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sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Delírios de solidão, esquizofrenia, ou demência?

         A bebé, a criança, a adolescente, a Adulta e a Avó 

        Uma Sra. na casa dos 70 anos, não sabia dizer ao certo quantos tinha, nem o dia e ano em que tinha nascido, ou onde. Já soube, mas agora tinha coisas muito mais importantes para tratar, do que saber essas coisas que já se tinha esquecido. 

        Ou se alguém lhe perguntava, ela desconfiava que era para lhe fazer alguma, para sondar a vida dela e depois roubá-la, ou fazer-lhe mal. Dizia que todo o cuidado era pouco, porque só havia gente mal intencionada e invejosa à sua volta. 

       Era vista sempre sozinha, a vaguear, como se estivesse a conversar com alguém. Os filhos estavam longe mas iam marcando presença por telefone, e quando podiam, de longe a longe marcavam presença. Estava separada do marido há muitos anos que a maltratava. 

        Tinha os braços numa posição que às vezes parecia segurar um bebé no colo, outras vezes a empurrar o carrinho imaginário, numa conversa terna e alegre com quem ninguém via. 

     Sentava-se num banco da rua, de jardim, ou numa cadeira da sua casa, uma vez com o bebé «invisível», outras vezes materializava o bebé com um boneco muito antigo, provavelmente da sua geração, com quem tinha longas conversas. 

        Chorava muito, ria com sonoras gargalhadas, muitas vezes não se percebia o que contava, apenas murmurava e acariciava, abraçava o boneco, beijava-o, sorria-lhe, cantava para ela. 

        Por vezes parecia que estava a alimentar o bebé com o biberão e a embalá-lo para adormecer. Noutros dias, ralhava com outras pessoas, inclusive parecia estar a ralhar com uma criança. 

        Em casa, e na rua, gritava com ela, parecia dar uma sapatada, e ordens para que a criança parasse quieta, ou se calasse. Fazia movimentos, falava com ela, contava-lhe coisas que fazia com aquela idade, como eram os pais, os avós, os tios, os primos. 

        Contava a essa criança «imaginária» que tinha animais muito variados na casa, como era a casa, os rituais, as festas na escola, a exigência e os castigos dos professores, o que tinha aprendido, a vida dura. 

        Às vezes, além de pegar no «bebé imaginário», também parecia pegar nessa criança ao colo, abraçá-la, beijá-la, sorria, mostrava-lhe coisas, cantava, embalava-a nos seus braços como se estivesse a adormecer. 

        Outras vezes fazia movimentos como se estivesse a bater-lhe e a castigá-la, ameaçava-o. De vez em quando, em casa, quando estava com o bebé «imaginário»; ao colo (ou o boneco), tanto ralhava com a criança para parar quieta, como a chamava com carinho para ir para a beira dela, e falava-lhe com carinho. 

        Parecia não ir sempre com a mesma pessoa, outras vezes dava a entender que ia com uma adolescente «invisível» ao seu lado. A essa Adolescente ela falava do que diziam ser pecado, do que era proibido, da gravidez Adolescente, dos amores muito diferentes de agora como a própria dizia. 

        Era um assunto que parecia tê-la perturbado, ou traumatizado, pois falava das tareias que algumas adolescentes levavam, e das famílias antigas, dos namoros. 

        Entre as conversas, lá saiam algumas lágrimas, gritos de raiva, «palavrões», e ria sozinha. As conversas eram longas com essa adolescente, umas vezes mais leves, outras mais duras. 

        Mas também era vista com o que parecia ser uma Adulta ao seu lado. Em casa, ouviam-na a falar também, mas não viam ninguém a não ser ela. 

        Quando lhe perguntavam se estava tudo bem, ela dizia que sim, que aquelas criaturas às vezes davam-lhe cabo da cabeça. Queriam saber quais criaturas, e ela respondia, os que viviam na casa dela, um bebé, uma criança, uma adolescente, uma adulta e uma velha. 

        Ela nem as conhecia, mas já tinham aparecido lá em casa, nem sabe como, talvez enviadas por algum dos filhos, acolheu-os, mas os mais pequenos não são sempre fáceis. 

        Dizia aos vizinhos que perguntavam, que a Adolescente tinha a mania que era adulta, então, saia com os amigos e chegava tarde, o que a deixava muito preocupada e acordada até ela chegar. 

        Ralhava com a suposta adolescente, por estar de vestido tão curto, ou com um top que via quase as entranhas, e o que estava debaixo da pele, ralhava com ela por usar aqueles sapatos tão altos, por estar toda pintada. 

        Ralhava porque achava que devia ficar em casa, ou não andar com aquela gente horrorosa que aparecia à porta, e que lhe ligava vezes sem conta. 

        Ralhava porque estava atrasada, porque era uma desavergonhada, porque ela tinha era que estudar, e não andar aí a desfilar. Gritava-lhe para desligar aquela porcaria de rádio ou telefone, e ir comer, se não, levava uma chapada ou uma chinelada. 

        Ameaçava-a que punha um polícia à porta para não a deixar sair. Uns dias parecia que estava muito bem, que não falava com quem ninguém via, nem levava nenhum bebé ao colo, nem criança, adolescente ou adulto. 

        Os vizinhos ouviam-na a gritar, a chorar, a ralhar, a insultar, a atirar coisas. Corria a casa toda, aos gritos, batia portas, abria e fechava.

        Os vizinhos perguntavam se estava tudo bem, se precisava de ajuda, e ela parecia não estar em si, ou uma outra pessoa, totalmente contrastante com a que viam à janela no dia seguinte, muito calma, a olhar para o vazio no espaço. 

        Ela respondia-lhes de noite que tinha de fechar as portas e as janelas dos quartos várias vezes, para as sombras não entrarem, umas sombras perigosas, maléficas, pois ela tinha a missão de proteger os hóspedes. 

        Ela dizia que as sombras horrorosas, com formas estranhas, faziam barulhos irritantes, outras tinham meio corpo, outras quase nem se percebia como eram. Umas sombras tinham olhos e dentes gigantes, guinchavam, as unhas eram nojentas, enormes e bicudas. 

        Mas as sombras tinham medo dela, e do bater das portas, das janelas, do que ela atirava, portanto, quando ela entrava nos quartos, porque pressentia o barulho delas, e o bebé e a criança começavam a chorar, desapareciam.

        Não descansava enquanto não verificasse várias vezes se as sombras tinham ido mesmo embora, e se estavam em segurança. Os vizinhos achavam tudo muito estranho, porque só a viam a ela, e só a ouviam, não viam nem ouviam mais ninguém. 

        Na manhã seguinte, tanto a viam com os supostos «hóspedes», muito bem disposta, como estava à janela, cumprimentava os vizinhos, sorridente, conversava sobre tudo e mais alguma coisa, como se nada se tivesse passado. 

        Avisaram os filhos que a levaram ao médico, mas ela negou que estaria com algum problema de saúde mental. Tinha a convicção que aquelas pessoas existiam, não sabiam como se chamava, talvez lhe tivessem dito, mas esqueceu-se com a preocupação de cuidar deles. 

        Afirmava com toda a segurança que aquelas sombras também invadiam os quartos, eram mesmo monstruosas, tenebrosas, maléficas, queriam mesmo dar cabo dos hóspedes, mas tinham medo dela, dos barulhos das portas e das coisas que ela atirava. 

        Dizia que o bebé, a criança, a adolescente, a adulta e a mais velha deviam ser todos da mesma família, porque eram parecidos. Também não andavam sempre colados nela, mas até a tratavam com carinho. 

        Mostravam-lhe um espelho e ela umas vezes dizia que era a própria, outras vezes que era a mais velha que andava com os outros elementos. 

        Os médicos também não viram ninguém, mas fizeram-lhe vários exames. 

Delírios (de solidão)? 

Esquizofrenia? 

Demência? 

Outros... 

Não há uma resposta única, depende da interpretação, e podem imaginar mais pormenores para que haja um diagnóstico definitivo, através das características. 

Podem trocar impressões nas aulas, entre vocês, ou responder individualmente, aqui nos comentários. 


                                        FIM 

                                    Lara Rocha 

                                 28/Outubro/2022


segunda-feira, 24 de outubro de 2022

A tradição do 31 de Outubro

    Era uma vez uma aldeia onde viviam bruxinhas traquinas, inocentes, boas, brincalhonas, com os seus pais. Umas eram desajeitadas, outras vaidosas, umas magrinhas outras mais redondinhas, umas mais altas, outras mais baixinhas. 

   Adoravam brincar, ajudar quem precisava, curavam alguns doentes, e adivinhavam algumas coisas. Todos gostavam muito delas, e eram quase todos família. Mas havia uma noite, em que as bruxinhas marotas, amigas, não se entendiam. 

      Havia uma competição e desfiles, bailes de vassouras, roupas, na noite de dia 31 de Outubro, em que elas levavam tudo muito a sério. 

   Quase se esqueciam que eram amigas, e família, vestiam-se, calçavam-se, penteavam-se, maquilhavam-se, cada uma diferente da outra, mas todas achavam que eram as merecedoras dos prémios, e que tinham tudo mais bonito do que a outra. 

    Não faltavam prémios para as melhoras, para as mais bonitas, para as vassouras mais espetaculares, as vassouras mais fora do comum, os sapatos mais limpinhos, as botas mais altas, os cabelos, os chapéus, as pinturas, tudo era votado. 

      Durante o ano, os animais com penas: gaivotas, pavões, pássaros das mais diferentes espécies, galinhas, perus, patos, garças, cisnes, faisões, milhafres, águias, mochos, corujas, penas de todas as cores, tamanhos, deixavam as suas penas, as que caiam naturalmente, ou aquelas que eram arrancadas com o vento, nas corridas, lutas e brincadeiras entre eles, num armazém, para as bruxinhas irem lá buscar na noite de festa. 

      Assim livraram-se de ser caçados e torturados o resto do ano, pelas bruxinhas para lhes arrancar as penas. Era a euforia e histeria total, quando se aproximava a data. 

      As bruxinhas lembravam-se de ir todas ao mesmo tempo, apanhar todas as penas que mais gostavam, e idealizar vestidos, imaginar quais podiam pôr nos sapatos, nos cabelos, na roupa, tiravam todas as que queriam, ou achavam que iam usar. 

        Davam gritinhos de alegria, às vezes engalfinhavam-se, quando queriam a mesma pena, gritavam umas com as outras, arrancavam as penas das mãos, depois pediam desculpa, quando a bruxa mais velha gritava: 

- Parem imediatamente, ou ficam fora do concurso! Há penas para todas, porque é que estão a fazer tanta guerra? 

    A bruxa mais velha tinha toda a razão, pediam desculpa e continuavam à procura, entusiasmadas. Trocavam ideias, e iam logo de seguida preparar as coisas. Era um corridinho de casa em casa, para a casa das costureiras, para os sapateiros, para os cabeleireiros. Deixavam as suas ideias, o que queriam, e tudo ficava pronto para a grande noite. 

     No dia 31 de Outubro, estavam todas que não se aguentavam, todas vaidosas, bem vestidas, bem calçadas, bem penteadas, bem maquilhadas, todas lindas, todas diferentes, cada uma como gostava mais. 

       A bruxa mais velha da aldeia dava inicio à grande noite. 

- Boa noite a todos! Que bom reencontrarmo-nos aqui, mais um ano, bem de saúde, hoje, durante o ano alguns de nós estivemos doentes, e estes seres maravilhosos curaram-nos, mas hoje estamos bem! Muito bem vindos, e vamos então dar inicio à festa das vossas filhas, as nossas bruxescas fantásticas. Que lindas que elas estão! 

- Nem todas… - comenta uma bruxinha traquina vaidosa 

- Já vão começar? - ralha uma mãe 

- Claro que não, eu sou a mais bonita de todas! - diz outra bruxinha vaidosa 

- Ai, que vergonha! - murmura a mãe de uma delas 

- Calem-se meninas, querem perder o concurso? - comenta outra bruxinha mais crescida 

- Olha, olha...não tens espelho em casa….- diz outra bruxinha mais pequena invejosa 

- Tu é que tens a mania! - ralha outra pequena 

       Ouve-se um barulho de chicote: 

- Saem já do concurso! - ralha a bruxa mais velha

   Ouve-se o barulho de um gigantesco trovão. As bruxinhas encolhem-se todas 

- Concordo totalmente! - gritam as mães e os pais 

- Se se portam mal, saem. - comenta outra bruxa mais velha 

- Pois claro! - dizem os pais e as mães em coro 

     As bruxinhas param de se provocar. Os pais orgulhosos das filhas, fotografavam, filmavam, aplaudiam. As bruxinhas desfilavam, umas malandrecas riam umas das outras, gozavam, chamavam feias, levavam uma vassourada, e retribuíam. 

      Quando isso acontecia, a bruxa mais velha penalizava, e se o mau comportamento era demasiado grave, saía do concurso. Dançavam juntas, e individualmente, exibiam as vassouras, os penteados, os vestidos, os sapatos, a maquilhagem, e todos votavam nas preferidas. 

     No final de várias provas, como corridas de vassouras, danças com sapatos, e sem sapatos, cânticos, brindes, comidas, caças aos tesouros bruxescos, jogos de descoberta, dramatizações, em que todos riam muito, muita alegria, muita gargalhada, algumas quedas com as corridas, para ganharem, risos, gritos, saltos, e outros jogos, chegava a hora da votação. 

    Aquela que ninguém queria, porque todas achavam que mereciam ganhar, mas só as mais votadas recebiam prémios maiores. 

   As outras todas que não eram tão votadas, ficavam tristes, choravam, gritavam, saltavam, guinchavam, ralhavam com os animais pelas penas, mas recebiam na mesma uma medalha de cristal com bons poderes. 

   Aplaudiam cada uma, mas entre elas, não achavam piada nenhuma, engalfinhavam-se, faziam caretas umas às outras, gritavam, empurravam-se, puxavam os cabelos umas às outras, davam vassouradas, ou arrancavam penas e outros adereços umas das outras. 

      Às vezes os pais tinham de subir ao palco impor respeito e parar com a luta. As que ganhavam os melhores prémios nas diferentes categorias do concurso, não cabiam nelas de felicidade e vaidade. As outras ficavam furiosas, mesmo ganhando as medalhas. 

    Ficavam zangadas e amuadas, andavam no dia seguinte era um silêncio quase aterrador na aldeia,  as bruxinhas não se falavam, passavam o dia a descansar, e a dormir, pela longa noite, que acabava só de manhã, e a recuperar o cansaço. 

      No dia seguinte, pediam desculpa, davam os parabéns, trocavam abraços, a seguir estavam amigas outra vez, e os animais começavam logo no fim dessa festa a acumular as suas penas para elas. A bruxa mais velha transmitia sempre esta mensagem final: 

- Na verdade, o mais importante não é quem ganha, quem é a mais bonita, quem tem a roupa mais especial, ou os sapatos mais estranhos, os cabelos, a maquilhagem, as carteiras, as vassouras. Porque todas ganharam, pela coragem de participar, todas participaram porque são amigas umas das outras, e o que conta realmente, é a noite de diversão que vivem, a amizade que comemoram, mesmo com as pequenas lutas, o cair das máscaras, que acontece quando mostram inveja umas das outras, ou querem o que a outra tem e elas não. Não precisam de lutar, porque cada uma de vocês é diferente, cada uma de vocês é bonita à sua maneira, cada uma de vocês usa o que quer, e as outras não têm de se pronunciar, gozar ou criticar. Vestem-se como gostam, calçam-se como gostam, usam o que mais gostam. O mais importante deste concurso é o encontro, a união, a competição saudável, a felicidade, a diversão, a  vida, o reencontro! Não precisam de ter inveja umas das outras, nem de se imitarem umas às outras, só porque elas ganharam. Todos os anos ganham meninas diferentes, por isso, o que conta não é o concurso, é o que aprendem com ele, o estarem juntas. Estão todas muito bonitas, são todas muito bonitas e não é só neste dia, são todos os dias, porque têm bons corações, gostam de ajudar os outros, e são boas meninas. Isso sim, é o mais importante. Sejam felizes todas, o resto do ano, e até para o ano! Obrigada a todas. Obrigada aos pais que ajudaram, e obrigada às meninas por todo o esforço e empenho! 

   Isso não consolava as bruxinhas nessa noite, mas nos dias seguintes eram carinhosas umas com as outras, e tudo voltava ao normal. 

                                                           FIM 

                                                       Lara Rocha 

                                                       24/Outubro/2022

        

sábado, 15 de outubro de 2022

O choro da chuva melancólica

 


        Era uma vez uma menina que tinha um poder especial: tanto fazia chover como fazia dar sol. Sempre que passava pela sua cidade, via caras compridas, olhos tristes, vazios, gritos, discussões por tudo e por nada. 

        Quando ouvia notícias na TV, e conversas entre pessoas que só se queixavam umas às outras, só falavam de desgraças, doenças e coisas más, ao fim de algumas horas ficava tristonha e melancólica. 

        Então, para descarregar toda a sua tristeza, chorava, e a Deusa Melancólica absorvia todas as suas lágrimas, fabricando nuvens com elas. Quando estas nuvens estavam muito carregadas, prestes a explodir de tantas lágrimas, havia chuva em muitos pontos do mundo, e às vezes, chuva torrencial. 

        Quando ouvia coisas boas, via sorrisos e risos puros, inocentes, abraços, beijos, palavras bonitas,  boas notícias, brilhava um sol gigante à sua volta, que tornava os seus cabelos e os seus olhos mais luminosos. A Deusa Melancólica sorria e mandava sol para todo o planeta. 

        Ficava tão bonita e especial que toda a gente olhava para ela com um sorriso, e a Deus Melancólica ficava a descansar. As duas eram grandes amigas: a menina e a Deusa Melancólica, uns dias conversavam durante muito tempo, outras vezes, a Deusa Melancólica também chorava um choro melancólico. 

        Este choro melancólico era enviado para a terra, quando havia neblina baixa, nuvens, nevoeiro, orvalho ou chuva miudinha sobre as cidades. Nesses dias e noites, a menina também chorava um choro melancólico com a Deusa Melancólica, ficando em casa, com ar triste, a olhar para a janela, a espreitar, a imaginar o que estaria por trás do choro melancólico da Deusa Melancólica. 

        Elas partilhavam os seus grandes choros, e choros melancólicos, uma com a outra, gostavam mais dos dias de sol, mas encontravam beleza e mistério nas noites em que o choro melancólico se espalhava pelas cidades e cobria as praias, os rios, as praças, os montes...tudo! 

       Porque é que a Deusa Melancólica faria isso? Ela não sabia explicar, só sabia que às vezes sentia-se melancólica, por isso, tinha de a tirar de si, se não, fazia mal à sua saúde, e ficava de mau humor, chorava muito, e reclamava tanto como as pessoas da cidade onde vivia a sua amiga, e muitas outras. 

        Ao partilhar com a sua amiga, e com os outros, a Deusa Melancólica ficava  mais leve, e a seguir o sol brilhava, nem que fosse só à sua volta, tal como acontecia com a menina, e connosco, que também nos faz bem falar com alguém sobre as nossas tristezas, desgostos e melancolias. 

        As duas davam abraços, e reforçavam as suas luzes, com esse carinho, para não se sentirem tão tristes com tantas coisas más que viam e ouviam. 

E vocês, o que fazem para aliviar a melancolia, e a tristeza?

Gostam mais dos dias de sol ou de chuva? 

                                                    FIM 

                                                Lara Rocha 

                                                15/Outubro/2022

terça-feira, 11 de outubro de 2022

A lição do caracol



     Era uma vez um grupo de crianças que foi para o ar livre passear, apanhar sol, brincar, e viram uma casca de caracol.

- Está aqui um caracol. - grita uma educadora 

    Todos os meninos começam a gritar numa grande alegria. O caracol dentro da sua casa resmunga: 

- Estavas melhor a dormir um sono, em vez de chamar essa gente toda. Devem ser milhares deles, com esta gritaria. Até a minha casa abana. O que teremos nós, caracóis, demais para fazerem tanto escândalo? 

- Vamos cantar a ver se ele aparece! - sugere a educadora 

- Não acredito na ideia tão idiota que tiveste agora...podias estar a brincar com essa gente toda! - murmura o caracol dentro da sua casa

  Cantam todos em coro, numa grande gritaria: 

- Caracol, caracol, põe os corninhos ao sol.

    Gritam tanto que a casa do caracol vira de lado. 

- Mas o que é que aconteceu aqui? - pergunta o caracol ao sentir virar-se. 

    Todas as crianças riem. 

- Olha, virou…! - diz a educadora 

    Todas as crianças riem. 

- Qual é a piada ter a casa virada? E se fosse a tua, ou se fosses tu ou a tua casa viradas ao contrário? Tinha muita piada, não tinha? És pior do que eles todos juntos. - resmunga o caracol 

- Aparece caracol! - pede a educadora 

- Caracol, caracol, põe os corninhos ao sol! - cantam todos outra vez a gritar 

- Era só o que faltava. Depois destes gritos todos, se eu saio, até me comem. Não me apetece sair. 

- Vá lá, caracol, caracoleta, caracolinho, sai lá da tua conchinha… - pede docemente uma menina

- Olha-me esta, acha que me convence com esta vozinha, sim, sim, vais ter sorte! - resmunga o caracol 

- Sim, aparece caracol, caracoleta, caracolinho. - diz outro menino 

- Insultam-me, gritam, até viram a minha concha, e ainda querem que eu saio. Saio nada. Portem-se como gente, comigo, e vou pensar, depois, se vou sair ou não. - resmunga o caracol

- Parece que o caracol está a dormir... - diz a educadora 

- Vamos cantar mais baixinho, a música do caracol a ver se desta vez ele sai. - sugere outra educadora

    A outra educadora endireita-lhe a casa, e cantam mais baixinho, em coro: 

- Caracol, caracol, põe os corninhos ao sol! 

- Mas para que estes querem ver os meus corninhos…? Que chatos! Pelo menos agora não gritaram, mesmo assim, não vou sair agora com este calor.

- Olhem, vamos voltar mais tarde, para ver se ele está acordado da próxima vez. 

    Eles vão brincar outra vez, e o caracol respira de alívio, mais descansado, põe a cabecita de fora. 

- Tanta gente! - repara o caracol 

    E quando um menino repara, está o caracol com os corninhos ao sol, que grita aos outros: 

- Olhem, olhem, o caracol está ali com os corninhos ao sol. 

- Óh, não...apanharam-me distraído. E agora? Estavas tão bem a brincar. 

    Vão todos a correr aos gritos, a cantar a canção do caracol, este tenta esconder-se, mas as crianças foram mais rápidas, e o caracol tenta fugir.

    As crianças ficam a apreciar. 

- Ei, vai mesmo devagar. - observa uma criança 

- Ao contrário de vocês que andam sempre a correr por tudo e por nada! - responde o caracol 

- Porque é que tu andas sempre tão devagar? - pergunta uma menina 

-  Se andasses com a casa às costas, queria ver se conseguias andar depressa, ou se fosses caracol, que remédio tinhas, andar devagar. E vocês porque é que andam sempre a correr? - responde e pergunta o caracol 

- Não sei! - respondem todos 

- Somos diferentes! - responde uma educadora 

- Eu falo e vocês gritam, porquê? - pergunta o caracol?  

- Excelente pergunta, caracol! Nós perguntamos isso muitas vezes aos meninos, dizemos que eles não precisam de estar aos gritos uns com os outros. - comenta uma educadora 

- Pois não. Eu odeio gritos! É por isso que nem saio quando se põem aos gritos comigo. Não sei quem teve essa ideia infeliz de inventar a chamada de caracóis dessa maneira! É ofensivo! 

- Estão a ouvir meninos e meninas? O caracol tem toda a razão, também não gosta de gritos. 

- comenta outra educadora 

- E disse uma coisa muito importante: não precisamos de gritar, para conversarmos, não é, caracol? - pergunta outra educadora 

- Pois claro! - confirma o caracol 

- Devíamos aprender com o caracol. A não falar aos gritos, e aprender a andar mais devagar. - sugere uma educadora

- Boa ideia. - diz o caracol e todas as educadoras

- Vão ver coisas muito bonitas, e ouvir sons ainda mais bonitos, se deixarem de correr e de gritar. Experimentem!- convida o caracol 

- Obrigado, caracol, com o que acabaste de nos ensinar! - diz uma educadora a sorrir 

- Áh! Que lindo sorriso. Ensinei? - elogia o caracol e pergunta surpreso 

- Sim, foi muito bom teres aparecido, e o que nos ensinaste. Vamos experimentar! Até logo...meninos, digam obrigado ao caracol, e noutro dia, vimos aqui contar como foi o que ele nos ensinou. 

    Mesmo sem perceberem o que é que o caracol tinha ensinado, agradeceram, e foram com as educadoras fazer o jogo do silêncio. 

    O caracol estava deliciado a apanhar sol fora da sua casca e a ouvir os pequenos em silêncio. 

  Depois, fizeram o jogo de andar muito devagar e em silêncio, e quando chegaram à sala, estavam todos calmos, cansados.

  Aprenderam a falar mais baixo, e as educadoras escrevem o que cada um viu e ouviu. Quando voltaram a encontrar-se com o caracol contaram-lhe tudo o que viram e ouviram, sem gritar. 

    O caracol ouviu-os com um doce sorriso, e partilhou com eles, tudo o que ouvia, tudo o que via por andar devagar. 

    Os meninos quiseram levá-lo para o jardim da sala, até construíram uma casinha abrigo para ele se refugiar do calor, do frio e da chuva. 

    O caracol aceitou, adorou aquele lugar com erva fresca e macia, ouvia as crianças, mas já não os gritos delas, entrava e saía da casa sempre que queria, alimentava-se, os meninos e as educadoras, iam todos os dias dar-lhe os bons dias, sem gritar, e ele respondia com um grande sorriso. 

   O caracol ensinou coisas muito importantes, e tornou-se um grande amigo, companheiro de brincadeiras das crianças, de conversas, mimos, e risos. 

  Todos os dias poderíamos ser como os caracóis, para andarmos devagar como eles, sentir o sol, a chuva, o vento. 

   Ver tudo o que temos de delicioso à nossa frente, à nossa volta, e ouvir sons que nem fazemos ideia existirem, quando só se ouvem gritos, buzinas, carros, sirenes, e outros barulhos irritantes. 

    Nem que fosse só por alguns momentos! 

Já fizeram os jogos do silêncio, e do andar devagar? Registem tudo o que veem e ouvem, andando devagar, e estando em silêncio. 

Áh: e não precisamos de estar todos aos gritos dentro do mesmo espaço. 

Então, o que ensinou o caracol? Podem deixar nos comentários :) 

                    Fim 

                                              Lara Rocha 

                                           11/Outubro/2022 

                                             

As ofertas da Natureza

         Era uma vez duas meninas que adoravam brincos, e faziam-nos com objetos típicos de cada estação do ano. Na Primavera e no Verão,  os brincos, e colares eram feitos de flores coloridas, que depois de secas colavam-nas nos chapéus, em carteiras, roupas, e sapatos. 

        No Verão, além dos lindos fios de flores do campo, elas usavam conchas, pedrinhas, para os brincos, búzios para brincos, colares, pregavam e colavam em chapéus, roupas, sapatos, carteiras. 

        No Outono, usavam uvas para fazer sabonetes com as tias, cremes bons para a pele, champôs, e compotas de castanhas, nozes, aproveitando as suas cascas (das nozes e das castanhas), as folhas de todas as cores, que caiam das árvores, pauzinhos, para objetos de decoração, onde colavam brilhantes e pedrinhas ou pintavam. 

        No Inverno aproveitavam o azevinho e as pinhas para decorar brincos, colares, roupas, chapéus, frascos, caixas de madeira. As tias, as mães e as Avós, davam uma ajuda preciosa, ao transformar em coisas tão bonitas, até pintadas em tecidos para sacos e toalhas de mesa. 

        Mas tinham sempre sócios que lhes roubavam coisas para comer, os passarinhos, picavam a fruta deliciosa, além de borboletas, abelhas, joaninhas, e outros insetos que voavam e pousavam em tudo o que era flores. 

        Tiveram de inventar um esconderijo e uma maneira de proteger o que faziam, pondo plásticos e tecidos com cheiros desagradáveis que só os insetos sentiam, e afugentavam-nos.

        Uma das meninas ficou com pena dos animais, quando os viu famintos, a fazer uma grande chilreada, e esvoaçar nervosos, as borboletas e as abelhas desesperadas a voar e a cair, mal dispostas e com fome, por não terem flores. 

        Disse à sua amiga com quem fazia todas as coisas tão bonitas e tiveram uma ideia: 

- Sabes, eu não gosto que eles nos comam as coisas com que fazemos os nossos trabalhos, mas também tenho pena delas, coitadinhas, ali cheias de fome! 

- Eu também! 

        Ouvem uma voz pequenina: 

- Eu chego para todos! 

- Quem falou? 

- Eu não disse nada! 

- Nem eu! 

- Mas ouvi alguém a dizer que chega para todos... 

- Acho que foi da nossa imaginação, como diz a minha Avó. 

- É. A minha avó também diz isso muitas vezes. 

- Mas acho que ouvimos a mesma coisa. 

- Sim, e acho que tem razão! 

- Nós temos comida, elas também precisam! 

- Pois é! E que alegria termos comida, porque muitos meninos pelo mundo fora não têm. 

- É mesmo! É muito triste, e ainda há meninos que acham que são ricos e desperdiçam comida. Quem dera a esses meninos que não têm comida, o que eles desperdiçam, como os daqui da cidade, que vemos. 

- É isso. 

- Já sei! Para eles não nos comerem as coisas, deixamos pratinhos com comida para eles. 

- Boa! Aquelas que não usamos para as nossas coisas! 

- Isso! Como temos outros materiais, podemos partilhar, se não, um dia destas elas até nos devoram. 

(As duas riem) 

- Pois, e não sobra nada! 

- Que medo! - dizem as duas e riem 

        Juntaram aquelas flores qua não usavam: 

- Achas que elas comem isto assim...? 

- Claro que sim, elas não são esquisitas! 

        Juntaram flores que estavam mais murchas, numa fonte de água sempre a correr e fresca, as uvas também puseram algumas, e fizeram um acordo: 

- Meninas insetas, e meninos insetos, passarinhos, venham cá. Vamos fazer um acordo. Vocês deixam de comer as nossas coisas, e nós deixamos-vos aí comida e bebida, combinado? - diz uma menina 

- Não comam as nossas, por favor! - implora a outra menina 

- Nem andem à nossa volta, abelhas e outras, porque temos medo de vocês! 

(As abelhas riem) 

- Passarinhos...parem de comer as nossas uvas, vocês têm muitas aí à disposição. 

- Chega para todos! - diz outra vez uma voz pequenina

- Áh! Esta frase foi a que ouvimos...! - dizem as duas 

- A imaginação das crianças é demais... - todos os insetos riem e comentam entre eles  

- Claro que chega para todos. 

        Os insetos e os passarinhos saltitam, zumbem de alegria, voam felizes, e aceitam o acordo. Assim, as meninas puderam continuar a fazer todas as coisas bonitas, que os pais vendiam numa feira semanal para ajudar, os insetos e os passarinhos, todos os animais voaram  felizes, livres, com alimento e bebida à farta, sem atrapalhar o trabalho das meninas. 

        Para agradecer, algumas abelhas traziam pólen e enchiam frasquinhos a pedido das tias, das mães e das avós, para que pudessem fazer mel, compotas, bolos e rebuçados da melhor qualidade. 

        Era assim que aproveitavam tudo o que a Natureza lhes dava. 

- De quem acham que era a voz que elas ouviram, mas não viram ninguém? 

Podem deixar as respostas nos comentários. 

                                          Lara Rocha 

                                       24/Setembro/2022  

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

A cartola do sapo




        
Era uma vez um rapazola que ia a passar sem pressa por um campo com a sua flauta numa mochila. 

     Viu um sapo a saltar de um riacho com uma sacola, e perguntou: 

- Sapo, sapola, o que trazes nessa sacola? 

     O sapo não gostou nada de ser chamado por sapola, e respondeu: 

- Óh rapazola, chamaste-me sapola, vais ficar sem saber o que levo na sacola. E tu, rapazola, o que levas na mochila? 

- Desculpa sapola...quer dizer, sapeco...levo uma flauta na mochila. 

- Mau…! Agora chamas-me sapeco?! Não estou a achar piada nenhuma! 

- Desculpa...sapoide! 

- E continuas a chamar-me nomes feios?! Que chato. Sou sapo! Vai lá passear com a tua lá o que é, na mochila, que eu não tenho paciência para quem me chama nomes. 

- É flauta! 

- Agora sou flauta? 

- Não, estou a dizer que levo uma flauta na mochila, tu mandaste-me passear com ela, e não lhe chamaste flauta, ela não ficou zangada. E eu também não fiquei zangado, é o que me chamam! E sou um rapaz ainda novo. 

- Mas eu sou um sapo, e ponto final. 

- Vá lá, desculpa sa...sapo! 

- Áh! Assim está melhor. 

- Mas então o que levas na sacola? 

- Levo uma cartola, e tu? 

- Uma cartola? Uau! Eu levo uma flauta. Posso ver a tua cartola posta na tua cabeça horrorosa de sapo? - pergunta o rapaz 

- O que é que estás a dizer da minha cartola...? - pergunta o sapo irritado 

- Só pedi para pores a cartola, por favor, só para eu ver como fica, é que nunca vi um sapão tão grandalhão com uma cartola. 

- Tu pareces educado, e de repente estragas tudo...! Só por isso não a ponho. 

- Vá lá. Por favor...! Não te quis ofender, mas és realmente um sapo enorme, e nunca vi nenhum de cartola. 

- Eu não sou um sapo qualquer! E esta não é uma cartola qualquer... 

- Põe-na, por favor! 

        O sapo quase se nega a pôr a cartola, mas põe, e dobra os lados, para segurar. O rapaz dá umas sonoras gargalhadas. 

- Que cartola horrorosa! Parece um saco de atar, ou um chapéu com orelhas, daqueles países frios...que coisa tão feia, isso nem parece uma cartola! Parece um capacete da idade da pedra, ou do século passado. Se eu usava isso! - diz à gargalhada

       O sapo fica irritado, tira a cartola, tira de lá uma bola e atira-a com força para a cabeça do rapazola, que se senta com o impacto da bola: 

- Pega lá uma bola, nessa tola, para não dizeres mal da minha cartola, seu antipático! Achas que te fica bem, dizer isso na cara de alguém?! 

- Ei, que mau feitio sapola…! Levas tudo tão a sério…! Até dizemos coisas piores uns aos outros, mas é a brincar. 

- Claro, claro, a brincar, e depois andam ao murro e à chapada, ou ao pontapé, como eu já vi, quando chamam coisas que eu prefiro nem saber o que é, mas...claro...é na brincadeira! Vocês, humanos...são uma coisa do outro mundo! 

- Sim, é verdade, somos diferentes dos sapos! Somos humanos. 

- Duvido que sejam melhores que sapos, ou mais bonitos que nós! 

- Isso de beleza, há de tudo! 

- Não estou habituado a que me chamem nomes, nem a que digam mal da minha cartola. - reclama o sapo 

- De onde saiu essa bola que me acertou em cheio na tola? - pergunta o rapaz meio atordoado

- Saiu da cartola que tu disseste que era horrorosa, que parecia um saco com orelhas, e são orelhas, para segurar quando a ponho na cabeça! Mas garanto-te que não é uma cartola qualquer. 

- Bela pontaria! Desculpa…! Acho que já percebi. É feia, mas é mágica! - diz o rapazola 

- Queres levar com outra coisa na tola? Vê lá…! - ameaça o sapo irritado - Voltando ao que tu trazes, para não me irritar mais, e não te mandar uma coisa pior: disseste que trazes uma flauta? Não sei o que é isso! 

- Posso tocar alguma coisa, para tu veres…! Huuuummmm, já sei. 

- Óh, sim, por favor! Muito obrigado. 

        O rapaz tira a flauta da mochila e toca uma bela melodia para o sapo. O sapo solta exclamações de encanto e de espanto. 

- Áh! Que som tão bonito. É difícil tocar isso? 

- Obrigado. Bem...eu já toco há muito tempo, não é difícil, mas no início sim, foi um bocadinho. 

- É preciso umas boas guelras, não? 

- Não. Nós não temos guelras, temos pulmões. Quer dizer quanto melhor respiramos, melhor tocamos, mas também não podemos soprar demais senão fica um som muito agudo e incomoda! 

- Óh, agudo é melhor não, se não acordamos os animais que estão a dormir. 

- Áh, sim, claro.

     Outra gargalhada do rapazola a gozar com a cartola do sapo, e comenta: 

- Essa cartola, ou lá o que é, que parece tudo menos uma cartola, e feia, está cheia de coisas, estou a ver! 

- Ai queres ver mais…? - nunca vi um humano tão provocador como este, mas eu não me calo! Pega lá…!

   Quando o sapo vasculha a cartola, para procurar outra coisa e atirar ao rapaz, que ri à gargalhada, e o sapo furioso, passa um ganso patola, a fugir de alguém que ia com uma gaiola para o prender, a quem tinham calçado umas botas. 

- Safei-me! Obrigado, pateco. - diz o rapazola às gargalhadas 

- Até com o ganso patola és atrevido! - resmunga o sapo 

     Ia tão aflito e tão zangado por não saber andar nelas, que resmungou, tentou desviar a bola, mas deu um valente trambolhão, rebolou e ficou virado para cima. 

- Então patola, o que aconteceu?

- Óh, por favor, ajudem-me, vem atrás de mim uns homens com uma gaiola e calçaram-me esta porcaria que nem sei o que é, nem consigo andar nelas. Por favor, escondam-me e se passarem por aqui, digam que não me viram! Onde me posso esconder. 

- Ali. - diz o sapo, pondo um anexo num tronco da árvore, da mesma largura, e cor, que tirou da cartola. - Fica calado, aí estás seguro, mesmo assim não faças barulho. 

- Eles vem aí. - diz o rapazola surpreso com a magia do sapo 

     Aproximam-se uns homens mal encarados, irritados e aos gritos perguntam: 

- Viram passar aqui um ganso patola, com umas botas nas patas? 

- Não! - respondeu o sapo e o rapazola 

- Isso são maneiras de falar connosco? - perguntou o sapo 

     E o rapazola dá uma sopradela irritante, e aguda na flauta. Os homens começam aos gritos, o sapo encolhe-se todo, e grita:

- Deixem os gansos patolas em paz. Vão caçar carrapatos, ou ervas daninhas… nojentos! Fora daqui… 

   Os homens começam a correr sem olhar para trás, irritados, e o ganso patola respira de alívio: 

- Ufa. Foi por pouco. Muito obrigado. Viram a cara deles…? Que medo! 

- Está descansado, já estás em segurança. 

- Quem deu aquele grito estridente que pareciam vidros a partir? - pergunta o ganso patola 

- Foi o rapazola com a sua flauta. - diz o sapo 

- Áh. 

- Deixa-me tirar-te essas botas… - diz o sapo ao patola 

     O sapo tira as botas ao ganso patola. 

- Áh, que bom. Muito obrigado. 

- O que vais fazer com elas, sapeco? 

- Vou atirar-tas com elas! Há bocado escapaste, mas desta não escapas.

     O sapo atira as botas que o ganso patola tinha calçadas, mas o rapazola já se defendeu delas, e quando estavam quase a acertar-lhe, ele devia-se, e não leva com elas. 

- Chamas-me mais uma coisas dessas e meto-te na cartola, óh rapazola. Verás em que é que te transformo. - diz o sapo irritado. 

    O rapazola ri-se, o sapo apanha as botas, zangado, põe-nas na cartola abana-a e sai uma camisola. 

- Oferece esta camisola a quem precise, óh rapazola. Ou então fica tu com ela para ver se deixas de me chamar nomes feios. 

- Óh! Muito obrigado, sapo. 

      O sapo abana outra vez a cartola, e cai de lá uma gaiola.

- Toca aí, qualquer coisa óh rapazola, para chamar os pássaros, por favor.

- É para já, sapeco, sapola, sapão, sapalhão... - diz o rapazola a rir 

- Ai, ai, ai, ai....queres ser tu o primeiro a ir para lá? - resmunga o sapo 

- Desculpa

       Ri o rapazola e toca uma melodia tão suave, que chegam centenas de pássaros aos bandos, embalados pela música e entram na gaiola. 

    O sapo, e o ganso patola abrem um grande sorriso. È uma gaiola gigante para os pássaros de abrigarem. Os pássaros agradecem numa grande sinfonia de chilreada e oferecem um bailado ao fim do dia, tão espetacular como numa antes tinham visto. 

     O sapo abana outra vez a cartola e cai de lá um gafanhoto saltitão, que pousa no cabelo do rapazola, este desata aos gritos e tenta bater-lhe com a flauta. O sapo e o ganso riem à gargalhada. 

- Socorro, sapo, sapoide, sapola, sapão, tira esta porcaria daqui de cima de mim. 

  O sapo ficou irritado que soltou mais uns quantos gafanhotos, e ri à gargalhada com o ganso ao ver o escândalo que o rapazola estava a fazer por causa dos gafanhotos. 

- É para ver se aprendes a chamar o meu nome e não esses que dizes! 

      Tirou da cartola um sardão com uma língua tão comprida que parecia um chicote e deu uma sapatada na cabeça do rapazote. 

   Os gafanhotos fogem o mais rápido que podem, porque sentem muito medo de sardões, o rapazote tenta afugentar o sardão com a música. E consegue! 

    O ganso patola dá um pontapé a um chapéu que vai para à cabeça de uma menina que andava à procura dele. 

- Ei, como é que ele veio aqui parar? 

- Menina, queres esta camisola? Foi o sapalhão...sapo, sapola, sapoide, sapão que o tirou da cartola. 

  O sapo respira fundo ruidosamente, para se controlar, por respeito à menina: 

- Queres que tire alguma coisa da cartola, menina? 

- Podes tirar uma linda boneca para mim, por favor? 

- É para já! Uma boneca linda como tu… 

- Obrigado! - diz a menina a sorrir 

      Remexe a cartola, e sai de lá uma linda boneca. A menina fica muito surpresa e pergunta: 

- Como fizeste isso? Tu és um sapo mágico…? 

        O sapo sorri, e pergunta: 

- Gostas desta ou queres outra? 

- Gosto desta. Muito obrigado. Até parece que adivinhaste os meus gostos. 

        O sapo ri. 

- Sapola...ahhhh....quer dizer....sapo, que tal se fizermos um lanche? - sugere o rapazola 

     O sapo quase explode, até sai fumo, e os olhos quase saem das órbitas, mas controla-se: 

- Eu…a ti, rapazola, dava-te um lanche especial...mas...hummmm....parece-me bem! 

- Boa! - diz a menina 

- Áh! Soa bem, já estou com fome - diz o ganso patola

- O que é que cada um gosta? - pergunta o sapo 

       Cada um diz o que gosta, o sapo agira a cartola e retira de lá tudo o que todos gostam para o lanche. Conversam alegremente, riem, e o rapazola toca várias músicas com a sua flauta, o sapo tira outros instrumentos musicais da cartola, que cada um mais aprecia. 

        Juntam-se mais outros à festa, cantam, dançam, batem palmas, riem, os cães e os lobos acompanham a uivar, e a ladrar, os passarinhos a chilrear, as crianças, os pais e os avós recebem balões, flores, doces, bonecas, carrinhos, tirados da cartola do sapo. 

- Quais são as palavras que rimam? 

- Acham que o rapazola agiu bem com o sapo? (sim, não, porquê) 

- Se vocês fossem o sapo, o que faziam? Como respondiam? 

- E se vocês fossem o rapaz? 

- Como lhe diziam que ele não estava a ser amigo do sapo? 

- O que tiravam da cartola, se tivessem uma cartola como a do sapo? 

                

                                         FIM 
                                                   Lara Rocha 

               6/Outubro/2022