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sábado, 23 de julho de 2022

A ponte de vidro

        


  Era uma vez um jardim com uma ponte de vidro, e uma paisagem que mudava conforme as emoções das pessoas que o visitavam. 

 Como todas as pessoas são diferentes, o jardim e a ponte de vidro pareciam um filme sempre a mudar os cenários. 

    Uns momentos com cores suaves, da Primavera e do Outono, outras vezes, cores vivas do Verão, outras, com os tons de cinzento, azul escuro, gelo, frio, chuva, neve, sem sol, carregado de nuvens, como o Inverno. Nas diferentes paisagens não faltavam os sons dos animais, dos rios, das fontes, do vento, e de tempestades. 

  Quando as pessoas levavam emoções positivas, felizes, agradáveis, tinham corações bons, a paisagem era Primavera e Verão. 

  Se estavam mais tristonhas, deprimidas, carregadas, zangadas, desiludidas, frustradas, irritadas, com pensamentos terríveis, de medo, de raiva, vingança, e outros, as paisagens ganhavam as cores do Outono e do Inverno. 

   Quase ninguém reparava na ponte de vidro, por onde passavam milhares de pessoas todos os dias, ainda menos, na paisagem que mudava a todo o instante. 

    Um dia, a ponte de vidro cansou-se de tanto mudar, e decidiu não mostrar mais paisagens. As pessoas que passavam por lá, e costumavam reparar na ponte, perceberam que alguma coisa muito estranha tinha acontecido...a ponte não mostrava paisagens, e tudo parecia ter desaparecido. 

    Estava coberto com uma neblina cerrada, por vontade da ponte que quis esconder a paisagem para ver se reparavam nela.

- Como é possível! Devem estar a pensar que estão todos deprimidos. Ai agora reparam…? Só porque acham estranho. Só devem ter visto que falta alguma coisa! Mas acho que nem sabem o quê. Como podem ser tão indiferentes a tudo...que injustiça! - pensa a ponte a rir 

    Depois de um dia como os outros, em que só era visível a ponte de vidro, à noite tudo mudou, com a chegada de uma mulher misteriosa, uma silhueta escura, coberta de estrelas cintilantes, da sua cabeça até aos pés. 

   Era muito leve, nem dava para perceber se tinha o corpo completo, só se viam constelações de estrelas a flutuar, levemente, ao sabor do vento fraco que se fazia sentir nessa noite. 

    A ponte de vidro, ficou em pânico, silenciosa, enquanto apreciava a mulher ou...o que parecia ser uma mulher com o movimento das estrelas que ela transportava. 

  A mulher percorreu todo o jardim, até conseguiu atravessar a neblina cerrada. Saiu do nevoeiro, e parou no inicio da ponte. 

- Boa noite…! - diz a sombra 

- Boa noite! - diz a ponte com medo 

- Porque estás com medo, ponte? 

- Ahhh...eu...não estou com medo… 

- Estás sim. 

- Como é que...sabes? 

- Sei. 

- Mas consegues ver-me?

- Claro. E tu não me vês? 

- Acho que sim. 

- Achas que sim, ou tens a certeza? 

- Sim, vejo. 

- Assume lá que estás com medo. 

- Está bem… acho que estou com medo. 

- Estás. É normal, só vês as minhas estrelas! 

- É...mas quem és tu? 

- Sou um pedaço de céu noturno. Como muitos outros milhões de pedaços com estrelas que existem. Mas eu vim cá abaixo ter contigo. 

- Para quê? 

- Porque sentes-te muito sozinha, ignorada, desvalorizada, e eu vim fazer-te um bocado de companhia. Se quiseres, claro, se não, volto para casa. 

- Áh! Como é que sabes isso tudo? 

- Foi por isso que tapaste as tuas paisagens com esta neblina cerrada que não se vê nada! 

- Mas… 

- Paisagens tão bonitas.., mas tu, só porque cansaste de ser ignorada, desvalorizada...e de sentir tantas coisas más, decidiste que quem aqui viesse, não veria mais nada. Certo? 

- Certo! Achas que eu fiz mal...? - pergunta a ponte 

- Não. Quer dizer, tu tens razão, eu compreendo-te, fizeste bem, mas não prolongues por muito tempo, esse teu estado. 

- Porquê? Ninguém repara… 

- Ora...isso faz-te mal! Para que queres que reparem tanto em ti? Tu és só a ponte que os leva a ver tantas coisas bonitas. Eu sei que eles nem reparam que as paisagens estão sempre a mudar, como as deles, conforme as emoções, mas eles também não sabem que tu és sensível. Para eles, não passas de um caminho. Se lhes perguntares como és, não sabem dizer, com certeza. 

- Óh, isso é tão triste! 

- É. Mas eles passam pelo mesmo. 

- Também são ignorados e desvalorizados? Sentem-se tristes por ninguém reparar neles? Ou são Verão? Primavera? Outono? Inverno? Às vezes as quatro estações no mesmo dia? Ou na mesma hora? 

- Claro! Mas eles não são de vidro! 

- Não? Pensei que eram. 

- Podem parecer, mas não…! Achas que eles vão reparar em ti, só porque embrulhaste as paisagens em toneladas de lágrimas da terra? 

- Toneladas de lágrimas da terra? 

- Sim, para nós, o nevoeiro são lágrimas que a Terra não chora, mas sofre. 

- Áh! Que lindo, não sabia. E a Terra também chora? 

- Chora!

- Não sabia. 

- E tu, choras? 

- Com certeza! 

- A sério? Porquê? 

- Por muitas razões… 

- Posso pedir-te uma coisa? 

- Sim…?! 

- Consegues dar-me um abraço? 

- Consigo! 

- Podes dar-me um…? 

- Claro que sim. 

  A sombra estica, fica do tamanho da ponte, e estende os seus braços para o lado, quase a tocar na água. 

   Dá um beijo à ponte, e esta enche-se de estrelas. Vários casais que por lá passaram nunca tinham visto a ponte de vidro com estrelas. 

 Ficaram todos pasmados, aproximaram-se encantados, e viram mais de perto as milhares de estrelas. 

    A ponte recebeu tantos elogios, e tanta gente que passou sobre ela, quase hipnotizados com aquela visão de sonho, que fez-lhes uma surpresa: retirou o nevoeiro cerrado da sua frente, e à sua volta, deixando ver as paisagens das quatro estações do ano, como se fossem fotografias, cada qual a mais bonita. 

 Todos soltaram enormes exclamações de surpresa e encanto. 

   Aplaudiram, passaram de um lado para o outro, percorreram todas as paisagens, e depois perceberam que umas acendiam, outras apagavam. 

  Começaram a perceber que havia alguma coisa de especial naqueles espaços, e não sabiam o que era. Alguém entre as pessoas associou as suas emoções às estações do ano, numa poesia que declamou em voz alta. 

  Um poeta que frequentava aquele parque muitas vezes para se inspirar. Aplaudiram, e ficaram pensativos. Fazia todo o sentido. Começaram a dizer que se sentiam como na Primavera, outros como no Outono, outros estavam tristes como o Inverno, outros felizes como no Verão, e muitas outras. 

   Experimentaram dizer como se sentiam, e passavam nas diferentes paisagens que apagavam quando não correspondiam ao que sentiam, acendiam quando mostrava o que sentiam. A ponte não podia estar mais feliz com aquela noite. 

  Um movimento nunca antes visto, porque comunicaram uns com os outros, e apareceu cada vez mais gente no parque, totalmente rendidos aos encantos das paisagens e à magia das mudanças  de acordo com o que sentiam. 

   As estrelas continuavam a iluminar a ponte. Já quase de manhã, as pessoas recolheram, e a ponte estava cheia de sono. Agradeceu à mulher das estrelas, que prometeu estar ali outra vez nas outras noites, sempre que a ponte quisesse companhia. 

  Quando a ponte estava cansada, e queria sossego, a mulher das estrelas não aparecia, nem as pessoas, porque a própria ponte envolvia tudo em nevoeiro. 

   De dia e de noite, sempre que a ponte estava bem disposta, e feliz por repararem nela, muitas pessoas percorriam o jardim para identificar as suas próprias emoções, sentimentos, pensamentos. Delas e dos outros. 

   Poetas, pintores, fotógrafos, artistas, adoravam aquele espaço e a ponte cheia de estrelas, que fotografavam, desenhavam, pintavam nos cadernos. Passou a ser conhecido como o Jardim do autoconhecimento. 


                                    FIM 

                                 Lara Rocha 

                                23/Julho/2022


- Se passassem agora por esta ponte de vidro, qual das estações do ano, veriam? 

- Se fossem a este jardim, qual seria a estação do ano desse momento? 

- Qual seria a estação do ano a maior parte dos dias? 

- Conhecem as vossas emoções, sentimentos, pensamentos? Em que estação do ano encaixam cada um? 

- Como seria a paisagem de cada emoção, cada pensamento, cada sentimento? 

                    Podem deixar nos comentários, se quiserem. 

         


        

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