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sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

O sonho do sonho, aos olhos de duas corujas

           


            Duas corujas estão pousadas na árvore, e conversam sobre o vizinho de cima, um poeta sonhador, que sonha acordado, e às vezes conta os seus sonhos, que rasga, depois de escrever num papel, e atira para os pés da árvore.

- Olha lá, oh amiga...tu sonhas?
- Sim, sonho...quando estou a dormir, e tu?
- Eu também sonho. E que sonhos são esses?
- Umas vezes são sonhos bons, felizes, outros...são...sonhos estranhos, confusos, aterradores!
- E os teus sonhos como são?
- Os meus sonhos são sonhos. Umas vezes também são bons, outras vezes nem tanto.
- Mas gostas de sonhar?
- Gosto, e tu?
- EU também.
- O sonho sonhou esta noite!
- Quem é o sonho?
- É o sonho...o nosso vizinho de cima.
- Como é que sabes que ele sonhou?
- De certeza que sonhou! Todos sonham.
- Mas os sonhos não sonham!
- Achas que não?
- Acho.
- Porque não?
- Porque os sonhos já são sonhos, não podem ter sonhos.
- O sonho sonhou mesmo!
- Ele disse-te?
- Disse.
- O que sonhou?
- Sonhou que era um sonho.
- Era um sonho bom ou mau?
- Sonhou! Não sei se foi bom, se foi mau...sei que sonhou!
- Sonhou?
- Sim, sonhou, todos sonhamos!
- Sim, claro...e que sonho foi esse?
- No sonho do sonho, o sonho sonhou que era um sonho!
- Mas o sonho já é sonho, como sonhou que era um sonho?
- O sonho sonhou que era um sonho!
- Áh! Sonhou...
- Sim, sonhou que era um sonho.
- Mas que confusão!
- O sonho sonhou com ele próprio.
- Sonhou como?
- Sonhou que era um sonho...
- Mas já é um sonho
- Sim, foi por isso que sonhou!
- Sonhou que era um sonho.
- Mas que sonho tão louco...
- Não! Foi só um sonho, que o sonho sonhou!
- E tu, não tens sonhos?
- Sim, tenho muitos sonhos.
- E os teus sonhos, também sonham?
- Não sei, nunca lhes perguntei.
- Mas achas que os teus sonhos, sonham?
- Acho que não sonham.
- Os meus sonhos sonham que são sonhos.
- Como é que sabes?
- Eu sei!
- Já os ouviste a conversar sobre sonhos, ou a sonhar?
- Nunca falei sobre isso com eles, mas de certeza que têm sonhos.
- Mas deve ser uma conversa de tolos.
- Não...são conversas de sonhos.
- Achas que os sonhos conversam?
- Sim, conversam.
- Sobre o que conversarão os sonhos?
- Não sei, nunca ouvi nenhuma conversa entre sonhos!
- Talvez os sonhos conversem sobre...sonhos.
- Sim. Mas deve ser difícil falar deles próprios.
- Como assim?
- É difícil falarmos de nós mesmos com outras pessoas. Talvez os sonhos também achem difícil falar deles próprios, ou dos seus sonhos a outros sonhos.
- Será que eles têm sonhos iguais?
- Não...quase de certeza que não têm o mesmo sonho.
- Porquê?
- Porque cada sonho, tem os seus sonhos.
- E os teus sonhos são iguais?
- Não. Sonho coisas diferentes todos os dias.
- E o sonho, será que sonha todos os dias?
- Claro que sim.
- Mas sonha todos os dias que é um sonho?
- Não sei. Se calhar sonha outros sonhos.
- Mas esta noite o sonho sonhou um sonho....
- Sim! Esta noite, o sonho sonhou que era um sonho.
- Que sonho estranho! Eu não gostaria de ter esse sonho, se fosse sonho.
- Eu gostaria de sonhar que era um sonho.
- Gostarias? Porquê?
- Talvez esse sonho dissesse muitas coisas de mim.
- Áh! Achas que o teu sonho ia falar de ti a outros sonhos, e que os levava para os teus sonhos?
- Sim.
- E gostavas de conhecer esses outros sonhos?
- Se fosse o sonho, sim, gostava de sonhar e conhecer outros sonhos.
- Achas que ias conhecer sonhos bons, ou sonhos maus?
- Eu preferia sonhar que conhecia os sonhos bons, mas os sonhos maus às vezes também nos visitam, e terão alguma coisa para nos dizer...
- Será que o sonho também gosta de sonhar com sonhos?
- Acho que sim.
- Serão sonhos bons ou sonhos maus?
- Os dois.
- Sim, pelo menos não temos sempre só sonhos bons.
- Se tu sonhasses com sonhos, que sonhos seriam esses?
- Ui, nunca mais acabava, se fosse sonhar com todos os sonhos que sonho.
- Eu também.
- E aqueles meninos que vivem em países que andam em Guerra, terão sonhos?
- Eu acho que esses nem devem dormir, com tanto medo e terror.
- Então não sonham!
- Não…se não dormem, não têm sonhos.
- Achas que eles sonham com sonhos, que lhes dão medo?
- Sim. De certeza!
- Mas não terão sonhos?
- Acho que não…
- Eu acho que eles sonham que a Guerra no país deles acaba quando abrem os olhos.
- Eu se estiver com medo, não sonho…ou…sonho sonhos com medo.
- E tens medo desses sonhos?
- Nos sonhos que tenho medo, sim.
- Eu também tenho medo.
- Eu se vivesse num país em Guerra também não tinha sonhos…ou…teria sonhos de medo, ou de fim da Guerra.
- Olha, e o sonho de cima, atira papéis lá para baixo…porque será?
- Será que são sonhos que ele sonha?
- Achas que ele escreve os sonhos?
- Pode ser…
- Será que são sonhos bons ou sonhos maus?
- Se calhar…devem ser sonhos maus, porque se fossem sonhos bons, ele guardava-os, não os rasgava.
- Pois… Acho que tens razão.
- Hoje, o sonho sonhou que era um sonho…e…eu é que acho que agora vou sonhar um bocadinho… (boceja) estou cheia de sono.
(A outra coruja ri-se)
- Vais sonhar que és um sonho?
- Acho que vou sonhar com um sonho…não sei qual.
(As duas sorriem)
- Para saberes se vais sonhar que és um sonho, ou se vais sonhar com um sonho, vais ter mesmo de fechar os olhos e dormir.
- É isso mesmo. Quando abrir os olhos, digo-te…(boceja outra vez) se sonhei que era um sonho, ou…(boceja outra vez) se…sonhei com algum sonho…Sonho….so…nnnnhhh…(adormece)
- O sonho sonhou que era um sonho. E tu, o que sonharás? Sonharás com um sonho, ou sonharás que és um sonho? Eu vou sonhar que com um sonho. Até já…bons sonhos.
         O sonho saiu da árvore ainda antes do nascer do sol, e regressa do seu passeio, já com o sol alto. As corujas que já tinham dormido, abrem os olhos. 
- Olá sonho! - Dizem as duas 
- Já de regresso? 
- Voltaste rápido! 
- Olá! Vai estar um dia lindo... - Diz o sonho
- Olha, tu sonhaste esta noite? - Pergunta uma coruja 
- Sonhei. E vocês não sonharam? - Pergunta e responde o sonho 
- Sonhamos! - Respondem as duas 
- E o que sonhaste? - pergunta uma coruja 
- Sonhei...que era um sonho! 
- Sonhaste que eras um sonho, ou sonhaste com um sonho? - Pergunta uma coruja 
- Sonhei que era um sonho! - Responde o sonho 
- E como foi esse sonho? - Pergunta a outra coruja 
- Sonhei comigo mesmo. Sonhei que era um sonho...o resto já não me lembro! 
- Mas, o que são os sonhos? - Pergunta uma coruja 
- Os sonhos que sonhamos, são sonhos que sonhamos. São desejos nunca confessados. Os sonhos que sonhamos, são filmes do que nos é proibido. São florestas de terror, medo, ansiedade, tempestades... - Responde todo poético, o sonho 
- Ai...não gosto desses sonhos! - Diz uma coruja 
- Nem eu! - Diz a outra 
- Eu também não, mas às vezes vamos passear por essas florestas, porque a entrada é a mesma. Mas os sonhos também são...lagoas serenas, de águas claras...
- Áh! Que lindas... - Suspiram e sorriem as corujas 
- São romances! - Continua o sonho poético 
- Gosto! - Dizem as duas corujas 
- São vitórias! 
- Áhhh!!! - Dizem as duas 
- Ééééhhhh... - Diz uma coruja 
- E derrotas... - Acrescenta o sonho 
- Óóóhhh... - Exclamam as duas corujas 
- Isso não! - Comenta uma coruja 
- Não gosto de derrotas. - Diz a outra 
- Nem eu! - Responde a outra 
- Eu também não, mas também fazem parte. Os sonhos são vontades...são música, são cores...são histórias contadas pelo cérebro...são personagens construídas pelos olhos, e pela mente...e representadas pelas emoções, pelo corpo...aprovadas e, ou...reprovadas pelo coração! Aliás...só ele entende a linguagem dos desejos nunca antes confessados! Alguns são tão bons! Pelo menos...nos sonhos que sonhamos...vivemos experiências, experimentamos emoções, entramos em contacto com o mistério que nos compõe. Outros...são apenas...sonhos sonhados! Que sonhamos...nem são desejos sequer...mas aparecem, quando o cérebro não está inspirado, ou está cansado e mistura tudo...como nós.
- Explica o sonho 
- Áh! Que bonito! - Exclamam as duas corujas a sorrir
- Então os sonhos são tanta coisa...! - Pensa em voz alta uma coruja 
- São mesmo! - Diz a outra 
- Há sonhos sonhados que sonhamos, e desejos que desejamos, que se transformam em bolas de sabão! - Acrescenta o sonho 
- Áh! Então andam muitos sonhos por aí... - Repara uma coruja 
- Sim. Nós vemos muitas bolas de sabão! Então...elas são sonhos que vagueiam... - Diz outra coruja 
- Isso mesmo! Essas bolas de sabão, têm aqueles sonhos que sonhamos e desejamos, e sabemos ao acordar, que não serão realizados...! - Diz o sonho com ar de sonhador 
- Óh, que pena...! - Dizem as duas corujas
- Eu tenho tantos sonhos que não se realizam...- Diz uma coruja 
- Eu também... - Diz outra coruja 
- Todos temos! Mas fazem parte de nós, vivem no nosso jardim, e quando os portões se abrem, todos entram...Porque esses são apenas...bolas de sonhos, bolas de desejos, bolas de vontades...que flutuam, pairam, vagueiam pelo jardim do sonhar e desfazem-se ao chegar ao Universo da realidade. São...sonhos! - Completa o sonho 
- Áhhhh...! - Suspiram as corujas a sorrir 
- Que lindo que deve ser esse jardim do sonhar. - Imagina uma coruja 
- Sim. É imenso...não tem fim, tem imensos caminhos, e existem milhões...todos diferentes. - Diz o sonho 
- Uau! - Dizem as duas 
- Que bom que é sonhar...sonhos bons. - Repara uma coruja 
- Pois é! - Diz a outra 
- É mesmo. - Responde o sonho
- Bem, desculpa amigo sonho...vou voltar a esse jardim do sonhar...porque estou cheia de sono. Só abri os olhos porque te ouvi chegar. - Diz uma coruja 
- Eu também! - Diz a outra coruja 
- Claro...à vontade! Eu também vou continuar o meu passeio. Até já...bons sonhos para vocês. - Deseja o sonho 
- Obrigada! - Respondem as duas 
         O sonho continua o seu passeio, e as corujas voltam a dormir. O que será que elas encontraram no jardim do sonhar? 

FIM
Lálá
(29/Dezembro/2016)


quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

A neve com sabor



Era uma vez um caminho cheio de neve que ia ter a várias casas. Por todo o lado havia neve, um sol fraquinho que espreitava tímido entre o nevoeiro baixo e denso, e frio. Já nevava há vários dias e noites, mas quando parou, todos saíram de casa e foram sentir a neve, brincar com ela, escorregar, rir, construir bonecos e conviver.
Um menino pegou numa bolinha de neve redondinha e branca, leve, sentiu-a fria nas suas mãos e cheirou-a. Não cheirava a nada. Quis saber se a bola de neve tinha sabor…deitou a língua de fora, tocou a medo com a ponta da língua na neve e…óóóhhhh… que estranho! A neve…sabia a qualquer coisa! Mas não conseguia perceber muito bem ao que era.
Pediu aos pais que provassem, os pais deram umas sonoras gargalhadas e não provaram. Acharam que ele estava a imaginar. Pediu a uma menina sua amiga que provasse…a menina tirou um pedacinho de neve, provou-a e…Áhhhh…! Surpresa…a menina também sentiu que sabia a qualquer coisa.
Os pais provaram mas lembraram-se que aquilo podia ser venenoso. Quando olharam para os cães, viram-nos deliciados a brincar e a trincar neve, todos felizes, a correr, a saltar, a escorregar, a ladrar. Foram perguntar aos cães se a neve também tinha sabor.
Os cães não perceberam o que eles perguntaram e continuaram a trincar neve. Os meninos pegam noutro pedacinho e provam.
- Esta também tem sabor! – Diz a menina surpresa
- Pois tem! – Diz o menino
- Humm….é boa!
- Também acho! Mãe…pai…ei…todos…provem a neve!
- O quê? – Perguntam todos
- Óh filho, alguma vez a neve se provou? – Pergunta um Avô
- Nós provamos…eu e ela!
- E tem sabor! – Garante a menina
- Não pode ser! – Dizem todos
- A neve nem sequer é de comer! Pelo menos por nós, humanos. – Comenta uma tia da menina
- Prova, tia! É boa. – Convida a menina
Ninguém acreditou, mas todos ficaram curiosos, queriam ter a certeza que era imaginação das crianças. Provaram a neve a brincar…pegaram num bocadinho de neve, e tocaram com a ponta da língua.
- Áh! E não é que esta neve tem mesmo sabor…?! – Comenta outro Avô
- Realmente…! – Dizem todos
- Isto é muito estranho! – Repara um pai
- Pois é! – Dizem todos
- Os cães também provaram e comeram neve! – Diz a menina
- Como é que pode ser? Nunca conheci uma neve que tivesse sabor.
De repente, enquanto estão todos muitos pensativos naquele mistério, ouvem alguém a chorar. Procuram por todo o lado, mas não vêem ninguém! É uma pequenina fada que está pousada em cima de um telhado, uma fada da cor do gelo, quase transparente que parecia vidro.
- Está ali…! – Diz a menina
- Quem está aí? – Perguntam todos
A fada assusta-se e para de chorar.
- Olá! – Diz a fada
- Quem és tu? – Perguntam todos
- Sou a fada do gelo!
- Áh! Que linda…! – Dizem os meninos a sorrir
- És tu que estás a chorar? – Pergunta uma mãe
- Sim! – Responde a fada
- Porquê? – Perguntam todos
- É que a fruta que eu tinha apanhada para fazer os meus produtos, foi sugada pelo vento forte…sugou tudo, e desapareceu. Perdi tudo! Agora como vou fazer os meus produtos? - Conta a fada
- Óh! Que pena. – Dizem todos
- Apanhas outras, não faz mal…! – Diz uma Avó
- É! O que mais há por aí é fruta…até podes vir ao meu jardim.
- A sério? Muito obrigada! – Diz a fada a sorrir
- Sabes que esta neve tem sabor?  - Pergunta o menino
- Tem sabor? Como assim? – Pergunta a fada
- Sim! Eu provei, e tem sabor. – Diz o menino
- É verdade! Eu também provei e soube-me a qualquer coisa! – Confirma a menina
- Pois é! – Dizem todos
- Eu pensei que eram eles a imaginar, mas também quis provar e também me soube a alguma coisa! – Reforça outra mãe
- Prova! – Desafia a menina
- A fada desce do telhado, pega num pedacinho de neve, prova e…
- Áhhhh! É mesmo! E que boa que é! Huuummmm…. Sabe a… fresco…a…água…a…plantas! – Diz a fada
- É isso! Não sabíamos dizer bem ao que sabia. – Diz outra mãe
E todos comem mais pedacinhos de neve. Descobriram vários sabores diferentes, em vários sítios por onde provaram. Uns pedacinhos sabiam a fruta, outros pedacinhos a plantas, outros a flores, outros a mentol e eucalipto, outros a limão.
Provaram tanta neve que quase congelaram…tomaram um chá quente, e todos ficaram doentes uns com tosse, outros com gripe, porque a diferença de temperatura foi muito grande, e ainda por cima tinham as roupas molhadas no corpo porque estiveram a divertir-se uns com os outros e com a fada.
A fada foi a única que não ficou doente, porque já estava habituada, e foi visitar um por um, levando-lhes bolinhas de mel, geleia de água quente com limão, almofadinhas bordadas pelas suas amigas com eucalipto e mentol…eles agradeceram à fada, com uma grande festa, depois de estarem totalmente bons.
Afinal…a neve tinha sabor porque o comilão das nuvens adorava fruta, aspirou todas as frutas que a fada apanhou, para fazer os seus bolos, e todo o sumo que ele deixou cair, porque era muito trapalhão, foi parar às nuvens que iam para a terra, a quem se juntaram para brincar. Acabaram congeladas como as outras gotas de chuva, e transformaram-se em neve! Neve com sabor…
Fim
Lálá
(7/Dezembro/2016)


sexta-feira, 18 de novembro de 2016

As bailarinas





          Era uma vez uma floresta, despida, com as árvores que só tinham os troncos, sem folhas, coberta de branco, e tudo congelado. O chão estava vidrado e muito escorregadio.
Um dia umas esquilinhos que viviam no parque de uma cidade onde não havia neve, nem gelo, só frio e poluição, foram passear e procurar sítios onde pudessem mostrar a sua arte: dançar balé.
Nos arredores da grande cidade encontraram essa floresta, entraram e começaram logo a escorregar. Deram as mãos e uns gritinhos, quando quase caiam.
- Olhem…isto está muito perigoso! – Diz uma esquilinho
- Pois está! – Dizem todas
- Se eu não estivesse agarrada a vocês, tinha caído com toda a certeza!
- Pois! Nós também.
- E podias magoar-te bem…!
- Claro!
- Ei…esperem aí…!
- O que foi?
- Estamos à procura de palcos, certo?
- Certo! – Dizem todas
- Mas é melhor sairmos daqui…
- Não. Aqui é um ótimo sítio para atuarmos. Olhem para isto…tudo está congelado.
- Sim, mas achas que o gelo aguenta o peso?
- Acho que sim!
- Não sei se é seguro.
- Porque não?
- Deve ter água por baixo!
- E depois?
- E depois? Se tem água e o gelo parte, caímos à água gelada…nem quero pensar.
- E porque é que isso haveria de acontecer?
- Não sei…!
            Uma coruja ouve a conversa.
- Posso ajudar-vos?
            As esquilos estremecem e olham para todo o lado.
- Aqui, em cima da árvore… - Diz a coruja
            A coruja desce devagar, e pousa no gelo.
- Olá! – Dizem todos
- Olá! O que fazem aqui? – Pergunta a coruja
- Viemos passear! – Dizem todas
- À procura de um palco. – Completa uma
- Um palco? Aqui? – Pergunta a coruja surpresa
- Sim! – Respondem todas
- Somos bailarinas de gelo, e às vezes usamos patins! – Explica outra
- Áh! Entendi. – Diz a coruja
- Achas que aqui é um bom sítio? – Pergunta outra esquilo
- Sim! Aqui têm gelo por todo o lado.
- Mas será que o gelo não parte?
- Não! – Assegura a coruja
- Já alguém tinha atuado aqui? – Pergunta outra esquilo
- Não! Espetáculos não, mas já vieram para aqui ensaiar…a camada de gelo é muito grossa, já está acumulada há muito tempo, e está muito frio! – Explica a coruja
- Uau! – Exclamam todos
- Podemos fazer aqui o nosso espetáculo.
- É que nós vivemos num parque de uma cidade onde não há gelo, nem neve, só há uma coisa que eles chamam poluição…muito barulho…frio, mas sem neve, e com chuva e vento! – Diz outra esquilo
- Entendo! Claro que podem fazer aqui, à vontade. Precisam da minha ajuda? – Pergunta a coruja
- Podes…ajudar-nos da divulgação…anunciar o nosso espetáculo…e… - sugere outra esquilo
- Sim! Com muito gosto! – Diz a coruja
     A coruja ajuda na decoração, e enquanto divulga, as esquilinhos ensaiam o seu espetáculo. Numa noite de lua cheia, enorme, a floresta enche-se de luzes, brilho, música, e público.
          As bailarinas estão simplesmente maravilhosas, lindas, graciosas, delicadas, brilhantes, sorridentes, coloridas. Uma esquilinho faz a apresentação, a lua ilumina todo o espaço, além das luzes do palco.
       Todos aplaudem, a música começa a tocar, e as doces esquilinhos dançam de uma forma tão bonita, que deixam todo o público encantado. Umas danças são feitas com patins de gelo, num lago congelado, outras entre as árvores, com sapatinhos, brincadeiras, piruetas movimento elegantes e depois convidam o público para dançar.
     Recebem muitas palmas, tiram-lhes muitas fotografias, e elas fazem centenas de espetáculos durante todo o Inverno, por toda essa floresta, onde havia muitos lagos e fontes congelados.
         Quando começa a Primavera, as esquilinhos não fazem mais espetáculos, porque o gelo derrete, e há água por todo o lado. Mesmo assim, elas não se esquecem da sua amiga coruja, que as leva a conhecer a floresta sem gelo, tão diferente da que conheceram durante todo o Inverno.
       Cada pedacinho da floresta que estava coberta de gelo, agora, na Primavera, tinha cores, sons, movimento, flores e muita água corrente, que parecia que cantava.

FIM
Lálá

(15/Novembro/2016)

A aldeia dos esquilos

                                                                             foto de Lara Rocha 

Era uma vez um bairro de árvores ocas onde viviam esquilos, que se davam muito bem. Sempre que algum precisava de alguma coisa, todos ajudavam como podiam. Este ano o Verão tinha sido muito longo, escaldante e seco.
Como já previam no inicio do Outono, e porque já tinham ouvido o esquilo sábio dizer que o Inverno ia ser gélido, muito chuvoso e ventoso, os esquilos fizeram longas caminhadas, durante vários dias por muitos pinhais, e campos.
Foram em grandes grupos, e a cada regresso, vinham carregados com tudo o que conseguiam, tudo o que lhes fazia falta, em grandes sacos resistentes, construídos pelas mãos habilidosas das costureiras, e carrinhos.  
Todos ajudavam a carregar. Andavam cá e lá, enchiam voltavam a casa, guardavam no armazém coletivo, e voltavam a sair; carregavam e voltavam. Pelo caminho cantavam, conversavam, riam, subiam às árvores, com a ajuda uns dos outros, viam a paisagem e ficavam maravilhados, tiravam fotos.
Trepavam vários ao mesmo tempo, atiravam as nozes e os que ficavam em baixo apanhavam as que já tinham caído e as que vinham das árvores. Depois apanhavam pinhas para comer, e cascas de árvores para aquecer as casas, musgo e folhas.
O Outono passou a correr, e o frio começava a espreitar. Os esquilos já conseguiam sentir que o tempo estava a mudar, mas ainda continuavam a recolher mais comida e coisas que precisavam.
Um dia, eles estavam já bem agasalhados a apanhar pinhas, quando o céu ficou cheio de nuvens, depois de terem saído de casa com sol. Caem umas gotinhas de chuva, e eles desatam a correr rasteiros ao chão, com muita dificuldade por causa do vento forte e gelado.
Quando chegaram ao bairro, foram ao armazém público reforçar os alimentos. Cada um encheu as despensas e as salas, entraram e saíram dezenas de vezes, parecia uma grande cidade, e ajudaram-se uns aos outros. Instalaram-se confortavelmente nas suas casas, e aqueceram-nas, as árvores, encostaram-se mais umas às outras.
Um bom esquilo não conseguiu ficar descansado a pensar que as árvores estariam também com frio. Lembrou-se de pedir a cada um uns cobertores, para cobrir as árvores. Como eram muito generosos, não pensaram duas vezes…cada um, deu mais que um cobertor.
Uns esquilos treparam aos telhados das suas casas e agarrados uns aos outros cobriram as copas das árvores com muito carinho. As suas esposas esquilinhos ficaram em baixo a sofrer, muito preocupadas e com uma cama elástica, caso algum caísse. Por um lado estavam cheias de frio, e nervosas, mas também orgulhosas pelo gesto dos seus maridos, e filhotes.
Os cobertores estenderam-se, e porque o bairro tinha a forma de um círculo, cobriram os troncos em baixo também, e as raízes. O ambiente ficou muito mais agradável, quente, confortável e as árvores ficaram felizes.
Com tantos cobertores, a neve que começou a cair quase não entrou, e os esquilos puderam continuar a encontrar-se fora das portas para conviver. Às vezes faziam jantares, e almoços, onde partilhavam alimentos e divertiam-se sempre muito, adoravam estar juntos.
Outras vezes faziam lanches e serões onde os esquilos mostravam os seus talentos: uns liam poesias que escreviam, outros pintavam quadros e mostravam, outros dançavam e tocavam, faziam desfiles de moda, aplaudiam e até se esqueciam do resto do mundo à sua volta.
Não lhes faltava nada! Festejaram o Natal, numa linda e enorme festa, e assim ficaram até que chegou a Primavera, quando saíram das tocas e puderam brincar.

FIM
Lálá
(14/Novembro/2016)