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quinta-feira, 6 de outubro de 2022

vai vento vai, uns anos mais tarde - monólogo

 


foto de Lara Rocha 

   
Estava eu a arrumar uns papéis e encontrei estas frases: Vai vento, vai…Leva a minha dor, a tristeza e a solidão. Sim, era isso que eu queria, há uma série de anos atrás, já lhes perdi a conta. 

    Era dirigida àquele ser sem classificação que me roubou o coração, e expressava a minha raiva por não querer esperar, nem dar segunda oportunidade das coisas melhorarem. O meu primeiro e único amor. 

      Para mim, estava tudo bem entre nós, estávamo-nos a dar muito bem, a fazer planos, sonhos para o futuro, desejos a dois, ilusões! Tudo não passou de bons momentos sonhados a dois, numa fase em que a paixão estava no auge. 

       Mal eu sabia ou sequer imaginava que esta se ia apagar a seguir, depois de me pedir em casamento. Vejam só. Eu aceitei, claro, tínhamos planeado quando as coisas estivessem estáveis no emprego, e outras áreas, para começar uma vida a dois, onde havia amor. 

    Claro. Mais uma ilusão! Eu acreditava que havia amor, santa inocência! Decidiu deixar-me uma semana depois do pedido de casamento, que coisa...e eu pedi ao vento, na fase de mais tristeza: Vai, vento vai...leva tudo isso, e sopra no ouvido dele, que ainda o amo, que ainda o quero. 

    Cruzes! Parecia uma adolescente influenciada pelo Romeu e Julieta, ou do Infante Pedro e Dona Inês de Castro. Onde já se viu? Desde quando é que eu ia amar alguém que me tinha deixado, pouco depois de me ter pedido em casamento? 

    Não teria nada na cabeça. Não, não era eu a falar, era a minha ilusão, a minha tristeza, a minha solidão, a minha raiva, a minha identidade a desmoronar-se, para eu recomeçar do zero. 

    O vento não seria normal se soprasse isso ao ouvido dessa criatura incógnita! Ainda bem que ele não fez isso, caso contrário, acho que até o vento me virava ao contrário, tipo furacão de raiva pelo que lhe estava a pedir, e eu dar-lhe-ia toda a razão. 

    Essa agora…? Depois de levar um arco enfeitado de hastes, tipo andor de caça na cabeça, ainda ia pedir ao vento para lhe soprar isso!? 

    Onde estava com a cabeça? Bem, acho que no mesmo lugar, mas vazia, para fazer um pedido desses ao vento, não podia estar recheada de miolo. E não. Eu senti-me desconhecida de mim mesma, estranha até a olhar para o espelho não me reconhecia. 

    Qual o amava, o quê? Desde quando? Qual o queria, o quê? Só se estivesse em curto circuito, estava, mas não cheguei a esse ponto, felizmente. 

    Pedi ao vento para lhe dizer que nunca é tarde para recomeçar...depende do que se recomeça, neste caso, nunca seria possível recomeçar, pelo menos com o mesmo pré-histórico. Para quê, e o que recomeçaria com ele? 

    Era só o que faltava. Ele sabia melhor que eu, caso nos zangássemos ou terminássemos a relação não teria volta de minha parte. 

    Aí, ele tinha toda a razão, nem fazia sentido, a única coisa que poderia recomeçar era eu devolver-lhe as hastes, até isso era perda de tempo, e gasto de energia com quem não merecia nem sequer as hastes, ou talvez...com outro tipo de adornos. 

    Depois do fim, nunca mais nos falamos, e ainda bem, porque as minhas poucas frases que lhe dirigi não foram simpáticas, nem podiam ser. 

    Ainda teve a ousadia de me convidar a conhecer a outra...só se fosse para eu cometer dois assassinatos. O meu ódio nesse dia com essa mensagem explodiu, ainda pensei duas vezes se ia ou não, mas decidi não ir, porque tenha a certeza que a coisa não ia correr bem.

    Sem vergonha! Passei num instante do amor ao ódio, sim, ódio, a palavra mais simpática para classificar o que senti nesse momento. Pedi ao vento que os levassem para o inferno, para um esgoto, para uma toca, para onde quisesse, que nojo que senti dele. 

    Escrevi ao vento e pedi-lhe, ainda sob o efeito da tristeza, que era possível voltar atrás, e corrigir os erros. Mas que coisa mais sem sentido, neste caso. 

    Não havia erros corrigíveis, o erro foi dele que estava faminto do que sabemos, e eu não o alimentei disso! A primeira cria que o satisfez, que lhe matou aquela fome, serviu. Em vez de esperar! Coitado. 

    Pedi ao vento, nos primeiros dias, que soprassem da cabeça dele, todas as dúvidas, pedi ao sol e à lua que o iluminassem e lhe mostrassem quem era a mulher da vida dele, eu. 

    A cabeça dele era anti vento, por fora, mas por dentro só tinha ar, o vento, o sol e a lua nem perderam tempo a tentar, e riram na minha cara, pela minha idiotice. 

    Eles tinham razão! Bem lhes pedi que lhe fizessem perceber que é sempre tempo e que vale a pena esperar por certas coisas. Sim, certas coisa, não certas...bolhas de ar em cabeças vazias, fracas, ele nunca ia perceber o que era esperar e porque é que era bom esperar por elas. 

    Esperar...o que é isso? Não faltava mais nada, que coisa da idade da pedra! Espera tu e é se queres, o problema é teu. Pedi ao vento para ir e levar o meu coração partido para junto dele...para quê? 

    Mas que ideia tão idiota que eu tive! Se ele estava partido, o que é que o miserável ia fazer com ele? Não tinha como o concertar, muito menos queria fazê-lo. 

    Eu também acho que não ia ter jeito para tal. Que estranho o meu pedido ao vento...leva-o e trá-lo de volta, a ele e ao meu coração reconstruído. 

    Ãhhh? Não devo ter sido eu que disse isto, devia ser a outra que existia antes, ela ia ter sorte, ia…! Passados estes anos todos, ainda não está colado, nem reconstruído ou colado, quanto mais nessa altura. 

    Mas que loucura! Pedi ao vento par ir e trazer de volta aquele sorriso que tanto me encantou. Tenho a certeza que não conseguia voltar a vê-lo, nem aquele sorriso que na altura gostei, mas rapidamente até o sorriso dele, me dava a volta às entranhas, tal como os olhos que eu achava lindos, agora não vejo onde estava a beleza, mas pronto, na altura foi o que vi, a pele branca. 

    A parte verdadeira, até acabar é que gostava daqueles lábios que me deixavam derretida, mas isso qualquer uma e qualquer um fica, enquanto está na fase do encantamento, e da paixão, que ofusca a realidade. 

    Os abraços bons, eu queria de volta, sim, é verdade, todos os que namoram gostam de abraços, e mesmo os de quem não namora, mas uns anos depois, percebi que já recebi abraços muito melhores do que os dele, de outras pessoas, que me transmitiram muito mais, que me preencheram de verdade, e não os dele. 

    O vento não atendeu ao meu pedido, ainda bem! Eu pedi-lhe que trouxesse os abraços dele de volta. Naaaa…! O vento estava a meu favor. 

    Pedi ao vento que fosse, e que levasse as recordações dos momentos inesquecíveis, para que também ele se lembrasse de mim. Racionalmente falando, e pensando uns anos depois, ele teria muito mais em que pensar, na nova...qualquer coisa que arranjou, não tinha tempo para se lembrar de mim, uma experiência, um ensaio, uma brincadeira cinematográfica. Já nem da minha cara se deve lembrar.

    Pedi ao vento que fosse, e que lhe puxasse muitos fios da saudade, no coração. Ui, que saudades que ele devia ter...nossa! Até dói imaginar. 

    Pedi ao vento que o fizesse lembrar de que o amava realmente. Daaaahhhhh...claro! É óbvio que eu não voltei a amá-lo depois do que me fez, mas a outra que existia antes desta eu, acreditava que sim. 

    E pedi ao vento que ele desse valor a quem o amava realmente. Pobre adolescente, ingénua, que achava que ainda tinha muita coisa para lhe dar, e pedi ao vento para lhe dizer isso. 

    É claro que o vento foi muito mais inteligente do que eu, e não disse, ele sabia que era tudo fantasia da minha cabeça, que era a tristeza a falar. 

    Tinha muita coisa boa para lhe dar, mas ele não quis, azar o dele, não ia ser o vento que o ia mudar, nem ia ser o vento que lhe ia dizer que ele comigo iria ser muito feliz. 

    Bem, uns anos mais tarde... o vento já o sabia...não...não iriamos ser felizes, porque se tivéssemos de ser felizes juntos, nunca nos tínhamos separado, e ele teria aguentado do meu lado, para vivermos o que tínhamos sonhado, planeado para os dois. 

    Mandei o vento, disse-lhe para soprar tudo isto ao ouvido dele, que ficaria à espera. Seria perda de tempo esperar? Com toda a certeza! 

    E foi, não esperei, rapidamente, o ódio não permitiu que eu esperasse, ao contrário dele que foi outro obstáculo. Perguntava muitas vezes ao vento: Será que vale a pena acreditar que ele ainda vai voltar? Será que posso acreditar que ainda vamos ser os dois muito felizes um com o outro? Que tudo isto que estamos a passar de mau, é um teste ao nosso amor, e vamos passar os dois? É só uma fase má, como todos os casais vivem, e vai passar? Ele vai voltar? Será que posso acreditar que o amor será mais forte e que há-de vencer? Por mim, sim. 

    Acreditava, acreditei, mas rapidamente perdi toda a ilusão, acreditava que o amor ia vencer...pedia ao vento para o fazer mudar de ideias, como se isso fosse possível, eu achava que sim! 

    Pedia ao vento que ele voltasse para mim. Felizmente nunca aconteceu! Pedia ao vento para lhe levar as minhas mensagens, mas nunca soube se as recebeu, provavelmente o vento não as entregou porque sabia que não ia valer a pena! 

    Dizia-lhe para ele tentar convencê-lo a ficar comigo, mas isso era impossível, e tinha esperança, mas pouco depois tive a certeza de que era impossível, e que nunca ia acontecer. 

    Ainda bem, o vento tinha razão, e sabia o que estava a fazer. Pedia ao vento que lhe dissesse para voltar para mim, que ia ser muito bom, e seriamos muito felizes. 

    Pedia ao vento para lhe dizer que era sempre possível voltar! Pedia-lhe que lhe assobiasse tudo o que eu sentia, talvez o vento lhe tivesse assobiado o que eu sentia de mau. 

    Imaginem só, o que eu pedia ao desgraçado do vento: Diz-lhe que é sempre possível voltar! Assobia-lhe tudo o que sinto…Grita-lhe que o amo, e que é sempre tempo de…Recomeçar. E o amor…vencerá. 

    Diz-lhe que não demore. Que estou aqui à espera dele…Que se ele voltar, eu perdoo-o…Vai, vento, vai…E traz de volta o meu amor…!

    Porque para mim, é sempre tempo de voltar e recomeçar, é sempre possível uma segunda oportunidade, para melhorar…se há amor! 

    Tanta inocência, tanto romantismo, tanta irrealidade. Alguma vez tal seria possível depois do que me fez? Se não há amor, nada é possível. 

    Com certeza. E não havia, nem do meu lado, nem do dele. Mas eu acreditava que ia renascer...mais forte, do lado dele! Pedia ao vento para lhe dizer que não há distância que separe quando dois corações se unem pelo amor...que bonito, não é? 

    Nos contos de fadas, em telenovelas, e filmes românticos. Não é preciso distância, basta estar no mesmo local de trabalho, com assanhadas, e crias esfomeadas para as coisas sérias irem pelos ares.

    Otário, ela estava a gozar contigo, estava carente e tu caíste que nem um pato! Ficou muita coisa por te mostrar, e tu a mim. Ficou muita coisa por viver a dois, muitos sonhos por realizar a dois, muita descoberta! 

    Tiveste pressa, monstro…! Conheces esta? Duvido, conheces a única coisa que te interessa e que eu não te dei. Em dois anos, conheceste essa melhor do que a mim, com quem namoraste 4...claro...é por isso que nas fotos irradiam carantonhas, principalmente tu, e ela, bem...não devias ter os óculos contigo!

    Bem disse ao vento que queria conhecer o teu lado mais romântico, mas ele sabia que não havia. Pedia ao vento que lhe mostrasse e que lhe levasse: a minha alma…o meu amor…Tudo…        Vai, vento, vai…Leva as minhas palavras, o meu coração, os meus olhos, a minha tristeza, a minha dor, as minhas lágrimas, a minha saudade, e os meus sonhos e desejos…Todo o meu ser…E traz o meu amor de volta, com o meu coração reconstruído, e as minhas lágrimas secas.

    Foi o que escolheste, foi o que perdeste, mas é mesmo assim que acontece! Ainda bem que o vento não me fez as vontades, nem te transmitiu as minhas mensagens, vontades, ou então, afogaste-as.         Nunca mais fui a mesma, tu não sei, nem quero saber, só sei que já vai há tanto tempo, e o que eu pedi ao vento deixou de fazer sentido pouco depois, mas o meu coração...esse...nunca mais foi o mesmo. 

       Transformei-me num cubo de gelo, em alguém que não era, nem imaginava ser,  parte do meu coração não sobreviveu, nem ressuscita com coisas boas, há sempre pedaços que nunca se colam, e voltam a partir, ponho cola, mas por vezes voltam a quebrar. 

    Mas se estás feliz é o que interessa...depois de tanto tempo, e apesar de tudo, peço ao vento agora que me leve para ti, a minha gratidão por todos os bons momentos que vivemos. 

    Disse-to na altura em que acabamos e muitas vezes durante o namoro, mas agora que nunca mais nos vimos, em que somos recordações (talvez vagas para ti), é a única coisa que peço ao vento...é que te entregue a minha gratidão! 

    Agora tudo não passa de boas recordações, e às vezes das más, do fim, da dor, da cratera que não fecha, está apenas adormecida e fechada em si própria. 

    Não peço mais nada ao vento! Vai em paz, vento, vai! 

    E tu também. 

                                                   Lara Rocha 

                                                    6/Outubro/2022 

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