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quinta-feira, 7 de julho de 2022

O descongelar











foto de Lara Rocha 


Era uma vez um lago de águas verdes, quietas, num parque silencioso, onde as flores estavam murchas, sem cor, algumas quase sem pétalas. Os poucos animais que se viam e ouviam estavam no jardim ao lado, as árvores quase não existiam e via-se que estavam abandonadas, velhas, maltratadas, secas, sem folhas. 

O seu coração era tão feio, que o sol não entrava nesse sítio, só havia nuvens carregadas de escuridão e chuva, noite sem estrelas, era um mundo à parte. Este jardim tinha sido adormecido por uma mulher gelada, sem sentimentos, sem emoções, infeliz, desde que conheceu um amor não correspondido. 

Aliás, amor…? Ela nem sabia o que era tal coisa e ficava completamente possuída quando ouvia essa palavra. Era como se fosse uma palavra muito feia. Vinha para aqui muitas vezes, um jardim sem nada, como ela gostava de chamar, o reflexo do seu interior, onde descarregava a sua raiva, e frustração, e verificava se tudo estava realmente como ela tinha deixado. 

Só porque não era feliz, e tinha sofrido, achava que ninguém ia gostar dela, por isso afastava toda a gente com o seu gelo e mau feitio, para não voltar a sofrer, pelo menos no jardim, isolava-se mergulhada na sua tristeza. 

Na verdade, talvez ela não gostasse de ser assim, mas era uma maneira de se proteger e defender das desilusões. Assim também não incomodava ninguém. No jardim chorava, gritava, corria, guinchava, saltava, batia com os pés no chão, deitava-se no chão cinzento, não queria luz, e pensava em formas de soltar as más energias em cima de quem a magoou. 

Nunca concretizou nenhuma, mas isso aliviava-a. Um dia, saiu tudo ao contrário do que tinha planeado! Duas borboletas conheciam o que ela tinha feito e resolveram mostrar-lhe como as coisas eram. Lindas, enormes, coloridas, pareciam vindas de uma pintura artística. 

Entraram no parque e começaram a dançar uma com a outra, de forma muito leve, a mulher fica completamente histérica, aos gritos, irritada, a soltar trovões, e as borboletas tornam-se ainda maiores, com mais cores, e continuam a dançar como se ela não existisse. 


- Mas o que é isto? - grita 


As borboletas não respondem. 

- Ai não respondem? Fora daqui! 


Para as borboletas ela não existia, nem estava ali. Elas fizeram um passo de dança tão bonito que a bruxa parecia hipnotizada, depois das suas explosões e tentativas falhadas de correr as borboletas. 


- Ahh…mas o que está a acontecer…? Não consegui pô-las daqui para fora? 


As borboletas esfregam as suas asas na cara da mulher e soltam todas as cores numa chuva misteriosa, que caiu sobre ela. Ela tenta fugir e gritar, mas não consegue, as cores são mais fortes que o seu mau humor, e sem se aperceber abre um gigantesco e luminoso sorriso. 

Para enorme felicidade das borboletas, a bruxa começa a dançar com elas, ri à gargalhada, não parecia a mesma pessoa. As borboletas envolvem-na com as suas asas maravilhosas, e a transformação acontece. 

As águas do lago despertam e começam a ondular levemente, correm livres como acontece em qualquer lago, embalando os patinhos que foram transformados em galhos secos de árvores pousados na água congelada. 

Estes grasnam de alegria, de forma sonora, e como são lindos! As flores que estavam escondidas e fechadas em si mesmas, abrem, mostrando cores maravilhosas, luminosas, frescas, alegres, com risinhos pequeninos, trocam elogios e abraços umas com as outras, sorrisos. 

As árvores sem vida, renascem, e ganham folhas verdejantes, troncos fortes, resistentes. As aves regressam às dezenas, em cantos solitários e coros, uma variedade nunca vista, de cores nas penas, cantos e tamanhos. 

Chegam muitas mais borboletas que se juntam às danças das outras, de todos os tamanhos, cores, abraçam a bruxa que está tão feliz, que ainda nem reparou na transformação. 

As borboletas aplaudem-na, elogiam-na, ela sorri, e vão passear pelo jardim. A bruxa nem acredita nas diferenças que está a ver. 


- Áh! Este não é o jardim que eu conheço… vocês enganaram-me! Como pude cair na vossa conversa….? Mas… está lindo. O que aconteceu aqui? 


- Foste tu que o transformaste! 


- Eu? Mas eu estava aqui quieta, e não vi nada disto.


- Pois não. - dizem todas 


- Estavas concentrada na tua raiva, tristeza e frieza, transformaste este jardim num lugar horrível, a condizer contigo.


- Mas hoje tornaste-te uma pessoa diferente, e muito! 


- Olha que bonito que está este jardim! - comenta uma borboleta 


- Já nem o conhecias. - diz outra borboleta 


- Nunca o viste assim. - lembra outra borboleta 


- Estás feliz não estás? 


- Sim, muito. Não me lembro quando foi a última vez que me senti assim. - confirma a bruxa a sorrir.


- Já vai há muitos anos! 


- Sim. 


- Onde estavam estas criaturas todas? 


- Transformaste-as em tudo de feio. 


- E agora estão assim? 


- Estão. Estão a condizer contigo. 


- E este lago…que coisa mágica. 


- Já estava aqui. Tu adormeceste-o! 


- Ai, mas que coisa horrorosa. Não sei como foi possível eu ser tão má. 


- É verdade, mas ainda estás a tempo. 


- Como fizeram isso? 


- Foste tu.


- Nós só seguimos a tua energia. 


- Aquela má? 


- Sim. 


- Mas sentimos que querias transformá-la em boa. 


- Porque tu tens amor. 


- Tinham que estragar a festa. 


- Óh, não digas isso! Estás cheia dele. Foi ele que transformou o jardim neste espaço fantástico. 


- Ááááhhhh… 


As borboletas falam de amor, de desilusões, que compreendiam a sua dor, tristeza e revolta, mas não precisava de transformar as coisas bonitas em coisas feias, só porque estava frustrada e desiludida.  

Todas elas também já tinham sofrido por amor, tinham-se apaixonado e não foram correspondidas, mas nem por isso destruíram o mundo à volta delas, porque afinal existem muitas maneiras de dar amor, e de o sentir. 

A bruxa, ouve atentamente. Percebeu que afinal podia usar os seus poderes para o bem, e ajudar muita gente com o seu amor, que desconhecia e que chegou a odiar. Prometeu que desse dia em diante iria ser amorosa como as borboletas, e trabalhar com elas para ajudar quem mais precisava, para o bem, com amor. 

As borboletas sentiram-se orgulhosas e felizes, uma a uma, abraçam a bruxa, agradecem-lhe, e esta a elas. Passearam alegremente pelo jardim, apreciaram todas as fontes que voltaram a deitar água, todas as flores que nasceram, os lindos patos, as aves, as árvores. 

A bruxa tocou em tudo, com carinho, delicadeza e amor, as flores cresceram rapidamente, e com tanta energia boa tornaram-se ainda mais bonitas nas suas cores. As borboletas estavam encantadas com ela, e tornaram-se amigas para a vida. 

Aquele jardim nunca mais foi o mesmo. 


E vocês, leitores, acham que o amor pode tornar as coisas à nossa volta mais bonitas? 


Acham que a vingança dos outros é a solução para as desilusões e amores não correspondidos? (Sim, não, porquê)


Precisamos de ser maus uns com os outros, ou os outros têm de carregar com as nossas frustrações e desilusões?


FIM 

    Lara Rocha

    7/Julho/2022 



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