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quinta-feira, 6 de julho de 2017

O galo que tinha a mania



Era uma vez um galo que vivia numa vivenda grande com jardim, na cidade. Era um galo grande, vaidoso, com penas muito bonitas, coloridas, vistosas, mas tinha a mania que cantava muito bem, muito melhor que todos os outros.
            Por ter esta mania, cantava a toda e qualquer hora, de dia, de noite, com sol, com chuva, de Verão, de Inverno, na Primavera e Outono, parecia que nunca se cansava. Só que…isso era o que ela achava, mas as pessoas à volta da casa, que viviam nos prédios não tinham a mesma opinião!
            Depois de vários dias seguidos a acordar e a ouvir o galo cantar quando queria, as pessoas foram bater à porta da vizinha, dona da casa e do galo, resmungar:
- Cala-me esse pito! – Gritava um senhor
- Que raio de rádio foi arranjar, não se cala, esse diabo desse pito.
- Como é que consegue aguentar esse maldito pito sempre a cacarejar, deve ser surda, não?
- Arrume-me esse franganito, de uma vez!
- É insuportável.
- Meta-o na panela, ou metemo-lo nós!
- Acabe com esse realejo.
- Essa bola de penas com patas devia ir para a panela.
- Cale-me essa coisa, corte-lhe o pio, ou nós cortamos.
- Olhe que, ou você cala esse pito, ou chamamos a polícia.
            A dona do galo ouvia e pedia desculpa. Achava que quem reclamava tinha a sua razão, e não foram poucas as reclamações. Mas ela também não queria matar o frango. Gostava dele. Decidiu ter uma conversa com ele:

- Olha lá, óh frango…estou farta de receber reclamações a toda a hora, por estares sempre a cantar.
- Essa agora? Então essa gentalha não sabe que os galos cantam? – Pergunta o galo muito indignado
- Sabem, mas reclamam porque cantas a toda a hora, todo o dia, à noite, todos os dias. À noite precisam de descansar, e ouvem-te a cantar. Acordam com o teu canto.
- Mas eu canto tão bem! – Exclama o galo
- Não estou a dizer que cantas mal, só que vieram aqui muitos vizinhos reclamar! Vê se pelo menos de noite, não cantas, por favor, para ver se acabam os protestos.
- Eu não sei quando é de noite, ou de dia, ou lá isso que dizes.
- De noite é quando está tudo escuro.
- E de dia posso cantar?
- Podes!
- Quando é que é de dia?
- De dia, é por exemplo, agora.
- Para mim é igual, de dia ou de noite! Eu canto, e quero cantar…se eles não gostam, é problema deles! Eu canto tão bem, tenho uma voz tão bonita, eles é que têm péssimos gostos. Não entendem nada de música, nem de vozes!
- Eles ameaçaram que te metiam na panela, se não te calasses. Até disseram para eu fazer o mesmo.
- E vais fazer o que eles querem?
- Não! Mas por favor, quando te disser para não cantares, não cantes, à noite.
- Tens de me dizer quando é noite! Porque é que eu não posso cantar de noite?
- Porque de noite, estão a descansar, quase não há barulho, e o que há, ouve-se mais.
- Não sei que barulhos é que há de noite.
- Há alguns carros a passar na estrada, algumas pessoas, gatos e cães, e tu a cantares.
- Esses também fazem barulho, falam lá na língua deles…na ladrês e em gatês… ou lá o que é. Porque é que esses podem falar até quando dizes que não posso, e eu tenho que silenciar a minha voz tão bela? Esses é que são irritantes, e insuportáveis, ninguém os manda calar, porquê? O meu canto é diferente, é especial.
- Sei que para ti é difícil não cantares, mas faz um esforço para não cantares de noite. Eu aviso-te quando for e noite! Aliás, porque é que estás sempre a cantar, a toda a hora? Não te cansas?
- Não! Porque canto com alma e paixão!
- Está bem, mas lá porque gostamos de fazer alguma coisa, não podemos estar sempre a fazê-la! Precisamos de descansar e na cidade trabalha-se muito.
- Porque é que vieste para aqui viver?
- Porque foi aqui que nasci, e sempre vivi aqui.
- Porque é que me trouxeste?
- Tu sempre estiveste aqui!
- Pois, então aqueles é que devem sair, se não gostam do meu canto angelical.
- Eles também estão aqui há muito.
- É problema deles! Não acho bem ter de me calar só porque aqueles não gostam! Não gostem, tapem os ouvidos! Não entendo…gostam de ouvir aqueles bichos, e eu é que apanho as resmunguices.
- Há muita coisa injusta, amigo.
- E o que é que eu vou fazer enquanto não canto?
- Descansas!
- Acho que não consigo estar calado!
- Sei que te vais habituar.
- Que maldade estarem a fazer isto comigo; eu se apanho esses idiotas incógnitos,
esfrangalho-os todos!
            A dona ri-se.
- Não te chateies! Vivemos na cidade, todos temos regras a cumprir.
- Nunca outra me aconteceu!
- Até já.
            E o galo fica muito triste, soluça, não canta. À noite, a dona manda-o calar:
- Agora não podes cantar, até eu dizer, está bem?
            O galo não responde, e obedece, com soluços e lágrimas nos olhos. As galinhas e os outros galos tentam conversar com ela, para o animar, mas ele só queria cantar, por isso não conseguia ficar feliz, não se ria, quase não se mexia. Era só um corpo presente. De dia também não cantou, só ficou em silencio, triste, com os olhos a lacrimejar, mesmo depois da dona ter dito que podia cantar.
            Os vizinhos estavam todos satisfeitos, felizes, por o galo não cantar, mas de dia para dia, o pobre galo ficou cada vez mais triste, não cantava, não se mexia, só chorava, e quase não comia. A dona ficou muito preocupada. Foi falar com ele:
- Então? O que se passa? Não cantas?
            O galo não respondeu, nem olhou para ela.
- Não falas?
            O galo não respondeu, e deu um soluço.
- Já percebi, estás zangado comigo, não é? Mas o que e que eu podia fazer?    
            O galo suspira.
- Porque não falas comigo? Talvez eu te possa ajudar… estás tão triste!
- Deixou de cantar, ficou assim! – Diz uma galinha
- Está triste! – Diz outra galinha
- Eu nunca o vi assim. – Diz a dona
- Nem eu! – Dizem as outras galinhas e galos
- Nunca mais foi o mesmo. Nem connosco falou mais. – Diz outra galinha
- Nós tentamos puxar por ele, mas não adianta! – Diz outra galinha
- Óh, pobre bicho! Desculpa! Eu não queria que tivesse de ser assim. Vá lá, anima-te! Tenta pôr-te no meu lugar. Gostavas de ter de ouvir reclamações por causa de um galo? Já te disse que de dia podes cantar.
            O galo respondeu irritado:
- Gostavas que te mandassem calar? E se te obrigassem a estar calada, gostavas?
- Mas de noite estou calada, e de dia também não estou sempre a falar, nem ninguém. Às vezes ficamos calados.
- Vocês são mesmo estranhos.
- Já estamos habituados, e vocês animais também se habituam.
- Eu não gosto de estar calado. Não sei fazer outra coisa se não cantar.
- Claro que sabes fazer outras coisas. As galinhas também não estão sempre a cacarejar, os gatos não estão sempre a miar, os cães não estão sempre a ladrar.
- Porque eles não cantam, ou se têm a mania que é assim que cantam, cantam muito mal. Mas eu canto bem, para mim cantar é respirar…é viver! Não me deixam cantar, sufocam-me.
- Deves habituar-te a não estar sempre a cantar.
- Que injusto!
- Mas o que é que eu te posso fazer?
- Deixa-me cantar.
- Mas só cantas de dia, combinado? E calas-te quando eu mandar. Sempre que te apetecer cantar, vais ali para a garagem, e não cantas cá fora, quando eu disser, entendeste?
            O galo parece que apanha um choque elétrico, entesa-se, e sai disparado quase a voar para a garagem. A dona e as galinhas e os outros galos dão umas valentes gargalhadas. Mal ele chega à garagem desata a cacarejar muito alto, cheio de força e energia, salta, corre a garagem toda, a dona aprecia divertida, e põe um plástico duro na porta da garagem para isolar completamente, uma garagem com parede à prova de som.
            O galo estava completamente feliz por poder voltar a cantar. Cantou na garagem até ficar cansado. Saiu porque precisava de beber. Era um novo galo, de tão feliz que estava.
- Obrigado! – Diz o galo com um grande sorriso e um belo abanar de penas.
            A dona ri-se:
- Sei que estás muito feliz.
            O galo bebe.
- Estás mesmo feliz, és um novo galo…nunca imaginei que pata ti fosse tão importante cantar! Já sabes, cá fora podes cantar de dia, mas quando eu te mandar calar, à noite, vens para aqui para a garagem, sempre que te apetecer cantar. Aqui não se ouve. Combinado?
- Combinado! Não se ouve?
- Não! Agora podes cantar cá fora quando te apetecer, mas também não estejas sempre a cantar, porque se não, daqui a pouco vem aí outra vez chatear. Agora come, e habitua-te a descansar, também! Como faz a tua família.
- Entendido. Muito obrigado.
            E assim foi. Como o galo tinha a mania que era cantor, apetecia-lhe muitas vezes cantar, mas como não podia estar sempre a cantar para não incomodar, mesmo não concordando, ia cantar para a garagem, onde ninguém o ouvia.
            Parecia um andarilho, andava sempre de um lado para o outro, todo vaidoso, de dia, cantava às vezes, fora da garagem, nas traseiras da casa, outras vezes, e principalmente à noite, cantava na garagem.
            O galo continuou a fazer o que mais gostava, desfilava sem cantar, vaidoso e com orgulho, diante de quem passava, e chamava a atenção. Gostavam de o ver, de tirar fotografias e acariciar as suas belas penas.
            A sua vontade era dar uma bicada a cada pessoa por o terem proibido de cantar, e comentava quando viravam costas:
- Cínicos…falsos! Queriam ver-me na panela, mas gostam de me apreciar. Só não tem bom gosto para o meu canto. Idiotas!
            A dona não recebeu mais reclamações. O galo que tinha a mania que era cantor e que tinha uma bela voz, também gostava de ser apreciado.
            E vocês? Como é que ensinavam o galo a distinguir o dia, da noite, para ele poder cantar?
                                                           FIM
                                                          Lálá
                                                6/Julho/2017