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terça-feira, 3 de julho de 2018

No vale dos sonhos não realizados

        

         Era uma vez um vale muito longínquo, desconhecido, sossegado, com paisagens e recantos maravilhosos, daqueles que só existem na nossa imaginação. Para lá só iam os sonhos que os humanos não realizavam, porque eram impossíveis, e desse vale chegavam os sonhos que temos todas as noites, e aqueles que sonhamos de olhos abertos, mais os que sonhamos quando ouvimos ou vemos alguma coisa que gostaríamos de realizar, os que gostávamos que acontecessem mesmo, ainda que saibamos que não são possíveis de realizar, mas gostamos deles.
            Os seres mágicos diferentes de nós, trabalhavam em conjunto para fabricar e enviar os nossos sonhos, sempre que recebiam alarmes, a qualquer hora, todos os dias, sem parar, carregando num botão e noutro, e em milhares, sempre a tagarelar e a enviar mensagens uns aos outros, sentados em frente a gigantescos computadores que disparavam centenas e milhares de imagens, palavras, sons, enviadas para milhões de pessoas a uma velocidade de milésimos de segundos para todo o lado. 
            Nunca se cansavam, iam trocando de trabalhadores para descansarem, e estarem com as famílias. Era a loucura. Um dia, cansaram mesmo...ficaram fartos de receber pedidos de sonhos para terem bens materiais: carros de luxo, serem milionários, terem grandes vivendas, tudo automático e maquinado em casa, no trabalho, para não terem de trabalhar nem sair do lugar, terem mulheres à disposição, terem consolas e jogos eletrónicos, motas, dinheiro, mais dinheiro, mais dinheiro.
Quando pensavam em fazer greve, e estavam exaustos, todos a discutir, a gritar uns com os outros, recebem umas mensagens muito especiais. Um murmurou:
- Lá vem mais pedidos de dinheiro...
             Mas ficaram estáticos quando perceberam que os sonhos não realizados, e que queriam que fossem realizados eram muito diferentes. Esses vinham de crianças e adultos que fugiam da guerra, e o seu maior sonho era que a guerra acabasse e pudessem voltar a viver em paz, nas suas casas reconstruidas, nas suas terras, com as suas famílias, e que não precisassem de andar a fugir, nem de arriscar a vida em barcos frágeis como papel na água.
             Outros pedidos vinham de crianças e familiares que tinham como maior desejo, o seu maior sonho era ter saúde, recuperar a saúde que tinham perdido. Também receberam pedidos de pessoas muito pobres, que tinham como maior desejo enriquecer, receber roupas, uma casa, e uma família que os amasse. Algumas crianças pediam carinho, colo de pais, atenção, sorrisos, comida.
             Ficaram todos em silêncio, um silêncio tão profundo que se assustaram, quando despertaram daquela realidade que tinham acabado de receber, e choraram. Quando recuperaram, puseram mãos à obra, e prepararam todos os pedidos em conjunto, com muito carinho e muita alegria. Depois com tudo pronto, entregaram aos anjos, e estes distribuíram por quem os pediu. Todos assistiram felizes e orgulhosos, principalmente porque tinham realizado os desejos de quem não pedia sonhos que eram impossíveis!
              A Natashinha acordou, feliz, porque pensou que tudo o que ela tinha acabado de sonhar, a realização daqueles sonhos mais bonitos, tinham mesmo acontecido. Mas...quando contou aos seus pais, estes disseram-lhe que tinha sido só um lindo sonho dela, mas infelizmente não se realizou. A menina ficou muito triste e desiludida. Os pais ficaram orgulhosos por ela querer ajudar e desejar coisas tão bonitas, mas sabiam que não iam realizar-se porque sabiam como era a realidade. Natashinha perguntou:
- Para onde vão os desejos e os sonhos que não se realizam?
- Vão para as estrelas lá em cima... - diz a mãe a sorrir
- Deixa-te de floriados...não vão para lado nenhum, ficam na nossa cabeça!- resmunga o pai
- Vão para as nossas orações e um dia vão realizar-se! - Diz a avó
- Como, avó?
- Se rezarmos todos os dias, juntos...!
- Áh!
- E deves continuar...devemos continuar a rezar todos os dias, a pedir os nossos desejos, e sonhos para nós e para os outros, mas só se vão realizar aqueles que forem generosos, não aqueles desejos e sonhos de dinheiro, e coisas.
- Entendo! Tu rezas, Avó?
- Claro que sim, e o teu Avô também.
- E as nossas orações vão para onde?
- Isso não sei, nunca as vi ir...sei que vão, para onde não sei.
- Tanta fantasia... - resmunga o pai
- Não devemos deixar de acreditar que um dia vai acontecer! - diz a mãe
- Pois claro! - Reforça a avó
- Para onde vão os nossos sonhos...? - Pergunta a Avó
Entra o Avô e responde:
- Para o vale dos sonhos não realizados.
- Onde é, Avô? Já foste lá?
- Não sei onde é! Nunca fui lá, mas sei que vão para lá...
- E quem os manda para lá? - pergunta a menina
- As nossas expectativas! - respondem todos em coro
- As nossas esperanças. - diz a mãe
- O nosso acreditar nos sonhos, e que eles se vão realizar! - acrescenta o Avô
- Talvez andem por aí a vaguear... - pensa alto a menina
- É... - respondem todos
- Porque é que os sonhos não se realizam? - pergunta a menina
- Não sei. - Respondem todos
- Porque acordamos deles e são interrompidos, desaparecem no ar quando abrimos os olhos. - Diz a menina 
             Mudam de conversa, e não pensam mais em sonhos. Mas é uma realidade...muitos dos nossos sonhos e desejos não se realizam. Para onde vão, de onde vem, como aparecem na nossa mente, quem os constrói, para que os temos, se não se realizam? Porque ficamos tristes, por não serem realizados? Porque enchemos os sonhos e desejos com demasiadas expectativas, acreditando que eles se vão realizar, quando não se realizam, ficamos tristes, porque as nossas expectativas não foram de encontro ao que imaginamos ou desejamos, às vezes são completamente diferentes.
             Ainda é tudo um grande mistério, mas uma coisa é certa... precisamos de ter sonhos, é bom termos sonhos, mesmo sabendo que muitos não se realizarão, enquanto estamos a sonhar, tudo pode acontecer! As orações em grupo, feitas por cada um de nós, com o coração também poderão realizar o nosso sonho de ter saúde, paz, colo, carinho, família, muito mais do que se desejarmos ter coisas que não nos fazem tanta falta.

Experimentem rezar em conjunto, num grande conjunto, pela paz no mundo, e pela saúde dos doentes....quem sabe... talvez o nosso sonho saia do vale dos sonhos não realizados, e se torne uma linda realidade!

                                                                       FIM
                                                                       Lálá
                                                                (3/Julho/2018)