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sábado, 23 de outubro de 2021

Há sempre uma mão



VOZ-OFF - Se estivermos atentos uns aos outros, há sempre uma mão que nos segura nos piores momentos, e que não alinha nos atos de bullying. Há sempre uma luz que nos mostra que existem pessoas que sabem respeitar as diferenças. 

        Às vezes podem ser os que sofrem de bullying que não deixam essas mão aproximar-se, e segurar nas delas, por medo, porque acham que são todos iguais, porque acham que todos os que gozam com eles/elas têm razão...não valem nada, são fracos, horríveis, maus. Mas há sempre alguém que felizmente é diferente, tem amor, dá amor, respeita as diferenças. 

        Uma rapariga adolescente que sofre horrores na escola, é muito tímida, magra, de baixa estatura. É posta de lado pelos colegas, insultam-na, gozam-na, fazem fofocas sobre ela. Mas há um rapaz adolescente da mesma turma que não gosta nada das atitudes que os colegas têm com ela. 

        Depois de mais um dia de gozos, ela vai para a biblioteca, onde se refugia muitas vezes, para se defender, isola-se para se sentir segura, e porque impõe a si mesma a obrigação de tirar boas notas, o que não acontece pelos seus elevados níveis de ansiedade, e baixa auto-estima.  e está lá o colega que a defende. 

        Trocam olhares, mas rapidamente, a rapariga desvia o olhar para o caderno, triste. O colega que estava noutra mesa, levanta-se, e vai ter com ela.

ELE - Estás aqui? 

ELA - Estou. E tu também. 

ELE - É. Gostas de estar aqui? 

ELA - Gosto! Aqui é um sítio seguro para mim! 

ELE – Eu sei. Tens medo daqueles palhaços não é? 

ELA - É. 

ELE - Posso sentar-me aqui?

ELA – Podes.

ELE - Tens razão. Mas quanto mais medo mostras, mais eles te gozam. Eu não concordo nada com o que eles te fazem, nem gosto, e já lhes disse muitas vezes para te deixarem em paz, mas eles não têm nada da cabeça. Talvez queiram tirar-te da casca, mas não é assim que vão conseguir. (Ele olha-a) Estás bem? (Ela encolhe os ombros sem olhar para ele) Que pergunta! Eu sei que não estás. Eu gostava de falar contigo, um bocadinho posso?

ELA – Ok.

ELE – Eu sei porque é que estás triste! É por causa dos gajos da nossa turma, não é?

        Ela não responde, mas deixa escapar umas lágrimas.

ELA (com raiva) – Eu odeio esta turma. Odeio todas as turmas por onde já passei, acho sempre que vou para melhor, e no ano a seguir acontece tudo outra vez. Gajos palermas, que implicam e gozam comigo, humilham-me. E eu, não sou capaz de responder, sou mesmo idiota, eles têm razão, sou uma fraca. Não sei porque me fazem isso!  

ELE – Eu sei, compreendo-te. Eu também não curto o que eles fazem contigo, tanto é que como podes ver, eu não alinho com eles. Falo com eles, e tal, mas tipo…é só para eles não me excluírem. Mas mais dia menos dia, se eles não te deixam em paz e continuam a fazer cenas contigo, afasto-me deles. 

ELA – Obrigada! Não tens que te afastar deles, eles não implicam contigo, é comigo! A ti, curtem-te! A mim é que não! Eles têm razão! Eu não valho nada.

ELE – Tenho dúvidas que me curtam! Porque dizes que não vales nada? A opinião deles é assim tão importante para ti? O que é que eles sabem da tua vida para dizerem o que quer que seja? 

ELA – É. É isso mesmo, eles não sabem, mas têm razão a dizer que sou trenga, que pareço uma def. mental, que sou feia, que sou bicho, que tenho roupa de pobre e aquelas coisas, que tenho más notas.

ELE – Porque é que dizes que eles têm razão?

ELA – Porque é isso mesmo que eu sou. Sou uma merda!

ELE – Que asneira. Claro que não és. Porque dizes isso?

ELA – Porque sou feia.

ELE – A beleza é muito subjetiva.

ELA – Mas é no que eles reparam. Eles dizem que sou nojenta, sentem nojo de me tocar, de olhar para mim, e dizem que eu tenho uma doença contagiosa.

ELE – Tens?

ELA – Não.

ELE – Como é que sabes que eles têm nojo de ti?

ELA – Eu vejo na cara deles, e eles próprios disseram. E depois aquela cena de eu andar com algumas raparigas, que até se afastaram de mim depois de eles dizerem que sou lésbica.

ELE – (ri) Que ridículos. Eu não estou minimamente enojado contigo. São coisas que acontecem. Eu também tenho algumas, toda a gente tem. Não me preocupa a tua aparência, és bonita, preocupa-me é a forma como eles te tratam. Isso é que me mete nojo. Eu sei que és muito tímida, mas também não te metes com ninguém.

ELA – Que simpático! 

ELE - Não estou a ser simpático, estou a ser sincero. 

ELA - Um dia destes vou desaparecer.

ELE – O quê? Vais desistir de estudar?

ELA – Vou desistir de tudo. Vou-me matar.

ELE – Não faltava mais nada. Nem te atrevas!

ELA – Porque não? Ninguém sentia a minha falta.

ELE – Os teus pais e irmã…muita gente sentia a tua falta. Eu sentiria. 

ELA – Imagino! Não. Ninguém me procura!

ELE - Ai não? Eu vim atrás de ti, não sou ninguém? Obrigada... 

(Ela sorri, envergonhada) 

ELA - Desculpa...foi só da boca para fora. Aliás, não sei porque vieste atrás de mim... 

ELE - Porque quis. Porque me preocupo contigo, e vim ver como estavas! Não te agarres a essas ideias. Eu não vou permitir que faças uma coisa dessas.

ELA – Porque não? Nem me conheces!

ELE – Mas quero conhecer-te. Posso?

ELA – Não sei se vais gostar.

ELE – Isso preocupa-te?

ELA – Claro!

ELE – Porquê?

ELA – Porque eu não presto. Não valho nada, sou feia, nojenta, desajeitada…

ELE – Sim, sim, sim, claro, claro...que desgraça, é por isso que quero conhecer-te! Eu gosto de desafios, E tu és um desafio! Para de dizer asneiras por favor. Deixa-me conhecer-te, posso?

ELA – E para que queres conhecer uma gaja feia? Com tanta rapariga bonita…

ELE - Eu não acredito em nada do que aqueles cromos dizem. Eu quero é ver-te com os meus olhos, conhecer-te, saber de ti, saber como és, estar ao teu lado. Aqueles idiotas não vão mais pegar contigo. Posso?

ELA – Se fazes tanta questão de me conhecer…

ELE – Sim, faço. Baixa a barreira que colocas entre ti e quem está á tua volta.

ELA – Barreira?

ELE – Sim, vejo uma barreira nos teus olhos.

ELA – E que barreira é?

ELE – É essa, de não gostares da tua imagem, e de não te mostrares aos outros. Do que tens medo?

ELA – Medo…de muita coisa.

ELE – Ok, eu estou a falar de medo, aquele medo que constrói a tua barreira.

ELA – Não tenho barreira nenhuma.

ELE – Tens.

ELA – Sou tímida…acho que é essa a barreira de que falas.

ELE – Não dês ouvidos aos gajos. Eles acham que são perfeitos.

ELA – Por isso é que eu vou desaparecer. Assim, eles não me veem mais, nem eu me chateio mais, com mais nada.

ELE – Outra vez, o desaparecer? E eu?

ELA – Tu vais ter mais gajas para conhecer.

ELE – Mas eu não quero conhecer gajas, quero conhecer uma rapariga, uma amiga. Eu sei que és essa amiga quem procuro.

ELA – Como é que sabes?

ELE – Sei. Não sei explicar, mas sei. (Ela sorri) Com licença… tens um sorriso tão bonito, e uns olhos… apesar de tristes, são bonitos.

(Ela sorri timidamente)

ELA – Obrigada. És muito simpático. Mesmo assim, eu vou destruir-me!

(Ele ri)

ELE (sério) – O quê? Nem te atrevas. Eu não vou deixar. Aqueles gajos não vão mais gozar contigo. Eu estarei do teu lado. Posso?

ELA – Vais desperdiçar tempo, mas podes…

ELE – Desperdiçar tempo…? É cada uma…!

ELA – Não sabes nada sobre mim, nem eu sobre ti.

ELE – Mas quero saber, se deixares. Se não gostares de mim, também me podes mandar para o quinto mais velho. Mas pelo menos, deixa-me tentar ver-te, com os meus olhos!

ELA – Está bem.

ELE (sorri) – Obrigado. Serei o teu anjo da guarda. Vou estar do teu lado.

(Toca a campainha)

ELE – Posso ficar à tua beira na aula?

ELA – Podes.

ELE – Obrigado.

            Os dois levantam-se. Olham-se. Ele sorri, ela também. Ele estende a mão, e pega na mão dela. Dá-lhe um beijo na cara, abraça-a, limpa-lhe as lágrimas, ela sorri, e vão os dois a conversar até à sala. Quando os outros da turma começam a implicar com ela, ele defende-a, e afasta-se deles, estando sempre com a sua amiga, apoiando-a, ajudando-a nos estudos e nos testes, indiferente aos comentários dos outros, que a acham diferente. 

        Ele tem amigos fora da escola e apresenta-a a eles, que a recebem muito bem, que se preocupam com ela, e estão sempre prontos a ajudá-la. Ela mudou muito desde que o conheceu, e aos poucos, ele conquistou-a. Há sempre uma mão que segura, há sempre uns olhos que veem o que os outros não veem, há sempre alguém curioso a nosso respeito, por isso, não desistam!

FIM

Lara Rocha


Nota: este diálogo pode ser reescrito por alunos que sofram de bullying por parte de colegas, e dramatizado. No final debate sobre o tema, com pesquisa, ou palestras de especialistas. 







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