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domingo, 25 de outubro de 2015

O gato e o sol

      
                                                                        foto de Lara Rocha 

          Era uma vez uma gato vadio que adorava vaguear pela cidade, caminhar sem pressa pelos jardins, principalmente aqueles com vista privilegiada para o rio. Embora o vento fosse às vezes frio, ele também gostava muito de sentir os arrepios e ficar com o pelo espetado, com a aragem, e de levar com ele no focinho, porque arrastava perfumes deliciosos, que lhe abriam o apetite. e até o faziam sonhar...correr atrás de boa comida e encontrava! 
       Era um gato romântico e conquistador, solitário e sonhador, por isso, outra coisa que ele adorava fazer era vaguear pelos telhados, ver o pôr do sol, a lua, as estrelas e o nascer do sol. Não tinha sítio certo de dormir...umas vezes aterrava onde o cansaço lhe cotucava, ou quando o soninho chegava...tanto era nos jardins, debaixo de um banco, como nos telhados, nas soleiras das portas ou em carcaças de árvores, dentro de troncos. 
      Um dia o gato estava em cima de um telhado, de telhas quentes, que já conhecia muito bem, porque as pessoas davam - lhe mimos e comida, até tinham um ninho confortável para ele num anexo da casa, que era uma lavandaria. Em cima do telhado cheirava muito bem, pela chaminé...enquanto esperava para ver o que hoje lhe tocava jantar, olhou para o céu...procurou a lua e as estrelas, mas só viu muitas nuvens. 
       O cheiro da comida estava cada vez mais perto, e era cada vez melhor, tal como a sua fome. Desceu do telhado, e óh...que delicioso prato o esperava! A família deixou para ele à entrada da lavandaria, uma rica sopa forte, cheia de petiscos que ele adorava. Ficou consolado, e como comeu tudo...adormeceu pouco depois. Nesse dia já tinha andado muito, estava cansado.
      Acordou quase de manhã, o céu estava escuro, mas ele estava cheio de energia. decidiu subir ao telhado a ver se a luz tinha aparecido, ou se estava escondida. Estava bem visível...e cheia! À sua volta haviam estrelas, e uma pequenina claridade sobressaía no meio da escuridão. 
      Tudo silencioso...Mas num instante...começa a clarear o dia...a lua vai embora, as estrelas vão atrás dela, e o sol começa a aparecer devagarinho, envergonhado. O gato sorri...de repente, o sol transforma-se bum barco todo iluminado, onde vai a linda luz com as estrelas. O gato não acredita no que está a ver e solta uma grande exclamação. 
      Ele nunca tinha visto um barco assim...e o sol barco navega nas ondas, de todo o tipo: grossas e escuras, grandes e brancas, bem enroladas. Algumas vezes, o barco parece que desaparece...e volta a aparecer, outras vezes, aparece só um bocadinho do barco: 

- Óh não...será que o barco se afundou? Onde foi? Agora...parece que o barco está a arder...tem uma cor vermelha! (O gato fica inquieto...) E não se vê todo...O que aconteceu? A lua e as estrelas escaparam? Atiraram-se à água? Será que foi o vento? - Pergunta o gato e dos seus olhos até escaparam umas lágrimas. - Como é que eu vou viver aqui... sem o sol...a lua e as estrelas? - Lamenta o gato triste. 

          E desce do telhado, volta para o seu ninho.

- Eu gostava tanto da lua, do sol, e das estrelas...como é que o sol se transformou num barco? Será que foi só hoje? Ou já acontecia antes? Será que foi algum feitiço da lua? Óhhh... 

         E volta a dormir. Quando acorda vê muita claridade à sua frente, dá um grande salto assustado e sai da lavandaria. Mesmo por cima de si está um sol maravilhoso, lindo, luminoso, o céu muito azul e já estava a aquecer. 

Os meninos da casa estavam mergulhados na piscina a brincar felizes com a água e os adultos a apanhar sol. 

- Olá dorminhoco! - Dizem os meninos ao gato 

- Será que eles não viram a mesma coisa? 

       Tudo está como antes! Olha para cima, não vê o barco, com luz, que levava a lua e as estrelas, que aparecia e desaparecia, e parecia que tinha ardido, nem as ondas. 

- Afinal...o sol não desapareceu? Áh! Boa! E a lua e as estrelas...hummm...acho que...é dia...por isso...só está o sol! Então...eu...sonhei ou imaginei que aquilo estava a acontecer! Claro! Ainda bem...não queria nada que aquilo acontecesse. O mundo não existia de não houvesse sol...que horror...o sol é tão bom! Faz tanta falta. Obrigada Sol, por apareceres todos os dias...e por fazeres tão bem ao nosso planeta! Se mais ninguém te agradece...agradeço eu...que sou um gato, mas também sonho contigo, gosto e preciso de ti, querido sol! 

        Os gatos sonham e agradecem à maneira deles, e vocês, meninos, já pensaram como o sol é importante para nós? E para a nossa terra? Já agradeceram? 

FIM 
Lálá 
(24/Outubro/2015) 

as asas da fada

       


Era uma vez uma linda fada, que vivia num tronco de uma árvore muito velha, com a sua família. Um dia, uma bruxa disfarçada de fada que se fazia muito boa amiga da fada, na verdade sentia muita inveja por ela ser tão bonita e estar quase sempre feliz. 
     A bruxa vivia longe da sua família onde todos eram maus, e com um coração vazio de sentimentos...eram infelizes, e não suportavam ver os outros felizes, por isso faziam de tudo o que podiam para roubar as coisas boas que eles não tinham. 
    Numa tarde, as duas amigas (fada e bruxa) foram dar um passeio, rir e conversar, brincar...e de repente, a bruxa fingiu que era tão meiga como a fada, e pediu-lhe um abraço. A fada, era mesmo meiga e adorava carinho, por isso recebeu o abraço com um grande sorriso...porque não sabia que a fada amiga era afinal uma bruxa...e no momento em que as duas se abraçaram, as asas da fada, tão lindas, leves, finas e brilhantes, transformaram-se em gelo...que até parecia vidro. 
     Quando a bruxa a larga, ela não consegue mexer-se, nem voar, sente-se muito pesada e cai na relva, mas não sente o chão, nas suas asas. 

Ela grita muito assustada: 

- Ai...o que é que aconteceu às minhas asas? Caí....e...não sinto a relva nelas...e...estou...tão pesada... (levanta-se e cai outra vez) não consigo levantar-me! Sinto-me... muito esquisita. 

A bruxa finge-se preocupada: 

- Então, amiga...o que se passa? 

- Não sei! estou...estranha! 

- Ah...acho que estás a ficar...doente! 

- Óh, não! Não pode ser...não quero...as minhas asas...o que é que elas têm? 

- Nada! Estão na mesma...lindas, brilhantes...acho melhor... 

- Mas...

- Eu vou chamar o médico. Não vai ser nada grave, vais ver, mas pelo sim, pelo não...é melhor ver. Já volto. Não demoro nada. O médico é já aqui ao lado. 

- Obrigada. Ai...! 

A bruxa está comprometida. Finge que está muito preocupada e que vai chamar o médico, mas assim que se afasta, foge às gargalhadas. 

- Áh, áh, áh...consegui! Fica para aí...tótó! Caíste que nem uma patinha...quero lá saber de ti...não vais sair daí...as tuas asas estão transformadas em vidro! Tu mereces. Áh, áh, áh...peneirenta! Eu quero ver como é que agora vais sair daí, e andar por aí a desfilar, para toda a gente olhar para ti. Quero ver se alguém mais vai olhar para ti...! Para mim também não olham...nunca...ao contrário de ti...vais ver o que é bom...vais ver o que custa ser ignorada. 

E não vai chamar médico nenhum, segue para o seu horrível castelo, vitoriosa, e orgulhosa por ter conseguido transformar as asas da fada em gelo. A fada acha muito estranha a demora da amiga e do médico, levanta-se com muito dificuldade e vai para casa triste, preocupada, e desiludida, com muitas quedas à mistura. 

- Óh, não acredito...fui enganada. Como é que ela fez isto comigo...eu dei-lhe o abraço, e muitos abraços, e nunca me fez isto às asas...porque é que fez isto hoje...? Como? Eu pensei que ela era minha amiga, mas com tanto tempo que demorou, e não apareceu...mas que grande amiga! Deixou-me ali... 

Chega a casa e pede aos pais ajuda. Os pais levam-na à Avó porque perceberam logo que aquilo era obra de bruxinhas...A Avó tem poderes para destruir feitiços de bruxas. Ela vai ao colo do pai a choramingar, e quando chega a casa da Avó... 

- Avó...olha o que aconteceu às minhas asas! Não consigo fazer nada...estou muito pesada. 

- Isso foi alguma bruxita...mas vais já voltar ao normal. 

A Avó faz uma magia e o gelo das asas da fada derrete. Ela volta a ficar leve, livre, linda...a Avó até lhe dá um protector contra bruxas. E recomenda:

- Filha...vê com quem andas. Olha que nem toda a gente é quem parece. 

- Sim, Avó...agora já sei. 

- Nem toda a gente é boa como tu, e aproveita-se. Tens de estar mais atenta. 

- Sim. Obrigada, Avó. 

- Este protector vai avisar-te quando te aproximares de alguém perigoso, ou que não merece a tua bondade. 

- Entendi. 

Depois das recomendações da Avó, a fada passou a andar sempre com o protector, e a estar mais atenta. A malandreca da falsa fada volta a fingir que é muito amiga dela, e fica surpresa: 

- Óh...já estás curada. Vês? Eu disse-te que não ia ser nada grave...o que era afinal? Fiquei muito preocupada... não encontrei o médico...ele não estava lá. 

- Ui, ficaste mesmo muito preocupada...obrigada...ficaste tão preocupada que me deixaste lá...

- Desculpa...é que o médico não estava. 

- Pois...que chatice!  

A fada quase explode, e o protector avisa-a de que há perigo. Ela grita: 

- Vai-te embora! Falsa. Como é que eu me deixei levar por ti, pela tua aparência, pela tua conversa... Eu pensei que eras minha amiga, que querias o meu abraço...tudo mentira. Fingida... O teu abraço congelou as minhas asas...não conseguia voar...sentia-me presa, claro...não admira...tinha gelo...como haveria de voar ou de fazer o que quer que fosse. Invejosa...que coisa mais horrível... Só porque és má e infeliz não suportas ver ninguém bem, feliz...também podes ser feliz, mas não conheces essa palavra...roubá-la aos outros é mais fácil, dá menos trabalho...não é? Luta por ela...só assim é que vais consegui-la. Maldita! Põe-te bem longe de mim...e não volte a aparecer, se não eu não sei o que te faço. Olha que eu sou boa até certo ponto, mas quando me magoam ou desiludem...não tem volta...mostro o meu pior lado. 

Aparecem vários chicotes à volta da bruxa, e começam a afugentá-la...ela nunca mais volta a chatear a bela fada. 

Fim 
Lálá 
(23/Outubro/2015) 

DO SONHO PARA A REALIDADE




Era uma vez um lindo e solitário Unicórnio aquático que vivia entre as profundezas do mar, numa bela praia muito limpa, de areias e águas cristalinas. Um dia, enquanto descansava com a sua família, sonhou com uma linda e mágica unicórnio aquática. Tão linda, elegante e sensual que ele ficou apaixonado por ela, mesmo sem nunca a ter visto antes. No sonho, os dois passeavam juntos pela praia, conversavam, fixavam o olhar um no outro, corriam, e até dançavam ao som de melodias e canções tocadas pelas sereias.
Acordou com um olhar apaixonado, o coração a bater muito depressa e um sorriso brilhante. Mas quando olhou em volta, estava no mesmo sítio e, apenas com os seus pais a quem ele amava, é claro, mas queria encontrar alguém especial, que o preenchesse…a sua cara-metade. Então, percebeu que tinha sido um sonho bom, mas pelo sim pelo não, ele foi à praia, ver se ela estaria lá! Não estava…voltou para a sua casa e aquela imagem tão bonita não lhe saia da cabeça.
Durante vários dias, o Unicórnio sonhou com ela, e aí eram felizes…todos os dias o Unicórnio foi á superfície ver se ela estava lá. Mas nunca estava! Por um lado ele tinha esperança e queria encontrá-la, mas no fim de tantos dias, começava a achar que realmente ela só existia nos seus sonhos.
- Óh, que pena. Acho que ela só existe mesmo nos meus sonhos. Talvez ela seja só mais uma das muitas personagens com quem me encontro todas as noites. Todas as noites são diferentes, vivo aventuras com elas, e depois elas vão para outros sonhos de outros unicórnios. Mas, esta era tão bonita! Queria muito que ela existisse mesmo, mas parece que não! Como é que eu consegui criar uma personagem que não existe?
A tristeza tomou conta do seu coração e até lhe fugiram algumas lágrimas que se misturaram com a água salgada e seguiram o seu caminho ao sabor das ondas, enquanto ele voltou para casa. Mas não voltou a pensar nela e os seus dias voltaram a ser como os de antes.
Passados uns dias, tudo mudou. Sentiu uma vibração diferente na superfície, olhou para cima e viu uma sombra que lhe pareceu familiar. Num impulso rápido, subiu com algum medo, mas cheio de curiosidade…sentiu que alguma coisa o chamava. Quando chegou à praia viu a bela Unicórnio dos seus sonhos a desfilar.
Ele nem queria acreditar no que estava a ver:
- Mas eu estou a sonhar ou acordado? É ela. É a unicórnio que apareceu nos meus sonhos. Sim! Por isso a vibração era diferente! Bem…comporta-te…vai com calma…não a assustes…
Ele tenta controlar-se, mas a felicidade era tanta, juntamente com o medo que ela fugisse ou que não gostasse dele…ou até…que ao chegar à beira dela, não fosse mesmo aquela com quem tinha sonhado… desata a correr, nada elegante, todo desajeitado, até levanta areia…parece uma ventania. Vai tão lançado que não consegue parar em frente à unicórnio, e quase bate contra uma palmeira, até que cai.
Ela pára assustada e a olhar para ele:
- O que foi isto? Passou alguma coisa à minha frente.
E quando olha para ele, a recompor-se, desata a rir às gargalhadas, e pergunta:
- Tudo bem?
Ele quase desmaia de felicidade, e murmura para si mesmo:
- Ela está a falar comigo. Uau.   
E vira-se para ela, com uma pose sexy. Os olhos dos dois cruzam-se, e nasce neles um brilho especial, acompanhado com um sorriso luminoso, de encanto um pelo outro.
- Olá! Desculpa se te assustei… - Diz o unicórnio
- De onde saíste tão disparado? – Pergunta ela
- Dali, do mar.
- És um unicórnio aquático não és?
- Sim! E estou a ver que tu também és.
- Sim!
- Áh! Eu nunca te vi por aqui.
- Nem eu! Mas venho aqui muitas vezes.
- Vais passear?
- Vou.
- Posso acompanhar-te?
- Podes.
E os dois passeiam lado a lado, sorridentes, conversam, brincam, riem, descobrem muitos pontos em comum e também muitas diferenças, mas essas diferenças não os tornam inimigos, muito pelo contrário.
Nesse dia, nasceu entre eles uma linda amizade, que cresceu, até se transformar em amor. Uns anos mais tarde, casaram e formaram uma família que era o orgulho de todos…dos pais, e até deles próprios.
                                                                              FIM
                                                                              Lálá
                                                               (14/Outubro/2015)


domingo, 4 de outubro de 2015

Debaixo das folhas

                                                    foto de Lara Rocha 

Era uma vez, um parque de uma grande cidade. Ainda era Outono, há poucos dias, mas parecia um dia de pleno Inverno, com chuva e vento forte, tão forte que levantava tudo o que fosse mais leve. Misturado com as sacudidelas de chuva voaram milhares de folhas das árvores arrancadas quase sem se aperceberem e sem se poderem agarrar aos troncos, porque até alguns desses foram deitados abaixo. O barulho do vento arrepiava todas as pessoas que estavam dentro de casa, assobiava e zumbia entre as frinchas das persianas, os meninos ficaram cheios de medo…
Quando tudo acalmou, e o sol voltou com as nuvens, todo o chão ficou coberto de folhas, e os varredores de rua juntaram-nas em vários montes com as vassouras, debaixo das árvores. Tanto trabalho que eles tiveram a juntar tudo, para pouco depois dois cãezinhos pequeninos que foram passear com os seus donos iam a correr disparados, e chocaram contra um dos montes de folhas, ficando debaixo dele.
Remexeram e ganiram muito aflitos para encontrar a saída e livrar-se daquelas folhas todas, mas não conseguiram. O dono estranhou o seu silêncio e viu as folhas a mexer, chamou os cãezinhos, como eles não responderam, levantou as folhas…lá estavam eles. Respiraram de alívio.
- Ufa! Que grande sufoco. – Respira um cãozinho aliviado
- Como é que não vimos as folhas? – Pergunta outro cãozinho
- Íamos tão felizes…
- Pois.
- De onde veio tanta folha?
- Das árvores é claro. Com a ventania que esteve…
Continuaram o passeio, a abanar as caudinhas de felicidade. Entretanto, outros cães de rua envolveram-se numa luta, e correram atrás uns dos outros, estavam tão loucos que nem viram que o chão de uma ponte estava coberto de folhas, escorregaram e só pararam quando deram uma cabeçada numa árvore. Caíram e sossegaram.
- Au… Onde estamos? – Pergunta um cão
- O que aconteceu? – Pergunta outro cão
- Ei…- Lamenta outro cão  
- Não acredito nisto! – Resmungam umas cadelinhas
Quando se aperceberam estavam cobertos de folhas, deram um grande salto, assustados, e para tentar sair do sítio deram às patas, desajeitadamente, mas ainda foi pior, porque cobriram-se ainda mais…ficou tudo escuro porque eles não conseguiam ver nada com tantas folhas. Só estavam preocupados em lutar uns com os outros, e voltaram a correr atrás uns dos outros, a ladrar…mas as folhas eram tantas que quanto mais eles se agitavam, mais escorregavam e menos possível era apanharem-se. Não desistiram!
As folhas continuaram a cair sem parar, e o vento que não gostou nada de ver aquelas lutas, voltou a soprar forte, e a juntar folhas para que eles ficassem apertados. Eles bem tentaram libertar-se mas não conseguiram. Ladraram muito aflitos, e de repente apanharam com castanhas nas cabeças, e ouriços que caíram das árvores, por isso não se mexeram para não se magoarem.
- Au…au…au…au…- gritam todos
- O que é isto? – Pergunta um cão zangado
- Só faltava esta também…ouriçada e castanhada… - Responde outro cão
- Óh não! – Gritam todos
- E agora, como vamos sair daqui? – Pergunta um cãozinho aflito
- Eu não me consigo mexer. – Diz outro
- Nem eu. – Acrescenta outro
- Quem é que nos fez isto? – Pergunta outro
- Eu não fui com certeza… - Responde outro
- O que é que interessa agora quem fez isto? – Resmunga uma cadela
- A culpa é vossa… - Acusa outra cadela
- O que interessa agora é como vamos sair… - Diz outra cadela
- Estamos cobertos de folhas e não nos conseguimos mexer. – Comenta outro cão
- Onde é que eu estava com a cabeça…mas que ideia tão palerma que tivemos, vir atrás destas… - Lamenta outro cão
- Ainda bem que reconheces que foi uma ideia estúpida. Não fomos nós que vos mandamos vir atrás de nós, pois não? – Resmunga outra cadela
O vento ri às gargalhadas. Chega um grupo de meninos bem agasalhado que ao ver tanta folha e os cães, vão a correr, e atiram-se para o monte de folhas…caíram no macio, como se fosse um tapete, ou uma piscina. Pegam nas folhas e começam a atirar uns aos outros, afastam-nas dos cãezinhos e libertam-nos.
Os cãezinhos acharam tão engraçado, e gostaram tanto de estar outra vez livres, que se esqueceram que há pouco tempo atrás estavam zangados e só queriam lutar, mas agora estavam tão felizes que brincaram juntos com os meninos, saltaram, espalharam as folhas com as patas, riram, escorregaram, deram cambalhotas, acompanharam os meninos que cantavam e deslizavam sobre as folhas com latidos e a ladrar.
Depois chegaram mais grupos de mais meninos, e a diversão foi ainda maior. Fizeram a grande festa da folha e brincaram juntos a atirá-las e a mergulhar nelas.  No fim, os meninos apanharam os ouriços com pás, abriram-nos com os pés, e tiraram as castanhinhas para as comerem à lareira ou na escola.

FIM
Lálá
(4/Outubro/2015)
    


sábado, 3 de outubro de 2015

A flor vistosa e a flor murcha




















fotos de Lara Rocha 

Era uma vez umas flores num jardim. De entre todas as flores, todas bonitas, cada uma com a sua beleza particular e diferente da outra, havia uma que chamava mais a atenção de todos. Era uma flor grande, com pétalas lindas, tão macias que pareciam de veludo, e salpicos de várias cores, ao contrário das outras que tinham pétalas de uma só cor.
Toda a gente reparava nela, e servia de inspiração para muitos artistas que a pintavam, bordavam, fotografavam e filmavam, e escreviam lindas frases a pensar nela. Fartavam-se de a elogiar. Era por isso que ela ficava cada vez mais bonita, vaidosa e sentia-se realmente especial.
No inicio a flor tinha muitas amigas, porque embora ela fosse a preferida, as suas amigas sabiam disso, e também sabiam que eram bonitas, mas o tempo passou, e quanto mais as pessoas reparavam na amiga, menos reparavam nelas. Por isso…elas começaram a ficar tristes e a deixar de ligar à sua bela amiga, a murchar, a perder a cor e as pétalas a ficarem secas.
Até começaram a comentar entre si:
- Olha para ela…
- Já estou farta de olhar para ela.
- Convencida.
- Tem a mania que é boa.
- Só me apetece desaparecer daqui…só reparam nela.
- Realmente, parece que não há mais nenhuma flor neste jardim.
- Toda a gente repara nela.
- Eu sinto-me horrível.
- Eu também…no inicio até gostava dela, e achava que tinham razão em apreciá-la, mas agora até mete nojo.
- Também acho. Eu achava que também era bonita, mas agora já não tenho tanta certeza disso!
- Pois! – Dizem todas
De repente chegam dois meninos: o Gonçalo e a Maria Luísa, que reparam nas flores murchas.
- Óh…olha mano…estão cheias de sede! – Diz a Maria Luísa
- Coitadinhas! Até já estão a ficar secas, e murchas…a perder a cor. – Confirma o Gonçalo 
Pegam num regador e regam-nas. As flores abrem um grande sorriso por estarem a ter atenção!
- Olha esta que linda… - Repara o Gonçalo
- E esta…tem uma cor tão bonita! – Diz a Maria Luísa
Os manos reparam em cada pormenor, e acariciam as pétalas de cada flor. Elas renascem…aqueles elogios, os mimos e a atenção que receberam dos meninos fez-lhes mesmo bem. Estavam como novas. A última flor em que reparam é na mais bonita.
- Óh mano…olha que gira esta… - Elogia a Maria Luísa
E a flor fica vaidosa.
- Estava a ver que não reparavam em mim.
Mas ela começou a ser ignorada, deixam de reparar nela, e de a elogiar. Ela começa a fazer de tudo para que voltem a reparar em si, mas não consegue…então, começa a murchar, a perder as cores, a ficar seca, como aconteceu com as suas amigas. Uma voz soa do interior da flor mais bonita:
- Aaaaaiiiiii…. Que tristeza!
A flor estremece.
- Estou a ouvir coisas?
- Sim…estás-me a ouvir?
- Estou a ouvir alguém a falar.
- Sou eu.
- Quem?
- A flor murcha.
- Onde estás?
- Estou aqui.
- Onde…?
- Aqui.
- Estás a gozar comigo?
- Não. Estou aqui.
- Não vejo aqui nenhuma flor murcha. Só eu. Mas não me estou a ver ao espelho.
- Pois não. Mas estás a falar com a flor murcha.
- Eu era uma flor vistosa, linda, maravilhosa, sexy, a mais bonita do jardim, mas agora já ninguém repara em mim. Toda a gente gostava de olhar para mim, de me tocar, e diziam coisas bonitas… sem querer, eu até ficava vaidosa. Mas tinha razão para ficar, não é…? Agora…Já ninguém toca nas minhas pétalas, já ninguém diz que elas são bonitas, já ninguém vê as cores que eu tenho em cada uma delas! Já ninguém me fotografa, nem me pinta, nem me borda! Já ninguém me escreve poemas. Parece que de repente deixei de existir neste jardim. Será?
- Pois, eu sou a flor murcha. Estou murcha pelos mesmos motivos que tu…porque deixei de ter atenção, deixei de receber elogios, carinhos e palavras bonitas.
- Óh…é muito triste!
- É. Mas então…espera eu…eu não te vejo, mas estou a ouvir-te. Se nos aconteceu a mesma coisa…
- Não sei o que estás a pensar.
- Estou confusa!
- Eu também.
A Maria Luísa acabou de ter uma conversa com a sua Avó, sobre flores. E a sua Avó disse-lhe que as flores são como as pessoas…gostam de receber mimos, e atenção, gostam que reparem nelas, que as elogiem e conversem com elas.
A Maria Luísa ficou a pensar que talvez fosse por isso que aquela flor estava murcha, como as outras, e lembrou-se do que tinha acontecido uns dias antes, quando ela e o mano regaram as outras flores, repararam em todos os seus pormenores e belezas, tocaram-lhes nas pétalas delicadamente, e elas ficaram como novas. E foi mesmo isso que aconteceu!
A Avó tinha toda a razão…quando a menina foi regá-las, uma por uma, acariciou as pétalas de cada uma, carinhosamente e delicadamente, disse coisas bonitas a cada uma delas, aconteceu uma verdadeira magia: todas as flores que estavam quase a murchar, por falta de carinho, atenção e dedicação, ficaram como novas, voltaram a despertar e as suas pétalas vistosas como sempre.
A outra flor bonita, não via a flor murcha porque elas são uma só…era o lado dela que ninguém via…o seu coração…a sua maneira de ser, os seus pensamentos, o que ela achava de si própria, os seus sentimentos. Quando voltou a despertar mais bonita, a outra flor murcha que falava com ela responde-lhe:
- Áh! Agora sim…estamos bem! Lindas como éramos antes, vistosas…vais ver que toda a gente vai voltar a reparar em nós. Uau! Obrigada menina, que nos regaste, que nos deste carinho, que tocaste nas nossas pétalas, que nos disseste coisas bonitas… lá porque somos flores, também gostamos e precisamos disso tudo. Não são só os humanos.
- Áh! A Avó tem razão. Olha que lindas que elas voltaram a ficar… precisam mesmo de carinho, atenção e dedicação. Voltarei mais vezes! Sabem, eu e o mano, os meus pais, os meus Avós…todos gostamos muito uns dos outros, e às vezes dizemos coisas bonitas, trocamos carinhos, abraçamo-nos, brincamos e conversamos muitos. Mas outras vezes, eu e o mano ficamos muito tristes porque os papás dizem que não têm tempo para brincar connosco, ou para conversar e ouvir o que queremos dizer…outras vezes, eu e o mano fazemos umas surpresas à mamã e ao papá, e eles nem reparam…não dizem nada! Às vezes só reparam nas asneiras que fazemos. Na escola, a nossa professora às vezes dá-nos os parabéns pelos trabalhos, e assim eu e o mano, e os outros meninos, até gostamos mais da escola, de fazer os trabalhos, esforçamo-nos mais, mas outras vezes…achamos que está bem feito e bonito, mas a professora não diz nada. Ficamos tristes! Também ficamos tristes quando os papás e os avós não nos dão carinhos, quando fazem de conta que nos ouvem, mas nem olham para nós, e depois não sabem o que dissemos. Na escola também há meninos maus, que têm a mania de nos chamar nomes feios, de dizer mal do que vestimos, de se rirem quando não fazemos as coisas direito…sentimo-nos muito envergonhados. Eu acho que às vezes eles não pensam que quando não nos ligam ou quando não falam connosco, quando não nos dizem coisas bonitas e agradáveis, ou quando não nos dão carinho…deixam-nos muito tristes, e a pensar que somos maus, que não prestamos, que não merecemos o que eles têm de melhor…até achamos que não temos nada de bom que os agrade!
Convosco também vos acontece o mesmo?
Quando? Onde? Como se sentem? O que pensam disso?
O que conseguem ver de vocês?
O que não conseguem ver de vocês?
Gostam da vossa imagem?
Sabem, às vezes o que os outros dizem de nós, e quando não reparam em nós, ficamos tristes, e tudo o que dizem de nós, vai ajudar-nos a construir a nossa visão de nós mesmos…aquilo que achamos que somos como pessoas, aquilo que os outros não vêem à primeira vista, como vêem a nossa cara! A flor vistosa também não via a flor murcha, mas ouvia a sua voz…a voz dos seus sentimentos.
Sabes uma coisa…? Não podemos deixar que o que os outros dizem de nós, nos transforme noutras pessoas, só para eles gostarem. Somos todos diferentes, mas só assim é que vale a pena…podemos ser amigos de todos, e não precisamos de ser iguais em tudo.
Nem sempre o que nos dizem sobre nós é a verdade que nós somos!

FIM
Lálá
(24/Agosto/2015)