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sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

O sonho do sonho, aos olhos de duas corujas

           


            Duas corujas estão pousadas na árvore, e conversam sobre o vizinho de cima, um poeta sonhador, que sonha acordado, e às vezes conta os seus sonhos, que rasga, depois de escrever num papel, e atira para os pés da árvore.

- Olha lá, oh amiga...tu sonhas?
- Sim, sonho...quando estou a dormir, e tu?
- Eu também sonho. E que sonhos são esses?
- Umas vezes são sonhos bons, felizes, outros...são...sonhos estranhos, confusos, aterradores!
- E os teus sonhos como são?
- Os meus sonhos são sonhos. Umas vezes também são bons, outras vezes nem tanto.
- Mas gostas de sonhar?
- Gosto, e tu?
- EU também.
- O sonho sonhou esta noite!
- Quem é o sonho?
- É o sonho...o nosso vizinho de cima.
- Como é que sabes que ele sonhou?
- De certeza que sonhou! Todos sonham.
- Mas os sonhos não sonham!
- Achas que não?
- Acho.
- Porque não?
- Porque os sonhos já são sonhos, não podem ter sonhos.
- O sonho sonhou mesmo!
- Ele disse-te?
- Disse.
- O que sonhou?
- Sonhou que era um sonho.
- Era um sonho bom ou mau?
- Sonhou! Não sei se foi bom, se foi mau...sei que sonhou!
- Sonhou?
- Sim, sonhou, todos sonhamos!
- Sim, claro...e que sonho foi esse?
- No sonho do sonho, o sonho sonhou que era um sonho!
- Mas o sonho já é sonho, como sonhou que era um sonho?
- O sonho sonhou que era um sonho!
- Áh! Sonhou...
- Sim, sonhou que era um sonho.
- Mas que confusão!
- O sonho sonhou com ele próprio.
- Sonhou como?
- Sonhou que era um sonho...
- Mas já é um sonho
- Sim, foi por isso que sonhou!
- Sonhou que era um sonho.
- Mas que sonho tão louco...
- Não! Foi só um sonho, que o sonho sonhou!
- E tu, não tens sonhos?
- Sim, tenho muitos sonhos.
- E os teus sonhos, também sonham?
- Não sei, nunca lhes perguntei.
- Mas achas que os teus sonhos, sonham?
- Acho que não sonham.
- Os meus sonhos sonham que são sonhos.
- Como é que sabes?
- Eu sei!
- Já os ouviste a conversar sobre sonhos, ou a sonhar?
- Nunca falei sobre isso com eles, mas de certeza que têm sonhos.
- Mas deve ser uma conversa de tolos.
- Não...são conversas de sonhos.
- Achas que os sonhos conversam?
- Sim, conversam.
- Sobre o que conversarão os sonhos?
- Não sei, nunca ouvi nenhuma conversa entre sonhos!
- Talvez os sonhos conversem sobre...sonhos.
- Sim. Mas deve ser difícil falar deles próprios.
- Como assim?
- É difícil falarmos de nós mesmos com outras pessoas. Talvez os sonhos também achem difícil falar deles próprios, ou dos seus sonhos a outros sonhos.
- Será que eles têm sonhos iguais?
- Não...quase de certeza que não têm o mesmo sonho.
- Porquê?
- Porque cada sonho, tem os seus sonhos.
- E os teus sonhos são iguais?
- Não. Sonho coisas diferentes todos os dias.
- E o sonho, será que sonha todos os dias?
- Claro que sim.
- Mas sonha todos os dias que é um sonho?
- Não sei. Se calhar sonha outros sonhos.
- Mas esta noite o sonho sonhou um sonho....
- Sim! Esta noite, o sonho sonhou que era um sonho.
- Que sonho estranho! Eu não gostaria de ter esse sonho, se fosse sonho.
- Eu gostaria de sonhar que era um sonho.
- Gostarias? Porquê?
- Talvez esse sonho dissesse muitas coisas de mim.
- Áh! Achas que o teu sonho ia falar de ti a outros sonhos, e que os levava para os teus sonhos?
- Sim.
- E gostavas de conhecer esses outros sonhos?
- Se fosse o sonho, sim, gostava de sonhar e conhecer outros sonhos.
- Achas que ias conhecer sonhos bons, ou sonhos maus?
- Eu preferia sonhar que conhecia os sonhos bons, mas os sonhos maus às vezes também nos visitam, e terão alguma coisa para nos dizer...
- Será que o sonho também gosta de sonhar com sonhos?
- Acho que sim.
- Serão sonhos bons ou sonhos maus?
- Os dois.
- Sim, pelo menos não temos sempre só sonhos bons.
- Se tu sonhasses com sonhos, que sonhos seriam esses?
- Ui, nunca mais acabava, se fosse sonhar com todos os sonhos que sonho.
- Eu também.
- E aqueles meninos que vivem em países que andam em Guerra, terão sonhos?
- Eu acho que esses nem devem dormir, com tanto medo e terror.
- Então não sonham!
- Não…se não dormem, não têm sonhos.
- Achas que eles sonham com sonhos, que lhes dão medo?
- Sim. De certeza!
- Mas não terão sonhos?
- Acho que não…
- Eu acho que eles sonham que a Guerra no país deles acaba quando abrem os olhos.
- Eu se estiver com medo, não sonho…ou…sonho sonhos com medo.
- E tens medo desses sonhos?
- Nos sonhos que tenho medo, sim.
- Eu também tenho medo.
- Eu se vivesse num país em Guerra também não tinha sonhos…ou…teria sonhos de medo, ou de fim da Guerra.
- Olha, e o sonho de cima, atira papéis lá para baixo…porque será?
- Será que são sonhos que ele sonha?
- Achas que ele escreve os sonhos?
- Pode ser…
- Será que são sonhos bons ou sonhos maus?
- Se calhar…devem ser sonhos maus, porque se fossem sonhos bons, ele guardava-os, não os rasgava.
- Pois… Acho que tens razão.
- Hoje, o sonho sonhou que era um sonho…e…eu é que acho que agora vou sonhar um bocadinho… (boceja) estou cheia de sono.
(A outra coruja ri-se)
- Vais sonhar que és um sonho?
- Acho que vou sonhar com um sonho…não sei qual.
(As duas sorriem)
- Para saberes se vais sonhar que és um sonho, ou se vais sonhar com um sonho, vais ter mesmo de fechar os olhos e dormir.
- É isso mesmo. Quando abrir os olhos, digo-te…(boceja outra vez) se sonhei que era um sonho, ou…(boceja outra vez) se…sonhei com algum sonho…Sonho….so…nnnnhhh…(adormece)
- O sonho sonhou que era um sonho. E tu, o que sonharás? Sonharás com um sonho, ou sonharás que és um sonho? Eu vou sonhar que com um sonho. Até já…bons sonhos.
         O sonho saiu da árvore ainda antes do nascer do sol, e regressa do seu passeio, já com o sol alto. As corujas que já tinham dormido, abrem os olhos. 
- Olá sonho! - Dizem as duas 
- Já de regresso? 
- Voltaste rápido! 
- Olá! Vai estar um dia lindo... - Diz o sonho
- Olha, tu sonhaste esta noite? - Pergunta uma coruja 
- Sonhei. E vocês não sonharam? - Pergunta e responde o sonho 
- Sonhamos! - Respondem as duas 
- E o que sonhaste? - pergunta uma coruja 
- Sonhei...que era um sonho! 
- Sonhaste que eras um sonho, ou sonhaste com um sonho? - Pergunta uma coruja 
- Sonhei que era um sonho! - Responde o sonho 
- E como foi esse sonho? - Pergunta a outra coruja 
- Sonhei comigo mesmo. Sonhei que era um sonho...o resto já não me lembro! 
- Mas, o que são os sonhos? - Pergunta uma coruja 
- Os sonhos que sonhamos, são sonhos que sonhamos. São desejos nunca confessados. Os sonhos que sonhamos, são filmes do que nos é proibido. São florestas de terror, medo, ansiedade, tempestades... - Responde todo poético, o sonho 
- Ai...não gosto desses sonhos! - Diz uma coruja 
- Nem eu! - Diz a outra 
- Eu também não, mas às vezes vamos passear por essas florestas, porque a entrada é a mesma. Mas os sonhos também são...lagoas serenas, de águas claras...
- Áh! Que lindas... - Suspiram e sorriem as corujas 
- São romances! - Continua o sonho poético 
- Gosto! - Dizem as duas corujas 
- São vitórias! 
- Áhhh!!! - Dizem as duas 
- Ééééhhhh... - Diz uma coruja 
- E derrotas... - Acrescenta o sonho 
- Óóóhhh... - Exclamam as duas corujas 
- Isso não! - Comenta uma coruja 
- Não gosto de derrotas. - Diz a outra 
- Nem eu! - Responde a outra 
- Eu também não, mas também fazem parte. Os sonhos são vontades...são música, são cores...são histórias contadas pelo cérebro...são personagens construídas pelos olhos, e pela mente...e representadas pelas emoções, pelo corpo...aprovadas e, ou...reprovadas pelo coração! Aliás...só ele entende a linguagem dos desejos nunca antes confessados! Alguns são tão bons! Pelo menos...nos sonhos que sonhamos...vivemos experiências, experimentamos emoções, entramos em contacto com o mistério que nos compõe. Outros...são apenas...sonhos sonhados! Que sonhamos...nem são desejos sequer...mas aparecem, quando o cérebro não está inspirado, ou está cansado e mistura tudo...como nós.
- Explica o sonho 
- Áh! Que bonito! - Exclamam as duas corujas a sorrir
- Então os sonhos são tanta coisa...! - Pensa em voz alta uma coruja 
- São mesmo! - Diz a outra 
- Há sonhos sonhados que sonhamos, e desejos que desejamos, que se transformam em bolas de sabão! - Acrescenta o sonho 
- Áh! Então andam muitos sonhos por aí... - Repara uma coruja 
- Sim. Nós vemos muitas bolas de sabão! Então...elas são sonhos que vagueiam... - Diz outra coruja 
- Isso mesmo! Essas bolas de sabão, têm aqueles sonhos que sonhamos e desejamos, e sabemos ao acordar, que não serão realizados...! - Diz o sonho com ar de sonhador 
- Óh, que pena...! - Dizem as duas corujas
- Eu tenho tantos sonhos que não se realizam...- Diz uma coruja 
- Eu também... - Diz outra coruja 
- Todos temos! Mas fazem parte de nós, vivem no nosso jardim, e quando os portões se abrem, todos entram...Porque esses são apenas...bolas de sonhos, bolas de desejos, bolas de vontades...que flutuam, pairam, vagueiam pelo jardim do sonhar e desfazem-se ao chegar ao Universo da realidade. São...sonhos! - Completa o sonho 
- Áhhhh...! - Suspiram as corujas a sorrir 
- Que lindo que deve ser esse jardim do sonhar. - Imagina uma coruja 
- Sim. É imenso...não tem fim, tem imensos caminhos, e existem milhões...todos diferentes. - Diz o sonho 
- Uau! - Dizem as duas 
- Que bom que é sonhar...sonhos bons. - Repara uma coruja 
- Pois é! - Diz a outra 
- É mesmo. - Responde o sonho
- Bem, desculpa amigo sonho...vou voltar a esse jardim do sonhar...porque estou cheia de sono. Só abri os olhos porque te ouvi chegar. - Diz uma coruja 
- Eu também! - Diz a outra coruja 
- Claro...à vontade! Eu também vou continuar o meu passeio. Até já...bons sonhos para vocês. - Deseja o sonho 
- Obrigada! - Respondem as duas 
         O sonho continua o seu passeio, e as corujas voltam a dormir. O que será que elas encontraram no jardim do sonhar? 

FIM
Lálá
(29/Dezembro/2016)


quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

A neve com sabor



Era uma vez um caminho cheio de neve que ia ter a várias casas. Por todo o lado havia neve, um sol fraquinho que espreitava tímido entre o nevoeiro baixo e denso, e frio. Já nevava há vários dias e noites, mas quando parou, todos saíram de casa e foram sentir a neve, brincar com ela, escorregar, rir, construir bonecos e conviver.
Um menino pegou numa bolinha de neve redondinha e branca, leve, sentiu-a fria nas suas mãos e cheirou-a. Não cheirava a nada. Quis saber se a bola de neve tinha sabor…deitou a língua de fora, tocou a medo com a ponta da língua na neve e…óóóhhhh… que estranho! A neve…sabia a qualquer coisa! Mas não conseguia perceber muito bem ao que era.
Pediu aos pais que provassem, os pais deram umas sonoras gargalhadas e não provaram. Acharam que ele estava a imaginar. Pediu a uma menina sua amiga que provasse…a menina tirou um pedacinho de neve, provou-a e…Áhhhh…! Surpresa…a menina também sentiu que sabia a qualquer coisa.
Os pais provaram mas lembraram-se que aquilo podia ser venenoso. Quando olharam para os cães, viram-nos deliciados a brincar e a trincar neve, todos felizes, a correr, a saltar, a escorregar, a ladrar. Foram perguntar aos cães se a neve também tinha sabor.
Os cães não perceberam o que eles perguntaram e continuaram a trincar neve. Os meninos pegam noutro pedacinho e provam.
- Esta também tem sabor! – Diz a menina surpresa
- Pois tem! – Diz o menino
- Humm….é boa!
- Também acho! Mãe…pai…ei…todos…provem a neve!
- O quê? – Perguntam todos
- Óh filho, alguma vez a neve se provou? – Pergunta um Avô
- Nós provamos…eu e ela!
- E tem sabor! – Garante a menina
- Não pode ser! – Dizem todos
- A neve nem sequer é de comer! Pelo menos por nós, humanos. – Comenta uma tia da menina
- Prova, tia! É boa. – Convida a menina
Ninguém acreditou, mas todos ficaram curiosos, queriam ter a certeza que era imaginação das crianças. Provaram a neve a brincar…pegaram num bocadinho de neve, e tocaram com a ponta da língua.
- Áh! E não é que esta neve tem mesmo sabor…?! – Comenta outro Avô
- Realmente…! – Dizem todos
- Isto é muito estranho! – Repara um pai
- Pois é! – Dizem todos
- Os cães também provaram e comeram neve! – Diz a menina
- Como é que pode ser? Nunca conheci uma neve que tivesse sabor.
De repente, enquanto estão todos muitos pensativos naquele mistério, ouvem alguém a chorar. Procuram por todo o lado, mas não vêem ninguém! É uma pequenina fada que está pousada em cima de um telhado, uma fada da cor do gelo, quase transparente que parecia vidro.
- Está ali…! – Diz a menina
- Quem está aí? – Perguntam todos
A fada assusta-se e para de chorar.
- Olá! – Diz a fada
- Quem és tu? – Perguntam todos
- Sou a fada do gelo!
- Áh! Que linda…! – Dizem os meninos a sorrir
- És tu que estás a chorar? – Pergunta uma mãe
- Sim! – Responde a fada
- Porquê? – Perguntam todos
- É que a fruta que eu tinha apanhada para fazer os meus produtos, foi sugada pelo vento forte…sugou tudo, e desapareceu. Perdi tudo! Agora como vou fazer os meus produtos? - Conta a fada
- Óh! Que pena. – Dizem todos
- Apanhas outras, não faz mal…! – Diz uma Avó
- É! O que mais há por aí é fruta…até podes vir ao meu jardim.
- A sério? Muito obrigada! – Diz a fada a sorrir
- Sabes que esta neve tem sabor?  - Pergunta o menino
- Tem sabor? Como assim? – Pergunta a fada
- Sim! Eu provei, e tem sabor. – Diz o menino
- É verdade! Eu também provei e soube-me a qualquer coisa! – Confirma a menina
- Pois é! – Dizem todos
- Eu pensei que eram eles a imaginar, mas também quis provar e também me soube a alguma coisa! – Reforça outra mãe
- Prova! – Desafia a menina
- A fada desce do telhado, pega num pedacinho de neve, prova e…
- Áhhhh! É mesmo! E que boa que é! Huuummmm…. Sabe a… fresco…a…água…a…plantas! – Diz a fada
- É isso! Não sabíamos dizer bem ao que sabia. – Diz outra mãe
E todos comem mais pedacinhos de neve. Descobriram vários sabores diferentes, em vários sítios por onde provaram. Uns pedacinhos sabiam a fruta, outros pedacinhos a plantas, outros a flores, outros a mentol e eucalipto, outros a limão.
Provaram tanta neve que quase congelaram…tomaram um chá quente, e todos ficaram doentes uns com tosse, outros com gripe, porque a diferença de temperatura foi muito grande, e ainda por cima tinham as roupas molhadas no corpo porque estiveram a divertir-se uns com os outros e com a fada.
A fada foi a única que não ficou doente, porque já estava habituada, e foi visitar um por um, levando-lhes bolinhas de mel, geleia de água quente com limão, almofadinhas bordadas pelas suas amigas com eucalipto e mentol…eles agradeceram à fada, com uma grande festa, depois de estarem totalmente bons.
Afinal…a neve tinha sabor porque o comilão das nuvens adorava fruta, aspirou todas as frutas que a fada apanhou, para fazer os seus bolos, e todo o sumo que ele deixou cair, porque era muito trapalhão, foi parar às nuvens que iam para a terra, a quem se juntaram para brincar. Acabaram congeladas como as outras gotas de chuva, e transformaram-se em neve! Neve com sabor…
Fim
Lálá
(7/Dezembro/2016)