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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

a vela e a lua

fotos de Lara Rocha 


Era uma vez uma vela que estava à janela da sua casa, apagada, à noite, e lembrou-se de olhar para o céu cheio de estrelas cintilantes. Era um momento que ela repetia muitas noites, para descansar, e relaxar, já conhecia muitos barulhos noturnos, entre cigarras, grilos, corujas a cantar, água a correr, vento, folhas a abanar, chuva, trovoada, neve, e às vezes descobria novos barulhos.                                             Quando estava mau tempo, ela ficava a apreciar a tempestade da janela do seu quarto, às vezes juntava-se com outras velas que tinham medo, outras vezes faziam reuniões e festas, pediam para as Guerras acabarem, e haver paz. 

Mas nessa noite, ouviu uma voz pequenina: 

- Boa noite! 

- Quem está aí? 

            Que grande susto que ela apanhou, recuou, estremeceu, voltou à janela com uma chama enorme no seu pavio, era o seu coração acelerado. Procurou da janela, olhou para todo o lado e ouviu risinhos. 

- Quem está í? - pergunta a vela muito assustada 

- Sou eu... estou aqui em cima! - diz a lua 

- Onde? (olha para cima) Não vejo nada, nem ninguém. 

- Aqui... sou a Lua.

             A vela já tinha visto a Lua muitas vezes, mas não tão bonita como estava nessa noite! 

- Áh! Olá! Desculpa, pensei que era um visitante aqui nas redondezas da minha casa. - explica a vela 

- Não faz mal (ri a lua). Não queria assustar-te. Mas vi-te aí tão quieta, tão silenciosa, e escura! Estás triste? 

- Não. Estava a descansar. Eu gosto destes momentos de silêncio e sossego, gosto muito de ver as estrelas, e a ti,  Lua. Pensei que não falavas! 

- Óh, desculpa interromper o teu descanso, não sabia. 

- Não faz mal. 

- Hoje estás especialmente bonita. Desculpa a minha indiscrição, mas vais a algum sítio especial, alguma festa? - pergunta a vela 

- Não. (ri a lua) É que sou a Lua Cheia, a maior de todas, a mais luminosa, é a minha vez de iluminar a noite. 

- Sei. Mas que linda. 

- Eu ia propor-te um passeio e um jogo, queres? 

- Um passeio, e um jogo...? Hummm... está bem. Porque não? E onde vamos? Tu vens cá abaixo? 

- Olha para o chão à tua volta. Já estou aí. - diz a lua  

- Áhhhh... Estou a ver uma claridade diferente. 

- Pois, sou eu. 

- E estás aí em cima? 

- Sim. 

- Então como vamos jogar, e passear? 

- Já vais ver. Eu acompanho-te, Ora, sai de casa, então. 

            A vela sai, intrigada, com o seu pavio aceso, de forma mais pequena, e olha para a lua. 

- E agora? 

- Agora, começa a andar por onde quiseres. Olha à tua volta, e vê as diferenças, vê o que muda...vês... eu também estou a andar contigo! 

- Áh, que giro! Como é que estás aí em cima, e aqui em baixo ao meu lado? 

- Magia...?! (ri) Não. É mesmo isso que acontece. 

            A vela enfraquece a sua chama para ver melhor a diferença da luz da luz refletida no campo. Corre, e vê que a luz da lua a acompanha, mexe-se e a lua parece que se mexe para a acompanhar. 

- Estou encantada a ver isto, mas...qual é o jogo, afinal? 

- É este. Para onde quer que vás, eu vou também, tu mexes-te, e eu mexo-me ao teu lado, à tua frente.

- A minha sombra é muito mais pequenina que a tua. - repara a vela 

- Claro que é! Mas é bonita. A minha luz e a sombra que veem aí em baixo é muito maior, porque estou muito cá em cima, para iluminar a noite, nesta via láctea que nunca mais acaba, tenho de ser muito maior. As estrelas que tu vês daí, parecem pequenas mas na verdade, também são enormes. 

- A sério? 

- Sim. 

- Realmente parecem mesmo pequeninas. 

- Pois, e eu gigante, como o sol.

- Sim. Mas aí em baixo só me veem quando estou neste formato. 

- Óhhh....a minha luz desaparece à beira da tua! 

- E depois? - pergunta a lua - os candeeiros também dão a luz que precisam de dar, e não deixam de ser candeeiros, a luz deles é importante, e não é como a minha. Querias ter uma luz maior? 

- Queria! 

- Para quê? 

- Para levar paz ao mundo! 

- Isso é bonito! Mas...E achas que uma vela só, como tu, vai chegar para levar paz ao mundo? 

- Pois. Sou demasiado pequena! A minha luz é demasiado fraca... 

- A Guerra é muito maior do que milhares de velas, ou milhares de luas. Mas não é a intensidade ou o tamanho da luz das velas, que vão mudar o mundo. A vossa intenção é ótima, mas até entre vocês, velas, existem tamanhos que dão luzes maiores outras mais pequenas, não é? 

- Sim, é verdade. 

- Cada vela é importante, mas uma só não chega para o tamanho da maldade humana, comos os que fazem a Guerra. 

- Pois, acho que tens razão! Tu vês a Guerra aí de cima? 

- Sim, infelizmente vemos! 

- Eu e muitas velas juntamo-nos muitas vezes, encostamo-nos umas às outras, umas vezes acendemo-nos umas às outras, pensamos em Paz, pensamos em saúde para todos os humanos e animais, desejamos em conjunto que a Guerra acabe. As nossas luzes ficam muito mais fortes, mais puras nessas noites e nesses lugares por onde passamos. 

- Áh, que bonito! Acho que já vos vi a fazer isso! 

- É, mas não funciona. 

- Funciona, claro que funciona, para vocês, que sentem paz, e fazem quem olha para a vossa luz, sentir paz! Isso é muito bom! Vocês servem para muita coisa aí em baixo. 

- Sim, é verdade...Como é que sabes? 

- Nós sentimos cá em cima! 

- A sério? 

- Sim! 

- A tua luz, também é relaxante. 

- Então porque é que a Guerra não acaba, com as nossas luzes? 

- Pois...gostava de saber responder a essa pergunta, mas não sei. Nem sei porque fazem a Guerra, se a paz é muito melhor! Eu gosto das vossas luzes! 

- Obrigada! - sorri a vela

            A vela e a lua continuam a conversar e a brincar às sombras, a comparar o tamanho da luz de uma e o tamanho da luz da outra, em diferentes sítios, correm, brincam, saltam, riem, dançam, a Lua vê o seu reflexo nos ribeiros, e a vela também. 

- Olha que grande que pareço aqui. - diz a vela 

- Sim, é verdade, e olha eu....áh, áh, áh, pareço uma bola ainda maior, cheia de ondas, ou às riscas. 

- É da água em movimento. E olha a minha chama, que esquisita! 

          As duas dão uma gargalhada, mexem-se, colocam-se em diferentes posições, a vela conta coisas sobre o lugar onde mora, mostra à Lua pormenores que ela nunca tinha visto. 

- Que giro que é o lugar onde vives. Olha, eu ficava aqui contigo o resto da noite, mas vejo que estás cansada, vou deixar-te descansar. 

- Sim, é verdade, estou com sono, e cansada, mas estava tão bom, eu estava a gostar tanto de falar contigo. 

- Não te preocupes, voltarei noutro dia! 

- Adorei as nossas brincadeiras. 

- Eu também! Uma boa noite, amiga. 

- Obrigada, Boa Noite para ti também e para vocês todos aí. Adoro ver-vos. 

- Continuem a juntar-se, vocês, velas, porque não podem acabar com a Guerra, mas enquanto estão juntas, sente-se paz à vossa volta, isso é o mais importante, e transmitem coisas boas para a Terra, para vocês! Não desistam. 

- Combinado! Obrigada por este bocadinho. - diz a vela 

- De nada! Obrigada eu. Até breve! 

         A vela recolhe para a sua casa, e a Lua continua lá em cima, linda, enorme, luminosa, sorridente. Ganhou uma nova amiga, e fez a vela sentir-se apreciada, querida, mesmo pequenina, é importante. Algum tempo depois, a vela junta as amigas e apresenta-as à Lua, repetem as brincadeiras, e divertem-se. A lua tornou-se a sua melhor amiga. 

         Cada vela, cada vida humana ou animal importa, mesmo que seja simples, cada um tem a sua própria luz, maior ou menor, umas vezes mais forte, outras vezes mais fraca, mas precisam da luz uma das outras. 

                                                                        FIM 

                                                                    Lara Rocha 

                                                                      23/2/2022 

            

sábado, 12 de fevereiro de 2022

a professora humana (monólogo para professores, sobre sinais de alarme e suicídio nos alunos)

     



       Uma professora da disciplina de Português, enquanto passeava pela sala e falava sobre a matéria, espreitou ao de leve os cadernos, mas um deles, chamou-lhe mais a atenção. 

    Era de uma aluna que costumava ser muito ativa, alegre, brincalhona, faladora, participativa, e de há uns dias para cá, a professora percebeu que havia algum problema com essa menina.

    O seu caderno estava riscado, a cor preta, a jovem que usava muita cor tanto no caderno como na roupa, agora vestia roupa preta. Apresentava um ar pálido, triste, descuidado, com olheiras, sonolenta, chegou a deitar a cabeça em cima da mesa. Parecia alheada de tudo, um estar lá, só por estar.

    Deixou de fazer os trabalhos de casa, e a escrever frases estranhas, desenhos de cariz mórbidos. A professora sentiu que a aluna não estava bem, e escreveu-lhe um bilhetinho, entregando-o discretamente, pousando a mão na secretária da aluna e deixando o papel dizendo que se ela precisasse de falar, no fim da aula estaria disponível.

    Nesse dia, a aluna viu o bilhetinho mas foi embora. A professora encontrou-a no recreio isolada de todos, num choro compulsivo que quase lhe tirava o ar, deitada no chão, enrolada sobre si mesma.

    Todos olhavam para ela, mas não faziam nada. 

- Porque é que aquela colega está isolada, afastada do grupo todo? - pergunta a professora 

- Porque ela não vale nada. - diz uma aluna arrogante 

- Ninguém gosta dela, assim. - diz outra 

- Porquê? - pergunta a professora 

- É uma pobre alma penada! - diz outro aluno 

(Todos riem) 

- E porque é que a põem de lado? - pergunta a professora 

- Porque ela parece um pau de virar tripas, fala por todos os poros, tem a mania que é boa. - diz outro colega 

- Deves ter muita moral para julgar. - diz a professora 

- Para mim, ela é que se põe de lado, ela é que se afasta, se calhar ela é que não gosta de nós, também não vamos obrigá-la a ficar connosco, se não nos curte. Nós também não a curtimos. - explica um aluno considerado o líder que leva todos atrás. 

- Stôra, olhe para aquilo! 

- Um bando de patetas aqui a olhar para a colega que está a sofrer, e ninguém faz nada... vocês, realmente. Por acaso já perguntaram o que é que ela tem e se precisam de alguma coisa? Ficava-vos bem! - pergunta a professora 

- Stôra já viu os cadernos dela? - diz um companheiro de carteira 

- O que é que tem? - disfarça a professora 

- Agora faz cada desenho mais nojento. Macabros. 

- E já lhe perguntaste o que significam? Ela pode estar triste, deprimida, doente, ou ter perdido alguém. Pode ter problemas em casa... - diz a professora 

- Ninguém se quer aproximar daquele trambolho. - comenta outro colega 

- Quem é que quer aquilo? 

- Mas que falta de respeito...deves ter a mania que és um príncipe, não? Coitadinho... - diz a professora. 

(Todos riem à gargalhada) 

- Stôra, ela anda passada! - diz um aluno 

- O que é que te faz dizer isso? - pergunta a professora 

- O que ela era, e o que está agora. - diz uma aluna 

- A stôra já viu como ela anda...? Toda de preto, mete medo! - diz outra aluna 

- Cada um anda como gosto. Os vossos trajes também não me agradam, mas não sou vossa mãe, não me meto nisso. Se fossem meus filhos eu não permitia. 

- Só chora. Parece uma fonte. - comenta outro a rir 

- E vocês não podem ouvi-la sequer, mas que grandes amigos que sois. Se fosse um de vós, queria ver se gostavam. Olhem como ela está. 

- Anda metida em coisas que não deve...depois ressaca. 

- Isso são maneiras de falar? Não sabem nada sobre a vida da colega, para que estão a julgar? Podem estar totalmente errados. 

- E vocês não andam metidos em nada...claro que não. São uns santinhos e santinhas. Até fazem às escondidas como eu já vi. 

(Todos riem) 

- E a stôra não experimentou nada? 

- Era só o que faltava! A vossa adolescência não tem nada a ver com a minha. Se víssemos alguma colega naquele estado, íamos logo ver o que se passava, não ficávamos a olhar para ele, como vocês. - conta a professora 

- É que ela gosta dele, e ele não gosta dela. 

- Eu perguntei-te alguma coisa? Mete-te na tua vida. Vocês não sabem nada! 

- Ela já anda estranha há algum tempo. - diz uma aluna 

- E vocês nem se atrevem a ir ter com ela, dizer que estão preocupados, ou perguntar se está tudo bem. Se ela fosse um de vós, queria ver se gostavam de ser postos de lado, e deixados ao abandono quando mais precisassem. 

- Ela deve andar a fumar umas coisas, ou metida na droga, porque afasta-se! - comenta uma 

- Como é que sabes o que se passa com ela? Se é isso ou se é outra coisa qualquer se não falas com ela. Vocês são uma tristeza. 

    Há um rapaz no grupo que também mudou o comportamento, está triste, a olhar para a rapariga, e a professora percebe que se passa alguma coisa com ele também. 

- Tu...fica-te bem mostrares sentimentos, mas porque não vais lá ter com ela, também! - convida a professora

- Ela gosta dele, mas ele não gosta dela, não deve ser por isso que ela está assim. - diz outro colega 

- Não têm nada se meter na vida amorosa dos colegas e amigos, nem de ninguém. Não são obrigados a corresponder, mas há uma coisa que se chama educação! Sensibilidade, humanidade. Vocês não têm nada disso, que miseráveis. Independentemente de gostarem ou não, a vossa colega precisa de vocês, e vocês podem estar a fazer dela um juízo totalmente errado. É muito feio estar a falar no ar. Alguma vez falaram com ela, ou convidaram-na para se juntar? Isso é bom para vocês, especialmente se forem diferentes, e são todos diferentes. Eu tenho a certeza que se fosse um de vós, ela iria ter convosco. - ralha a professora 

- Não ia nada, stôra! Aquilo é um cubo de gelo! - diz uma aluna invejosa 

- Tanta arrogância numa criatura tão pequena, é lamentável. Querem que eu marque uma reunião com os vossos pais, para eles verem quem têm? Até os ensino a educar-vos para serem seres humanos. - comenta a professora

- Não, stôra...por favor... - dizem todos 

- Pois é, descubro-vos os podres...aprendam a ser gente ou eu faço mesmo isso. Não quero ver mais aquela colega sozinha, nem naquele estado. Ouviram? - diz a professora 

- Sim, stôra. - dizem todos 

- É. Sim stôra, mas tenho a certeza que não vão fazer nada. Só por causa disto, um dia destes, vão ter um teste surpresa, por isso, em vez de estarem a fazer juízos de valor sem sentido, e mostrarem tanta insensibilidade, vão mas é estudar. 

    Começam todos a resmungar, a dizer que não. 

- Calou! Se não é já na próxima aula, se vejo que a colega está outra vez isolada. E se calhar vai ser mesmo. Vão chumbar todo, tenho a certeza. - ri a professora 

    Todos vão para a aula seguinte, e a professora vai ter com a aluna, fez-lhe uma carícia, deu-lhe a mão:

- Queres conversar, não queres? Eu sei que queres, e que precisas, podes contar comigo! vamos até ali à sala. 

    A aluna abraça-se à professora, as duas vão para uma sala. A professora disponibilizou-se novamente:

- Agora que estamos aqui, podes estar à vontade! Tenho-me apercebido que estás diferente, mais calada, mais triste, mais obscura, vestes cores muito escuras, tens escrito frases e feito desenhos muito...pesados! Nas aulas estás ausente, e noto a tua expressão triste, com olheiras. Eras tão aplicada, e de há uns tempos para cá, baixaste muito as notas, não participas, não fazes os trabalhos de casa, quase dormes em cima da mesa, estás com ar de doente. O que se passa? Podes confiar em mim, não conto a ninguém. 

- A professora reparou nessa mudança? 

- Reparei! Em muitas mudanças, e que me preocupam! Eu preocupo-me contigo! E com o facto de os teus colegas não irem ter contigo, e saber o que se passa. Mas disso já tratei. 

- É. A professora tem razão. Por favor, não conte a ninguém! Mas, eu não ando bem. Quero desaparecer, não presto, sou um monstro, odeio-me! Não quero mais viver, estou cansada, desiludida, não estou cá a fazer nada, ninguém repara em mim, estou sozinha. Nem o rapaz que eu gosto, quer saber de mim. Apaixonei-me, odeio-me por isso, porque ele não gosta de mim, disse-me na cara, nem soube por mim, foi outra venenosa que lhe foi dizer, também deve gostar dele. 

- Tu achas que alguém manda no coração, e que somos nós que decidimos ou escolhemos por quem nos apaixonamos? Claro que não! Essas paixões acontecem naturalmente, fazem parte do ser humano, de nós todos. Não tens de te odiar por isso, ele não está interessado em ti, hoje, mas nunca se sabe quando não virá a estar daqui a uns tempos. Não deves é esconder-te, deves mostrar que ele é que está a perder, em não querer conhecer-te. 

- Como, professora? Se ele foge de mim, não gosta de mim. 

- Pode haver outro interessado, não sabes. E também qual é a pressa, rapariga? Ainda és tão nova, pode nem ser paixão o que sentes por ele, vais conhecer muitos mais rapazes, que podem corresponder-te. Óh filha, compreendo bem o que sentes, mas este não vai ser com certeza o teu amor para sempre. Vais crescer muito, claro que dói, mas olha que ele não merece que fiques assim. 

- A professora viu a indiferença dele? E de toda a gente? 

- Vi, sim. Achas que se ele quisesse alguma coisa contigo, te ignorava como os outros? Não mendigues amor. Não é esse, não tem que ser aquele que gostamos, esse que gostamos pode não ter nada para nos dar, é apenas uma ilusão da nossa cabeça, a nossa vontade de sermos correspondidas, é normal, mas não tem de ser assim. 

- Mas dói tanto. Eu não aguento essa dor, prefiro desaparecer, também não lhe vai fazer diferença. 

- Para ele pode não fazer diferença, que tu desapareças, mas para mim, para os teus pais, para outros amigos que tenhas, e família, vai fazer muita diferença, e até para outros rapazes que venham a aparecer. 

- Esta dor nunca vai desaparecer! 

- Claro que vai desaparecer. E terás muitas mais, muito piores, por outros motivos. 

  A professora partilha algumas experiências da sua adolescência e de outras adolescentes, da sua geração, e de agora. Dá-lhe conselhos, e consegue arrancar alguns sorrisos. As duas têm uma longa conversa, e a aluna sai com outro ar, disse que aprendeu muito com  a professora, que aquela conversa mudou o resto do dia, e os seguintes. 

     No final da aula, o rapaz de quem ela gostava, vai ter com ela.

- Vieste ver se já me matei por tua causa? Perdeste tempo...vai lá para os teus amiguinhos e para aquela cobra venenosa. Não precisas de te preocupar comigo. 

- Ei, calma. Podemos conversar? 

- É contigo...não és obrigado a falar com quem não gostas! Problema teu. 

- Desculpa. 

- O quê? 

- Eu não sabia que andavas assim por minha causa. Também não quero que ver-te nesse estado por minha causa. Quero conhecer-te, posso? Podemos ser amigos? 

- Mas que grandessíssima lata...! Magoaste-me, e ainda achas que vou aceitar tua amiga. Partiste-me o coração. 

- Vá lá...eu não sabia. 

- Não sabias...coitadinho, claro que não! 

- Fiquei preocupado contigo. Mas realmente não mereço que fiques nesse estado por minha causa. Podemos conhecer-nos ou não? Vá lá....por favor...eu quero saber como és. Nem que fiquemos só amigos, e depois vemos no que dá! Mas eu quero conhecer-te. Posso? Não quero saber o que os outros dizem de ti...quero ter a minha opinião sobre ti - diz o rapaz, meigo 

- A sério? Para vocês é tudo tão fácil...magoam uma rapariga, não correspondem e ainda se atrevem a dizer que querem ser amigos delas. Não mandamos no coração, nem nas paixões. Desculpa eu, eu é que não tinha nada que me interessar por ti, devia ter percebido logo que não querias nada comigo. 

- Vá lá...eu sei que estás magoada, e percebo-te, mas posso tentar? 

- É contigo. 

- Posso? 

- Quem sou eu para responder por ti, tu é que sabes... 

- Eu quero conhecer-te, quero ser teu amigo, quero saber como és. 

- A sério? 

- Sim, vá lá, dá-me essa oportunidade. Os outros têm uma ideia sobre ti, que eu acho que não corresponde, por isso quero conhecer-te, se quiseres, claro. 

- E se me provocas mais dor?

- Não provoco nada...ou então, dás-me uma chapada. 

- Combinado! Negócio fechado. 

- Vamos dar uma volta por aí, e conversar? 

- E os outros se nos veem? 

- Quero lá saber dos outros... vamos? 

- Vamos. 

        O rapaz tinha razão. Quando começou a falar com  ela, percebeu que nada do que os outros diziam dela, correspondia à realidade. Ele gostou muito dele, tornaram-se grandes amigos, ela voltou a ser como era, e com o tempo, foram-se apaixonando, estudavam juntos. 

     Ela voltou a usar cores, a dedicar-se às aulas, e os dois acabaram por namorar, surpreendendo tudo e todos, até contaram a novidade à professora humana, e pediram para ser a madrinha de namoro deles. Ela aceitou, qualquer problema que tinha, iam falar com ela. 

        A professora sentiu-se realizada, e muito feliz, principalmente porque evitou a destruição de uma vida ainda jovem, ensinou- lhe muita coisa, e tudo acabou bem. A ajuda da professora humana foi essencial, e qualquer professor deve estar atento a alterações de comportamento ou emocionais dos alunos, conhecê-los bem, ser próxima deles, e atuar na hora certa. 

                                                     FIM 

                                                    Lara Rocha 

                                                     12/Fevereiro/ 2022 



terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

A espera da esfera

             


       






fotos e objetos de Lara Rocha 




 





            Era uma vez uma menina que estava a brincar no seu jardim, e viu um berlinde. Ficou encantada com as cores e perguntou: 

- Olá, esfera, por quem esperas? 

- Olá menina, espero por outras esferas, ou outras esperas. 

- Mas quem são as outras esferas? 

- Gosto de esferas, e espero que as outras esferas venham ter comigo. 

- De onde vem essas esferas? 

- Vem de muitos lados. 

- De onde? Não vejo nenhuma! - diz a menina 

- Ai não? Então eu não sou uma esfera? 

- Não. És um berlinde. 

- Mas sou uma esfera, tu própria disseste-me: olá esfera! À tua volta existem muitas esferas, que estão à espera de serem encontrada. 

- Porque tens a forma redonda. E as esferas são redondas. 

- Então, eu sou uma esfera. 

- És. 

- Essa forma redonda é que mostra que sou uma esfera! E estou à espera de outras esferas. 

- Estás a dizer que vão aparecer mais esferas, como tu? 

- Sim! 

- Porque esperas por mais esferas? 

- Para brincar com outras esferas, rolar no monte, rolar na relva, rolar no chão, ou onde nos levarem. 

- No chão, é melhor não, podes ficar magoada. 

- Não. Nunca nos magoamos. Olha à tua volta e procura as esferas! 

- Iguais a ti? 

- Sim. 

- Não vejo nenhuma esfera igual a ti. 

- Mas enquanto esperas pelas outras esferas, procura à tua volta, coisas que tenham a mesma forma que eu. 

- Áh! Vieste ver estas esferas, enquanto esperas pelas outras esferas iguais a ti? 

- Isso mesmo. Já as encontraste? 

- Iguais a ti...não...mas ali existe uma esfera, certo? (aponta para uma pedra com formato redondo) 

- Correto. Tu também tens duas esferas, e todos os que são como tu... 

- Tenho? 

- Tens! 

- Onde? 

- Os teus olhos! 

- Áh! São esferas? 

- São. 

- Nunca vi... 

- Então, quando te vires ao espelho e olhares para os olhos das outras pessoas, vais reparar que são redondas como eu... são esferas. 

- E também estás à espera das minhas esferas para brincar? 

- Não, as tuas não. Mas procura outras...! 

            A menina olha em volta, sorri, e encontra uma série de objetos com forma redonda, aponta e a esfera confirma. De repente o espaço é invadido por dezenas de berlindes, que a menina nem fazia ideia de onde vinham. 

- Ei...de onde veio isto? - pergunta a menina assustada 

           Foram os irmãos e os primos que rasgaram vários sacos de berlindes, e todos rolaram pela calçada abaixo até ao jardim, e eles numa correria louca, aos gritos, e a rir atrás deles. 

- Só podia ser asneira vossa. Patetas. Onde arranjaram tantas esferas? 

- Não são esferas, são berlindes! - diz um deles 

- Trouxemos de casa, para jogar aqui. - diz outro 

- E é assim que se tratam as coisas? - ralha a menina 

- Elas não sentem. São berlindes, mas são esferas, têm a forma de esfera, como esta esfera que estava à espera de outras esferas. 

- Um berlinde solto? Olhem... 

- Era destas esferas, por quem esperavas, esfera? - pergunta a menina 

- Sim, eu espero por qualquer esfera que queira brincar comigo. Olha tantas que apareceram aqui...e tantas esferas que já descobriste hoje à tua volta! 

- Pois foi! Meninos, já viram tantas esferas que temos aqui à nossa volta? - diz a menina 

- Sim, todos os berlindes que se soltaram, chegaram aqui! - responde um menino

- Não estou a falar desses..., 

        E mostra aos irmãos e aos primos, a quantidade de objetos esféricos que existiam à volta deles. Também nunca tinham pensado nisso, e acharam muito interessante a descoberta. Mas queriam mesmo era brincar com os berlindes. 

        A menina também entrou nas brincadeiras, mas não os atirava. Preferiu pegar em alguns, de tamanhos diferentes, e sentir se eram frios, quentes, leves ou pesados, reparou nas cores, e tratou-as com carinho. 

                                                                FIM 

                                                               Lara Rocha 

                                                              (8/2/2022) 

Desafio: 

- quantas vezes aparece a palavra espera? (No singular, e no plural) 

- quantas vezes aparece esfera? (No singular, e no plural) 

De onde vinham as esferas? 

De quem é que a esfera estava à espera? 

Procura esferas à tua volta. Quantas encontraste, sem ser os berlindes? 

Que outros objetos conheces com forma de esfera?