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segunda-feira, 27 de março de 2017

A TRANSFORMAÇÃO DO GRANIZO

                                                              foto de Lara Rocha 

Era uma vez uma senhora de meia-idade, com uma grande família de filhos, que vivia sem o marido, pois este deixou-a com os 8 filhos e foi para o estrangeiro viver com outra senhora, ter outra família, sem nunca mais querer saber desta.
A senhora não se sentia sozinha, era corajosa, sorridente, embora às vezes à noite ficasse triste, e até lhe fugissem umas lágrimas dos seus lindos olhos azuis. Mas não se entregou à tristeza, e conseguiu juntar sempre, trabalhar, brincar e rir. Não lhes faltava nada.
Num dia de muita chuva, a senhora estava sozinha em casa, sentada a fazer malha, e de repente, quando olha para a janela vê um brilho diferente no vidro. Pensou que era impressão sua.  
Mas algo bateu no vidro, e fez muito barulho. Era uma tempestade de saraiva, pensou. Só que uma coisa muito estranha aconteceu: quando abriu a porta, as bolas que estavam no chão não lhe pareciam gelo. E não eram mesmo.
Quando pegou numa bola que pensava ser de gelo, esta era mole, de gelatina. Pegou noutra e sentiu que não era gelo, mas sim de borracha. Outra bola era de vidro, outra de pedra, outras de cristal de várias cores e outras de gelo transparentes com água.
Ficou muito surpresa e maravilhada com o que viu. As surpresas não acabaram aqui…levanta-se um vento muito forte, e com ele vem uma linda mulher que ela nunca tinha visto, que lhe diz para ela usar aquelas bolas todas, porque eram especiais.
A senhora quis saber mais, mas a mulher tinha desaparecido, deixando um rasto de arco-íris com as cores a cintilar.

- Mas…o que é que acabou de acontecer aqui? Quem era ela? Quem mandou estas bolas? Como é que eu as vou usar? Para quê? Porque é que ela desapareceu…ei…volta! – Diz a senhora assustada

A linda mulher aparece novamente com uma caixa de linhas, agulhas e fios.
- Áh! Voltaste…obrigada. Podes explicar-me o que aconteceu aqui? Quem mandou isto?

A mulher sorri.

- Claro…desculpa!

- Não caiu granizo?

- Caiu granizo.

- Mas onde estão as pedras de granizo?

- Estão lá fora.

- Estas não são pedras de granizo. Eu não pedi nada!

- Mas sempre agradeceste o que tinhas, e não tinhas muito.

- Pois não, mas acho que tinha o suficiente: saúde, os meus filhos que agora estão na vida deles, mais longe, mas continuam a passar por aqui, a visitar-me e tenho muito orgulho neles, que mesmo crescendo sem pai presente, sempre foram muito bons meninos, e nunca pediram nada.

- É verdade, sempre foram e são muito educados, respeitadores, trabalhadores, simpáticos. E tu sempre foste uma mãe exemplar, lutadora, generosa, protetora.

- Eu só queria que eles viessem para mais perto de mim, mas compreendo-os, e o que interessa é que eles não se esquecem de mim.

- Claro que não se esquecem. Nem nós nos esquecemos de ti! Foi por isso que te trouxemos isto!

- Mas quem são vocês?

- Somos os seres nos quais acreditas!

- Anjos?

- Sim!

- Fadas?

- Sim.

- Universo?

- Sim, todos fazemos parte do Universo, e tu também.

- Áh! Muito obrigada. Então isto é um prémio?

- Isso mesmo! Um prémio pela pessoa que és, pelas tuas lutas, pelas tuas conquistas, e por tudo o que fazes pelos teus filhos, pela tua coragem. Tudo isto é para te ajudar. Essas bolas são especiais. Tu tens umas mãos maravilhosas, faz tudo o que quiseres, e vende. São bolas da sorte. Tens linhas, agulhas, fios, podes fazer muita coisa bonita.

- Mas vou vender, onde? Agora ninguém compra nada.

- Compram. Quando as coisas são feitas com amor. Não te preocupes com nada…apenas faz! E gosta do que fazes.

- Está bem…

- O que precisares estou aqui. Estamos!

            A mulher desaparece. A senhora põe mãos à obra: apanha todas as bolinhas, volta para casa e começa a imaginar o que pode fazer com aquelas bolas todas. Começa por fazer uma manta de gotas de gelatina, a seguir camisolas, casacos e almofadas com gotas de gelatina, como se fosse renda, e umas fadas pequeninas constroem a manta.
Depois faz uma boneca de pano e olhos brilhantes. Faz brincos, fios, anéis e pulseiras com cristais e pedras de várias cores, pedras transparentes com água, bolas de vidro, para decoração, com bolas de gelatina a boiar.
Quando já tinha muitas coisas, foi para a cidade tentar vender, e para sua grande surpresa, quem passava ficava maravilhada. Num instante, em poucas horas tudo foi vendido e encheram a senhora de encomendas.
As fadas deram uma ajuda, elas próprias, inventaram outros objetos com bolas de madeira muito leve, muito coloridas de formatos diferentes, bolas de vidro transparentes com flores e pétalas e gotinhas dentro, criaram vestidos floridos, coloridos, chinelos de croché que algumas faziam, bordados de cristais, candeeiros de pedras que também desapareceram num instante.
Estavam sempre a inventar coisas novas. A senhora estava mesmo feliz, e passados alguns meses, os filhos voltaram a ficar mais perto dela, encheram-lhe a casa com os netos, com amigos deles e dos filhos, que também compraram muitas coisas e todos os dias, agradecia. Quanto mais agradecia, mais boas ideias tinha, e mais vendia.
É mesmo isso que acontece…quanto mais damos, quanto mais boas pessoas somos, mais coisas boas e especiais recebemos, mais cedo ou mais tarde, às vezes não da maneira que gostaríamos ou como estaríamos a pensar, mas de outras formas.  

FIM
Lálá

(27/Março/2017) 

domingo, 26 de março de 2017

Gigante e pequena

    

     Era uma vez uma menina que estava a conversar num grupo de amigos, e disse:
- Hoje acordei muito estranha!
- Porquê? – Perguntam todos
- Senti-me um gigante. Tinha dois metros de altura!
- Não pode ser. – Respondem todos
- Isso se calhar era a altura que gostavas de ter. – Comenta uma menina
- Não, não. Era mesmo a altura que tinha quando acordei. Dois metros!
- Como é que sabes?
- Porque fui-me medir à fita que tenho na porta do quarto, mas a fita é pequena. Ficou muito lá em baixo, e eu estava muito, muito lá em cima. A minha cabeça quase batia no teto, e a minha mãe disse que a porta do quarto tem dois metros de altura.
- Não pode ser.
- Vives num castelo?
- Não, vivo num apartamento. Mas a porta do quarto tem dois metros, porque a minha mãe disse, e o que ela diz é verdade. Se eu quase bati com a cabeça no teto é porque também estava com dois metros de altura.
- Mas como podes ter ficado com essa altura, se estás do mesmo tamanho que ontem. – Comenta um menino
- Não sei como, mas sei que esta manhã estava muito mais enorme. Estava gigante.
- O meu pai disse que não há ninguém que tenha dois metros de altura. – Garante um menino
- Lá isso é que há. Uns jogadores de basquetebol, que o meu Avô disse que tinham mais de dois metros, e o meu pai tem amigos que têm quase dois metros de altura, alguns ainda passam. Eu já os vi. – Diz a menina
- E o que fizeste para ficar desse tamanho? – Pergunta outra menina
- Só se comeste alguma coisa que te fez crescer de repente, como aqueles cogumelos dos desenhos animados, que uns fazem crescer, outros fazem mingar. Eu nunca vi ninguém como nós a comer esses cogumelos, muito menos a crescer e a diminuir no mesmo dia.
- Não comi nada, nem bebi nada, acho que também não andava nenhum bicho, nem fada…a não ser que tenha sido um monstro que entrou no quarto e deitou lá alguma coisa, que me fez aumentar e diminuir, mas não vi, só se ele fez isso enquanto eu estava a dormir. – Explica e pensa a menina
- Então o que pode ter acontecido? A mim nunca me aconteceu nada disso! – Garantem os amigos
- A mim também nunca me tinha acontecido antes, mas tenham cuidado porque pode-vos acontecer. – Alerta a menina
- Como é que sabes? – Perguntam todos
- Se aconteceu comigo, também pode acontecer convosco.
- Ou não! – Exclama outra menina
- Podes ter sido escolhida por alguém poderoso, para ver se esses poderes funcionavam em humanos. – Diz outra menina
- Achas? – Pergunta a menina
- Sim. – Responde a amiga
- Mas quem? Se eu não vi ninguém? – Garante a menina
- Não sei. – Diz a amiga
- O que viste lá de cima, com essa altura toda? – Pergunta um menino curioso
- Vi coisas pequenas. Eu era a única coisa gigante que havia, de resto, parecia que estava num quarto de anões.
- Como assim?
- Sim, um quarto onde eu pensava que era tudo grande, e afinal…era tudo muito pequeno. Tentei deitar-me na minha cama, mas não consegui, porque era tão comprida, que se me deitasse ela desmontava-se toda, e se calhar só dava para pousar a minha cabeça.
- E conseguias estar de pé?
- Conseguia, mas via todo o meu corpo com um tamanho gigante. Como aquele gigante dos desenhos animados.
- E o que fizeste? – Pergunta outra menina
- E depois como ficaste outra vez pequenina? – Pergunta outro menino
- São muitas perguntas, e todas muito difíceis de responder. – Responde a menina
- Só fizemos uma pergunta…
- Não. Fizeram duas.
- Não, eu fiz uma, e ele fez outra.
- Pois, por isso são duas…são muitas perguntas. Não sei como fiquei outra vez pequenina. Sei que enquanto estava gigante fiz muitas coisas. Andei por muitos sítios, curei muita gente, fiz os homens pararem com as armas, trocarem abraços, reconstrui casas. Limpei mares e rios, plantei árvores onde não havia, pus água nos desertos por onde passei, fiz aparecer muitos animais que já tinham desaparecido…aqueles lobos, peixes, espécies de pássaros que estavam a desaparecer, criei ventos muito fortes para varrer o lixo de muitas cidades, e eles levaram-no para muito longe. Andei por cima de vulcões, e atirei para lá água fria, para que quando aquelas chamas saíssem não queimassem o que encontrassem pela frente. Brinquei com crianças, fiz rir muitos velhinhos, dancei com outros gigantes, sorri, chorei e zanguei-me…
- Áh! Que lindo. – Exclamam todos
- E como foste para esses sítios todos? – Pergunta uma menina
- A pé! – Responde a menina
- E não se assustaram quando te viram? – Pergunta um menino  
- Não. Até acho que era invisível, mas fiz essas coisas todas e era mesmo gigante. Sentia-me mesmo enorme. – Responde a menina
- Fizeste isso tudo numa noite? – Pergunta outra menina
- Fiz.
- Tiveste muito trabalho! – Comenta outro menino
- Tive.
- Mas foi um trabalho bom e bonito.
- Pois foi.
- E depois como voltaste para o teu quarto?
- A pé! Quando achei que já tinha feito tudo.
- E fizeste tudo?
- Ainda ficou muita coisa por fazer.
- E os mares tinham muito lixo?
- Muito mesmo!
- Como curaste as pessoas?
- Lancei-lhes um raio com muitas luzes.
- E como conseguiste que os homens parassem com as armas?
- Falei com eles, disse-lhes que era muito triste o que eles estavam a fazer, e que era muito mau. Estavam a destruir o mundo e as pessoas, e que isso não se faz. Ordenei que eles parassem imediatamente com as armas, para verem e ouvirem as coisas bonitas da natureza, para verem e ouvirem o riso e as palavras bonitas das pessoas. Disse-lhes que não queríamos guerra, só queríamos coisas boas, e aquilo não era bom, disse-lhes que por causa deles havia muita gente triste. Depois disse-lhes que no fundo eram bons seres humanos, só tinham de parar com as armas, e mostrar que tinham bom coração.
- Mas se fazem mal, se usam armas, não têm bom coração!
- Pois não, mas eu quis mostrar-lhes que eles tinham, para ver se mudavam.
- E mudaram?
- Mudaram. Pousaram as armas, choraram, ajoelharam-se, olharam para o céu, pediram perdão não sei a quem, que estava talvez lá em cima, eu não vi, e abraçaram-se. Disse-lhes que não voltassem a fazer essas maldades.
- E eles?
- Prometeram que não voltariam a fazer mal.
- Achas que isso vai acontecer?
- Acho que sim. Eles prometeram.
- Não sei…
- Acho que não vão deixar de ser maus.
- Eu acho que vão.
- E se não mudarem?
- Vou ter de falar com eles outra vez…ou até…bater-lhes, ou pô-los de castigos.
- Podes tentar ficar outra vez gigante, e transformar as armas deles em alguma coisa boa, se eles voltarem a ser maus.
- Boa ideia.
- E os animais como apareceram outra vez?
- Fechei os olhos, pensei neles, estalei os dedos e eles apareceram.
- De onde?
- Não sei, estava de olhos fechados, não podia ver de onde saíram…só sei que depois de estalar os dedos, e abrir os olhos, eles estavam lá.
- Uau! – Exclamam todos
- Não estás cansada?
- Não!
- Fizeste tanta coisa, que não dormiste.
- É. Mas não estou cansada, nem com sono!
- E tens a certeza que estavas gigante?
- Tenho!
- E como ficaste outra vez pequena?
- Não me lembro. Quando abri os olhos estava gigante, e vi que o meu corpo estava mesmo muito gigante.
- Achas que também podemos ficar gigantes?
- Sim, se forem escolhidos por quem me escolheu…
- E quem te escolheu?
- Não sei. Mas alguém foi porque não ficamos assim gigantes às boas, ou só porque nos apetece.
- Claro, se foste escolhida é porque acharam que podias fazer muitas coisas boas. E fizeste.
- Pois. Se quiserem podem experimentar. Pode ser que algumas destas noites também se tornem gigantes.
- Eu gostava!
- Eu também gostei muito.
- Será que também podemos ficar com dois metros?
- Sim, ou mais. Eu tinha dois metros, mas acho que quanto mais andava e quantas mais coisas fazia, mais aumentava de tamanho.
- Uau!
- Só não sei como fiquei com esses tamanhos diferentes.
- Se te sentiste gigante, é porque aconteceu mesmo.
- Como, não sei.
Aproxima-se a professora e contam logo a novidade:
- Professora, a Mara esta noite ficou gigante.
- Com dois metros.
- E fez muitas coisas boas…
- Foi? Como aconteceu? – Pergunta a professora com um sorriso
- Sim…
E cada um conta o que a menina fez.
- Eu acho que já entendi… - diz a professora
- O quê? – Perguntam todos
- Acho que já sei como te transformaste em gigante e depois ficaste pequenina outra vez.
- A professora também viu?
- Vi.
- Como foi?
- Foi um sonho que tiveste, e sentiste-te gigante por teres feito essas coisas tão bonitas e tão boas.
- Um sonho? – Perguntam todos
- Sim! Quando fazemos coisas boas e bonitas, sentimo-nos gigantes, por dentro, com o coração feliz, e sentimo-nos orgulhosos, sorrimos, mas continuamos do mesmo tamanho por fora, de aspeto. O mais importante não é a altura que temos, mas o tamanho do coração, aquilo que ele tem de bom, e tudo o que sonhaste, Mara, é muito bom, muito bonito. Todos gostaríamos de poder fazer essas coisas todas, mas infelizmente não podemos…só nos sonhos, onde tudo é permitido. – diz a professora
- Óh! – Exclamam todos
- Então não aconteceu mesmo? – Pergunta a menina
- Não! – Responde a professora
- Então…continua tudo na mesma? Com guerra, com doentes, com natureza poluída e espécies a desaparecer…? – Pergunta outra menina
- Infelizmente sim! Mas enquanto sonhamos, as coisas são um bocadinho melhores! – Diz a professora
- Eu pensei que podíamos ser gigantes como nos desenhos animados, e ficarmos outra vez pequenos, e que podíamos fazer coisas boas!
- Podemos fazer coisas boas, mas nem todas, não porque não queremos, mas porque há outras coisas e nem todos os corações são bons. O mais importante é que o nosso coração seja bom, bonito, e gigante como vocês…todos podem ser, e são, gigantes de dois metros, ou mais. Vamos para a sala!
            E as crianças voltam para a sala.
FIM
Lálá
(26/Março/2017)


  

quinta-feira, 16 de março de 2017

Os porquinhos generosos




          Era uma vez uma pequenina aldeia de porquinhos que estavam muitas vezes tristes, porque tinham deixado de trabalhar. Eram animadores de rua, faziam lindos espectáculos pela cidade, recebiam muitas palmas, risos, sorrisos, e fotografias.
Estavam sempre a brincar, as rir e a provocar gargalhadas, sentiam-se realmente felizes quando viam todos a rir, até que as pessoas deixaram de reparar neles, ninguém mais olhou para eles, nem riam, nem aplaudiam. Passavam a correr, indiferentes aos simpáticos porquinhos, por isso, foram mandados embora, porque achavam que a culpa era deles.
Os porquinhos não percebiam porque é que as pessoas corriam tanto, não sabiam onde iam com tanta pressa, e porque não reparavam neles. Ficaram tão tristes, e passaram tanta vergonha, que não voltaram a sair da aldeia, preferiram ficar escondidos.
Os seus dias eram passados à janela, a olhar para longe, e para perto, perdidos nas recordações felizes que tinham dos espectáculos que davam na rua, dos carinhos, dos risos, das palmas e da atenção que recebiam de todos. Mesmo com essas boas lembranças, as lágrimas não paravam de cair.
Quando saiam, era só à volta de casa, pelo monte, nos campos, com um andar muito devagar, a soluçar, à procura de alguma coisa que nunca encontravam, e voltavam par a casa, para a janela.
Sempre que se encontravam e cruzavam-se, olhavam uns para os outros, levantavam as patinhas para cumprimentar, lá apareciam as lágrimas outra vez, e não diziam mais nada. Pensavam muitas vezes, no que podiam fazer, para não ficar sempre naquela tristeza, mas não se lembravam de nada, só queriam estar lá.
Um dia, uma senhora velhinha foi ter ao monte onde viviam os porquinhos, com um saco na mão, a andar muito devagar, a tossir, e a desequilibrar. Os porquinhos ficaram muito atentos, esconderam-se e espreitaram dentro das janelas para ver o que é que a senhora ia fazer. 
Até sentiram medo, mas ao mesmo tempo queriam ir ter com ela para ver se precisava de alguma coisa. A senhora soava, tremia, tossia…os porquinhos ficaram muito preocupados, e um deles perdeu a vergonha, esqueceu a tristeza, encheu-se de coragem, e saiu de casa, foi ter com ela, e perguntou preocupado:
- Boa tarde! Está tudo bem?
            A senhora sentou-se no chão, e o porquinho ampara-a.
- Ai…não estou nada bem. Nem sei onde estou! Acho que…estou perdida, e…
            O porquinho sentiu-a fraca e muito quente:
- Acho que está doente. Não se preocupe, vamos cuidar de si, e depois tentamos levá-la a casa.
            O porquinho assobia e aparecem todos os outros que estavam de olho, surpresos e preocupados.
- O que foi, amigo? – Perguntam todos em coro
- Acho que esta senhora está doente…!
- Vamos cuidar dela.
- Isso.
- Podemos levá-la para minha casa! – Oferece outro porquinho
            E todos ajudam a pegar na senhora, levando-a para casa do porquinho que se ofereceu.
- É melhor chamarmos o médico. – Diz outro porquinho, ligando imediatamente para o médico da aldeia vizinha que conhecia muito bem.
            Um porquinho dá um copo de água à senhora que tosse sem parar. A senhora bebe e agradece. Pouco depois chega o médico que a ausculta, todos os porquinhos estão muito atentos.
- Não é nada grave. É gripe. – Diz o médico
            Os porquinhos respiram de alívio, e enchem o médico de perguntas, sobre como cuidar da senhora. Ela não quer ficar, para não incomodar, mas os porquinhos não a deixam sair, e enquanto uns cozinham, outros conversam com a senhora. Dão-lhe de comer, e no final depois de muita conversa, a senhora descansa um pouco.
Os porquinhos passam o resto da tarde de volta dela, a olhar para ela ao mais pequeno movimento, ou barulho. Cumprem todas as ordens do médico, e tratam-na com muito carinho, cobrem-na, dão-lhe água, dão-lhe medicamentos, medem-lhe a temperatura, põem-lhe mais almofadas e mais cobertores, e conversam com ela.
À noite, depois do jantar, um dos porquinhos tem uma ideia:
- Amigos, acho que chegou a hora de reaparecermos…
- Como? – Perguntam todos
- Vamos animar a senhora.
- Como? – Perguntam todos
- Então…? O que é que nós fazíamos antes?
            Olham uns para os outros, suspiram, tristes…
- Achas que vamos conseguir? – Pergunta um porquinho com as lágrimas quase a cair dos olhos
- Claro que vamos conseguir! – Garante o porquinho
- Acho que já nem me lembro como se faz…! – Comenta outro porquinho triste
- Essas coisas nunca se esquecem!
- Pois não.
- Vá…toca a acordar. A senhora precisa de nós.
- Tenho tantas saudades… - Lamenta outro porquinho
- Por isso mesmo. Eu também tenho muitas saudades.
- Boa! – Gritam todos
            Chocam as patas, abrem um grande sorriso, reviram os caixotes dos disfarces, vestem roupas coloridas, pintam-se, e a brincadeira começa. A senhora fica muito surpresa, olha para eles, e os amigos atuam como se estivessem na rua, arrancando sonoras, saudáveis e luminosas gargalhadas à velhinha.
Ela ri e aplaude, interage com eles, participa das brincadeiras mesmo sentada, eles dão-lhe carinho, oferecem-lhe flores, e os seus olhos ganham um brilho nunca antes visto, de felicidade. Até fica boa mais depressa. Os porquinhos não cabiam neles próprios com tanta felicidade, pelas reações da velhinha, e por voltarem a fazer o que mais gostavam, até a senhora ficar bem.
Quando fica totalmente recuperada, lembra-se onde é a sua casa, mas fica triste, e os porquinhos também, porque vão separar-se, e estavam tão felizes, a gostar tanto de estar juntos…eles levaram a velhinha a casa, e esta convida-os a entrar. Combinaram e prometerem que voltariam à cidade, à casa da senhora, todos os dias, para ver e ouvir o seu riso, e fazer o que eles mais gostavam.
Voltaram para casa, completos, e a senhora dormiu feliz, ansiosa que o dia seguinte surgisse para ter os seus amigos lá em casa. Prometeram e cumpriram. Depois a senhora chamou as suas amigas e amigos lá para casa, para se rirem e divertirem com os porquinhos, e que felizes que estavam.
Uns dias depois, a senhora e os amigos foram resmungar com quem os tinha despedido. Explicaram-lhes a grandeza dos seus corações, o que o riso que eles provocavam fazia à saúde, disseram-lhes que eles eram muito importantes, muito generosos e que faziam muita falta à sociedade, pois esta estava a tornar-se cada vez mais apressada, fria e indiferente.
A senhora e os amigos disseram tantas coisas boas e bonitas sobre os porquinhos, que a Diretora voltou a contratá-los para animar as ruas. Todos os dias apresentavam coisas diferentes, distribuíam abraços, beijinhos, sorrisos por quem passava.
As pessoas voltaram a parar, apreciar, rir e participar nos espetáculos, encantados, aplaudiam, tiravam fotos, e brincavam. Até davam dinheiro. Depois, gostaram tanto deles que as pessoas mais velhas lhes pediam para irem às suas casas, atuar, e claro, eles iam com todo o gosto. O que mais os preenchia era ver o riso e o olhar brilhante das pessoas, e receber as palmas.
Os porquinhos não voltaram a ficar à janela, mergulhados na tristeza, e com isso fizeram muitas pessoas esquecer as tristezas, mesmo que por instantes, pelo menos enquanto os viam atuar, e enquanto riam.  
FIM
Lálá
(16/Março/2017)