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domingo, 31 de julho de 2022

A coruja Girassol Rosa

  



         Era uma vez uma coruja que se chamava Girassol Rosa, vivia numa árvore de uma casa, com a vista da cidade ao longe, uma ponte, luzes e aviões a sobrevoar a todas as horas

    Às vezes ficava em silêncio, imóvel, de dia dormia, outras vezes quando tinha insónias de noite, ou estava mais nervosa, saía da sua toca para ver as diferenças das paisagens, entre o dia e a noite. 

     Se estava muito calor, de dia dormia fora da toca, dois andares a cima da sua casa, onde havia ainda mais sombra, com as folhas frondosas. 

    Ela gostava do sítio onde vivia, mas no Outono, e Inverno, sentia-se mais triste, só que não se deixava dominar por esse estado. Sabia que todos sentiam essa mudança. 

      Como não podia sair tantas vezes por causa do frio gelado, do vento e da chuva, enquanto estava recolhida no seu cantinho, quente e confortável, escrevia poemas, poesia, pensamentos, lia, e declamava o que escrevia. 

        Já tinha uma lista que nunca mais acabava. Animava  e encantava as noites com as suas declamações, na aldeia e na cidade. Todos a ouviam deliciados, encantados, suspiravam, sorriam, riam, emocionavam-se, deixavam cair algumas lágrimas, de felicidade, outras de tristeza e saudade. 

        Aplaudiam, e sonhavam com a voz e as palavras da Girassol Rosa que vagueava por ruas noturnas, onde havia gente para a ouvir. Alguns músicos que tocavam de noite, na cidade, para ganhar algum dinheiro, desafiavam a Girassol a declamar as suas poesias, e poemas, acompanhadas pelas suas músicas, e pediam-lhe autorização para as transformar em canções que os próprios compunham, outros cantavam. 

        A Girassol Rosa sentia-se vaidosa e orgulhosa, feliz por ter tantas pessoas a ouvi-la, a apreciar os seus poemas e ainda ajudava quem usava a arte para transmitir mensagens, fazer disso vida. 

        Era uma grande amiga de todos e todas, fotografavam-na, filmavam, gravavam os seus poemas. Um dia, uma senhora que pintava quadros na rua, perguntou se podia pintá-la. Girassol disse que sim, com muito gosto, e enquanto isso, as duas conversaram, e dessa conversa surgiram vários poemas da Girassol Rosa, deixando a pintora com um sorriso de orelha a orelha, e disse: 

- Mas é isso mesmo. Conseguiste transmitir melhor com as tuas palavras os meus sentimentos e emoções, da nossa conversa, do que eu a falar contigo! 

- A sério? Que bom! Sim, na verdade foi o que eu senti que querias dizer! 

- Tens poemas tão bonitos...! Onde vais buscar tanta inspiração? Se é que posso saber. 

- Boa pergunta, sim claro que podes saber. Olha...vou buscar inspiração a tudo o que aparece, tudo o que vejo, tudo o que oiço, tudo o que sinto, tudo o que outros sentem. O amor, o dia, a noite, a natureza, as estações do ano, as cores, os sons, o sol, a lua, a chuva, o vento...o mundo, os animais, o mar...os meus pensamentos quando olho para a paisagem, o que a cidade me comunica, as caras de quem passa por mim, os olhos, as palmas, os risos, os choros, os abraços, os carinhos, os beijinhos, a solidão, as aves, a tristeza, a saudade...as crianças, a música, o movimento, a família, as brincadeiras, os barcos, as luzes, até as pedras, as pessoas solitárias...muita coisa. E a ti? 

- Óh, és uma coruja muito especial. 

- Chamo-me Girassol Rosa, e tu? 

- Eu chamo-me Aguarela! 

- Áh! Que nome tão bonito, e raro. 

- É. O teu também. 

- Obrigada. 

- Também há muita coisa que me inspira. É por isso que quando estou mais feliz, pinto quadros mais alegres, bonitos, coloridos, quando estou mais triste, os quadros são de cores escuras e paisagens mais  despidas. 

        E enquanto conversam mais um pouco, a Aguarela termina o quadro com a coruja numa cena a declamar. 

- Áh! Mas que bonita que fiquei...óh! Estou tal e qual. Que maravilha, estou orgulhosa. Sem palavras para te agradecer. 

- Obrigada, que bom que gostaste. Eu também adorei pintar-te! Podes levá-lo, e pões a secar uns dias, ou se quiseres voltas daqui a uns dias, e levas. 

- Deixa secar, eu volto e levo daqui a uns dias. Está tão bonito. Bem, desculpa, vou regressar a casa, está quase de manhã. 

- Claro, à vontade. Eu também vou para a minha. 

- Adorei este bocadinho contigo, Aguarela. 

- Óh, eu também adorei pintar-se, Girassol, e conversar contigo. 

- Voltaremos a encontrar-nos em breve! - garante a coruja 

- Com certeza, estou sempre aqui. 

- Está bem. Bom descanso. 

- Obrigada, igualmente. Até já. 

- Até já. 

           Cada uma vai para sua casa, a coruja muito feliz, e a Aguarela ainda mais. Depois de dormir, a coruja Girassol escreve todos os poemas que declamou inspirados na conversa que teve com  a Aguarela. 

         A Aguarela, recebe a partir dessa noite, dezenas de pedidos de quadros iguais aos da Coruja, iguais ao que ela pintou, e noutras posições, porque toda a gente conhecia a Girassol, e mostravam fotografias para os quadros. 

         Uns dias depois, a Girassol volta, declama os seus poemas, e vai buscar o seu quadro à Aguarela. A Aguarela contou-lhe o que aconteceu, desde que conversaram, e a Girassol fica muito orgulhosa, não cabe em si de felicidade. 

        Desse dia em diante, as duas tornam-se grandes amigas, e a Coruja serve de inspiração para a Aguarela, que a pinta para muitas gente, com poemas da Girassol. Ela também ajuda os músicos, e continua a encantar com as suas declamações, ainda mais feliz por ajudar aqueles artistas. 


                                                   FIM 
                                                Lara Rocha 

                                                31/Julho/2022 

sábado, 23 de julho de 2022

A ponte de vidro

        


  Era uma vez um jardim com uma ponte de vidro, e uma paisagem que mudava conforme as emoções das pessoas que o visitavam. 

 Como todas as pessoas são diferentes, o jardim e a ponte de vidro pareciam um filme sempre a mudar os cenários. 

    Uns momentos com cores suaves, da Primavera e do Outono, outras vezes, cores vivas do Verão, outras, com os tons de cinzento, azul escuro, gelo, frio, chuva, neve, sem sol, carregado de nuvens, como o Inverno. Nas diferentes paisagens não faltavam os sons dos animais, dos rios, das fontes, do vento, e de tempestades. 

  Quando as pessoas levavam emoções positivas, felizes, agradáveis, tinham corações bons, a paisagem era Primavera e Verão. 

  Se estavam mais tristonhas, deprimidas, carregadas, zangadas, desiludidas, frustradas, irritadas, com pensamentos terríveis, de medo, de raiva, vingança, e outros, as paisagens ganhavam as cores do Outono e do Inverno. 

   Quase ninguém reparava na ponte de vidro, por onde passavam milhares de pessoas todos os dias, ainda menos, na paisagem que mudava a todo o instante. 

    Um dia, a ponte de vidro cansou-se de tanto mudar, e decidiu não mostrar mais paisagens. As pessoas que passavam por lá, e costumavam reparar na ponte, perceberam que alguma coisa muito estranha tinha acontecido...a ponte não mostrava paisagens, e tudo parecia ter desaparecido. 

    Estava coberto com uma neblina cerrada, por vontade da ponte que quis esconder a paisagem para ver se reparavam nela.

- Como é possível! Devem estar a pensar que estão todos deprimidos. Ai agora reparam…? Só porque acham estranho. Só devem ter visto que falta alguma coisa! Mas acho que nem sabem o quê. Como podem ser tão indiferentes a tudo...que injustiça! - pensa a ponte a rir 

    Depois de um dia como os outros, em que só era visível a ponte de vidro, à noite tudo mudou, com a chegada de uma mulher misteriosa, uma silhueta escura, coberta de estrelas cintilantes, da sua cabeça até aos pés. 

   Era muito leve, nem dava para perceber se tinha o corpo completo, só se viam constelações de estrelas a flutuar, levemente, ao sabor do vento fraco que se fazia sentir nessa noite. 

    A ponte de vidro, ficou em pânico, silenciosa, enquanto apreciava a mulher ou...o que parecia ser uma mulher com o movimento das estrelas que ela transportava. 

  A mulher percorreu todo o jardim, até conseguiu atravessar a neblina cerrada. Saiu do nevoeiro, e parou no inicio da ponte. 

- Boa noite…! - diz a sombra 

- Boa noite! - diz a ponte com medo 

- Porque estás com medo, ponte? 

- Ahhh...eu...não estou com medo… 

- Estás sim. 

- Como é que...sabes? 

- Sei. 

- Mas consegues ver-me?

- Claro. E tu não me vês? 

- Acho que sim. 

- Achas que sim, ou tens a certeza? 

- Sim, vejo. 

- Assume lá que estás com medo. 

- Está bem… acho que estou com medo. 

- Estás. É normal, só vês as minhas estrelas! 

- É...mas quem és tu? 

- Sou um pedaço de céu noturno. Como muitos outros milhões de pedaços com estrelas que existem. Mas eu vim cá abaixo ter contigo. 

- Para quê? 

- Porque sentes-te muito sozinha, ignorada, desvalorizada, e eu vim fazer-te um bocado de companhia. Se quiseres, claro, se não, volto para casa. 

- Áh! Como é que sabes isso tudo? 

- Foi por isso que tapaste as tuas paisagens com esta neblina cerrada que não se vê nada! 

- Mas… 

- Paisagens tão bonitas.., mas tu, só porque cansaste de ser ignorada, desvalorizada...e de sentir tantas coisas más, decidiste que quem aqui viesse, não veria mais nada. Certo? 

- Certo! Achas que eu fiz mal...? - pergunta a ponte 

- Não. Quer dizer, tu tens razão, eu compreendo-te, fizeste bem, mas não prolongues por muito tempo, esse teu estado. 

- Porquê? Ninguém repara… 

- Ora...isso faz-te mal! Para que queres que reparem tanto em ti? Tu és só a ponte que os leva a ver tantas coisas bonitas. Eu sei que eles nem reparam que as paisagens estão sempre a mudar, como as deles, conforme as emoções, mas eles também não sabem que tu és sensível. Para eles, não passas de um caminho. Se lhes perguntares como és, não sabem dizer, com certeza. 

- Óh, isso é tão triste! 

- É. Mas eles passam pelo mesmo. 

- Também são ignorados e desvalorizados? Sentem-se tristes por ninguém reparar neles? Ou são Verão? Primavera? Outono? Inverno? Às vezes as quatro estações no mesmo dia? Ou na mesma hora? 

- Claro! Mas eles não são de vidro! 

- Não? Pensei que eram. 

- Podem parecer, mas não…! Achas que eles vão reparar em ti, só porque embrulhaste as paisagens em toneladas de lágrimas da terra? 

- Toneladas de lágrimas da terra? 

- Sim, para nós, o nevoeiro são lágrimas que a Terra não chora, mas sofre. 

- Áh! Que lindo, não sabia. E a Terra também chora? 

- Chora!

- Não sabia. 

- E tu, choras? 

- Com certeza! 

- A sério? Porquê? 

- Por muitas razões… 

- Posso pedir-te uma coisa? 

- Sim…?! 

- Consegues dar-me um abraço? 

- Consigo! 

- Podes dar-me um…? 

- Claro que sim. 

  A sombra estica, fica do tamanho da ponte, e estende os seus braços para o lado, quase a tocar na água. 

   Dá um beijo à ponte, e esta enche-se de estrelas. Vários casais que por lá passaram nunca tinham visto a ponte de vidro com estrelas. 

 Ficaram todos pasmados, aproximaram-se encantados, e viram mais de perto as milhares de estrelas. 

    A ponte recebeu tantos elogios, e tanta gente que passou sobre ela, quase hipnotizados com aquela visão de sonho, que fez-lhes uma surpresa: retirou o nevoeiro cerrado da sua frente, e à sua volta, deixando ver as paisagens das quatro estações do ano, como se fossem fotografias, cada qual a mais bonita. 

 Todos soltaram enormes exclamações de surpresa e encanto. 

   Aplaudiram, passaram de um lado para o outro, percorreram todas as paisagens, e depois perceberam que umas acendiam, outras apagavam. 

  Começaram a perceber que havia alguma coisa de especial naqueles espaços, e não sabiam o que era. Alguém entre as pessoas associou as suas emoções às estações do ano, numa poesia que declamou em voz alta. 

  Um poeta que frequentava aquele parque muitas vezes para se inspirar. Aplaudiram, e ficaram pensativos. Fazia todo o sentido. Começaram a dizer que se sentiam como na Primavera, outros como no Outono, outros estavam tristes como o Inverno, outros felizes como no Verão, e muitas outras. 

   Experimentaram dizer como se sentiam, e passavam nas diferentes paisagens que apagavam quando não correspondiam ao que sentiam, acendiam quando mostrava o que sentiam. A ponte não podia estar mais feliz com aquela noite. 

  Um movimento nunca antes visto, porque comunicaram uns com os outros, e apareceu cada vez mais gente no parque, totalmente rendidos aos encantos das paisagens e à magia das mudanças  de acordo com o que sentiam. 

   As estrelas continuavam a iluminar a ponte. Já quase de manhã, as pessoas recolheram, e a ponte estava cheia de sono. Agradeceu à mulher das estrelas, que prometeu estar ali outra vez nas outras noites, sempre que a ponte quisesse companhia. 

  Quando a ponte estava cansada, e queria sossego, a mulher das estrelas não aparecia, nem as pessoas, porque a própria ponte envolvia tudo em nevoeiro. 

   De dia e de noite, sempre que a ponte estava bem disposta, e feliz por repararem nela, muitas pessoas percorriam o jardim para identificar as suas próprias emoções, sentimentos, pensamentos. Delas e dos outros. 

   Poetas, pintores, fotógrafos, artistas, adoravam aquele espaço e a ponte cheia de estrelas, que fotografavam, desenhavam, pintavam nos cadernos. Passou a ser conhecido como o Jardim do autoconhecimento. 


                                    FIM 

                                 Lara Rocha 

                                23/Julho/2022


- Se passassem agora por esta ponte de vidro, qual das estações do ano, veriam? 

- Se fossem a este jardim, qual seria a estação do ano desse momento? 

- Qual seria a estação do ano a maior parte dos dias? 

- Conhecem as vossas emoções, sentimentos, pensamentos? Em que estação do ano encaixam cada um? 

- Como seria a paisagem de cada emoção, cada pensamento, cada sentimento? 

                    Podem deixar nos comentários, se quiserem. 

         


        

sexta-feira, 15 de julho de 2022

amor de sonho

 


     No Castelo do Queijo, vivia um príncipe, de olhos cor do mar ao fundo no horizonte.   A sereia sentia que os olhos do príncipe eram mais fortes que o seu canto, e pareciam hipnotizá-la, mas ficava triste porque o príncipe não queria saber dela. 

     Na Foz do Douro, uma sereia apaixonada, que quando cantava no mar silencioso e dançante, este calava-se, quase adormecia com a sua doce voz, até sonhava acordado. 

        A sereia tinha uma voz cristalina, mas o seu canto era triste. Cantava para chamar a atenção do príncipe, que chorava na janela, não pela sereia, mas por outra princesa. 

        Uma estrela do mar, gostava de histórias de amor, então, percebeu que os dois sofriam, pensou que era um pelo outro. Uniu os dois, no silêncio da noite, na calma do mar, para que cada um deixasse lá as velhas e dolorosas mágoas saudosas. 

        As velhas e dolorosas mágoas saudosas, afundaram-se nas águas tristes do Douro. Mas existem amores que não têm de ser vividos como se imagina, porque também não existe um amor único. 

        Por mais que a estrela do mar quisesse juntar os dois, se não tivesse de ser, não aconteceria. E para sempre, o príncipe ficou prisioneiro no coração de uma mulher, não a sereia que espantava a sua dor a cantar. 

        Até que um dia cansou-se de esperar ser correspondida por aquele príncipe, por quem esperava dias e às vezes noites, por quem tanto chorava a cantar. Cansou-se de cantar cantos tristes, por quem sorria com outra princesa ao passear naquela zona. 

       Depois da dor passar, voltou a cantar cantos felizes, e o mar dançava feliz com ela, juntamente com os barquinhos que descansavam nas suas águas. 




                                                













                                                     Fim 

                                              Lara Rocha 

                                            8/Outubro/1999 


Mundo que choras













Iémen, Haiti, Etiópia, África...

Mundo sei porque choras! 

Choras pelas tuas feridas, 

Pelo mal que te fazem,

Pelas alterações climáticas.

Pelos incêndios, 

Pela seca, 

Pelos desgelos, 

Pela poluição.

Choras porque vês os teus filhos, 

Sucumbir à fome, 

Mães desnutridas, 

sem forças para pegar nos seus filhos ao colo, 

beijá-los e abraçá-los, brincar com eles, 

bebés, crianças, adultos, doentes. 

Choras por pais separados, 

Por pais que perdem filhos inocentes, 

por infâncias infelizes, roubadas, 

por violência. 

Homens ambiciosos, que acham que vão comer dinheiro...

Só pensam em números 

Mas não pensam em ti, nem neles nem nos outros

Porque todos te pertencemos. 

E se te destruímos, 

Todos pagamos! 

Já estamos a pagar. 

Mundo, que choras 

por toda a maldade, desigualdade, crueldade.

Mundo, sei porque choras! 

Choras pelos animais que desaparecem, 

choras porque fazem de todos os teus pedaços, 

montes pretos, ardidos, sem vida, sem árvores, sem cor. 

Choras pelos direitos dos teus que não são cumpridos, 

Choras pela guerra,

pela paz que não chega, 

pela saúde que não há, 

pela água que não mata a sede, 

que não lava, 

pelas casas destruídas, e pela falta delas, 

pela falta de roupa, 

pela falta de medicamentos, 

Mundo, sei porque choras, 

e porque nós também choramos! 

Por que choras mais, mundo? 


                                                        Lara Rocha 

                                                        15/7/2022

quinta-feira, 7 de julho de 2022

O descongelar











foto de Lara Rocha 


Era uma vez um lago de águas verdes, quietas, num parque silencioso, onde as flores estavam murchas, sem cor, algumas quase sem pétalas. Os poucos animais que se viam e ouviam estavam no jardim ao lado, as árvores quase não existiam e via-se que estavam abandonadas, velhas, maltratadas, secas, sem folhas. 

O seu coração era tão feio, que o sol não entrava nesse sítio, só havia nuvens carregadas de escuridão e chuva, noite sem estrelas, era um mundo à parte. Este jardim tinha sido adormecido por uma mulher gelada, sem sentimentos, sem emoções, infeliz, desde que conheceu um amor não correspondido. 

Aliás, amor…? Ela nem sabia o que era tal coisa e ficava completamente possuída quando ouvia essa palavra. Era como se fosse uma palavra muito feia. Vinha para aqui muitas vezes, um jardim sem nada, como ela gostava de chamar, o reflexo do seu interior, onde descarregava a sua raiva, e frustração, e verificava se tudo estava realmente como ela tinha deixado. 

Só porque não era feliz, e tinha sofrido, achava que ninguém ia gostar dela, por isso afastava toda a gente com o seu gelo e mau feitio, para não voltar a sofrer, pelo menos no jardim, isolava-se mergulhada na sua tristeza. 

Na verdade, talvez ela não gostasse de ser assim, mas era uma maneira de se proteger e defender das desilusões. Assim também não incomodava ninguém. No jardim chorava, gritava, corria, guinchava, saltava, batia com os pés no chão, deitava-se no chão cinzento, não queria luz, e pensava em formas de soltar as más energias em cima de quem a magoou. 

Nunca concretizou nenhuma, mas isso aliviava-a. Um dia, saiu tudo ao contrário do que tinha planeado! Duas borboletas conheciam o que ela tinha feito e resolveram mostrar-lhe como as coisas eram. Lindas, enormes, coloridas, pareciam vindas de uma pintura artística. 

Entraram no parque e começaram a dançar uma com a outra, de forma muito leve, a mulher fica completamente histérica, aos gritos, irritada, a soltar trovões, e as borboletas tornam-se ainda maiores, com mais cores, e continuam a dançar como se ela não existisse. 


- Mas o que é isto? - grita 


As borboletas não respondem. 

- Ai não respondem? Fora daqui! 


Para as borboletas ela não existia, nem estava ali. Elas fizeram um passo de dança tão bonito que a bruxa parecia hipnotizada, depois das suas explosões e tentativas falhadas de correr as borboletas. 


- Ahh…mas o que está a acontecer…? Não consegui pô-las daqui para fora? 


As borboletas esfregam as suas asas na cara da mulher e soltam todas as cores numa chuva misteriosa, que caiu sobre ela. Ela tenta fugir e gritar, mas não consegue, as cores são mais fortes que o seu mau humor, e sem se aperceber abre um gigantesco e luminoso sorriso. 

Para enorme felicidade das borboletas, a bruxa começa a dançar com elas, ri à gargalhada, não parecia a mesma pessoa. As borboletas envolvem-na com as suas asas maravilhosas, e a transformação acontece. 

As águas do lago despertam e começam a ondular levemente, correm livres como acontece em qualquer lago, embalando os patinhos que foram transformados em galhos secos de árvores pousados na água congelada. 

Estes grasnam de alegria, de forma sonora, e como são lindos! As flores que estavam escondidas e fechadas em si mesmas, abrem, mostrando cores maravilhosas, luminosas, frescas, alegres, com risinhos pequeninos, trocam elogios e abraços umas com as outras, sorrisos. 

As árvores sem vida, renascem, e ganham folhas verdejantes, troncos fortes, resistentes. As aves regressam às dezenas, em cantos solitários e coros, uma variedade nunca vista, de cores nas penas, cantos e tamanhos. 

Chegam muitas mais borboletas que se juntam às danças das outras, de todos os tamanhos, cores, abraçam a bruxa que está tão feliz, que ainda nem reparou na transformação. 

As borboletas aplaudem-na, elogiam-na, ela sorri, e vão passear pelo jardim. A bruxa nem acredita nas diferenças que está a ver. 


- Áh! Este não é o jardim que eu conheço… vocês enganaram-me! Como pude cair na vossa conversa….? Mas… está lindo. O que aconteceu aqui? 


- Foste tu que o transformaste! 


- Eu? Mas eu estava aqui quieta, e não vi nada disto.


- Pois não. - dizem todas 


- Estavas concentrada na tua raiva, tristeza e frieza, transformaste este jardim num lugar horrível, a condizer contigo.


- Mas hoje tornaste-te uma pessoa diferente, e muito! 


- Olha que bonito que está este jardim! - comenta uma borboleta 


- Já nem o conhecias. - diz outra borboleta 


- Nunca o viste assim. - lembra outra borboleta 


- Estás feliz não estás? 


- Sim, muito. Não me lembro quando foi a última vez que me senti assim. - confirma a bruxa a sorrir.


- Já vai há muitos anos! 


- Sim. 


- Onde estavam estas criaturas todas? 


- Transformaste-as em tudo de feio. 


- E agora estão assim? 


- Estão. Estão a condizer contigo. 


- E este lago…que coisa mágica. 


- Já estava aqui. Tu adormeceste-o! 


- Ai, mas que coisa horrorosa. Não sei como foi possível eu ser tão má. 


- É verdade, mas ainda estás a tempo. 


- Como fizeram isso? 


- Foste tu.


- Nós só seguimos a tua energia. 


- Aquela má? 


- Sim. 


- Mas sentimos que querias transformá-la em boa. 


- Porque tu tens amor. 


- Tinham que estragar a festa. 


- Óh, não digas isso! Estás cheia dele. Foi ele que transformou o jardim neste espaço fantástico. 


- Ááááhhhh… 


As borboletas falam de amor, de desilusões, que compreendiam a sua dor, tristeza e revolta, mas não precisava de transformar as coisas bonitas em coisas feias, só porque estava frustrada e desiludida.  

Todas elas também já tinham sofrido por amor, tinham-se apaixonado e não foram correspondidas, mas nem por isso destruíram o mundo à volta delas, porque afinal existem muitas maneiras de dar amor, e de o sentir. 

A bruxa, ouve atentamente. Percebeu que afinal podia usar os seus poderes para o bem, e ajudar muita gente com o seu amor, que desconhecia e que chegou a odiar. Prometeu que desse dia em diante iria ser amorosa como as borboletas, e trabalhar com elas para ajudar quem mais precisava, para o bem, com amor. 

As borboletas sentiram-se orgulhosas e felizes, uma a uma, abraçam a bruxa, agradecem-lhe, e esta a elas. Passearam alegremente pelo jardim, apreciaram todas as fontes que voltaram a deitar água, todas as flores que nasceram, os lindos patos, as aves, as árvores. 

A bruxa tocou em tudo, com carinho, delicadeza e amor, as flores cresceram rapidamente, e com tanta energia boa tornaram-se ainda mais bonitas nas suas cores. As borboletas estavam encantadas com ela, e tornaram-se amigas para a vida. 

Aquele jardim nunca mais foi o mesmo. 


E vocês, leitores, acham que o amor pode tornar as coisas à nossa volta mais bonitas? 


Acham que a vingança dos outros é a solução para as desilusões e amores não correspondidos? (Sim, não, porquê)


Precisamos de ser maus uns com os outros, ou os outros têm de carregar com as nossas frustrações e desilusões?


FIM 

    Lara Rocha

    7/Julho/2022 



quarta-feira, 6 de julho de 2022

A flor da praia

     Era uma vez uma flor que apareceu misteriosamente numa duna da praia. 

  Não se sabe quem, ou como nasceu uma flor num sítio ventoso e árido, mas a realidade é que ela estava lá e sobrevivia. 

      Tinha sempre amigas gaivotas que a abrigavam quando estava feio, fazendo um círculo à sua volta, os pescadores regam-na sempre que é preciso e as plantas das dunas também a protegiam, fechando e encostando-se para a abrigar. 

       Ela tinha uma paisagem privilegiada, para o mar, sentia uma enorme curiosidade de experimentar sempre que ouvia as gaivotas, os pescadores e outras pessoas que iam à praia, falar do mar. 

        Só não queria incomodar para que a levassem ao mar. Sentia aquela aragem e cheirinho a maresia, a peixe, a sal, a algas. 

       Dormia sonecas embalada pelo som do movimento das ondas, via os barquinhos e as suas luzes, apreciava o pôr e o nascer do sol, as suas cores mágicas, as estrelas à noite. 

       Imaginava como seria estar na água, mas queria sentir a água. Um dia contou esse seu desejo às suas amigas gaivotas, e pouco tempo depois, estava um dia tão quente, que quase não se respirava, não se via ninguém na areia, um sol que crestava tudo. 

       As gaivotas também estavam tão cansadas com o calor que só conseguiam estar à sombra e na água. 

       Convidaram a flor para ir à agua. Ela disse logo que sim, e ficou tão feliz, que até lhe cairam umas lágriminhas. 

        As gaivotas lavaram-na no bico. Entraram no mar, e a flor nem conseguia acreditar. Primeiro estranhou e sentiu um bocadinho de medo, mas as gaivotas encheram-na de coragem: nadaram com ela, molharam-se várias vezes, brincaram com ela, saltitaram, riram, nadaram, boiaram. 

        A água estava agradavelmente quente, e calma, a flor adorou senti-la, juntamente com a aragem, o sal e o sol.  Viu peixes e tudo o que via do seu lugar parecia assustadoramente grande! Sentiu as cossegas das algas no seu pé e nas pétalas, e adorou a sensação.  

       Depois do banho e já mais fresca, as gaivotas voltaram a po-la na sua areia. Conversaram alegremente, a flor não tinha palavras para descrever o que tinha sentido, como estava feliz, nem sabia como agradecer às gaivotas por a terem levado a experimentar o mar, como tanto queria! 

       As gaivotas sentiram-se orgulhosas e tão felizes como a flor. Ficou a promessa de voltarem ao mar, muito em breve. 

       Esta flor vivia num belo sitio, e realizou o seu sonho. Foi sortuda! E vocês, já viram uma flor na praia? Se vissem esta flor ou outra, o que faziam? O que veriam? 

Podem deixar as vossas respostas nos comentários. 

                                       Fim

                                     Lara Rocha 

                                   6/Julho/2022