórias de amor, e histórias de terror. Quem quisesse histórias de amor, ia para as morceguinhas e corujinhas, quem gostasse de histórias de terror, ia ouvir os morceguinhos e mochinhos.
             Nos primeiros dias, os mochinhos e morceguinhos, ganharam, tiveram muitos animais a ouvir as histórias de terror, e as corujinhas e as morceguinhas não tiveram ninguém para as ouvir. Todos ficaram muito entusiasmados a ouvir as histórias de terror, mas nessas noites ninguém dormiu, todos tiveram pesadelos.
             Passado uns dias, já cansados de não dormir, e de ficarem com o coração a bater muito depressa com o mais pequeno barulho, ou gritar quando viam sombras, decidiram ouvir as histórias delas, e dormiram como anjos, porque eram histórias tão bonitas, que faziam sonhar e transmitiam paz.
             Algum tempo depois, cada um ia para o que gostava mais, e todos continuaram amigos como antes… cada um tem os seus gostos, e se não gostamos de histórias ou filmes de terror, não temos de as ouvir, ou ver. Há milhares de histórias que esperam por nós.

E vocês? Que histórias gostam mais? Sobre quê? Já tiveram sonhos maus depois de ouvir ou ver uma história ou filme de terror?


                                                                        FIM
                                                                     Lara Rocha 
                                                                     4/12/2018


sexta-feira, 23 de novembro de 2018

A árvore Cristal

       
       Foto de Lara Rocha 

             Era uma vez uma árvore centenária, a quem chamavam Cristal. Já tinha visto crescer e envelhecer várias gerações de pessoas da mesma família, estava no meio de tantas outras, cheia de folhas com as cores do Outono: amarelas, castanhas, verdes claras, verdes escuras, vermelhas, manchadas e todas lindas.
         Uma menina que olhava pela sua janela, num dia de aguaceiros, reparou em algo muito diferente que nunca tinha visto naquela árvore de quem toda a família falava. A Cristal estava muito mais brilhante do que as outras.
       O vento soprava forte, e quando abanava as folhas, esta parecia que estava cheia de leves teias de aranha que dançavam ao vento. Foi a correr ter com a mãe à cozinha, que estava muito atarefada, pediu que visse a Cristal:
- Mamã, o que achas que tem aquela árvore?
- Qual?
- A Cristal.
- Para mim são todas as árvores iguais, que mudam as suas folhas conforme a estação do ano, e estão ali desde há dezenas ou centenas de anos.
- Está bem, eu sei isso tudo, mas a Cristal, tem... qualquer coisa que a faz brilhar muito. Acho que são teias de aranha penduradas.
- Que disparate! As aranhas não andam nas árvores. Quer dizer, podem andar, mas não fazem as teias ali.
- Porquê? Têm medo de alturas?
- É! Deve ser.
- Olha...elas a abanarem com as folhas, sempre que o vento lhes dá.
- Sim, mas duvido que sejam teias de aranha.
- Mas as teias de aranha não brilham ao sol, nem abanam com o vento?
- Sim, fazem isso tudo, mas não neste sítio.
- Porque não?
- Ai...óh filha, vai fazer outra coisa. Deixa lá a Cristal sossegada, ela não te come.
- É vaidosa?
- É.
       A menina fica amuada, a mãe volta para o seu trabalho. Não satisfeita com aquela resposta, foi perguntar ao seu pai que ralhou com ela porque também estava muito ocupado, e não podia perder tempo a olhar para árvores. Disse para perguntar à Mãe, mas isso já tinha feito. A menina, triste, foi tentar a sua sorte, e perguntar aos avós que estavam a trabalhar na horta.
- Avó, olha a Cristal está a brilhar.
- Áh. É linda.
- Porque é que ela brilha tanto? São teias de aranha penduradas nas folhas que abanam com o vento?
- Não me parece! - diz o Avô
 - Também acho que não. - Diz a Avó
- Então o que brilha?
- É um presente dos anjos! - diz o Avô com ar poético a sorrir
- A sério? Tu viste Avô?
- Vi.
- E como é que eles fizeram isto?
- Isso é segredo deles! - diz a Avó a sorrir
- Tu também viste os anjos, Avó?
- Vi.
- Áh! Que lindo! Está tão bonita esta árvore. São cristais?
- São! - Respondem os dois
- Transparentes como as lágrimas. - Diz a Avó
- Lágrimas? De quem? - pergunta a menina
- Não sei! - Dizem os Avós
- O sol beija os cristais - diz a Avó
- Beija os cristais? Então são estrelas? - deduz a menina
-É! São estrelas de dia! - Sorri o Avô
- São iguais às estrelas da noite? - pergunta a menina
- Não! Estas estrelas só se vêem de dia, e as outras só se vêem de noite.
- Também são os anjos? - pergunta a menina
- São! - respondem os dois
- E porque é que eles põem estrelas de dia e estrelas de noite?
- Para nos mostrar que estão connosco, que nos amam e protegem. - responde o Avô
- Áh! Que lindo. Obrigada, anjos. E porque é que eles não puseram cristais em todas as árvores? Ficam tão bonitas! - observa a menina
- Não devem ter que chegue. - Diz a Avó
- Ou então, puseram naquela árvore para que tu os visses, fica mesmo em frente à tua janela... - justifica o Avô
- Uau! - Sorri a menina
- Eles estão felizes! - Diz a Avó
- Como sabes?
- Porque estão a dançar nas folhas! - diz o Avô
- Áh, tu consegues vê-los?
- Consigo! E tu também estás a vê-los.
- Estou?
- Estás. Estão a cintilar...vês?
- Sim, mas eu não estou a ver anjos.
- Estás sim! Os cristais na árvore...e em tudo o que há na Natureza. São eles que estão lá. Nós é que nem nos lembramos que eles existem e que nos enchem de mimos! E nós...nem agradecemos! Mesmo assim, eles estão sempre ali, ali, aqui, acolá...em todo o lado! - diz o Avô
- É verdade! - Confirma a avó
- Os anjos não precisam de ser vistos, como os pintam, ou dizem que são! Eles são discretos. Mas fazem coisas maravilhosas. - Diz a Avó
- Pois é! Obrigada Anjos...adoro-vos.
            Caem umas pintas de chuva e aproxima-se uma nuvem negra.
- Óh, vai chover! - repara a menina
- Os anjos até na chuva estão. - Diz a Avó
           Os três entram em casa. A menina olha pela janela, e chove torrencialmente.
- Olhem... os cristais desapareceram! - repara a menina
- Os anjos foram brincar para outro lado! - diz o Avô
- E levaram os brilhantes?
- Eles voltam...
- Mamã, olha os Avós já disseram que a Cristal brilha porque estão lá anjos.
         A mãe sorri ao olhar com ternura para os pais e para a menina. Eles retribuem.
- Áh...pois... eu disse-te logo que não eram teias de aranha.
- Ai, tu também já sabias?
- Já. Mas estava tão ocupada que não me lembrei quando falaste da Cristal...não estava atenta.
- Tu também vês anjos a dançar ali na árvore?
- Vejo.
- Podias ter dito logo.
         Todos sorriem.
- Quis que tu visses primeiro. Podias não os ver.
- Há pessoas que não os vêem. - Diz a avó
- Então, eu já os vi em muitos lugares! - repara a menina
- Já.
- Vejo-os todos os dias.
- Sim! - dizem todos
- Em todas as surpresas que eles deixam em tudo o que é bonito na Natureza.
- Ora.
         O sol reabre e as árvores ao lado também ficam brilhantes.
- Olha, Avô. Voltaram!
- Sim! Estavam abrigados...
- Ou foram buscar os outros para brincar! Porque as árvores ao lado também estão brilhantes.
- É verdade! Eles gostam de brincar acompanhados.
- Obrigada, anjos...! Pela vossa presença, e pelas prendas!
- Obrigada! - dizem todos

E vocês? Já viram anjos? Onde? Em quê?

                                                                  FIM
                                                                 Lálá
                                                                (22/Nov/2018)  

sábado, 20 de outubro de 2018

os morcegos e as bruxas no parque


Era uma vez um bando de morcegos, que sobrevoaram uma aldeia onde repararam que as  casas tinham parque infantil. A morcegada pequena, como era tratada pelos adultos, fazem uma grande guincharia, com o entusiasmo por ter visto brinquedos novos.
-  Óh raia miúda, calem-se. - ordena um morcego com muita idade e gordo
- Parem lá de guinchar, ainda acordam o raio das bruxas. -  acrescenta outra morcega idosa
            As bruxas saem das árvores muito irritadas, aos gritinhos e saltinhos como os morcegos. Os morcegos quase congelam:
- Não posso acreditar... - murmura um morcego velho
- Óh não. É só falar nelas que elas aparecem! - comenta outra morcega entre dentes
- Estamos fritos! - Suspira outra morcega
- Agora vamos ter de as aturar. - resmunga outro morcego
- Malditos! - gritam as bruxas irritadas
- Isto são horas de andar a fazer barulho aqui nas nossas casas?
- Estúpidos.
- Saiam já daqui.
- Se não ainda fazemos picadinho de morcegos.
- E vocês, velhos...não sabem calar esta pardelhada?
- Desapareçam.
           Lançam raios e atiram saquinhos fedorentos, para calar os pequemos morcegos, que rapidamente se escondem nas árvores e ficam em silêncio.
- Para onde foram? - pergunta uma bruxa
- Acho que já foram embora. - responde outra bruxa
- Como é possível?
- Não quero saber onde estão, só quero é que se calem!
- O que estavam a fazer, amigas?
- Eu estava no meu banho de espuma.
- Eu estava a ver televisão, quase a dormir, não dá nada de jeito.
- Eu estava a desarrumar o meu armário...que nojo...estava tão organizadinho que não sabia de nada... já disse àquela franganita de minha empregada que não quero que me arrume os armários, mas ela é teimosa. Deve estar à espera que eu solte um raio, ou a transforme em algo.
- Vamos fazer algo mais divertido? Que tal se formos beber uns copos e dançar?
- Boa!
           Entram em casa, trocam de roupa, e de sapatos, pegam nas vassouras e encontram-se no largo. Olham umas para as outras:
- Áh! - dizem em coro
- Mas que bonitas que estão.
- Óh, tu também.
- Compraste um vestido novo?
- Não... transformei um que tinha.
- Está espetacular.
- E o teu?
- Este era da minha prima, aquela que trabalha no laboratório.
- Vamos...?
- Vamos.
           Chocam as mãos no ar, montam nas vassouras e voam juntas para a cidade onde já conhecem bares de bruxas. Os morcegos respiram de alívio, saem das árvores e os pequenos pedem aos grandes para irem para o parque infantil. Os grandes acedem aos seus pedidos, e enquanto ficam no parque, vão dar uma volta e conviver no campo ao lado, com outros velhos amigos.
           Os morceguinhos pequenos divertem-se, vão de brinquedos em brinquedo, brincam em grupo nas rodas, andam de baloiço, escorrega e mergulham no insuflável de bolas coloridas. Atiram as bolas uns para os outros, com as patinhas, rodam em cima delas, mergulham, dão cambalhotas, rondam e pousam nas luzes coloridas, fazem bailados nos tapetes sintéticos, andam nos balanços em grupos e divertem-se com muitas gargalhadas, cambalhotas, risos.
          Já madrugada alta, as bruxas regressam a casa, completamente eufóricas, a rir muito, a cantar, a andar aos esses, a cair, a dar cambalhotas no ar, a aplaudirem-se umas às outras, e a segurarem-se abraçadas umas às outras.
         Os morcegos pressentem o perigo e voam silenciosamente para o campo, escondem-se todos dentro de abóboras, e outros nos espantalhos, entre o milho alto, e nas cabanas de palha. As bruxas não os vêem, e passado um bocado entram em casa e os morcegos continuam a diversão deles.
        A madrugada aproxima-se rapidamente, e quando o dia começa a clarear, os morcegos regressam para a cidade, e para as suas tocas, depois de uma noite tão divertida, e cansativa.

                                                                        Fim
                                                                       Lálá
                                                                                                                                                          20/10/2018 

        

domingo, 14 de outubro de 2018

EU, A RITA QUE RI, E A DORA QUE CHORA (Psicólogos, estudantes de psicologia; população geral)





                Partilho o meu corpo com duas gémeas, que me transformam numa autêntica marioneta, conforme a telha! Uma chama-se Rita, a outra chama-se Dora. Vejo-as. Umas vezes nos espelhos, outras vezes fora de mim. Fisicamente são muito parecidas, mas uma tem um feitio insuportável, a Dora, a outra, é mais simpática, a Rita. Umas vezes aparece só uma, e passa muito tempo comigo, outras vezes é a outra. No início pensei que apesar de ser adulta, tinha voltado de repente a ser criança, àquela idade dos amigos imaginários, e por isso era eu a imaginar, para não me sentir sozinha. Depois achei que seria efeito secundário do stress no trabalho, por estar a fazer o que não gostava, de onde felizmente fui despedida porque disse na cara da besta do patrão umas quantas e boas que ele já estava a pedir há muito. Nesse dia senti que a Rita estava comigo, não é que ela me tenha feito rir, mas deu-me força, muito raiva, tornou-me a voz mais forte, e extrovertida! Nem parecia eu. Ela, a Rita, é mesmo assim. Quando toma conta de mim, faz-me rir, sair da casca, é super fácil atrair a atenção dos gajos, e fazer deles tudo o que eu quero…ai…adoro vê-los todos encolhidos com o medo, mas ao mesmo tempo, com vontade de me comer…! Cromos! Eu uso-os e deito-os fora, é o que eles merecem. Mas com a Rita, dá-me gozo fazer isso, parecemos duas lobas selvagens! Ao lado da Rita sinto-me linda, atraente, maravilhosa, uma felicidade que não tem explicação, mas é tão boa…só sinto quando ela está comigo. Ela não tem papas na língua, é tão engraçada (ri) fala que nunca mais acaba, mas diz coisas acertadas, tudo o que lhe vem à cabeça. Vou com ela às compras, gasto dinheiro, mas assim sinto-me preenchida. Quem é que nunca se sentiu bem a fazer compras? É terapêutico. O pior, descobri mais tarde, quando a Rita me deixou sem dinheiro para pagar as contas, e a minha família teve de suportar os gastos. Não sabia como lhes explicar, não podia dizer que foi a Rita porque não iam acreditar, só eu é que a vejo. A Rita até me desafia e incentiva a fazer coisas arriscadas, perigosas, que achava nunca ser capaz. Felizmente nunca aconteceu o pior, nem pensava nisso, e fazia-o, mas se fosse agora, talvez não o fizesse. A Rita é louca! Mas até gosto dela, farto-me de rir com ela! Até nem sei de quê, mas também não interessa. Olhamos para a cara uma da outra, e as coisas que ela diz, e partimo-nos a rir. Rir é bom! Fica tudo a olhar para nós…para mim…quando me veem a rir. Rir é bom, e eu gosto da companhia da Rita que ri. A outra gémea, a Dora, é completamente diferente: mais metida nela, tristonha, quase não fala, chora por tudo e por nada, é muito infeliz, queixinhas, está sempre com sono e outras vezes com as paranoias e aqueles pensamentos suicidas. Acha que é feia, que ninguém gosta dela, é um fracasso, não vale nada, é esquecida, vê tudo feio, tudo mau, tudo escuro, dói-lhe tudo, não quer saber de nada, não se envolve com nada, parece um esqueleto em pé. Tem uma série de ideias estranhíssimas, que quando as ouço até fico assustada. Acha sempre que ela é a pior em tudo! Desconfiada! Eu tenho pena dela porque está sempre a chorar e não consegue sair daquele estado de tristeza, como se não houvesse amanhã. A Rita nem me deixa dormir. Mas eu compreendo a Dora que tanto chora, porque às vezes também me sinto assim! E como a compreendo, choro sem fim, porque sei o que ela sente. E quando a Dora está comigo, fico como ela… sempre triste, revoltada, ansiosa, cheia de medos, pensamentos estranhos e assustadores, com vontade de acabar comigo. Às vezes quando estou com a Dora sei que não sou a única, não estou sozinha na tristeza, partilhamos uma com a outra as coisas más, e até já pensamos em conjunto num suicídio. Nunca o concretizamos porque aparece a Rita que nos faz rir. A Rita não nos compreende. Só eu e a Dora é que nos entendemos. O que eu não gosto nas duas é quando aparecem de surpresa, sem avisar, sem hora nem lugar marcado, e muitas vezes já paguei caro por isso. Porque se aparece a Rita que ri, faz-me rir com pessoas que me estão a contar tristezas. Ora, nesse momento devia aparecer a Dora que chora, tal como quando me insultam…eu pareço uma trovoada, respondo, estouro, é a Rita que me faz agir dessa forma. Diz ela que é para me defender, mas às vezes corre mal. Outras vezes, a Dora chega, e reajo com tanto choro a coisas tão estupidas e insignificantes que até é ridículo, porque a Dora que chora é mesmo assim. É muito sensível. Dizem que sou maluca. Porque devia ignorar, mas a Dora não aparece nesse momento, diz ela que é para os outros não me humilharem tanto, e para eu não ouvir e calar, coisas que magoam, como ela faz. Já lhe disse que isso não é bom! Coitada! Não consegue ser diferente. Não sei se gosto mais de uma ou da outra! São diferentes. Acho que gosto das duas, mas prefiro a Rita que ri, só que…a Dora que chora também tem coisas positivas. Antes de conhecer as duas, eu era mais do estilo da Dora, ficava muitas vezes como ela, mas depois, fiquei mais parecida com a Rita que ri…hoje, acho que sou uma mistura da Rita que ri, com a Dora que chora, tenho coisas de uma, e coisas da outra. Afinal…eu…a Rita que ri, e a Dora que chora, seremos a mesma pessoa? Ou três pessoas diferentes? Todo o ser humano tem uma Rita que ri, e uma Dora que chora!

FIM

Lara Rocha

(14/Outubro/2018)



LUCAS, O RATO COBAIA (Psicólogos; estudantes de psicologia e população geral)


LUCAS, O RATO COBAIA


Lucas olha-se ao espelho vê umas caras:

                Quem é este que está a olhar para mim? E aquelas gajas? Áh! Devem ser as que me roubaram os órgãos. Tenho de avisar a sociedade, toda a gente por quem passar que estas são um perigo, e para ninguém se deixar seduzir pela sua beleza. A humanidade corre riscos que nunca mais acabam, mas a minha missão é mesma essa, anunciar a todos para terem cuidado com estas malditas. Elas querem roubar os órgãos para sermos cobaias…como os ratos de laboratório, aliás, elas transformam-nos em ratos, fazem de nós o que querem, experiências e mais experiências, esvaziam-nos, enchem-nos de porcarias, e de medicamentos, químicos, venenos. Voltam a pôr-nos os órgãos de outro desgraçado qualquer, e esperam os resultados. Ninguém imagina que elas transformam em ratos, e depois tornam-nos outra vez humanos, mas não somos mais os mesmos! E o mais provável é que os órgãos nem sequer sejam os nossos originais como fazem comigo. Não sei o que fazem com eles. Eu não permiti que mos tirassem, muito menos que mos trocassem. Malditas! Devolvam-me os meus órgãos. Estão-se a rir? Não acho piada nenhuma, e se eu vos fizesse o mesmo? Não sei que espécie são vocês, que não vos consigo apanhar, nem tocar. Também têm poderes? Um dia qualquer espero conseguir destruir-vos. Onde estão os meus órgãos? E os órgãos de outros que vocês apanham e transformam em ratos? Depois passam a ser humanos outra vez? O que pretendem com isto? Não respondem? Que coisa estranha. E tu, aí, óh sombra? Estás a olhar para mim e a imitar-me? Que lata! Queres levar no focinho? Fora daqui! Este momento é meu. Vou sentar-me na sanita e não quero assistência. Teimosos! Saiam, ou querem levar com o fedor…? Olhem que eu cheiro muito mal, mas a culpa é vossa, que trocaram os meus intestinos. Monstros…podiam ter posto uns que me fizessem dar uns traques mais perfumados. Estes estão podres com certeza, pelo cheiro que libertam… para que estão a fazer isto comigo? Saiam! Teimosos. Estás a ouvir tudo o que eu estou a dizer não é, óh miserável aí de cima? Como é que eu não me apercebi de nada? Ainda por cima mandas assistência! Eu não sei trabalhar com estes podres que me puseste. Ainda não estão satisfeitos, até puseram um micro na sanita, deve ser para ouvir bem o motor traseiro a ronca… áh, áh, áh… nem é preciso micro…eles parecem um fórmula um no arranque! Éh, éh, éh… até deve fazer fumo! Daqui a pouco ando a fazer piões antes de eles saírem, vai ser lindo! (gargalhadas) De que é que me estou a rir, não tem piada nenhuma… até o meu riso controlam. Mas pensando na gravidade que tudo isto pode ter, não tem piada nenhuma mesmo. Que barulho foi este? Este riso não é meu. Nada do que eu tenho me pertence, nem os meus pensamentos! Entrou alguém, ouvi a porta a bater. São eles! Vêm-me tirar mais alguma coisa. Óh não! Onde me vou esconder agora? Não tenho sítio, eles descobrem-me de qualquer maneira, nem que seja na garagem. Vou lá para fora…não! Estão sempre a vigiar-me, de certeza que veem onde me escondo. Vou para o esgoto, é isso, talvez eles não entrem, e confundem-me com outros ratos. Que disparate! Eles descobrem-me. Já sei, vou atravessar o espelho, ou esconder-me debaixo do tapete…não… também me descobrem. Vou partir as camaras todas, e disfarço-me! Mas se eu partir as camaras eles arranjam maneira de pôr outras. Au…au…au… o que se passa…? Antes conseguia atravessar os espelhos e agora não consigo? Pois...claro…com os órgãos originais conseguia, agora com estes não consigo. Podiam pelo menos ter posto uns órgãos que me permitissem continuar com os meus poderosos disfarces. Aqueles malditos dos laboratórios devem ter posto um reforço ou um vidro inquebrável, ou duplo para eu não poder passar. Fazem tudo para me tramar, querem apanhar-me…não vale a pena fugir, que eles descobrem onde estou. Um dia destes acabo com a vossa raça, só não sei como. Não sinto o meu corpo. Vão trocar mais alguma coisa. Pelo menos que troquem por órgãos bons que me permitam cumprir a minha missão. Ai…que dores… ui…que cheirete… pppppfffffff…não acredito! Trocaram estes órgãos por outros ainda piores. De certeza que está infetado, ou há aqui algum vírus. O que puseram aqui? Para quê? Já tive aqui tantos órgãos. Exijo os meus órgãos…meus…já os devem ter destruído ou puseram noutro corpo qualquer. Parem de brincar comigo. O que estão a fazer aí parados? Parem de olhar para mim e devolvam-me os meus órgãos. Agora vou ter de limpara a casa de banho, a sanita e tudo com desinfetante, porque está tudo infestado de vírus, com estes órgãos…eu sei lá de quem são, se eles têm algum veneno… ou alguma coisa grave. Que raio de vírus. A sanita está repleta. Que nojo, não me sento ali. Ninguém se pode sentar ali, estou a receber um sinal de alerta de lá de cima…do meu guia…sim…é isso. Entendi. Preciso de avisar a população que todas as sanitas estão infestadas de vírus, não se sentem, caso contrário, vão ficar gravemente doentes. São vírus mortíferos, que devorarão num abrir e fechar de olhos todo o vosso corpo que desaparecerá… é muito grave! São vírus altamente contagiosos, que só eu consigo vê-los. Só eu sei que são perigosos, e por isso tenho a missão de os proteger. Vou lá abaixo gritar a toda a gente, mas preciso de voltar rapidamente cá para cima, para não ser apanhado. Não, infetado não fico, porque eu é que aviso, mas eles andam atrás de mim, a controlar todos os meus passos, a seguir-me. Mas…onde estão as minhas mãos? E as minhas pernas? Puseram-me umas pernas de mulher? Áh! Mas são jeitosas…para quê? Qual é a minha missão agora? Os meus… óh….estão aqui! Mas…não são os meus, estes são muito mais pequenos, parecem de crianças. Ainda se me tivessem posto uns grandes, maiores do que os que eu tinha…agora estes minúsculos…que vergonha. Ei, devolvam-mos…os meus grandes! A minha masculinidade…as minhas pernas. Não gosto disto! De que é que se estão a rir? Já vou! Não. Primeiro quero o meu corpo, só depois vou lá abaixo. Não posso passar a mensagem com outros órgãos, porque a outra pessoa não sabia do meu segredo, que eu tenho uma missão! Assim não vou conseguir passar a mensagem! Não vão acreditar em mim, e ainda por cima, vão chamar-me de louco. Importam-se de parar de falar por cima de mim, principalmente enquanto falo? Que mania! Detesto isso. Aliás, eu já disse para saírem daqui, estou num momento íntimo e não quero plateia. Que chatos! Vou ter de ir lá abaixo de pijama. É muito grave, muito urgente. Já fui e já voltei. Finalmente que saíram. Vou poder sentar-me na sanita e fazer o que preciso! Áh! Boa! O meu corpo voltou! Claro, também só assim é que eu conseguia transmitir o perigo! Lá este do lado a ouvir os meus pensamentos. Para que é que ele grava o que eu penso? Se calhar quer incriminar-me de coisas que não fiz, deve ser para me ameaçar, mas eu não tenho medo das ameaças dele. Um dia destes vai ver quem eu sou, e do que sou capaz. Aqueles também têm de me obedecer. Deixar o meu corpo em paz, e cumprir o que eu digo, porque sou um recetor de mensagens superiores, para salvar a humanidade. Ainda bem que limparam esta sanita, mas será que já limparam as outras? Espero que sim, senão vai ser uma desgraça. Pois! A campainha…são eles! Não vou lá. Já sei o que querem. Não. Não me posso expor assim tanto. Não. Não vou! Agora o telefone… não vou atender. Vão gravar a chamada, e tudo o que eu disser vai ser usado por alguém que se vai fazer por mim, ou que fez alguma, e quer incriminar-me. Suspeito que seja aquele do primeiro andar, que não me suporta, que se rói todo por eu ter poderes, e que quer ser como eu, mas não consegue. De certeza que faz isso por mal. Para ver se me apanha qualquer coisa e dizer que sou louco, nem que seja uma palavra para me tramar ao telefone, e transformar noutras palavras que eu não disse. Esta gentalha sabe-a toda. Mas não é só ele. Este prédio todo, em todas as ruas e lojas, todos me conhecem, e há gente por todo o lado que me controla, controlam tudo o que eu faço, escrevem todas as voltas e compras que eu dou, falam de mim, seguem-me, e depois, vão para outro lado para o disfarce. Sei muito bem qual é o jogo deles. Qualquer dia vou perder a cabeça e andar ao estalo! Ei…o que está a acontecer com o meu corpo? Quem é que está sentado aqui na sanita no meu lugar? Já estão a mexer outra vez no meu corpo. Fantástico…cravam-me aqui uma garra na testa, e não senti nada, mas ela está aqui. Eu sinto-a, e vejo-a no espelho. Como é que fizeram isto? Áh! Acho que foi com laiser, porque está a fumegar. Não sinto quente. Para que é que me puseram isto aqui? É que a pele não está rasgada, nem nada! Eu não quero esta garra aqui, vou assustar toda a gente. Não. Não posso aceitar este. As minhas mãos…ei…esta cara não é a minha…que cara tão feia… que mãos horríveis? De quem é isto? Não é meu. E os meus pés a ondular? Parece que tem escamas. Parem de transformar o meu corpo. Que chatos! Tantos corpos e só vem mexer com o meu. Au! Agora vem de chicote. Já estou a perder a paciência. Eu quero o meu corpo! O meu…o melhor de todos, e não quero mais nenhum. Sou mensageiro, mas posso transmitir as mensagens com o meu corpo, não preciso de ter nenhum horrível. (desata a correr e a gritar) Fujam todos…socorro…estou a ser perseguido! Saiam. Não me agarrem, não me agarrem… ááááááhhhhhhh… parem! não quero ir convosco. Não quero nada convosco. De que é que se estão a rir? Ajudem-me! Eu sou um mensageiro…por favor…ajudem-me! Calem-se! Estou a ficar irritado. Larguem-me. (faz movimentos com o corpo como se estivesse a ser agredido, agarrado e a tentar libertar-se, mas não está ninguém ao lado dele, nem atrás). Eu não quero! Larguem-me. Salvem-me em vez de estarem a olhar para mim. Ai apontam-me dedos? De que se riem? Se tivessem monstros e bruxas a agarrar-vos, e a tirar-vos pedaços do corpo, eu a olhar…iam gostar muito não iam? Falsos! Parem…vou chamar a polícia! Não. Não é preciso chamar a polícia…eu tenho superpoderes para me libertar! (faz movimentos violentos com o corpo, como se estivesse a sacudir para se libertar) Áh! Eu disse! Mas quem é que manda? Podem prender-me durante algum tempo, mas depois sou eu que ganho! Pensavam que podiam…eu deixei-vos ganhar. Fingi-me de vítima, de fraco, vocês tem as vossas estratégias e eu tenho as minhas.  (Volta para casa exausto, deita-se no sofá e ouve uma série de vozes com dedos apontados para ele, a rir-se, caras deformadas, insultos, gargalhadas). Quem são vocês? Vieram lá de baixo? Como é que entraram aqui na minha casa? Já sei, foi a minha pseudo família, a que me expulsou de casa, por eu os ter salvo dos terríveis androides que vinham busca-los. Disseram que eu estava louco. Eu só cumpri a minha missão de mensageiro, salvador e protetor da humanidade! Rua! Não vos chamei. Traidores! Calem-se! (Começa aos gritos e aos murros, danificando os móveis e até magoando-se). Tentam derrubar-me, mas eu posso mais! Sou eu que vos derrubo! Saiam. Não gosto de vocês. Rua! Vou esganar o porteiro, ou a besta do vizinho que vos deixou entrar! Ora! Onde já se viu…não me dão sossego! Agora vem os meus anjos! Que mensagem me trazem? Está bem! Primeiro vou descansar, e depois aviso! Mas vou a tempo se descansar? Está bem! Uma chuvada de… Hummm…pintarolas…? Não, não são! São…confetis? Áhhhh… esta gentalha toda vai dar aqui uma festa? Na minha casa? Na, na, ri, na, na… escorraçam-me logo! Na…nem pensar! Uau! Que luzes lindas… afinal acho que podem ficar, desde que não me deitem a casa abaixo! Também posso participar? Áh! Acho bem! Sou o melhor dançarino, querem ver? Uau. Que loucura! Calma, meninas. Eu chego para todas. Sou eu que vou escolher quem vai dançar primeiro comigo. Tanta gaja boa… Hummm…que decisão difícil. Sou o maior. Eu já venho! (deita-se no sofá e adormece)

Lara Rocha

(14/Outubro/2018)

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

a cabecilha (nomólogo sobre a esquizofrenia para adultos) psicólogos; estudantes de psicologia e população geral

 
desenhada por Lara Rocha 


Olá! Sou… sou muita gente…tanta…às vezes perco a conta às pessoas que sou. Sou tanta gente que não sei de quem falar primeiro. Nunca estou sozinha! Conheço tanta gente, mesmo num sítio para onde me trouxeram. Uns estranhos onde estive, um bando de mafiosos, traficantes, e usaram-me para ganhar dinheiro. Nojentos! Até me drogaram para trazer para aqui, e depois eu não saber onde estou, onde não conheço ninguém. Outras vítimas do mesmo grupo de traficantes que eu, ou descendentes. Não sei! Estes jogos de tráfico são muito estranhos, enormes, nunca se sabe quem é o cabecilha. Eu até gosto de estar aqui. Não conheço as outras vítimas, ainda não falei com elas, nem elas comigo. Também elas têm caras de cú, que acho que não quero conhecê-las. Aquelas, são umas venenosas, que devem fazer parte da quadrilha, se calha foram elas que me trouxeram. Estúpidas. Devem ser muitas mais, porque estamos aqui tantas… um dia vou chibá-las a todas. Vão pagá-las; quem se vai rir às gargalhadas vou ser eu. Cabras! Estão sempre a olhar umas para as outras. Devem gostar de mulheres…isso é problema delas, eu não tenho nada a ver com isso! Não jogo no mesmo clube que elas, mas as vacas devem pensar que sim. Pelo menos não devem ser capazes de ler os meus pensamentos, como os outros, do outro sítio. Que nojo! Não lhes chega uma para cada, ou entre elas, à vez que deve ser mais erótico? Precisam destas todas? Ai delas que me toquem. Às vezes tentam, mas eu mando-lhes logo uns gritos…e elas desaparecem. Sim, eu tenho esse poder, consigo fazer desaparecer pessoas com os meus gritos. Só não sei como faço isso nem se existe outra pessoa em mim que grita por mim. Se existe, deve ser transparente e envergonhada, porque eu nunca a vi. Uma vez perguntei depois de fazer desaparecer umas tantas pessoas na rua, quando gritei, quem era o ser que vivia em mim. Ela ou ele, que grita por mim, não me respondeu, não sei porquê, nem onde vive, nem porque grita por mim. Deve ter sido mandado por alguém que tem uma obsessão por mim, e quer comandar-me. Seja quem for, é alguém…mais uma companhia. Eu gosto de ter companhia! Aqui, parecemos um bando de abortos, não falamos umas com as outras…nem com outros, porque eu acho que algumas gajas, são bichas, ou homens disfarçados de moças. Com certeza é mais uma armadilha dos traficantes…usam disfarces de mulheres para nos atrair. Eles ou elas e eles, que se aproximem…que levam logo meia dúzia de gritos que viram fumo. Que seca! Aqui não há nada para fazer, mas eu faço, com as amigas bruxas que não sei se são mulheres, nunca lhes levantei as saias para ver se possuem o mesmo que eu. Áh, áh, áh… eu só trabalho para elas, o resto não sei! Somos amigas, mas não temos a confiança de chegar a esse tipo de conversas mais…porcas, que todas na verdade, adoram! Áh, áh, áh…. Calem-se que eu estou a falar. Não falei para vocês, falei de vocês. Convencidas! Mas eu até gosto delas. Vivo com elas loucuras que me fazem sentir viva, e como se eu fosse dona do mundo. É isso. Gigante! Bruxas. É sempre divertido. Todas nós devíamos ter amigas bruxas, com elas não há momentos de tédio, nem parados…adoro o que elas me mandam fazer. São umas malucas, estouvadas…mas as suas gargalhadas são contagiosas, e eu adoro rir-me com elas. Adoramos brincar umas com as outras, e estar juntas, mas tenho a certeza que só gostam de mim, para a brincadeira. Olá Cácá…estás aqui? Sim, claro. Eu já vou contigo, espera…deixa-me acabar. Xiu…cala-te, não vês que estou a disfarçar para te proteger? Escusas de ficar de trombas, sua mal-agradecida. Devias ficar contente, e até dar-me um abraço daqueles, porque estou a proteger-te daquelas que estão ali a olhar para nós, são perigosas! Cuidado! Não fales com elas. Não sei, mas supostamente foram trazidas pelos mesmos que eu! Pois! Não te aproximes delas. Óh…Flor…também me vieste visitar? Vocês são o máximo. Eu também já vos tinha procurado, mas não vos vi. Passaste por ali? São estranhas não são? Eu não gosto do olhar delas. É que vê-se logo o que fazem e o que querem! Vão ter sorte! Aqui não faltam, mas eu estou aqui e não estou disposta, nem na lista. Mesmo que esteja… não levam nada. Vês? Até tu já descobriste…querem…gajas! São, não são? A Dara já me tinha dito. Flor…não falaste com elas, pois não? Não fales! Olha que ás vezes há aqui microfones escondidos. Eu por acaso hoje ainda não os vi, mas podem estar algures. Temos de encontrar uma saída daqui, sem elas nos verem! Não! Cácá, que ideia genial! Áh, áh, áh!  Claro! A casa de banho. Mas espera…vamos sair por onde? Áh, boa! Pois é. Então telefona já à Dara a dizer que nos espere lá fora, e que nos puxe da janela. Diz-lhe onde é, e para ter cuidado com aquelas. São vítimas, mas não se pode confiar em todos, porque de certeza que algumas recebem dinheiro para se fazerem de vítimas, e depois vão dizer tudo à ou ao cabecilha. Claro que não. Nunca falei com elas, ou com eles vestidos delas…podem ser armadilhas! O cabecilha ou a…é burro ou burra…com tanta mulher aqui, devia era ter vestido mulheres de homens, ou pôr homens verdadeiros. Pois…caia de certeza. Aqui, até aqueles anjos são armadilhas. Se os gajos fossem bons…mas não são. Até nos dão droga! Não. Não caia. Ia levantar as saias. Áh, áh, áh. Claro, para ter a certeza! Não se pode confiar em ninguém. Óh bruxa Mati… cala-te! Agora não posso. Não vês que estou ocupada a falar com a Cácá, a Flor e a Dara, a pensar num plano para fugir, sem aqueles olharapos em cima de mim? Só se…eu gritar! Com o meu poderoso grito para elas desaparecerem. Pois…tens razão. Eu odeio dar razão aos outros, eu sei que nunca a têm, mas às vezes tenho de fazer de conta que acho que eles têm razão. Mas desta vez tens razão. Se me ouvem a gritar, vem logo. Esperem, mas eu posso ir à casa de banho sem dizer nada. O pior é que há espiões aqui em todo o lado. Ainda esta noite, estava lá metida uma espiã que contou as folhas do papel higiénico que usei. Não sei para que fez isso, mas talvez tivesse medo que eu comesse ou fumasse o papel. Só cortei duas folhas de papel higiénico e a gaja escreveu num papel, enquanto estava na sanita, eu sei que ela estava a ver-me na câmara de filmar, camuflada no anel dela, com uma ligação à sanita. Eu vi, essa ligação, no fim, antes de sair. De certeza que vai contar ao cabecilha, está feita com ele, veem… faz-se de vítima, que é uma das nossas, e depois escreve tudo, e vai dizer tudo. Não sei para quê! Talvez esteja a pensar num plano para sermos nós a pagar o papel higiénico, ou vai acusar-nos de qualquer coisa má, alguma trafulhice ele ou ela vai fazer. Ou então é um homem disfarçado de mulher, que nos vai ver à casa de banho. Mas não faltava mais nada, eu pagar o papel higiénico a uma besta que nem conheço, e que me trouxe para aqui. Ai dele, ou dela que me toque. Arranco-lhe a pele com as minhas garras de fera em que me transformo. Elas não sabem, mas quando me zango, e em noites de lua cheia, eu transformo-me em lobo selvagem e ataco. Quer dizer… eu não! Não tive escolha. Alguém que está lá fora e me transforma. Não sinto nada, mas sei que me levanto diferente, vejo-me ao espelho, estou com focinho e olhos de lobo, dentes grandes, linda de morder…quer dizer…de…morrer e matar por mais…ou uivar por mais…dentarrões grandes, pelo por todo o corpo…cauda, garras de fazer inveja a qualquer mulher que põe unhacas de plástico, tento andar mas caio, por isso ando a quatro. Uivo em vez de falar, e corro velozmente! Adoooooooooooooorrrrroooooooooooooo…. Há aqui uma casa de banho onde vive um bicho tarado. Sim. Nem sei que raça é, porque quando o vejo lá, saio, quer dizer, nem entro! Uma vez entrei lá, e o anormal mordeu-me o rabo sem dó nem piedade! Apanhou-me à traição. De certeza que é mandado pela cabecilha ou pelo… e até tem uma câmara de filmar na sanita. Não sei que beleza tem ver os nossos subterrâneos… eu já vi os meus subúrbios e não gostei nada! São tão…estranhos…o que é que farão lá? Precisavam de luz mas eu nem com luz lá entrava! Parece um esgoto das cavernas. E…fede mal. O ou a cabecilha deve ser mesmo porco. As outras vítimas ainda não devem ter conhecimento disso, caso contrário também não iam lá. Ou estão feitas com o bicho que filma e morde; mas elas não querem saber. Se calhar até gostam de ser vistas. É por isso que eu digo que há homens vestidos de mulheres; claro, um homem não vai morder o rabo do outro, nem filmar a arte sacra…ou…o foguetão…ou lá o que quiserem chamar… a não ser que sejam gays, e vão para esse esconderijo. Meninas, disfarcem agora! Vem aí aquela foca com comprimidos na mão! Deve ser mais uma dose de droga para nos por a dormir, ou levar para outro sítio! Se ela se aproxima, eu faço-a desaparecer com os meus gritos, ou transformo-me já em lobo. Olha…mais uma câmara nesta planta. Não podemos ser verdadeiras aqui, temos de fingir que não sabemos de nada, se não, arrancam-nos a cabeça. Acho melhor irmos para a casa de banho. Para a minha cama? Áh! Suas taradas…áh, áh, áh…querem brincar comigo? Na, na…não faltam aí almas que queiram fazer o mesmo. Procurem! Olhem aquelas todas ali, elas estão cheias de inveja e vontade…comem-me com os olhos…querem! E também estão a olhar para vocês. Eu sou gira, mas vocês são mais…muito mais… se quiserem vão! Está bem! Ufa…não veio aqui. Não, nem pensar…na cozinha há carniceiras e feiticeiros que metem coisas em caldeirões a ferver, usam facas, serras e machados! Nunca entrei lá, mas já vi pela janela, não muito, porque não consigo ver tanta crueldade…só aqueles facalhões e a fumaça, arrepiaram-me toda! Já tinha virado refeição se fosse lá. Que nojo! Na despensa também não. É um sítio cheio de câmaras e armadilhas; ratoeiras, traças devoradoras de carne humana, moscas que nos infetam dos pés à cabeça, pulgas que largam veneno na nossa pele, carraças. Não! Nem pensem. Aqui não há nenhum sítio seguro. Cuidado! Não falem alto, que ainda vos vem buscar. Temos de combinar um dia destes para nos divertirmos, mas fora daqui! Meninas…deem por aí uma volta para estudarem qual a melhor maneira de sair, sem sermos vistas, além do meu grito poderoso que faz desaparecer as pessoas. Só não vão para aqueles sítios que vos disse, correm perigo! Mas tentem descobrir outros! Óh não! Lá vem ela. (desata aos gritos para a enfermeira, outros grupos de enfermeiros agarram-na e dão-lhe comprimidos) Já se foram embora! Eu disse que estavam a tramar alguma. Estão a ver…? O meu grito é mesmo poderoso. (olha para o vazio, em silêncio e sorri) Vão, eu espero aqui! O cabecilha? Será? Sim…mas…áááááhhhhh….não posso acreditar. O cabecilha… é uma mulher…ou uma mulher disfarçada de homem, ou… um homem disfarçado de mulher? Maldito…! Ou maldita! Vou dar cabo de ti! Nem te atrevas a chegar perto de mim. Que raio de nome te deram, ou é o nome de código da quadrilha? Esquizofrenia… (adormece)

FIM 
Lara Rocha 
(10/Outubro/2018)


terça-feira, 9 de outubro de 2018

O gigante esfomeado

  

Era uma vez um ser gigante, que sobrevoava muitas cidades. Quer dizer...na verdade ele não era assim tão gigante! 
Só parecia, porque quando o viam ele estava muito esfomeado, como só conheciam a sua sombra e os barulhos que fazia, imaginavam-no com um tamanho assombroso, uma bocarra enorme, garras e patas que impunham respeito.
Mas ao aterrar para ir buscar comida, ninguém pensava que ele era a figura escura que viam, porque tinha um tamanho normal, não passava de um gato grande. 
Como é que ele parecia tão gigante, ninguém sabe explicar. Talvez fosse a sua fome, que o tornava muito maior do que era na realidade.
Mesmo assim, ele continuava a assustar, porque a sua fome não era bem de comida. Corria atrás das pessoas, e todos gritavam, porque pensavam que ia atacá-los, ou comê-los. O pequeno gigante não entendia porque todos fugiam dele.
Um dia, o sábio da aldeia, farto de queixas desse ser assustador, pediu para ser chamado quando esse tal monstro aparecesse que ele queria vê-lo. O sábio não acreditava que fosse um monstro, havia alguma coisa que lhe dizia que as pessoas estavam a exagerar.
         E assim foi. Quando o terrível monstro imaginário voltou a aparecer, todos os habitantes gritaram. O sábio apareceu. O gigante ficou assustado, e tremia, branco, com o medo.

- É ele! - Gritam todos

- Cuidado! - Recomenda um vizinho

- Ele é perigoso, olhe que tem máscaras e tudo, porque quando o vemos aqui por cima é enorme e ruidoso, aqui em baixo é esta amostra.

- Não se deixe levar pelo ar dele... é falso.

- Calem-se! Vão para as vossas casas. Eu quero ficar a sós com ele.

- Mas... - dizem todos surpresos

- Eu já disse. Vão para casa.

- Mestre...

- Casa! - Ordena o sábio

- Veja lá!- Alertam todos

- Casa. - Diz o sábio firmemente

- Se precisar...

- Vão!

Todos se retiram, com medo, e o gigante ainda com mais medo. O sábio olha-o de cima a baixo. Suspira, fecha os olhos, fica em silêncio uns segundos e dá uma risadinha...depois... solta uma valente gargalhada, que quase congela o gigante.

- Óh, pequeno...desculpa a minha gargalhada! - Diz o sábio

O gigante está quase congelado com o medo

- Então... tu... é que... (outra gargalhada) és o...tal monstro... que sobrevoa a cidade e ataca?

- Ah... sou? Talvez... não sei, acho que é o que dizem para aí.

O sábio dá outra gargalhada

- Muito gosto em conhecer-te...(gargalhada) tenebroso gigante.

- Não se ria para ele! - grita uma voz dentro de uma janela

O gigante ri nervoso.

- Onde está o teu gigantismo? - pergunta o sábio a rir

- Não sei porque dizem que sou gigante.

O sábio ri:

- A cabeça desta gente inventa cada uma...é o medo do desconhecido que desperta a imaginação!

- Áh! Não sei o que é isso. Mas...E o senhor não tem medo de mim? Está-se a rir?

- Não! Claro que não tenho medo de ti. Sei que és do bem!

- Como é que sabe?

- Sei! O que fazes por aqui?

- Estou esfomeado... vim à procura de comida.

- Comida...? Huuummmm... mas não é uma comida qualquer, como a nossa pois não? - pergunta o sábio

- É. - Diz o gigante

- Não é! Sentes fome?

- Sinto!

- Fome de comida?

- Sim.

- Não!

- Então... eu é que sei como está a minha barriga. Está vazia.

- Certo...mas... e a tua alma está alimentada?

- Está... - Diz o gigante, triste

- De quê?

- De... da comida que lhe dou.

- Vá lá... tu sabes que não é desse tipo de comida que estou a falar.

- Não?

- Claro que não! Tu vens à procura de comida para a tua alma! Queres saciar a tua fome de carinho, amizade, amor, atenção, afeto, risos... companhia... não é?

- É? - Pergunta o gigante muito surpreso

- É! E tu sabes muito bem do que estou a falar!

                O gigante faz silêncio e olha para o chão.

- Porque é que toda a gente diz que sou gigante?

- De facto não és assim tão grande em tamanho, mas as pessoas vêem o tamanho da fome da tua alma, com o tamanho dos ruídos que fazes, e por correres atrás deles.

- Mas eu não corro atrás deles para lhes fazer mal.

- Certo, mas eles não sabem da fome da tua alma. Tu só transmites a fome interior...que eles não conhecem! Como é gigante a tua fome! Toda a gente tem fome...as mesmas fomes que tu...a do corpo e a da alma, mas só conhecem a do corpo. Se conseguissem ver a da alma, tudo seria diferente.

- E porque é que eles não conseguem a fome deles...?

- Há muitas coisas que não os deixa ver essa fome interior deles...

- Como é que eu posso matar a minha fome...?

O sábio suspira.

- Deixa-me pensar um pouco, por favor. Enquanto isso, podes vir a minha casa.

O sábio entra em casa com o gigante, os dois conversam durante muito tempo, enquanto tomam chá. O Sábio decide fazer um baile com todos os habitantes, a que chamou: baile dos gigantes, e apresenta o gigante.

O sábio fala da fome interior, e todos deixam escapar algumas lágrimas, quando reconhecem que também eles têm um gigante dentro deles, ruidoso e faminto de amor, de atenção, carinho, afeto, diálogo, amizade, companhia.

Nesse dia todos os gigantes esfomeados se encontraram, partilharam afetos, abraços, carinhos, amizade, conversaram, acolheram o gigante, pediram desculpa, e encheram-no de carinho. Ele não podia estar mais feliz, e passou a ser mais um daquela cidade.

Somos cada vez mais, gigantes esfomeados de valores, de amor, de amizade, dos outros, embora tenhamos medo de nos aproximarmos. Há muitos fatores que não deixam ver os gigantes uns dos outros, se não, veríamos que afinal somos mais iguais na nossa essência, do que alguma vez imaginamos, e por muito diferentes que sejamos, não deixamos de ser... gigantes esfomeados!



FIM

Lara Rocha

9/Outubro/2018



                                                                







  

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Pequenas rimas para estimulação do vocabulário, da atenção, audição e da descoberta

Uma borboleta que usava chupeta,
pegou na caneta e tentou escrever.
Não teve ideias,
Pousou a caneta,
E voou atrás das ideias. 

A Julieta trincou uma malagueta,
A malagueta ardeu na sua garganta,
Pegou na corneta,
Soprou e tocou uma cançoneta.

O Pedrinho atirou um pauzinho para o lago,
Onde havia um patinho.
Acertou no patinho,
O patinho grasnou
E atirou o pauzinho para o Pedrinho.

O Pedrinho não gostou do patinho,
O patinho não gostou do pauzinho,
A Luisinha deu um beijinho ao Pedrinho,
O Pedrinho pediu desculpa ao patinho,
O patinho desculpou o Pedrinho,
E os dois deram um abracinho.

A porca Janota, subiu a uma árvore
para apanhar uma grande bolota,
Mas escorregou e deu uma grande cambalhota,
Caiu no chão que estava cheio de bolotas,
Para quem a viu foi uma risota.

Um peixinho saltou do laguinho,
Foi parar a um raminho,
Chegou um passarinho
Ao raminho onde estava o peixinho.
O passarinho pegou no peixinho
Com as suas patinhas
E devolveu o peixinho,
Ao seu laguinho.

A Mariana queria uma banana.
Perguntou a uma ratazana que estava a comer outra banana,
Onde havia uma banana.
A ratazana disse que a banana estava numa cabana.
A Mariana perguntou à ratazana
onde era a cabana,
onde ela foi buscar a banana.
A ratazana levou a Mariana até à cabana,
E as duas comeram outra banana.
 
O Paulinho ia pelo caminho,
Encontrou um guizo, que pensava se de um bebé.
Apanhou o guizo,
Sentiu umas pedras a cair em cima de si,
Olhou para cima,
E viu que caia granizo.
O granizo foi tão forte
que provocou muitos estragos      
e muito prejuízo.

Quais são as palavras que rimam?

                                                              Lálá
                                                              1/10/2018
 

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

ALDEIA ALGODÃO


      
Foto de Lara Rocha 
      Era uma vez muitos bonecos feitos de algodão que viviam na atmosfera, onde vemos as nuvens. Um dos seus passatempos preferidos era apanhar os balões que vinham da terra, aqueles que fugiam das mãos das crianças.

Enquanto as crianças choravam desconsoladas, por terem ficado sem os balões, a bonecada lá de cima ficava eufórica. Sempre que chegavam balões todos da mesma cor, ou coloridos, saltavam felizes, aos gritinhos.

Agarravam nos balões, esvaziavam-nos e metiam-nos numa máquina especial, que os derretia, para serem transformados em roupas, brinquedos, camas, móveis e outros objetos. Quando ganhavam uma nova função, os bonecos distribuíam-nos pelas famílias que mais precisavam, ficando com o resto e algumas coisas para eles também.

Trabalhavam muitos bonecos de algodão nessa fábrica, e nas poucas horas livres que tinham fora de trabalho estavam com a família. Outras vezes, faziam torneios desportivos com esferas muito leves, feitas de pedacinhos de nuvens que sobravam das misturas com os balões.

Umas esferas eram do tamanho de berlindes, muito coloridas, com padrões e desenhos que pareciam desenhadas à mão, mas faziam parte dos balões transformados. Outras eram enormes, muito redondinhas e também cheias de cores misturadas.

Eram centenas de esferas tão fofas, tão macias, tão leves e confortáveis que muitas quase pareciam de veludo. Uns bonecos atiravam-nas uns para os outros, outros jogavam volley, outros, futebol, com publico que aplaudia, vibrava, ria, e puxava pelos jogadores. Outros grupos jogavam basquetebol, com as bolas maiores, e o publico delirava.   

Quando não havia jogo, e estava muito calor, os bonecos mergulhavam em piscinas de água que chegava da terra pela evaporação, verdadeiros jácusis, com bolhas de água a borbulhar. Era uma grande animação.

Os mais velhinhos gostavam de ficar noutra piscina onde se sentavam em escadinhas de nuvens, ou em tapetes feitos do mesmo material no chão da piscina. Conversavam, riam e massajavam o corpo com jatos de água, uns mais fortes, outros mais suaves, podiam escolher entre água fria, água morna e água quente.

Nesta aldeia também havia parques com mesas, cadeiras, e lagos ao ar livre, onde podiam flutuar, caminhar, descansar, ouvir o silencio e o som do vento, voar em pássaros e asas de águias, ou em nuvens.

Faziam piqueniques e festas tradicionais, viam a terra por um miradouro, o mar, os rios, as casas, as estradas, os carros, as praias e o sol.

Um dos momentos que eles mais gostavam era deitar-se nas soleiras das suas casas, ou nos terraços, e ver as estrelas e a lua a desfilar… o outro momento em que todos os habitantes se reuniam e sentiam paz…quase um momento de meditação ou oração silenciosa coletiva, em que ninguém falava, era o nascer e o pôr-do-sol, muito aplaudido quando aparecia e quando desaparecia.

Ficavam tão encantados que não se atreviam a interromper aquele momento tão mágico. No final, sorriam, e como todos se conheciam, trocavam abraços e recolhiam. Tudo era leve, desde os habitantes, até todo o meio onde viviam.

Já imaginaram como seria bom se o nosso lindo planeta terra fosse mais vezes assim, com esta aldeia? E se todos tivéssemos momentos em que parávamos a ver o sol nascer e pôr-se, em silêncio?

Imaginem…!



                                               FIM

                                               Lálá

                                               25/Setembro/2018




quinta-feira, 20 de setembro de 2018

O fio dourado

         
          Era uma vez um grupo de anjinhos que brincava com um fio cheio de estrelas, que atiravam uns para os outros alegremente, enrolavam-se no fio e trocavam abraços quando puxavam todos ao mesmo tempo. Na terra viam-se estrelas cadentes, e nunca se descobriu que eram os anjos a brincar com esse fio. Só sabiam que era lindo!
          Cantavam doces melodias, com uma voz tão suave que pareciam acordes de violinos, ou sininhos a tocar. Dançavam, deixando-se levar com a brisa suave e o vento, sem pressa, leves, luminosos, transparentes, mas vestidos de estrelas cintilantes, para não serem vistos na terra.
          No meio de tanta doçura, vivia um planeta muito invejoso, que estava sempre triste, amuado, zangado, irritado, sem motivo, e choramingava, não suportava a ideia dos anjos conseguirem ser tão felizes com tão pouco, e ainda menos, vê-los tão divertidos, tão amigos.
          Sempre que via os anjos, quase explodia de raiva, por estes não lhe ligarem...não o faziam por maldade, mas apenas sabiam que o planeta não gostava deles, nem era seu amigo, por isso, deixavam-no sossegado. Sabiam muito bem, como era invejoso de os ver felizes, mas não ligavam.
          O planeta fartou-se de ser ignorado, e por estar tão triste, decidiu roubar o fio com que os anjos brincavam. Um fio que afinal era dourado, e quando não estava a ser usado, não tinha estrelas.
- Mas o que é que este maldito fio tem de especial, que os diverte tanto? - Perguntou o planeta  enquanto olhava atentamente para o fio. Dava voltas e mais voltas ao fio, e não via nada que fosse divertido, naquele fio. Enrolou-o muito zangado e atirou-o para o chão, ficando outra vez amuado.
Chegou a altura de brincar outra vez, e os anjos ficaram muito surpresos por não ver o fio.
- Mas... onde está o fio?
- Ontem deixamo-lo aqui e hoje não está!
- Será que o levamos para outro sítio, e nem nos lembramos...?
- Hummm...acho que não!
- Não! Eu tenho a certeza que o deixamos aqui.
- Vamos procurar melhor.
- Acho que ninguém vinha buscá-lo...!
- Também acho que não.
Começaram a procurar, e de repente passa uma constelação de estrelas, em forma de seta.
- Precisam de ajuda, amigos...? - pergunta a estrela que ia à frente
- Estamos à procura do nosso brinquedo...
- Um fio dourado com estrelas!
- Ontem deixamo-lo aqui, como sempre, mas hoje não está!
- Vamos procurar por outros sítios.
           As estrelas da constelação, já o descobriram, e discretamente dão indicação aos anjos que o fio está nas mãos do planeta invejoso. Os anjos perceberam o sinal, agradeceram e foram ter com o planeta. Como quem não sabe de nada, para ver onde chegava o descaramento dele, perguntam:
- Olá vizinho, estamos à procura de um brinquedo, tu por acaso não o viste aí? Ou...em algum sítio?
O planeta fica corado, todo atrapalhado e a gaguejar:
- Eu...na...não, não...não vi tal coisa.
- Hummm... - dizem os anjos em coro
- Está bem!
- Não faz mal.
- Se por acaso vires, avisa-nos, por favor... está bem?
- Si...sim, claro! Não se preocupem. Boa sorte. Espero que os encontrem rápido.
- Obrigada. - Dizem todos
Quando os anjos viram costas, e quase saem o planeta sente-se mal, e grita:
- Esperem... por favor.
Os anjos param, e viram-se para ele, devagar:
- Diz...?
- Óóóhhhh...que vergonha!
- Nós? - Perguntam os anjos surpresos
- Não. Eu. - Diz o planeta, muito envergonhado
- Então? - perguntam todos
- O que se passa?
- É que... prometem que não ficam zangados, nem me fazem mal?
Os anjos levantam a pálpebra e olham para ele, surpresos:
- Prometemos!- respondem todos
- Pareces preocupado...
- Estou envergonhado pelo que fiz.
- O que fizeste?
- Bem. Nem sei por onde começar? - Os anjos olham para ele a sorrir.- Vocês estão à procura do brinquedo não é?
- Sim.Viste-o? - perguntam os anjos
- Vi...quer dizer...eu sei...ups...bem, eu...sou eu que tenho o vosso brinquedo! Já falei! Ufa! Ai...desculpem, eu sei que não devia ter feito isso, mas fiz porque queria perceber o que vos faz tão felizes, e tão divertidos, eu não consigo. Sou solitário, não tenho nada que me faz feliz. Pensei que o vosso brinquedo fosse mágico, e me fizesse feliz, mas não fez. Podem levá-lo. Desculpem-me!
Os anjos dão uma gargalhada.
- Foi muito mau o que eu fiz! - Diz o planeta
- Não! - Dizem todos os anjos
- Quer dizer, roubaste...ou...tentaste roubar o nosso brinquedo, isso é mau, claro!
- Não se faz, mas sabemos que na verdade, tu não fizeste por mal.
- Só quiseste tentar ser feliz.
- E queria que vocês fossem meus amigos, mas não gostam de mim. - Acrescenta o planeta
- Nós gostamos de ti, mas não te chamávamos porque achávamos que tu é que não gostavas de nós, que tinhas inveja!
- E tinha, confesso que sim! Outra coisa má, e que me deixa com vergonha.
- Não te preocupes, nós compreendemos!
- Podias ter arranjado outra maneira de seres nosso amigo, de brincar connosco, nós nunca te poríamos de lado.
- A sério...? - pergunta o planeta surpreso
- Claro. - respondem todos
- Não era a roubar o nosso brinquedo que ias conseguir ser nosso amigo, mas como disseste a verdade, e como não fizeste por mal, nós convidamos-te a brincares connosco, se quiseres, porque também não és obrigado a brincar connosco. - diz um anjo
- Eu sei...desculpem!
- Não é o brinquedo que tem magia, e que nos faz felizes, sabes, nós é que já somos naturalmente felizes, porque estamos aqui, rodeados por quem amamos, com amigos, inventamos coisas para brincar uns com os outros, sentimos a natureza, somos livres.
- Há muito mais que nos faz feliz, o brinquedo é só um auxiliar.
- Mas tudo parte de nós, do nosso coração, da nossa luz.
- Tu também não precisas de ter inveja de nós, também podes ser muito feliz! Nem precisas do nosso brinquedo para seres feliz... queres experimentar? Anda connosco.
           O planeta sorri, junta-se aos anjos, devolve o fio dourado, e fazem jogos coletivos, brincam com o planeta, atiram o fio dourado uns para os outros, entrelaçam-se, saltam, dão cambalhotas, muitas gargalhadas, e passeios.
          O planeta compreendeu tudo o que os anjos disseram sobre a felicidade, e experimentou que era verdade o que diziam, pois todo o carinho e todos os sorrisos, abraços e brincadeiras que partilhou com eles, encheram-no de alegria, como nunca antes visto. Era um novo planeta.
          Os anjos acolheram-no e trataram-no como mais um elementos da família, alguém que brincava e que se divertia muito com eles, com quem trocavam abraços.
          O fio dourado foi só um pretexto para os aproximar, mas o principal, o que realmente os deixava felizes, era a amizade que os unia, a admiração, o carinho. Essas são as estrelas que decoram os fios dourados que nos unem uns aos outros, não é? 

FIM 
Lálá 
20/Setembro/2018

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

A pena, o dente de leão e a joaninha


A pena, o dente de leão e a joaninha

foto de Lara Rocha 

                Era uma vez uma joaninha que vivia num cogumelo com a sua família. Tinham em casa um dente de leão, que era o seu animal de estimação muito dedicado, meigo, companheiro, educado, e adorava ajudar. Recebia muita atenção e mimos.

                Uma tarde foram passeá-lo, estava nublado, frio, e preparava-se para chover, mesmo assim saíram um pouco de casa. Uma pena cai aos pés da joaninha, cansada. Todos param a olhar para ela.

- Uma pena, aqui? – exclamam todos

- Não é nada comum! – repara a mãe joana

- É comum, sim, vocês é que andam sempre distraídos, sempre a pensar noutras coisas, mas sempre que eu saio, vejo penas aos montes. – diz o dente de leão

- Nunca me chamaste para ver? – reclama a joaninha mais pequena

- Pensei que vias como eu, mas nunca falamos sobre isso…temos sempre outros assuntos. – explica o dente de leão

- Pois, tens razão. – concorda a joaninha

- Foi trazida pelo vento, ora…qual é o espanto? – pergunta o pai

- Que insensível. Ela pode trazer uma mensagem importante. – diz a mãe joana 

- Não acredito que acreditas nessas coisas… - resmunga o pai

- Sim, acredito, e faz favor de me respeitar… obrigada. – diz a mãe

- Deve ser uma armadilha de um animal invejoso ou da feiticeira – comenta outra joaninha pequena

- Ai, que nuvem negra! – comenta o dente de leão

- Onde? – perguntam todos

- Ali, e aqui, nesta cabeça às pintas! – diz o dente de leão

                Dão uma gargalhada geral.

- Desculpem estragar a vossa boa disposição… mas… o que tenho para vos dizer é muito sério. – interrompe a pena

- Eu não disse? – Afirma a mãe joana

- O que é? – perguntam todos, agora sérios

- Venho por parte do Luzerninha!

- O Luzerninha…? – perguntam todos em coro, assustados

- Sim! E os avisos dele devem ser levados muito a sério! Ele sabe o que diz, e foi ele que me mandou avisar. Vem aí uma tempestade. Eu confirmo, porque estava com ele e vi, além disso, estou muito cansada, pois tento voar, as já caí muitas vezes, a atmosfera está muito pesada, cheia de nuvens e húmida. Há muito vento! – responde a pena

- Bem, se foi o Luzerninha é melhor não demorarmos – diz outra joaninha

- É. Não percam tempo, ela aproxima-se a passos muito largos. Vou acabar os meus avisos e também recolho. Não saiam de casa. Protejam-se e protejam as vossas coisas. – recomenda a pena

- Obrigada! – respondem todos

                As joaninhas e o dente de leão ficaram mesmo assustados, e voltam para casa logo que fecham a porta, começa a chover torrencialmente.

- Nem parece chuva! Parecem pedras. – repara uma joaninha

- Ai, que medo… - diz o dente de leão, nervoso

- Não te preocupes, dentinho, estás connosco. – tranquiliza a joana mãe

                O vento assovia, abana as janelas, a porta, as flores quase saem da terra, os trovões parece que rebentam dentro de casa, e o telhado quase levanta. De repente batem á porta. A mãe espreita:

- É a pena!

                Abre a porta e a pena está completamente encharcada, a tremer:

- Peço desculpa! Posso recolher-me aqui um bocadinho? Enquanto a tempestade não passa. Bati a várias portas mas ninguém me abriu. É que estou toda ensopada, quase não me mexo, estou cheia de frio, e não consigo voar…!

- Claro que sim! Entra! Seca-te e quando parar vais. A mesa dá para mais gente! Está quentinho, aqui! – diz outra joaninha

- Muito obrigada. – responde a pena

                Ela entra com a mãe joaninha. Vão para a beira da lareira, o dente de leão fica ciumento, e espirra.

- Então? Parece que estás com ciúmes?! É nossa amiga!

- Óh, coitadinha! Está toda murcha.

- Vem secar-se até o vento e a chuva pararem…não consegue voar! – explica a mãe

- Claro! Bem-vinda! – dizem todos

                Todos conversam com a pena enquanto ela se seca. Jantam, e a pena acaba por dormir na casa delas porque a tempestade dura a noite toda. A partir dessa noite, a pena torna-se mais um elemento daquela família, levando-lhes coisas para agradecer o acolhimento, avisos importantes, e leva-os a passear por sítios onde nunca tinham ido.

                O dente de leão gostou tanto dela que davam boleia um ao outro, trocavam abraços e muitas gargalhadas, brincavam juntos, muitas vezes por dia, e carregavam as joaninhas. Esta família do coração da pena nasceu numa tempestade! É mesmo assim, às vezes temos outras famílias além da nossa feita de amigos, que gostam de nós e que nos preenchem.

                Vocês também têm outra família, além da vossa? Quem faz parte dela?

                                                               FIM

                                                               Lálá

                                                               7/Setembro/2018