Número total de visualizações de páginas

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

A borboleta esquecida

desenhado e pintado por Lara Rocha 

Era uma vez uma linda borboleta que tinha asas como as outras, mas esquecia-me muitas vezes que as tinha. Um dia foi passear, pousada na terra, com as patinhas assentes no chão, e encontrou uma menina muito brincalhona que lhe pediu para calçar umas botinhas que a sua avó tinha acabado de fazer para os seus bonecos.
A borboleta não sabia o que era aquilo, mas achou tão bonitos e tão confortáveis que autorizou a menina a calçá-la, e deixou-se andar com eles. Sentia-se um bocadinho esquisita, mas não sabia o que era.
Perguntou à menina que estava a rir às gargalhadas de ver a borboleta calçada com aquelas botinhas, o que tinha nas patinhas. A menina respondeu que eram uns sapatinhos, e que ficavam muito bem nos seus pezinhos.
A borboleta disse que não tinha pés, tinha patas, agradeceu e deu os parabéns à avó, mas pediu para as tirar. A menina continuou a rir e não tirou. A borboleta ficou muito zangada, e foi o caminho todo por terra, a resmungar.
Encontrou mais à frente um gatinho bebé que a cheirou, parecia que a ia aspirar. Ela assustou-se e o gatinho quis brincar com ela, ela correu, ele foi atrás dela, ela escondia-se, e ele ia à procura, até que se cansou, e deixou a borboleta sozinha.
A borboleta viu uma flor, muito bonita, e quis descansar, mas como a flor era muito alta de pé, a borboleta não se lembrou como subia, e disse:
- Óh flor…posso descansar aqui no teu pé? É que estás muito alta, e não posso subir.
- Podes. Mas porque não podes subir? – Pergunta a flor muito surpresa
- Porque estás aí em cima. – Responde a borboleta
- Ora essa…tu tens asas? Porque não sobes mais? Ou tens medo das alturas? – Pergunta a flor  
- Tenho o quê? – Pergunta a borboleta
- Asas. E bem bonitas. Não estou a perceber porque estás a perguntar isso! – Explica a flor  
- O que são asas? – Pergunta a borboleta  
- Estás a perguntar isso a sério? – Pergunta a flor
- Sim! Não sei o que são asas. – Diz a borboleta pensativa e surpresa
- Como assim? – Pergunta a flor
- Olha o que uma criatura me calçou, quando eu ia pela estrada! Eu disse-lhe que tinha patas, e pedi-lhe para me tirar isto, mas ela só se ria, e não tirou. Depois, encontrei um gatinho bebé, que me cheirava de uma maneira que parecia que me ia aspirar, e também fui pelo chão, chateou-se e foi-se embora, deixou-me sozinha. E agora, queria descansar porque sinto-me um bocadinho estranha. – Conta a borboleta
- Pois… (ri-se) Tens as patas presas, dentro de botinhas de agasalho. Mas tens asas! Porque não as usas? Estão magoadas? – Pergunta a flor
- Asas…? Não! – Diz a borboleta
A flor suspira.
- Vai ali ao lago e espreita para veres o que são asas. – Sugere a flor já sem saber o que responder ou perguntar…ou dizer
A borboleta vai pelo chão, até ao lago, a flor aprecia-se muito surpresa e murmura:
- Ela não está boa…
A borboleta espreita e vê-se.
- Ááááááhhhh…eu tenho duas coisas de fora… - exclama a borboleta
- São asas! Para tu voares, não é para andares pelo chão. – Relembra a flor
- Ááááááhhhh…e como é que eu faço isso? – Pergunta a borboleta
- Óh valham-me todas as florestas…- murmura a flor preocupada  
Aparece outra borboleta, e as duas borboletas conversam:
- Ai, mas que belos sapatinhos…! Consegues voar com isso? – Pergunta a sua amiga borboleta
- Outra? – Pergunta a borboleta
- Outra quê? – Pergunta a outra borboleta
- Outra borboleta a falar em voar. – Responde a borboleta
- Claro, e o que fazemos nós, borboletas? Voamos…pousamos de flor em flor…e por muitos sítios. – Explica a outra borboleta
- Ainda bem que apareceste, borboleta! Eu estava a ficar assustada… - Diz a flor a sorrir aliviada
- Ááááááhhhh…tenho asas…? - Pergunta a borboleta
- Claro, eu também. Querias ter o quê? – Responde a outra borboleta
- Mas, eu andei pelo chão! – Lembra a borboleta
- Porque quiseste…e com esses sapatinhos nas patas é possível que não consigas voar. Experimenta. – Sugere a outra borboleta
 - E como é que eu faço isso? – Pergunta a borboleta
- Ai, não acredito! – Dizem a flor e a outra borboleta
- Vê como eu faço. – Recomenda a outra borboleta
A borboleta explica como se faz, e a outra dá saltinhos para tentar sair do chão. A outra borboleta tira-lhe os sapatos e grita:
- Não são saltinhos, são voos…assim…abre as asas…um…dois…três… (empurra a amiga) Dá às asas… dá às asas…assim…mais…mais…dá às asas.
A borboleta grita muito assustada mas consegue voar.
- Boa! Isso mesmo. – Elogia a outra borboleta
- Áh! Estou muito melhor. – Diz a borboleta a sorrir
E as duas vão voar, enquanto conversam alegremente. De repente apanham uma rajada de vento que as faz rodar várias vezes no ar, para tentar lutar e manter-se sem cair, e a borboleta que se esqueceu outra vez que tinha asas, deixou-se cair. A outra abraça-se e grita-lhe:
- Dá às asas…
E as duas voltam a levantar voo, e um bocadinho mais à frente, cansadas, repousam numa flor. As duas conversam sobre as asas.
- Para que servem as nossas asas? – Pergunta a borboleta pensativa
- Para te levarem onde queres e precisas de ir. – Responde a outra borboleta
- Porque é que eu me esqueço sempre que tenho asas, e que consigo voar? – Pergunta a borboleta
- Gostas de ser borboleta? – Pergunta a outra borboleta
- Gosto! – Exclama a borboleta
- Então porque te esqueces das asas? Uma das coisas que temos de mais importante? Se calhar só usas as asas do sonho, e da imaginação! Porque estás sempre distraída. – Responde a outra borboleta
- Os sonhos e a imaginação têm asas, sim… e levam-nos muito, muito longe, também nos levam para onde queremos, ou precisamos de ir. – Explica a borboleta
- Como são as asas dos teus sonhos? – Pergunta a outra borboleta
- Não sei…nunca reparei nelas. – Diz a borboleta
- Como nunca repaste nelas? – Pergunta a outra borboleta
- Eu vou nelas, mas vejo outras coisas. – Responde a borboleta
- Já viste como elas são importantes? Como as nossas asas! - Pergunta a outra borboleta
- Sim, mas não as conheço. – Responde a borboleta
- Como não? – Pergunta a outra borboleta
- Acho que nunca as vi. – Responde a borboleta
- De certeza que já as viste, mas não lhes ligas, porque elas fazem tudo o que tu queres, nunca pensaste no que elas fazem por ti, e nunca quiseste conhecê-las. Elas levam-te e pronto. – Responde a outra borboleta
- Sim, acho que é isso. Tu conheces as tuas? – Diz a borboleta e pergunta
- Claro que conheço. Vejo-as todos os dias, são lindas, e agradeço todos os dias as asas que tenho. – Responde a outra borboleta
- E os teus sonhos, e a tua imaginação têm asas? – Pergunta a borboleta
- Têm! – Responde a outra borboleta
- Como são essas asas? – Pergunta a borboleta curiosa
- São iguais às minhas. – Responde a outra borboleta
- Como é que sabes? – Pergunta a borboleta
- Eu vejo-as sempre. – Responde a outra borboleta
- E eu posso ver as asas dos meus sonhos? - Pergunta a borboleta
- Claro que sim. – Responde a outra borboleta
- Como? – Pergunta a borboleta
- Da próxima vez que fores nelas, verás como são. – Responde a outra borboleta
- Achas que são iguais às nossas? – Pergunta a borboleta
- Não. As minhas e as tuas não são iguais…temos padrões diferentes…mas talvez as asas dos teus sonhos, sejam iguais às tuas, como são as minhas. – Responde a outra borboleta
- Vou fechar os olhos, para ver se as consigo ver. – Diz a borboleta
- Está bem. – Concorda a outra borboleta
A borboleta fecha os olhos, sorri.
- Óh, só estou a ver a sombra delas. – Diz a borboleta
- Tens de olhar com atenção. – Recomenda a outra borboleta
- Como? – Pergunta a borboleta
- Olha para elas sem pressa. Deixa que elas se mostrem. – Sugere a outra borboleta  
E passado um bocadinho ela consegue ver as suas próprias asas de olhos fechados, quando a sua amiga borboleta a abraça.
- Áh! São iguais às minhas. – Repara a borboleta muito surpresa
- Boa! Conseguiste vê-las. Eu disse-te. E gostas delas? – Responde e pergunta a outra borboleta
- Adoro. – Responde a borboleta, sorridente
- Porquê? – Pergunta a outra borboleta
- Porque elas são importantes e levam-me onde eu quero. E porque adoro ver tudo o que elas me mostram. – Responde a borboleta
- Certo. Eu também, mas não te podes esquecer que tens asas de verdade, e são elas que existem, que te levam, que não te deixam cair, a não ser que estejam feridas. Essas é que importam mesmo. – Diz a outra borboleta
- E as do sonho e da imaginação? – Pergunta a borboleta
- Essas são lindas e importantes, mas não tanto como as tuas verdadeiras asas. – Responde a outra borboleta
Depois dessa conversa, a borboleta ainda se esqueceu algumas vezes que tinha asas, porque só se lembrava de usar as asas da imaginação e do sonho.
Era mesmo muito sonhadora, de olhos abertos, e gostava muito de sonhar, era por isso que estava sempre distraída, até se esquecia que tinha umas asas verdadeiras, mas a sua amiga estava sempre por perto, para lhe lembrar que tinha asas, e o que fazer com elas.

E vocês? Conhecem as vossas asas? Como são? Onde vos levam?

Fim
Lálá
(28/Setembro/2016)


domingo, 11 de setembro de 2016

Não acordem a princesa

       

Era uma vez uma princesa, mas não era de carne e osso, como nós. Era uma princesa muito especial, que nem todos a viam, só algumas pessoas, aquelas mais antigas que viviam nas montanhas e que amavam a natureza. Conheciam-na desde crianças e tratavam muito bem dela.

Ela era feita de folhas das árvores, como aquelas folhas que caem no Outono, linda, leve, com muitas cores. Fazia grandes caminhadas pela cidade e pelas montanhas, o ano quase todo, por muitos países, até que a partir de 21 de Setembro ela repousava para descansar. O seu sítio preferido para o fazer era em cima de relva, macia, fofa, grande, ou aparada, isso tanto lhe fazia.

Uma vez deitou-se no jardim da cidade onde viviam muitas crianças, e pessoas mais velhas, ocupou um espaço muito grande que ficou coberto de folhas.

As crianças iam a passear com os seus avós e preparavam-se para saltar em cima das folhas, mas os avós gritaram-lhes que parassem imediatamente.

- Parem! – Gritam os avós em coro

- Essas folhas não são para pisar. – Recomenda uma avó

- São só para ser apreciadas. – Diz outra avó

- Porquê? – Perguntam as crianças

- Se elas estão no chão podem ser pisadas. – Insiste uma das crianças  

- Não! – Gritam os avós em coro

- Porquê? – Voltam a perguntar as crianças  

- Porque vão pisar a princesa. – Diz uma avó.

- O quê? – Perguntam as crianças em coro

- Que princesa? – Pergunta uma menina

- Eu não estou a ver aqui ninguém! – Diz outra menina

- Nem eu! – Dizem todos

- A princesa está deitada. – Repara outra avó

- Xiu! – Dizem todos os avós

- Não façam barulho. – Diz outra avó.

- Acho que a minha avó está a perder o juizinho… - Diz um menino muito chocado

- Também acho! – Concordam todos

- A minha também… - Comenta outra criança

- A minha mãe tem razão. A minha avó está a ficar tolinha com a idade. – Diz outro menino

- O quê? – Perguntam os avós

- Eu não estou a ver nenhuma princesa… só vejo folhas. – Repara uma criança

- Mas está aí! A princesa é feita de folhas… - Diz outra Avó

- Como ela está linda! – Diz um Avô a sorrir

- Ela sempre foi linda. – Corrige a sua esposa

- Áh…eu acho que vocês não estão bem, Avós! – Diz outra menina

- Mas que atrevida! – Ralha a sua avó zangada

- Estejam calados…- Recomenda outra avó

- E quietos! – Diz outro avô.

A princesa mexe-se, e algumas folhas do seu vestido levantam, mexem e voltam a pousar. Todos sorriem.

- Ela mexeu-se! – Diz uma avó

- Quem? – Perguntam as crianças

- A tal princesa que os avós estão a ver. – Comenta outra menina

- Não a acordem…deixem-na descansar. – Recomenda outra avó

- Acho que vou avisar a minha mãe… - Comenta outra menina

- Eu também. – Diz outra menina

- A tua mãe também conhece a princesa. – Responde a Avó, ofendida

- Ela também a vê? – Pergunta a menina

- Vê. – Garante a avó

- E porque é que eu não a vejo? Será que ela é um… - comenta a menina

- Cala-te! Não é nada disso.

- Ela existe. Está a descansar…viram-na a mexer?

- Não façam barulho. – Resmungam todos os avós

- Eu só vi folhas a levantar e a pousar. – Recorda outro menino

- Pois…ela mexeu-se. – Diz a sua avó

A princesa mexe-se mais um pouco e algumas folhas rodopiam e levantam outra vez. As crianças não estão a perceber nada, e até estão assustadas. Vão para casa e contam aos pais. As mães confirmam, os pais quase quebram a magia, mas as mães cortam-lhes a palavra, e eles acabam por confirmar também.

No dia seguinte, as crianças voltam a sair com os avós, e à espera de ver se a tal princesa vai aparecer. Aparece mesmo, aliás continua lá, a descansar…as crianças preparam-se para pisá-las, escorregar em cima delas, fazem uma gritaria tão grande e correm, os avós não conseguem pará-los.

A princesa acorda muito assustada, levanta-se e foge, esconde-se atrás de uma árvore a quem se abraça. Formam-se uma grande ventania e as folhas levantam todas, voam, rodopiam, amontoa-se aos pés e à volta do tronco da árvore, no chão.

As crianças adoraram ver aquelas folhas todas pelo ar, a rodar e a esvoaçar de um lado para o outro, muito rápido…adoraram ver aquele espetáculo de cores. Os avós ficam muito irritados, e ordenaram que parassem. Puseram-nos de castigo, e levaram-nos de volta para casa. Nos dias seguintes não foram.

A princesa voltou a dormir, mais uns dias, até ao dia 22 de Setembro. Muitos avós sabiam que ela ia acordar nesse dia, e foram ter com ela. O seu despertar era sempre um momento de paz, e especialmente bonito para eles.

Nesse dia, o sol deu um beijinho à princesa, e ela acordou devagar, levantou-se a sorrir, os avós sorriram com ela, sacudiu-se e as folhas abanaram suavemente. Sentou-se, e levantou-se.

O sol ficou mais quente, mas pouco depois, quando ela se cruzou com a princesa Verona, que estava de saída para outros sítios, deixou cair algumas lágrimas em cima da princesa quando trocaram um abraço de amizade, e o céu ficou mais carregado. Os avós agradeceram à princesa Verona e desejaram-lhe boa viagem.

O vento tornou-se mais forte, e o seu vestido esvoaçou por onde passou. A princesa para anunciar a sua chegada espalhou folhas de árvores de muitas cores e tamanhos por todo o lado, cumprimentou toda a gente que passava, espalhou ouriços, castanhas, uvas, espigas de milho, bolotas e outros mimos, como amoras e flores silvestres.

Salpicou as árvores com as cores do seu vestido, borrifou folhas de cores diferentes, e o sol brilhou mais forte outra vez, para tornar as cores mais visíveis.  

- Olá princesa! – Dizem todos

- Olá! – Responde ela a sorrir

Nesse dia, as crianças perceberam de quem se tratava…viram a princesa que os Avós e os pais lhes falavam…e que já não estava deitada na relva…andava por lá, a espalhar a sua beleza.

Era a princesa Outonia…mais conhecida por Outono…a estação do ano em que estavam a entrar! Desse dia em diante, até ao Inverno, as paisagens mudaram, houve muitas festas, como magustos, desfiles de cores e folhas, colheitas, e muitas coisas boas.  


Esta princesa já chegou à vossa cidade? Já a viram deitada na relva? O que é que ela espalhou na vossa cidade?


FIM

Lálá

(10/Setembro/2016)