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domingo, 31 de outubro de 2021

decisões precipitadas e decisões acertadas (monólogo para adolescentes e adultos)

desenhada por Lara Rocha 



          Ainda estou em estado de choque até agora! Ligou-me uma amiga a dizer que está grávida. E eu perguntei-lhe como é que tal aconteceu. Ela claro, irritada e muito assustada, perguntou se eu queria que fizesse um desenho. 

          Disse-lhe que não era preciso, mas perguntei-lhe como é que depois de saber como se evita uma gravidez na adolescência, e de saber que podia acontecer, se se deixasse levar pelo fogo, como ela disse que fez, respondeu-me que se não fizesse o que o namorado queria, ia perdê-lo, ambos tinham a certeza absoluta que não ia acontecer nada, e que seria uma noite espetacular.  Ela também achava que não estava na fase de engravidar. 

        Por um lado, fiquei com pena dela, porque uma adolescente, com um bebé a cargo...perguntei como tinham reagido os pais, ela disse que a obrigaram a assumir a responsabilidade, mas iam ajudá-la. Deram-lhe um raspanete, e na minha opinião, com toda a razão! Ela não pensou nas consequências dos atos, deixou-se levar pelo desejo. 

        Acho que no meu caso, os meus pais sempre falaram à vontade sobre sexualidade e afetos, e eu leio muita coisa sobre isso, nos livros. Acho que até fiquei traumatizada, ao ver numas aulas, o que acontecia ao nosso corpo, com as ISTS. Cruzes! Todos nós vemos essas imagens, ficamos com medo e nojo, mas muitos esquecem rápido. 

        Eu pensei muitas vezes em tudo o que aprendi que podia acontecer, com umas palestras que foram dar à nossa escola sobre sexualidade. Alertaram para as consequências das nossas escolhas, do que podia acontecer, e que devíamos aprender a dizer não, mesmo que nos doesse, se essa fosse a nossa vontade. 

        Disseram-nos que devíamos respeitar primeiro o nosso corpo, depois, as nossas vontades e medos, tal como o outro tem de respeitar as nossas escolhas, os nossos nãos. Somos adolescentes, em formação, precisamos de nos envolver uns com os outros, pode fazer-nos bem namorar, mas...com cabeça! 

        Não me esqueci desses conselhos, e já tive dois namorados, que acabaram, porque não quiseram esperar, pelo menos respeitaram os meus nãos. Eu gostava muito deles, mas não me sentia preparada para me entregar daquela maneira. 

        A minha educação, foi um bocado nesse sentido, de que lá porque temos um namorado, não quer dizer que esse vai ser para toda a vida, que devemos estar protegidos, é bom namorar, mas talvez pela minha forma romantizada de ver as relações, pensava sempre no que podia acontecer, e se estava preparada. 

         É claro que não estava preparada. Os meus pais sempre disseram e dizem que ter filhos é uma grande responsabilidade, um filho não é um boneco, dá gastos, exige muitos sacrifícios e investimentos. Avisaram-me que se isso acontecesse comigo na adolescência, era irresponsabilidade minha, e eu tinha de assumir. 

        Eu pensava...como é que vou assumir uma coisa que não faça a mais pequena ideia de como é? Sei que dá muito trabalho, exige dinheiro, e eu tinha que me arranjar. Os meus pais sempre me disseram que podia namorar, mas primeiro estavam os estudos, para ter cuidado, para não me espetar de cabeça, porque nem na idade adulta os namoros são certos, nem os casamentos, quanto mais na adolescência. ~

        É bom para crescermos e formarmos a nossa identidade, a nossa pessoa, termos fantasias com o que gostamos e o que não gostamos, mas daí até ter um filho, vai uma enorme distância. Ela disse que não queria aquele bebé, porque ainda era uma adolescente, só aconteceu, como acontece muitas vezes.

        Achamos que só os outros é que passam por isso, nós, adolescentes, e às vezes adultos, estamos no auge do escaldão, da paixão, queremos é aproveitar enquanto há, senão perdemo-lo, aquele que achamos que vai ser o amor da nossa vida, o príncipe que vai estar sempre do nosso lado. Claro que sim! 

        Não pensamos no sítio em que ele vai estar do nosso lado, até pode estar ao nosso lado na rua, mas o estar do nosso lado...ela disse que queria tirar o bebé, e os pais não autorizaram, como é menor, só tem de obedecer, e agora vai ter que levar com as consequências. 

        Assumam...nunca pensam no que pode acontecer, e agem...cedem ao medo de o perder, que ele vos deixe. Mas...e quando acontece o que não se esperava, o ser vai embora, não quer saber mais de nós? 

        Ela foi com ele, mas não queria, tinha medo, foi porque não queria que ele pensasse que ela era mariquinhas e que afinal não gostava dele, assegurou-lhe que não ia acontecer nada, que ia ser bom. Pois, pois, pois...sabemos de tudo isso, mas na hora, esquecemos isso tudo. 

        Eu não me esqueci do que aprendi. Perdi-o, sim, mas não me arrependo! Pensei muito antes, de dizer que sim, e de ir com ele. Já namorávamos há uns meses, e eu sou adolescente como a minha amiga que está grávida agora. 

        Passei várias noites a pensar...sem dormir. Eu gostava dele, e ele dizia que gostava de mim. Convidou-me, disse que queria ter relações comigo...mas eu disse logo que não...que primeiro queria conhecê-lo melhor, e no dia a seguir, chamou-me de tudo e mais alguma coisa, disse que estava tudo acabado entre nós, que eu era fraca, medricas, e que não sabia o que estava a perder. 

        Fez chantagem, vários dias, tentou fazer-me mudar de perspetiva, mas eu não cedi. Simplesmente não queria, nem estava preparada! Assumi que tinha medo, e que os estudos eram mais importantes para mim, do que ter namorados. Ele ficou possuído, e deixou de falar comigo. Deve ter dito cobras e lagartos de mim, mas não me preocupei. 

        Durante vários dias, chorei, não gostei de mim, odiei-me, senti-me uma porcaria, mas depois comecei a pensar que talvez tenha sido melhor assim. Já o vi com uma série deles, e penso...se ele tem relações com todas elas, desprotegidas, não sei não! 

        Elas cedem à chantagem dele, como é possível, para quê, ter medo de perder quem nos quer apenas como objeto de prazer? Foi o que eu senti, quando ele me propôs, se mal nos conhecíamos e ele já queria...com a mesma idade que eu, já era sabido demais, ou achava-se! 

        Qualquer dia acontece-lhes o mesmo que a minha amiga! E ela que se dizia atinada, que não era fácil de se apaixonar....de se apaixonar, realmente não deve ser, mas de fazer outras coisas, que na realidade são nossas, do ser humano, de todas as idades, mas os meus pais sempre me ensinaram que ainda é muito cedo, e lembro-me sempre das consequências. 

        Será que é mais importante do que a minha saúde, e do que outras coisas a que dou mais valor? Se eles não aceitaram, custou-me muito, dizer que não, mas pensei primeiro em mim, e depois nas consequências das minhas escolhas, caso eu escolhesse ir com ele, para uma noite quente, como ele dizia. 

        Com certeza ele também não gostou dos nãos, mas possivelmente já levou muitos sins, porque já os vi, aos dois namorados que tive, com muitas outras raparigas, que não devem ter medo, nem devem pensar no que pode acontecer. 

        Eu gostava e gosto de crianças, mas não estava nos meus planos ser mãe, tentava imaginar-me como mãe....que filme de terror, via pelas minhas primas, o que elas passavam com os rebentos bebés, achava que não estava preparada, nem de perto. 

        Já tinha ouvido tantas histórias de adolescentes e adultas que engravidaram e o pai dos filhos nunca mais quis saber delas. Talvez porque sou marrona, pus primeiro os estudos à frente, mesmo com medo de o perder. 

        Mas...se o perdesse? Ia ser mau, só que podia não ser ele, o amor do resto da minha vida. Era o meu primeiro namorado, e eu tenho medo de ISTS, não ia ter relações com ele, desprotegidas, a não ser que estivéssemos bêbados, como estava a minha amiga e o namorado, ou o ex, porque ele disse que não ia assumir, que o filho não era dele, só ele esteve com outra antes dela. 

        Ele deixou de lhe falar. Como vão sustentar uma criança? Eu pensei nisso muitas vezes...se eu engravidasse em adolescente, como é que eu ia aguentar? Tinham de ser os meus pais a sustentar-nos, e eu não queria isso para eles. Doeu, perdê-los, claro, fiquei muito triste, mas ao mesmo tempo orgulhosa porque respeitei o meu corpo, a minha vontade, e protegi-me! 

        Eu acho que quando, e se tiver, de acontecer, vai acontecer. Não sei, talvez sinta uma coisa diferente, ou aprenda a não ter medo das doenças que se podem apanhar. Eu acho que quando aparecer um amor que vai para além da adolescência, na idade adulta, talvez, eu saberei reconhecer. 

        Todas as escolhas têm algo que se perde, e algo que se ganha, mas com algumas ganhamos mais do que perdemos, e acho que era o caso, se eu me deixasse levar pelo calor, sem pensar no que podia acontecer. 

        A minha amiga agora dá-me razão, antes, gozava-me, achava que eu era pré-histórica, que nenhuma adolescente quer estar sem namorados, e que na adolescência, faz parte dos namoros, ter relações, se não, eles acabam, e depois ficamos encalhadas. 

        Mesmo assim, eu pensava que era melhor ficar encalhada, ou lá o que fosse, do que envolver-me com alguém que depois dava para o torto, e eu tinha que assumir tudo sozinha. Um filho não é um brinquedo, não é feito assim com o primeiro namorado. 

        A minha amiga, agora dá-me razão, que devia ter pensado antes de ceder ao medo de perder o namorado...temporário, e que devia ter usado proteção, ou devia ter recusado, mesmo que ele não a quisesse mais. 

        Agora, pensa depois de fazer, o ideal é pensar antes de fazer. Parar para pensar, imaginar todos os cenários, tudo o que tem de bom, e infelizmente os riscos que traz, tanto a relação desprotegida, pelo bebé, como pelo abandono do pai da criança, que ela vai tentar convencer, e com razão, porque ela não o fez sozinha. 

        Ambos tiveram a responsabilidade, ambos sabiam o que podia acontecer, e não tomaram medidas para prevenir. Os dois estiveram na mesma palestra que eu, mas esqueceram tudo num instante, quiseram foi logo pôr em prática, sem pensar no resto. 

        Há decisões que têm de ser muito bem pensadas, e esta é uma delas, mesmo com os aspetos mais dolorosos, como a separação, o fim da relação, e um bebé...mãe solteira. Tenho pena dela, e vou ajudá-la no que puder, pelo menos continuar a ser amiga dela, o resto ela vai ter de resolver. 

        Adolescentes e adultos...lembrem-se que é melhor parar e pensar em todos os contras, não tomar decisões que possam estragar-vos o que pode ser mágico. É melhor...parar, pensar, e depois agir de acordo com as nossas decisões, que podem trazer consequências boas e más. 

        Devemos pesar as duas e ver, mas acima de tudo, nestas situações de namoro, devemos pensar mais ainda, viver um namoro e uma sexualidade segura, porque nenhuma relação agora tem garantia total que vai ser para sempre. 

        Respeitar sempre o nosso corpo, a nossa vontade, independentemente da resposta do outro, que pode ser má, mas é problema dele. 

        Há filhos, e depois..? Mais problemas. 

                                                                    FIM 

                                                                Lara Rocha 

                                                                31/Outubro/2021 


       para trabalhar com adolescentes, professores, estudantes de psicologia e outros profissionais  

regulação emocional, auto-estima, respeito pelo corpo, pensar antes de agir, atos e consequências                                                          

sábado, 23 de outubro de 2021

Há sempre uma mão



VOZ-OFF - Se estivermos atentos uns aos outros, há sempre uma mão que nos segura nos piores momentos, e que não alinha nos atos de bullying. Há sempre uma luz que nos mostra que existem pessoas que sabem respeitar as diferenças. 

        Às vezes podem ser os que sofrem de bullying que não deixam essas mão aproximar-se, e segurar nas delas, por medo, porque acham que são todos iguais, porque acham que todos os que gozam com eles/elas têm razão...não valem nada, são fracos, horríveis, maus. Mas há sempre alguém que felizmente é diferente, tem amor, dá amor, respeita as diferenças. 

        Uma rapariga adolescente que sofre horrores na escola, é muito tímida, magra, de baixa estatura. É posta de lado pelos colegas, insultam-na, gozam-na, fazem fofocas sobre ela. Mas há um rapaz adolescente da mesma turma que não gosta nada das atitudes que os colegas têm com ela. 

        Depois de mais um dia de gozos, ela vai para a biblioteca, onde se refugia muitas vezes, para se defender, isola-se para se sentir segura, e porque impõe a si mesma a obrigação de tirar boas notas, o que não acontece pelos seus elevados níveis de ansiedade, e baixa auto-estima.  e está lá o colega que a defende. 

        Trocam olhares, mas rapidamente, a rapariga desvia o olhar para o caderno, triste. O colega que estava noutra mesa, levanta-se, e vai ter com ela.

ELE - Estás aqui? 

ELA - Estou. E tu também. 

ELE - É. Gostas de estar aqui? 

ELA - Gosto! Aqui é um sítio seguro para mim! 

ELE – Eu sei. Tens medo daqueles palhaços não é? 

ELA - É. 

ELE - Posso sentar-me aqui?

ELA – Podes.

ELE - Tens razão. Mas quanto mais medo mostras, mais eles te gozam. Eu não concordo nada com o que eles te fazem, nem gosto, e já lhes disse muitas vezes para te deixarem em paz, mas eles não têm nada da cabeça. Talvez queiram tirar-te da casca, mas não é assim que vão conseguir. (Ele olha-a) Estás bem? (Ela encolhe os ombros sem olhar para ele) Que pergunta! Eu sei que não estás. Eu gostava de falar contigo, um bocadinho posso?

ELA – Ok.

ELE – Eu sei porque é que estás triste! É por causa dos gajos da nossa turma, não é?

        Ela não responde, mas deixa escapar umas lágrimas.

ELA (com raiva) – Eu odeio esta turma. Odeio todas as turmas por onde já passei, acho sempre que vou para melhor, e no ano a seguir acontece tudo outra vez. Gajos palermas, que implicam e gozam comigo, humilham-me. E eu, não sou capaz de responder, sou mesmo idiota, eles têm razão, sou uma fraca. Não sei porque me fazem isso!  

ELE – Eu sei, compreendo-te. Eu também não curto o que eles fazem contigo, tanto é que como podes ver, eu não alinho com eles. Falo com eles, e tal, mas tipo…é só para eles não me excluírem. Mas mais dia menos dia, se eles não te deixam em paz e continuam a fazer cenas contigo, afasto-me deles. 

ELA – Obrigada! Não tens que te afastar deles, eles não implicam contigo, é comigo! A ti, curtem-te! A mim é que não! Eles têm razão! Eu não valho nada.

ELE – Tenho dúvidas que me curtam! Porque dizes que não vales nada? A opinião deles é assim tão importante para ti? O que é que eles sabem da tua vida para dizerem o que quer que seja? 

ELA – É. É isso mesmo, eles não sabem, mas têm razão a dizer que sou trenga, que pareço uma def. mental, que sou feia, que sou bicho, que tenho roupa de pobre e aquelas coisas, que tenho más notas.

ELE – Porque é que dizes que eles têm razão?

ELA – Porque é isso mesmo que eu sou. Sou uma merda!

ELE – Que asneira. Claro que não és. Porque dizes isso?

ELA – Porque sou feia.

ELE – A beleza é muito subjetiva.

ELA – Mas é no que eles reparam. Eles dizem que sou nojenta, sentem nojo de me tocar, de olhar para mim, e dizem que eu tenho uma doença contagiosa.

ELE – Tens?

ELA – Não.

ELE – Como é que sabes que eles têm nojo de ti?

ELA – Eu vejo na cara deles, e eles próprios disseram. E depois aquela cena de eu andar com algumas raparigas, que até se afastaram de mim depois de eles dizerem que sou lésbica.

ELE – (ri) Que ridículos. Eu não estou minimamente enojado contigo. São coisas que acontecem. Eu também tenho algumas, toda a gente tem. Não me preocupa a tua aparência, és bonita, preocupa-me é a forma como eles te tratam. Isso é que me mete nojo. Eu sei que és muito tímida, mas também não te metes com ninguém.

ELA – Que simpático! 

ELE - Não estou a ser simpático, estou a ser sincero. 

ELA - Um dia destes vou desaparecer.

ELE – O quê? Vais desistir de estudar?

ELA – Vou desistir de tudo. Vou-me matar.

ELE – Não faltava mais nada. Nem te atrevas!

ELA – Porque não? Ninguém sentia a minha falta.

ELE – Os teus pais e irmã…muita gente sentia a tua falta. Eu sentiria. 

ELA – Imagino! Não. Ninguém me procura!

ELE - Ai não? Eu vim atrás de ti, não sou ninguém? Obrigada... 

(Ela sorri, envergonhada) 

ELA - Desculpa...foi só da boca para fora. Aliás, não sei porque vieste atrás de mim... 

ELE - Porque quis. Porque me preocupo contigo, e vim ver como estavas! Não te agarres a essas ideias. Eu não vou permitir que faças uma coisa dessas.

ELA – Porque não? Nem me conheces!

ELE – Mas quero conhecer-te. Posso?

ELA – Não sei se vais gostar.

ELE – Isso preocupa-te?

ELA – Claro!

ELE – Porquê?

ELA – Porque eu não presto. Não valho nada, sou feia, nojenta, desajeitada…

ELE – Sim, sim, sim, claro, claro...que desgraça, é por isso que quero conhecer-te! Eu gosto de desafios, E tu és um desafio! Para de dizer asneiras por favor. Deixa-me conhecer-te, posso?

ELA – E para que queres conhecer uma gaja feia? Com tanta rapariga bonita…

ELE - Eu não acredito em nada do que aqueles cromos dizem. Eu quero é ver-te com os meus olhos, conhecer-te, saber de ti, saber como és, estar ao teu lado. Aqueles idiotas não vão mais pegar contigo. Posso?

ELA – Se fazes tanta questão de me conhecer…

ELE – Sim, faço. Baixa a barreira que colocas entre ti e quem está á tua volta.

ELA – Barreira?

ELE – Sim, vejo uma barreira nos teus olhos.

ELA – E que barreira é?

ELE – É essa, de não gostares da tua imagem, e de não te mostrares aos outros. Do que tens medo?

ELA – Medo…de muita coisa.

ELE – Ok, eu estou a falar de medo, aquele medo que constrói a tua barreira.

ELA – Não tenho barreira nenhuma.

ELE – Tens.

ELA – Sou tímida…acho que é essa a barreira de que falas.

ELE – Não dês ouvidos aos gajos. Eles acham que são perfeitos.

ELA – Por isso é que eu vou desaparecer. Assim, eles não me veem mais, nem eu me chateio mais, com mais nada.

ELE – Outra vez, o desaparecer? E eu?

ELA – Tu vais ter mais gajas para conhecer.

ELE – Mas eu não quero conhecer gajas, quero conhecer uma rapariga, uma amiga. Eu sei que és essa amiga quem procuro.

ELA – Como é que sabes?

ELE – Sei. Não sei explicar, mas sei. (Ela sorri) Com licença… tens um sorriso tão bonito, e uns olhos… apesar de tristes, são bonitos.

(Ela sorri timidamente)

ELA – Obrigada. És muito simpático. Mesmo assim, eu vou destruir-me!

(Ele ri)

ELE (sério) – O quê? Nem te atrevas. Eu não vou deixar. Aqueles gajos não vão mais gozar contigo. Eu estarei do teu lado. Posso?

ELA – Vais desperdiçar tempo, mas podes…

ELE – Desperdiçar tempo…? É cada uma…!

ELA – Não sabes nada sobre mim, nem eu sobre ti.

ELE – Mas quero saber, se deixares. Se não gostares de mim, também me podes mandar para o quinto mais velho. Mas pelo menos, deixa-me tentar ver-te, com os meus olhos!

ELA – Está bem.

ELE (sorri) – Obrigado. Serei o teu anjo da guarda. Vou estar do teu lado.

(Toca a campainha)

ELE – Posso ficar à tua beira na aula?

ELA – Podes.

ELE – Obrigado.

            Os dois levantam-se. Olham-se. Ele sorri, ela também. Ele estende a mão, e pega na mão dela. Dá-lhe um beijo na cara, abraça-a, limpa-lhe as lágrimas, ela sorri, e vão os dois a conversar até à sala. Quando os outros da turma começam a implicar com ela, ele defende-a, e afasta-se deles, estando sempre com a sua amiga, apoiando-a, ajudando-a nos estudos e nos testes, indiferente aos comentários dos outros, que a acham diferente. 

        Ele tem amigos fora da escola e apresenta-a a eles, que a recebem muito bem, que se preocupam com ela, e estão sempre prontos a ajudá-la. Ela mudou muito desde que o conheceu, e aos poucos, ele conquistou-a. Há sempre uma mão que segura, há sempre uns olhos que veem o que os outros não veem, há sempre alguém curioso a nosso respeito, por isso, não desistam!

FIM

Lara Rocha


Nota: este diálogo pode ser reescrito por alunos que sofram de bullying por parte de colegas, e dramatizado. No final debate sobre o tema, com pesquisa, ou palestras de especialistas. 







pés, caminhos, reflexão

     

quadro pintado a óleo por Lara Rocha 


       Alguma vez pensamos nos pés? Sim, quando eles doem, quando temos as unhas encravadas, quando as cortamos, quando os sapatos nos fazem bolhas, quando nos apertam, quando nos cansam, quando os lesionamos, torcemos, partimos. 

       Temos pés, e é bom senti-los, é bom sentir que estão a doer, que estão quentes ou que estão gelados. 

       É sinal que temos pés, e mais ou menos perfeitos temos pés. Podemos senti-los. Mesmo a doer, podemos senti-los, e é bom porque eles podem levar-nos a todos os lugares onde quisermos. 

       Mas, e os que não têm pés, ou que não podem mexe-los? Nem se lembram deles, não podem caminhar, nem correr. Os que têm pés e não conseguem mexe-los, nem senti-los, não sentem nem frio, nem calor nem dor? Será que pensam nos pés? 

        Quando caminho, quando toco os pés no chão…sinto o chão que piso…sinto a terra…o seu calor e o seu frio…sinto as minhas pulsações e as pulsações da Terra…Umas vezes serenas, outras vezes aceleradas.

Caminhamos, a correr, com os pés assentes no chão, mas nem percebemos que o fazemos. Mais rápido, mais devagar. Damos os pés como adquiridos, como partes do nosso corpo, mas andamos muitas vezes sem sentir que estamos a andar. 

Mexemos os pés, mas não nos lembramos que temos pés, nem para que servem, muito menos que são eles que nos permitem fazer mil e uma coisas, dentro e fora de casa, sozinhos e uns com os outros.

Mexemos os pés, mas será que sentimos realmente o chão onde pisamos? A maioria das vezes penso que não, porque vamos a pensar noutras coisas, a resmungar da pressa que levamos, ou dos atrasos, dos contratempos, e nos problemas para resolver. 

Nós lá, em cima...e os nossos pés, no chão, a levar-nos por muitos caminhos diferentes, que se pensarmos bem, nem sabemos quais são na realidade. Vamos de forma automática. Os pés levam-nos, o que interessa é lá chegarmos.  

Sorrimos enquanto caminhamos? Uns sim, outros não, umas vezes sorrimos enquanto caminhamos, porque nos lembramos de alguma coisa agradável, ou porque aceleramos os passos para chegar com entusiamo onde queremos, para nos encontrarmos com quem gostamos, fazer recados, ou simplesmente...passear! 

Passeamos, ou andamos de forma automática, sem pensar nos pés, e sem ver o que realmente temos de bom à nossa volta? Alguma vez pensaram que ao andar, podemos sentir, ou imaginar...o sorriso e a felicidade da Terra, o sol…a energia que nos percorre todo o corpo…e invade o nosso ser, a nossa mente?

Também acho que podemos sentir, ao caminhar com os nossos pés e com todos os sentidos apurados, as lágrimas da Terra, quando chove…a sua doença…o seu rosto de dor, de cansaço…a sua desilusão por tanto mal que lhe fazemos, em troca de tanta coisa boa que ela nos dá, quando está nublado, ou cinzento! 

Já sentiram as lágrimas da terra? Já, e nem repararam...quando chove! Porque só reclamamos que é uma tristeza, é uma chatice estar a chover, que fica tudo cinzento e triste, que parece que as pessoas adormecem, que seca...! Parece noite todo o dia. 

E os nossos pés, lá continuam, firmes, resistentes, às vezes o dia todo encharcados em água e resistem, porque recolhem, respeitam e tentam transformar as lágrimas da terra em coisas boas! 

Os nosso pés aguentam! E os caminhos que percorremos com eles encharcados também aguentam, o nosso peso, a nossa resmunguice, o nosso desagrado, o nosso cansaço. Ai, se os caminhos falassem! 

Enquanto os nosso pés percorrem os caminhos, nem olhamos para eles, ou se olhamos é para ver se não pisamos dejetos de animais ou se encontramos dinheiro. Não pensamos nas pessoas que deram no duro vários dias ou meses a construir os passeios que nos tornam as caminhadas mais seguras, nem o que eles sofreram. 

Às vezes, a Terra é o reflexo do que sentimos, ou seremos nós, que nos refletimos na Terra…? Penso muitas vezes nisso. Não há respostas corretas…tudo depende da perspetiva!

Sinto a raiva da Terra…nas buzinas e na poluição, nas guerras, nos gritos, na impaciência, e a paz! Enquanto caminho sinto o meu corpo e os meus ossos…a minha respiração. 

Sinto a respiração da Natureza e da Terra, as suas pulsações que se fundem e confundem nas minhas, as suas carícias nas brisas e as suas explosões de mau humor nas ventanias.  

Sinto vida, e sinto-me viva enquanto caminho, sinto a vida da Terra…em tudo o que mexe diante dos meus olhos, e nas coisas mais simples. Sinto a magia e o recomeço…o fim…e o renascimento…

Às vezes, enquanto caminho…os meus pés fazem-me caminhar por outros locais, onde sinto outras emoções, onde brinco com seres mágicos, danço, rio, converso e choro. Tenho os meus pés biológicos, e os meus pés imaginários. 

Os meus pés imaginários fazem-me caminhar por florestas, onde sinto a erva, e a Terra fofa, onde abraço árvores, e onde me deito à sombra…a apreciar os sons que a floresta me proporciona…o canto dos passarinhos, o sussurrar dos rios, o lamurio das águas, a delicadeza das flores…onde escuto o murmúrio do vento que tal como um verdadeiro cavalheiro, aparece tímido entre os pinheiros…

São experiências das quais me orgulho por ter tido a oportunidade de viver e experimentar, mas muitas crianças não têm essa experiência. Por isso, os meus pés reais às vezes vão pelos caminhos e relembram outros caminhos por onde já andaram! Uma defesa, possivelmente, para não reparar tanto no que há de menos bom, e mau, feio à nossa volta. 

Outras vezes…os meus pés imaginários…fazem caminhar por praias paradisíacas, onde sinto a areia, a água a lavar-me a alma, e a atravessar a pele…Outras vezes sinto nuvens debaixo dos pés, enquanto caminho…e picos…e vidros…e paus, e pedras…mas estou calçada…!

Enquanto caminho, sinto toda a essência da terra, e tudo o que esta me oferece. Quando uso sapatos novos, para um dia especial…sinto…sinto a insatisfação dos meus pés, por algo que não estão habituados, e às vezes pelo desconforto, mas também alguma vaidade neles…! 

Ainda mais, e apesar de adorar andar descalça, quando me lembro que muitos povos onde não há sapatos ficaram na maior felicidade por ter sapatos, nem que os magoasse no início. Por isso, apesar da dor e do desconforto, é bom sentir isso! É sinal que temos pés e sapatos. 

Quando olho para trás…para os caminhos por onde os meus pés me levaram…eles já caminharam por muitos tipos de caminho, mas saíram sempre intactos, embora cansados, desgastados, doridos, torcidos...aguentaram, seguraram-me…e continuam a fazer muito por mim. 

Levam-me onde eu quero! Estou orgulhosa deles…e mais tortos, menos tortos (pé muito raso )…são meus. São uns verdadeiros guerreiros, como eu, caminharam comigo por caminhos de luz, de trevas. 

Sofreram, quase desistiram, outras vezes saíram de caminhos mesmo com medo do desconhecido, voltaram atrás, andaram para a frente, recuaram, pararam, viram outros caminhos, seguiram-nos, uns com coragem, outros para ver onde iam dar. 

Os meus pés percorreram caminhos que gostaram, e outros que não gostaram, mas estiveram sempre lá, e estão! Cresceram comigo, e fizeram-me crescer como pessoa. Continuam a levar-me por caminhos que mal começam, acabam, e voltam para trás, outros caminhos onde sentem muito medo, mas vão, e até descobrem coisas interessantes, outros são escuros, e eles não vão. 

Às vezes vão por caminhos que parecem luminosos no início, mas lá para o meio e fim não têm saída, há que voltar para trás pelo mesmo sítio, e não descobrem nada! Os meus pés às vezes percorrem caminhos que os iludem, e desiludem. 

Sim, é mesmo verdade...não raras vezes…o corpo anda, e a alma fica parada, perdida num sítio cheio de casas e ruas chamadas sentimentos. Às vezes o corpo anda vazio, pela rua, mas o seu morador ficou noutro sítio, muito …muito longe…

O corpo anda apenas comandado por um piloto automático, mas o seu interior, não leva bagagem…às vezes, ainda bem que não leva, pois, se a alma saísse connosco, não fazíamos nada, não éramos nada…imagino o que as almas encontram nessas ruas! Às vezes não é bonito.

Gosto muito de areia fresca nos pés descalços, nas noites, e nos dias de Verão…e de Inverno…adoro andar descalça. Andar para trás…não gosto, mas às vezes, ando para trás sem querer, procuro logo andar para a frente, e os meus pés teimam em não avançar, nem recuam, apenas param para ver o que é melhor.

Andar para trás, estar parado, não é bom, dói, faz sofrer, chorar, mas às vezes também é preciso pôr os pés a descansar, sem percorrer outros caminhos a não ser os da luz, os da paz, os do silêncio, que nem sempre é de ouro e em algumas situações, o silêncio mata. 

Os pés biológicos, andam a par com os pés da cabeça, e a nossa alma caminha com muitos pés diferentes…umas vezes, caminha com pés de lã…outras vezes, com pés de algodão. 

Umas vezes, os pés são de gelo…outras, manteiga…temos pés de pedra, chumbo, prata ou ouro…outras vezes andamos com pés de açúcar, e com pés de passarinho. Pés de bailarinos, e pés de vidro. 

Outras vezes, somos caminhantes ao sabor das nossas emoções. Umas vezes, são pés que percorrem caminhos de sede, de medo, de segurança ou insegurança. Caminhos de vontade, coragem, determinação e superação. 

Caminhos iluminados pela felicidade e realização, caminhos sombrios, de tristeza, dor e cansaço…também são feitos de espuma do mar, de vento, de veludo…às vezes…nem reparamos de que são feitos os nossos pés…só reparamos que eles existem, e deixamos que eles nos conduzam!

Independentemente de que sejam feitos os meus pés, ou no que eles se transformem, e dos caminhos que me levam, eu agradeço aos meus pés, porque eles funcionam, estão vivos. 

Já pensaram na importância dos nossos/ vossos pés? 

Por que caminhos vos levam? 

De que são feitos os vossos pés? 


                                                                FIM 

                                                             Lara Rocha 

                                                            (Abril/2010)  


Ai mundo!

         

 Ai, Mundo, Mundo…Como precisavas de um abraço! E só um não te chegava! Talvez…10 milhões de abraços, ou 100 milhões…Será que voltarias a circular dentro dos teus eixos? 100 Mil milhões…Curar-te-iam das maldades?

            Ai, Mundo, Mundo…Louco…Perdido…Ai, Mundo, Mundo…Em que estado tu estás! Um dia uma criança sonhou…com uma grande bola azul que estava perdida num espaço imenso…A criança olhou para a bola azul, encantada…

            Aproximou-se…Deixou-se levar pela beleza da sua luz…E pelo tamanho da bola…A bola chamava-a...A criança tocou-lhe a medo…A bola sorriu-lhe, a criança sorriu, olhou a bola, tocou-lhe, e a bola gritou-lhe:

- Cuida de mim! por favor!

        A criança abraçou a bola ternamente e disse:

- Quem és tu…?

- Sou o Mundo onde vives.

- Cuidarei muito bem de ti. És linda, perfeita!

- Sou o teu Mundo.

        O Mundo de cada um pode ser perfeito, na sua imaginação, Mas o Mundo em que vivemos está muito longe de o ser. Já foi perfeito…Já foi meio perfeito e meio imperfeito, Mas agora não está imperfeito, sequer…Nem perfeito…Se estivesse imperfeito…Não estaria mal…Mas o nosso Mundo está louco, doente, desordenado, revoltado, descontrolado…

        Ai, Mundo, Mundo…Como tu estás! Perfeito…? Só aos olhos inocentes e puros das crianças. O mundo de cada um…Pode ser perfeito e também imperfeito mas…E a ti linda bola azul…A ti, quem te volta a pôr perfeita? 

        Mesmo na imperfeição, pela inveja de quem não o é, e nunca será…! Continuas a ser perfeita! Porque teimam…Em transformar a tua perfeição, em imperfeição? Para quê? Só pode ser por inveja…Gente louca, gente feia por dentro, gente doente, gente maldosa…

        Ai, Mundo, Mundo…Existe em mim, uma parte de ti perfeita…Onde só eu caminho, onde só eu toco, onde só eu te abraço, onde só eu te protejo, e cuido de ti. Ai, Mundo, Mundo…só precisas de amor…Não de ódio e Guerra! Mas onde está o amor? Está perdido…Só existe naquela parte de ti…Que em mim…É perfeita!

        Ai, Mundo, Mundo…Faltam-te abraços, falta-te respeito…falta amor por ti…Ai, Mundo, Mundo…Pobre Mundo! Cuidarei sempre de ti, como sempre fiz…Com amor, com gratidão, com carinho, com respeito…

        Ai, Mundo, Mundo…Abraços e Beijos. Melhores dias virão para ti…Meu Mundo…Linda bola azul. Um dia, uma criança sonhou…Sonhou com um Mundo. Um Mundo azul…lindo...um Mundo limpo, sem poluição…só natureza pura…Um Mundo sem Guerra, cheio de paz, e de pessoas boas…      Onde todos eram amigos, onde havia respeito entre todos e por todos. 

        Onde havia bondade, simpatia, sorrisos, sinceridade, felicidade. Um Mundo…Onde não havia miséria, onde havia comida para todos…Onde não havia poder, nem superiores…Onde todos se ajudavam…e conviviam…

        Um Mundo…Onde os velhinhos não estavam sozinhos, e eram admirados por todos, respeitados e protegidos por todos, onde não eram abandonados pelos filhos…Um Mundo…onde todos tinham família, cheia de amor e carinho.

        Onde a Mulher tinha valor, onde a mulher não era usada, nem maltratada…Um Mundo…onde as crianças estavam com os seus pais…Onde eram amadas, desejadas pelos pais, onde tinham carinho…Um Mundo…Onde todos tinham casa, e ninguém dormia na rua…

        Um Mundo…Sem doenças, sem violência. Um Mundo…Cheio de sol, e às vezes com chuva…Um Mundo…cheio de cores…e de sonhos…Onde todos trabalhavam, onde todos se ajudavam…Onde todos viviam com alegria!

        Mas o Mundo só pode ser de sonho, e perfeito, naquele lugar especial e mágico…A nossa imaginação capaz de criar um Mundo especial…Só nosso! O Mundo real, não é perfeito…Mas podia ser bem melhor! 

        Um Mundo onde o coração e a paz fossem os reis…

Um Mundo Perfeito!

FIM 

Lara Rocha 

(1/Março/2013)  

Na noite escura

 

 Na noite escura...e de dia, a qualquer hora desde que te imagino, em qualquer lugar. Quando penso em ti...os meus olhos transformam-se numa imensa via láctea.Quando te vejo, os meus lábios enchem-se de estrelas cadentes, em chamas...de ódio, raiva, misturada com a vontade de te beijar. Que loucura! Como foi possível fazeres-me isso, se o nosso amor estava tão bonito, tão bom, trocaste-me por aquela metida a boneca. 

         Na noite escura, quando te vejo na via láctea, pego na estrela mais brilhante e encosto-a ao coração, às vezes como-a, para preencher o vazio que me deixaste. Claro que não resolve, mas pelo menos faz-me ter bons sonhos. 

        Os meus lábios enchem-se de estrelas cadentes em chamas, loucas para te beijar, de pedacinhos de sol, e o meu coração fica do tamanho da Lua Cheia, enorme, brilhante, de felicidade, a imaginar que vais voltar. 

        Mas que disparate! Vais voltar nada...monstro! Sinto falta da tua voz que me enchia de alegria, e sonhos, em sonhos, na noite escura e de dia, parece que ainda ouço a tua voz, e procuro-te em todos os rapazes que passam. 

        Todos parecem ter a tua voz. Parece que sinto a tua presença em todo o lado, entre todas as pessoas por quem passo na rua, em casa, na escola. Tu estás lá, mas não te posso tocar. Maldito! Porque fizeste isso comigo. 

        Não sabes como dói ver-te com outra, enquanto sonho contigo, meu astro incandescente! Vem....meu planeta ainda por descobrir. Que raio, ainda tinha tanta vontade de te descobrir, e sei que tu também querias saber mais sobre mim, mas um meteorito, metido a astro rainha chocou contra ti.

       Vem, iluminar a minha noite, envolve-me no teu abraço, aquece-me e embala-me no sonho, e no calor do teu ser. Meu amor! Astro perdido, deixa que eu te ajude a reencontrar o caminho de volta para mim. Esquece lá o falso meteorito, e anda tornar os nossos sonhos realidade! 

        Sinto ódio de ti, mas ainda te desejo, e se voltares, pode ser que mates o ódio, e a vontade de te descobrir. Como foste capaz de te iludir com aquilo? Maldito! Pensei que eras inteligente para perceber que aquilo não presta...quando tinhas em mim, todo um universo para desvendar, e ias gostar. 

        Se voltares, eu apago todo o ódio que sinto por ti, e acendo ainda mais a vontade de te ter de volta, se não...eu é que vou desaparecer na imensidão do Universo para ver se descubro alguém melhor do que tu. 

        Na noite escura...sonho contigo, com o teu regresso, com a vontade de te descobrir... 


                                                                FIM 

                                                            Lara Rocha

                                                        14/Julho/2015  

lembranças de borboletas na infância

  


      De vez em quando vou revisitar aquela caixinha cheia de recordações, só porque...não é que tenha saudades das pessoas que lá estão, mas gostava de voltar a reviver só para perceber se ainda sinto o mesmo que senti na altura.

        Já nem saberei o que senti, ou...talvez sim! Já vai há tantos anos, lembro-me vagamente da tua cara, do teu nome, mas se passar por ti na rua, o mais certo deve ser não nos reconhecermos, ou se calhar digo-te qualquer coisa quando passas por mim, e tu a mim, mas mudamos. 

        Podes ir acompanhado e não dizer nada, fingir que não te lembras de mim, mas pode ser que te lembres, mas não podes dizê-lo. Mas...acho que me lembro como foi o meu primeiro beijo! Aquela fase em que achamos que somos grandes, como os nossos pais, ou imitamos as telenovelas. 

        Não sou saudosista, não. Mas haverá com certeza muita gente que se lembra do primeiro beijo. Bom ou mau. Aquele beijo na infância, com aquela amizade colorida, a quem jurávamos amor eterno (gargalhada) pois claro, com aquelas idades é que sabemos o que é o amor, e ainda por cima, que vai ser para o resto da vida! 

        Para nós, aquele menino ou menina a quem dávamos a mão, com quem brincávamos mais, por quem tínhamos mais simpatia, e que nos dava mais atenção, era o nosso namorado, ou namorada. Com inocência, dizíamos a todos que eramos namorados. 

        Era o que os crescidos diziam, e nós entendíamos assim, satisfazendo e confirmando os comentários dos adultos e dos outros meninos, que às vezes até andavam 
à luta, e zangavam-se porque queriam o mesmo menino ou menino. 

        Toda a gente se ri do primeiro beijo, aquele composto por carinho, amizade, inocência, pureza, sem maldade, quando não confundimos os sentimentos, nem sequer sabemos o que sentimos, se é que sentimos alguma coisa. 

        Alguns adultos levam muito a sério, outros levam para a brincadeira, e é o melhor que podem fazer, porque para nós, quando crescemos, já nem nos lembramos de quem era, nem como se chamava. O primeiro beijo é....uma espécie de uma dança entre duas borboletas, que passaram nos nossos lábios, e com as suas asinhas e ao tocarem-se uma na outra, pareceu-nos um beijo! 

       É isso...estou aqui a rever a caixa, estão borboletas de brincadeiras que fazíamos em papel, e...que giro, uma delas tem o teu nome! (gargalhadas) Já não me lembro da tua cara (pega numa foto de grupo do colégio) acho que... és este...? 

        Deves ser, se estás à minha beira de mão dada...lembro-me que eras ciumento e possessivo! Tinhas de ficar sempre à minha beira, gritavas que eu era a tua namorada, batias nos outros meninos que se aproximavam de mim, até a nossa educadora te dar uma sapatada e dizer que isso não se fazia...lembro-me bem, de ela dizer que eu era a tua namorada, mas éramos todos amigos, os outros não te iam roubar-me! A educadora obrigava-te a pedir desculpa e tu amuavas. (gargalhadas) 

        Que lindos que nós éramos todos. Deves estar bem diferente! Até eu estou! E se o amor agora fosse assim, como nesta altura? Era delicioso. Puro, não havia tantos divórcios, nem tantas zangas, porque éramos sinceros, autênticos, transparentes, na nossa inocência, mostrávamos o que sentíamos e adorávamos isso. Éramos felizes! Agora tenho dúvidas que os casais adultos sejam tão felizes como nós éramos. 

        Depois, essas borboletas que achávamos que eram beijos, sem malícia, sem maldade, voavam leves, soltos, sem dor, sem sofrimento, sem mágoas nem rancores, nem que fosse só um, nem que acontecesse de vez em quando...e traz sorrisos, a lembrança dessas borboletas que achávamos serem beijos. 

        Era o que diziam, mas eu continuo a defini-los como...beijos, que ficam para sempre na memória, inocentes, eternizados nas fotografias de quando éramos pequenos. Os beijos que dei na adolescência, acho que não tinham nada de borboletas, talvez mais de...besouros. 

        Picaram muito, doeram muito quando acabaram, e não voltaram. Do primeiro que me lembro, não ficou dor! Dos adolescentes sim, doeu e muito. Tenho vontade de voltar a estes tempos, só para sentir outra vez as borboletas que se encostaram, reencontrar-te, para ver também viste as borboletas a danças nos nossos lábios, e a levantar voo, deixando-nos sem dor, sem rancor, só com recordações! 

Até qualquer dia...talvez um dia nos encontremos para sentir as borboletas a dançar, ou...apenas em sonhos! 

        E vocês, sentiram essas borboletas dos primeiros beijos? 


                                                                            FIM 
                                                                         Lara Rocha 
                                                                        14/Julho/2015