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terça-feira, 23 de agosto de 2022

Os potinhos de mel

 

      








      





        

    Era uma vez uma menina que vivia numa aldeia com os seus pais, avós, irmãos, e animais. Na sua casa havia colmeias e produzia-se mel para venda. Era um mel muito especial, saboroso, puro, muito procurado por todas as pessoas, portuguesas e estrangeiras que visitavam a aldeia. 

   Além do amor com que era produzido, alguns potinhos de mel tinham pedacinhos de pétalas de flores naturais, mistura de pólen, e folhinhas de eucalipto para que o mel ficasse com um toque a mentol. Do mel faziam também xaropes e rebuçados, eram uma delícia. 

    A menina adorava borboletas, e seguia todos os seus movimentos com os olhos, abrindo um sorriso de orelha a orelha quando as via, tentava agarrá-las, mas elas fugiam, quando estava quase a agarrar uma asa, se elas pousavam, voam e a menina ficava irritadíssima.

     Um dia cismou que ia apanhá-las, fosse como fosse, ainda iria descobrir uma maneira de as apanhar. 

        Pedia às estrelas que as colassem na sua janela, ou que as espetassem em pioneses na porta, que cozessem as suas asas na almofada, e na cama, todos os dias arranjava uma maneira de caçar borboletas. 

      É claro que as estrelas não lhe faziam a vontade, porque se o fizessem, seria muito mau para as pobres borboletas. 

     Quando dizia à mãe e ao pai que queria borboletas, os pais diziam-lhe que não podia ser, porque as borboletas são para andar soltas, livres. 

      Os seus avós diziam que as borboletas eram tão bonitas que só podiam andar livres pelo ar, e pousar onde gostassem mais, onde quisessem, porque não podiam viver com as pessoas. 

Mas a menina não compreendia, ficava amuada, insistia em agarrá-las. 

     Um dia, numa noite de pleno inverno, os pais e os avós da menina deixaram uns potinhos de mel a secar, estavam protegidos da chuva e do vento, encostados à parede, debaixo dos beirais das janelas. 

     Muitas borboletas como não conseguiam voar, abrigaram-se do mau tempo na casa da menina. 

    Como estava escuro, sentiram um cheirinho tão bom, tão doce, que sem reparar pousaram nos potinhos de mel, perceberam que era mole e meio líquido, provaram, e deliciaram-se com o sabor. Comeram até ficar cheias, e ficaram todas pegajosas. 

     Entraram em pânico, por estarem a ficar tão coladas, e quase a afundar no mel mole, gritaram, esticaram-se, torceram-se para sair de lá, puxaram-se umas às outras, e com os clarões dos trovões, depois de conseguirem sair dos potinhos, cheias de mel, é que perceberam onde tinham caído. 

- Que coisa é esta...? Tão deliciosa, mas tão...pegajosa? - pergunta uma borboleta 

- Parece cola! - diz outra 

- Deve ser geleia! - repara outra 

- Não, acho que isto é...mel. - corrige outra 

- Mel? - perguntam todas 

- Sim. 

- Já conhecias este sabor? 

- Sim, vem das flores, eu já andei muito por aqui. 

- E porque é que eles têm isto aqui? 

- Deve ser para nos caçar... 

- Também acho. 

- Eles têm estas manias...

- É, uma criatura que está aqui tenta sempre apanhar-me, mas eu não deixo. 

     Todas riem. 

- Ai... - geme uma 

- O que foi? - perguntam todas 

- Estou tão cheia...até estou mal disposta. 

- Eu também. 

- Mas aquilo tinha um cheirinho tão bom... 

- Pois, e um sabor! 

- Pois é. 

- Mas, e agora como é que eu vou tirar isto das patas, e das asas? 

- Tens de tomar banho, todas nós. 

- É. 

- Mas onde vamos encontrar água a esta hora, com esta escuridão? 

- Deve haver por aqui água. 

- Haver, há, mas está tão escuro que eu não sei onde fica. 

- Vamos procurar. 

    Quando estavam quase a sair, ouvem um grande estrondo, e um clarão que parecia que já era dia. Dão um grande grito, encolhem-se, escondem-se, e voltam a cair nos potinhos de mel com o desespero e o susto. 

    Depois do susto, as outras ajudam-nas a sair, e levam-nas pelas mãos, com mel a pingar por todo o lado, das suas asas e patas, e ouvem o som de água a cair. 

- Esperem...estou a ouvir água! 

- Deve ser a chuva. 

- Olhem aqui uma poça...vou lavar-me aqui mesmo.

    Outras seguem-lhe o exemplo, lavam-se nas poças de água da chuva que se acumula no chão, iluminadas pelos gigantesco trovões. Esfregam e voltam a esfregar as suas patas e asas, rebolam, molham-se, e muito mais leves, começam a dançar para se secarem. 

     Sacodem-se, saltitam, riem, chapinham, ficam encantadas com o som da água e a ver os seus reflexos na água, com a luz dos trovões. 

    Correm por cima da água e veem as marcas das patinhas à superfície, brincam umas com as outras, esquecendo a trovoada e a chuva. 

   Quando o sol nasce, as borboletas vão descansar. De manhã, os da casa reparam que há mel espalhado por todo o lado, fora dos potinhos, e nos próprios potinhos existem marcas de patinhas. 

- O que é que aconteceu aqui? - pergunta a mãe 

- Não sei...mas isto está mexido! - diz o  Avô 

- Andou aqui alguém. - repara a Avó 

- Se andou, era um bicho pequenino, olha para isto dentro dos potinhos. - diz o pai 

- É...realmente...parece de formiguinhas. 

- Ou de borboletas! - diz a menina 

- Óh, óh Inês, achas que as borboletas comem mel? 

- Não sei...podem comer! 

- Mas se entrou nos potes, também saiu, olha para isto...está tudo salpicado de mel. 

- Áh, pois está! 

- Porque é que vieram cá fazer isto...? 

- Bem, não tem importância, não deve ter sido venenoso, o que por aqui passou. Vamos limpar, e encher mais um bocadinho para compor. 

- É. 

- Hum, acho que é uma boa armadilha para apanhar borboletas. - diz a menina 

- Lá estás tu com essa ideia. 

- Nem penses que vais fazer isso às borboletas. 

- Tu gostavas de ser borboleta e ser perseguida...ou cair em armadilhas? 

- Não! - diz a menina 

- Elas também não! 

- Como é que sabes? 

- Eu falei com elas, e elas disseram que não gostam nada de ser perseguidas, gostam de voar livres e soltas, gostam de ser apreciadas, mas só pelos olhos das pessoas, não pelas mãos. 

- A sério? 

- Sim! 

- E tu, se fosses borboleta, também gostavas do mesmo, não? 

- Sim. 

- Então para que tentas agarrá-las? Perderiam toda a beleza, leveza e magia. 

- Óh! 

- Óh  nada! É o que é. 

- E tu não gostas delas? 

- Gosto, mas nem por isso as apanho... 

- E tu também vais deixá-las sossegadas. 

- Está bem. 

- Se as apanhas, elas não voltam, por isso, se queres continuá-las a vê-las, deixa-as em paz. 

- Está bem, sim, quero continuar a vê-las. 

     Todos ajudam a limpar, e as borboletas voltam. A menina grita: 

- Borboletas, podem ficar, não fujam. Eu deixo-vos em paz...

    Todos riem, as borboletas sorriem, e a casa passou a ser visitada por centenas de borboletas, grandes, pequenas, médias, cheias de cores diferentes, que encantavam ainda mais o espaço e os visitantes. 

   As borboletas voavam à volta dos potinhos de mel, e os visitantes pareciam quase hipnotizados, maravilhados, fotografavam, e compravam os potinhos de mel. 

   A avó, a menina e a mãe deixavam bocadinhos de mel em pratos para as borboletas provarem ou comerem, e água numa bacia, para se lavarem, ou beberem. 

   Era a forma de lhes agradecer, e as borboletas adoravam ser o centro das atenções, comer mel, beber água, ajudar a família a vender os potinhos de mel. Como a menina não as prendeu, elas tiveram todo o gosto em continuar a visitar a casa, deliciar-se com o mel, e ajudar com a sua beleza. ´

   A menina ficou muito feliz, confessou-lhes que queria apanhá-las, e que até pedia às estrelas para elas as prenderem, mas o Avô disse que falou com elas, e se queria continuar a vê-las tinha de as deixar livres, porque só assim via toda a sua beleza. 

    O avô tinha razão, e as borboletas concordaram. A menina aprendeu a lição, e como recompensa, recebeu centenas de borboletas. 

                                                            FIM 

                                                         Lara Rocha 

                                                        23/Agosto/2022 

terça-feira, 16 de agosto de 2022

O jardim das coisas estranhas

 O JARDIM DAS COISAS ESTRANHAS 


        Era uma vez um jardim, onde aconteciam coisas misteriosas. Logo à entrada, um grupo de pássaros de todas as cores, grandes e pequenos, soltava bolinhas de sabão de todos os tamanhos, enquanto chilreavam. 

Dentro dos troncos, algumas corujas cantavam ópera, conversavam umas com as outras a cantar e a gritar. Um sapo que achava que era acrobata e subia e descia milhares de vezes por dia, os troncos de todo o jardim. 

O sapo dava trambolhões e cambalhotas, escorregava, arranhava-se todo, e ria à gargalhada, outras vezes descia aos saltos a fingir de cavalo. Todos aplaudiam e ele ficava todo vaidoso. 

Uma preguiça resmungona que estava sempre a reclamar com o barulho, demorava muito tempo a descer o seu tronco preferido e procurava muito lentamente, parava muitas vezes, conversava com quem passava enquanto descansava. 

Havia muitas árvores que pareciam iguais às outras, mas os seus troncos mexiam como se fossem braços a espreguiçar-se, para um lado e para o outro. Os troncos suspiravam, as folhas bocejavam, os raminhos estremeciam e espirravam. 

Abraçavam-se umas às outras, batiam palmas, cantavam, dançavam, acariciavam a cara e os cabelos das pessoas que entravam e eram simpáticas, agarravam pelas camisolas, como se fossem mãos, ou puxavam cabelos. 

Riam à gargalhada, às vezes trocavam de lugar umas com as outras, para ver paisagens diferentes, as folhas pintavam-se de cores que não eram delas. Desfilavam, fotografavam-se, aplaudiam-se, faziam concursos com vestidos e saias a condizer, casacos feitos de musgo, construíam camas de penas que os pássaros largavam. 

Podiam ver-se cogumelos de todos os tamanhos e cores a andar de bicicleta, a correr, cogumelos com asas que voavam e pousavam, lutavam com gaivotas e pássaros para os escorraçar, guincharam como elas. 

Um golfinho muito generoso que saía da água, dava milhares de saltos, e construía na margem do lago, com cascas das árvores, musgo que se transformava em algodão, e penas, fazia camas, ninhos e abrigos para animais variados que passassem por lá: passarinhos, esquilos, borboletas e morcegos. 

         E por falar em morcegos, estes estavam espalhados pelos troncos, uns acordados de dia, e dormiam de noite. Uns a dormir em pé, sentados, de cabeça para cima, numa casinha confortável, outros a dormir deitados nesses ninhos fofos, outros de cabeça para baixo num tronco gigante, cheio de toquinhas, que parecia um condomínio fechado.  

      Havia rolas costureiras, borboletas tecedeiras, aranhas bailarinas, cogumelos que viviam aos pés das árvores, estavam muitas vezes constipados, tossiam, espirravam, fungavam e limpavam os narizes, grunhiam, os esquilos ofereciam-lhes uns chás quentes com mel, e cobriam-nos.

         Algumas gaivotas transformavam-se em lindos cisnes gigantes, brancos, pretos, amarelos, azuis, as rãs invejosas tentavam corrê-las mas elas riam e levavam-nas a passear pelos ares nos seus bicos. Primeiro as rãs gritavam assustadas, mas depois adoravam o passeio. 

         Outras gaivotas, transformavam-se em pequenos patinhos, que nadavam no lago, havia patos com medo da água que andavam em terra e gritavam quando tinham de entrar na água. 

         Havia frutos coloridos, com cores trocadas, maçãs roxas, bananas castanhas, azuis, verdes, amarelas, cinzentas, pretas, ameixas cor-de-laranja, laranjas brancas, limões com cheiro a limão, mas mas cores nunca antes vistas. 

      A erva crescia no chão entre grossos troncos de árvores com raízes tão fortes, tão grossas, tão grandes que saíram debaixo do solo, e estavam à superfície. Serviam de esconderijo, casa e abrigo para coelhos de todos os tamanhos, que tinham medo de sítios fechados, por isso não conseguiam construir tocas. Mas com a erva grande, estavam protegidos do frio, do calor, dos animais selvagens e de quem lhes queria fazer mal. 

     Quando os coelhos saiam, os esquilos tomavam conta das casas, trepavam às árvores, subiam e desciam dezenas de vezes por dia, corriam pelo jardim atrás de bolotas e a recolher comida, para eles, para os coelhos e outros alimentos para quem mais precisava. 

    Bebiam água, escorregavam, riam,  iam para a cidade, dormiam a soneca nas suas tocas, umas nos grandes troncos das árvores, outras nos ramos de cima, e outras nas raízes. A seguir estavam como novos, cheios de energia. 

     Era um jardim onde às vezes apareciam estrelas de dia, e sol à noite, o sol e a lua viam-se ao espelho, na água das fontes, para onde iam pessoas especiais. Existiam borboletas que se transformavam em beijos, e beijos que se transformavam em borboletas. 

   Flores que quando eram tocadas transformavam-se em bolas de sabão, umas desapareciam, outras rebentavam em seguida, outras espalhavam-se pelo céu, e caiam na relva. 

       Pedras que se riam, patos que choravam e cantavam, pássaros que gatinhavam, gatos que faziam habilidades de circo, cães que tanto andavam em duas patas, como com as quatro patas, e davam cambalhotas. 

      Lobos que andavam de patins, e faziam torneios de dança, futebol no gelo de patins, com outros animais e todos aplaudiam. Formigas que piavam como mochos, mochos que piavam, umas vezes riam à gargalhada, outras choravam sem saber porquê. 

       Este jardim era tão misterioso que se encontravam as quatro estações do ano, reunidas numa grande festa, misturavam-se todas, trocavam as suas características para se divertirem, cada uma experimentava ser as outras. 

      Mas outras vezes, ficava cada uma no seu canto, em silêncio, a descansar, a sonhar, a imaginar, a ler, a criar. 

    As pessoas raramente entravam neste jardim, mas quando isso acontecia, saiam de lá a pensar que aquilo era tudo imaginação deles, nada era real, era só o medo do que não conheciam a falar e a inventar o que não existia. Ou que estariam a dormir e a sonhar. 


E vocês, se entrassem neste jardim, que coisas estranhas viam?

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                                                           FIM 

                                                     Lara  Rocha 

                                                     16/Agosto/2022