Número total de visualizações de páginas

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Plantações


foto de Lara Rocha 

Era uma vez uma jovem rapariga que vivia numa casa pequenina, numa aldeia com poucos habitantes. Toda a gente a achava estranha porque ela falava sozinha, regava terra sem nada, sempre com um sorriso na cara. Ninguém lhe perguntava nada porque ainda a conheciam há pouco tempo e não queriam parecer demasiado coscuvilheiros, mas todos comentavam entre si.
Ela estava no jardim sem flores, a cantar com uma voz maravilhosa, a regar e passa uma menina encantada com a sua voz, e levava consigo um cãozinho numa cestinha que começa a ladrar e fica inquieto.
- Pára…já vamos. – Ralhe ela com o seu cão - Bom dia! Era você que estava a cantar? – Diz a menina
- Bom dia, querida…Ouviste-me a cantar…? Sim, era eu! Gosto muito de cantar enquanto rego!
- Sim. Adorei ouvi-la cantar. Tem uma voz mesmo muito bonita…parecia uma fada! – Diz a menina a sorrir.
- Obrigada! Acordaste cedo. Estás sozinha? Quer dizer, não estás sozinha porque estás com o teu amigo cãozinho, mas quero dizer…com um adulto da tua família…? – Pergunta a jovem a sorrir
- Sim, estou com o meu cãozinho, os adultos da minha família sabem que eu não me perco, nem vou para longe. Já conheço muito bem este sítio, e ele também. Eu acordo sempre cedo, e vou passear o meu cão, os grandes não têm tempo, e confiam em mim.
- Áh…muito bem. Mas não tens medo?
- Não! Aqui todos nos conhecemos, e nunca estou sozinha…passo sempre pelos meus vizinhos, ou primos, ou tios…ou Avós, ou irmãos dos meus avós…Passo por muitas casas. O meu amiguinho anjinho da guarda também está comigo. E você está sozinha aí?
- Também não estou totalmente sozinha. Os meus pais estão a viver na aldeia aqui ao lado, trabalham o dia todo, e esta casa foi oferta de uma tia. Eu venho cuidar da casa e do jardim, porque gosto muito deste espaço. E também nunca estou sozinha…
- Também tem o seu anjinho da guarda?
- Sim! Tenho.
- Olhe…o que está a regar?
- A terra.
- Mas isso não tem nada…
- Terá…! Estou a regar para isso.
- Áh…! E vai nascer alguma coisa?
- Sim, muita coisa.
- O que vai nascer?
- Tudo o que eu preciso.
- E o que é que precisa?
- Alimentos.
- Eu também preciso de alimentos.
- Todos precisamos. Até o teu amigo.
- Sim, mas ele não come tudo.
- Pois não. Não é uma pessoa.
- Pois. Vou andando. Até logo.
- Até logo…
A menina segue o seu caminho, e passa uma velhinha misteriosa com bom aspecto, andar vagaroso, que não era conhecida da aldeia, e saiu não se soube de onde…Observa a jovem e sorri.
- Bom dia!  
- Bom dia, jovem.
- Precisa de alguma coisa?
- Não. Obrigada. És nova aqui…não és?
- Sim. E a senhora?
- Sou qualquer coisa, menos nova…quer dizer…por fora…por dentro, continuo criança.
- Faz bem…é por isso que tem esse ar jovem.
- Pois é! Continua a fazer as tuas plantações, filha…faz de conta que não estou aqui.
A jovem sorri, e continua a regar, a remexer a terra e a velhinha silenciosa, a sorrir, sentada debaixo de uma árvore muito larga.
- Quer alguma coisa? – Pergunta a jovem
- Não, obrigada. Estás a plantar o teu sustento, certo?
- Sim. Muitos legumes e frutas…flores…árvores…muitas coisas.
- E sonhos?
- Sonhos? (A jovem ri) Não…esses não se plantam.
- Eu plantava sonhos na minha infância. – Diz a velhinha a sorrir
- E nasciam? – Pergunta a jovem irónica
- Nasciam. Cresciam e dividiam-se.
- A sério?
- Sim. Pela mão das estrelas que à noite desciam por um fiozinho da lua, iam tomar conta do meu jardim, e traziam com elas um raio de sol para cada plantação! – Lembra a velhinha
- Áh! Que lindo! – Diz a jovem a sorrir
- Era! Tu não plantas os teus sonhos?
- Não!
- Porque não?
- Porque…não existem sementes de sonhos.
- Existem! Existe tudo o que nós queremos. Sei que é difícil para ti acreditar nisso, mas… podias acreditar e experimentar. Gostas de sonhos?
- Gosto. Alguns…
- Então planta-os.
- Mas…como faço isso?
A velhinha tira umas pedras de cristal, redondas e transparentes.
- Olha para elas…com a pureza da criança que foste…deixa que ela encha esses cristais com sonhos, e planta-os…depois…rega-os, como regras outras coisas. – Explica a velhinha
- Está bem.
A jovem faz o que a velhinha disse, mesmo sem saber se ia acontecer, quis experimentar. A velhinha desaparece, rápida, misteriosa e silenciosamente…enquanto a jovem olha para os cristais e deixa que a criança que ela foi, encha os cristais de sonhos e desejos que ela queria que acontecessem.
Quando olhou, a senhora tinha desaparecido, e reparou que toda a terra do jardim estava cheia de brilho e cabecinhas a espreitar…eram as suas flores, legumes e árvores a nascer.
- Áh! O que é isto?
A jovem fica pensativa. Passa outro rapaz e pergunta:
- O que tem no seu jardim?
- Tudo o que preciso.
- E o que é tudo o que precisa?
- Legumes, frutas, flores e árvores…Queres ajudar-me?
- Eu…tenho de ir… até logo.
E sai rapidamente. A jovem ri.
- Não percebo porque é que toda a gente me pergunta o que tenho aqui plantado…este pedacinho de terra é igual aos outros.
E o dia passa rápido. À noite, a jovem vai dormir, e no jardim tudo o que ela tinha plantado e pensou que ia demorar o seu tempo, cresce enormemente por causa dos cristais que ela plantou, de estrelas que desciam por um fiozinho de lua, e traziam um raio de sol.
As frutas, os legumes e as árvores aparecem gigantes, cheios de folhas, suculentos, vistosos, carnudos. Tudo fresco, apetitoso, e as flores de todas as espécies, até raras, com cores lindas, enormes, como nunca se tinha visto antes em mais lado nenhum.
A velhinha enche o jardim com vários animais: lindas borboletas de todos os tamanhos e cores, passarinhos de várias espécies, com penas coloridas, cigarras e grilos, joaninhas, gatinhos, e cãezinhos bebés com a sua mãe, muito meigos, para lhe fazer companhia e protegê-la. Está tudo maravilhoso.     
Na manhã seguinte, a jovem acorda e nem quer acreditar no que está a ver.
- Eu estou a ver bem?
Sai porta fora e toca em tudo, cheira tudo, pega nos cãezinhos e enche-os de mimos, toma o pequeno-almoço com eles, dá-lhes de comer, e está muito surpresa com tudo o que vê no seu jardim. Apanha algumas coisas e prova.
- Hum…que delícia! Huuuummmm…que fresco…cheias de sumo…! Huummm…que cheirinho. Áh! Que rica sopa que eu vou fazer. E…agora para o almoço…Muito obrigada…Universo…Terra…não sei quem fez isto…muito obrigada mesmo! Que coisa fantástica. Mágica…! Uau!
Ela senta-se a ouvir os passarinhos, as cigarras e os grilos a cantar, a apreciar as cores das flores, a sentir os toques carinhosos das borboletas, e a ver as suas cores…a inspirar toda a beleza, cheiros e frescura do jardim, rodeada dos seus cãezinhos e os gatinhos a brincar.  
O seu jardim foi motivo de invejas e tentativas de maldades, mas estava sempre protegida, e deu uma grande lição a todos, porque era muito boa, e partilhava os seus produtos mágicos, com os seus vizinhos, quando tinha demasiado e quando sentia que lhes fazia falta.
Ela sabia que todos naquela aldeia eram muito pobres, famílias muito grandes, e nem sempre as terras produziam tudo o que eles precisavam, ou não produziam tanto… por causa da sua bondade, ela tinha cada vez mais surpresas, e cada vez mais coisas apetitosas no seu jardim.

FIM
Lálá

(30/Dezembro/2015)

domingo, 27 de dezembro de 2015

CORUJIANA

      

desenhada e pintada por Lara Rocha 

        Era uma vez uma menina que se chamava Corujiana e vivia na floresta, numa tenda, numa comunidade de Índios. Era uma menina muito alegre, enérgica, não parava quieta!
Andava sempre de um lado para o outro, parecia um gafanhoto sempre a saltar por cima de pedras, troncos de árvores enormes e muito velhas, grossos, raízes que saiam da terra.
        Sempre que se cruzava com coelhos corria tanto como eles, saltitava como se tivesse patas e seguia-os, divertida, até às suas tocas…às vezes ajudava-os a transportar alimentos e conversava alegremente com eles.
Adorava correr contra o vento, ela até falava com ele, e dizia que ele lhe respondia, contava-lhe segredos, dava-lhe recados, alertava-a para perigos, e dava-lhe carinhos. Ela parava muitas vezes para receber os mimos do vento, e sorria, com os enormes cabelos escuros e encaracolados.
Às vezes, o vento levava borboletas que pousavam na menina, brincavam com os cabelos dela, pousavam na ponta do nariz, ou faziam cócegas nas bochechas ao esfregar as asas, faziam bailados à frente da menina, e ela olhava para elas, encantada, aplaudia, tocava-lhes, e dançava com elas.
O que ela achava realmente bonito nisto, era a fantástica exposição de cores que as asas das borboletas exibiam, e construíam belos quadros cheios de cor, movimento, magia.
Sempre que os macacos começavam a trepar às árvores ou os pássaros a voar, ela tentava fazer o mesmo, mas nunca conseguia. Os pássaros riam e diziam-lhe que o que ela estava a fazer era impossível e perigoso, porque eles tinham asas e ela tinha pernas…uma grande diferença.
Trepar às árvores ela ia conseguindo…umas vezes sim, outras vezes, naquelas árvores muito altas, ela ficava com medo a meio da subida e descia rapidamente.
Mas valia a pena subir, porque pelo caminho encontrava corujas e mochos a dormir nos seus ninhos feitos nas árvores, preguiças a dormir penduradas e todas refasteladas, via ninhos de passarinhos…uns com ovos, outros com crias…via caracóis e dezenas de formigas numa grande agitação.
Pelo caminho, ela saltava, cantava, apanhava flores, cheirava, deitava-se na relva, ou à sombra, comia amoras e levava algumas para a sua comunidade.
Depois ia para os riachos, onde primeiro saltitava entre nenúfares, e quando cansava, adorava ficar em silêncio, a ouvir a água a cair das cascatas e a que passava nas pedras…ela até achava que a água cantava ou as pedras.
Logo que as suas amigas fadas da água a viam sentada na berma, iam ter com ela, e recomeçava a agitação. Saltavam, cantavam, dançavam, riam, conversavam, brincavam na água e com as pedras, passavam entre as cortinas de ervas enormes, penduradas entre as rochas que vinham do monte, mergulhavam com peixes coloridos, e apanhava algumas pedras para a sua colecção.
Depois, quando estava cansada, voltava para a sua comunidade, e ajudava em tudo o que podia! Era mesmo assim que vivia a sua comunidade em Paz com a Natureza, e respeito.
Conheciam todas as alterações do clima, sabiam quando ia chover, quando estava sol e vinha tempestade, quando o vento indicava que vinha frio ou trovoada…à noite sentavam-se à volta de uma grande fogueira, e viam as estrelas em silêncio quando havia, viam a Lua, e em noite de Lua Cheia havia sempre festa com dança.
Comiam o que a terra dava, não passavam fome, nem tinham frio, e os lobos tomavam conta, e caçavam para a comunidade. Aprendiam sempre muito com os animais e viviam felizes, com saúde.

FIM
Lálá
(25/Dezembro/2015)


As luas da Lu.

     


      Era uma vez uma menina chamada Luisinha, a quem chamavam Lu. Ela tinha umas grandes bochechas, olhos verdes, brilhantes, quase sempre sorridente, excepto quando a chateavam…aí ela gritava tão alto como um trovão, e chorava uma tromba de água.
Adorava todas as fases da Lua, e todas as noites a Lu. gostava de ver a Lua e de brincar com ela. Quando a Lua estava cheia, a Lu. encostava-se, toda refastelada na Lua, abraçava e aquecia-se na sua luz. Deitava-se em cima dela e rebolava como se fosse uma bola, ria e dava muitas voltas. Uivava com os lobos e com a Lua na sua janela.
Quando a Lua estava em quarto minguante, fininha, a Lu. sentava-se nela como se fosse uma cadeira de baloiço com encosto, balançava-se devagarinho, e muitas vezes acabava por adormecer.
Umas vezes, andava sobre a Lua como se fosse uma corda de um equilibrista, gatinhava ao longo dela e escorregava desde a cabeça até aos pés da Lua, outras vezes andava na Lua como se fosse um barco.
        Também ia para a sala de baile e dançava com todas as formas de Lua. Fazia piqueniques, ouvia histórias contadas pelas luas, estrelas e planetas, e contava-lhes as suas histórias, riam muito, brincavam com os seus brinquedos.  
Na Lua quarto – crescente, a Lu sentava-se como se andasse a cavalo, e para ler, ouvir e contar histórias. Quando estava de mão humor, escondia-se atrás da Lua, e ficava encostada, sentada no chão, não parava quieta, mexia-se, mudava de posição centenas de vezes…umas vezes deitava-se na Lua, com as pernas em cima, outras vezes ficava com as pernas penduradas…outras vezes sentava-se, outras vezes deitava-se com a cabeça para baixo, e barriga pousada na Lua, mas aguentava pouco tempo nesta posição.  
A Lu navegava no grande lago chamado espaço, cheio de estrelas e planetas, sem pressa, devagar, balançava, ia ao sabor dos sopros vindos da respiração da Terra, e da Lua, deliciada com tantas luzinhas. Mas havia uma coisa que ela não sabia...ela adormecia na companhia de todas as luas, mas enquanto dormia, as luas vagueavam pelo seu quarto, tomavam conta dela, cobriam-na delicadamente quando ela se descobria, não deixavam entrar pesadelos, conviviam com as fadas do sono, e brincavam sem fazer barulho.
As luas verdadeiras continuavam sempre lá em cima…e tudo isto era a Lu que vivia na sua imaginação, com as luas que decoravam o seu quarto e a sua cama.  

FIM
Lálá
(25/Dezembro/2015)


domingo, 13 de dezembro de 2015

Os cavalos


Era uma vez um estábulo onde viviam vários cavalos diferentes, elegantes, atléticos, calmos, bem bonitos e muito famosos. Uns tinham o pêlo colorido, e davam grandes saltos, outros passavam barreiras de forma atlética.
Outros cavalos eram modelos fotográficos para cativar a venda de diferentes produtos, como roupas, carros, perfumes, e até bebidas. Outros já tinham participado em filmes, outros faziam parte de espectáculos de circo muito aplaudidos, outros participavam em desfiles de moda.
Só os quatro cavalinhos mais pequenos… é que ainda não tinham feito nada que chamasse a atenção, ou que dissesse ao dono que eles iam ser bons em certas habilidades. Ainda eram muito pequenos.  
O dono ganhava muito dinheiro, e pensava muitas vezes quais seriam as habilidades dos cavalitos pequenos…seriam como os outros? Ou estes não teriam nascido para ser estrelas…? Se não fossem não tinha qualquer problema, porque o seu dono ia gostar na mesma deles e tratá-los tão bem como os outros.
Todos eram o orgulho do dono que os tratava sempre com carinho, dava-lhes atenção, mimos, e estava sempre presente, para que os cavalos se sentissem seguros e fizessem o que lhes era pedido, até treinava com eles.
 Havia alguma coisa que lhe dizia que ainda não tinha descoberto tudo. Ele tinha razão Um dia, uma jovem procurava cavalos especiais para trabalhar com crianças especiais, que tinham algumas deficiências.
Mas a todos os sítios onde ela foi, só se fecharam portas, não lhe respondiam, escorraçavam-na, nem ouviam o que ela propunha…mesmo assim, ela continuou à procura. Foi a essa quinta e o dono dos cavalos atendeu-a. Ela disse-lhe a sua ideia, e ele como era sensível, ficou comovido com o pedido…por isso, aceitou logo.
Levou a jovem ao estábulo e mostrou-lhe os cavalos. Os animais ficaram um pouco inquietos, pensaram que iam ser vendidos, e era uma pessoa estranha.
- Calma bichos…é gente boa! – Diz o dono
Os três cavalinhos mais pequenitos começam logo a brincar e a chamar a atenção. A jovem acaricia cada um deles, enquanto o dono lhes explica. Parece que os cavalos perceberam que iam ser úteis, e desatam a relinchar felizes, a dizer que sim com as cabeças e a dar carinhos à jovem. A jovem ficou logo apaixonada por eles, e eles por ela.
Nos dias que se seguiram, a quinta foi invadida por pequenos e pela jovem. Os cavalos conquistaram rapidamente os miúdos, e deixaram que eles construíssem uma linda amizade com eles. Os pequenitos adoraram-nos, porque eram muito meigos, pacientes, sensíveis, delicados e brincalhões…sedutores!
E todos se divertiam muito juntos, as crianças ficaram muito mais calmas, felizes, sorridentes, adoravam brincar com os cavalos, enchiam-nos de carinhos, e os cavalos retribuíam. O dono ficava muitas vezes emocionado, feliz e orgulhoso com o que via, estava sempre presente para ajudar no que fosse preciso.
Viram-se verdadeiras e rápidas transformações nas crianças, depois de conviverem com estes cavalos. Este foi mais um motivo de orgulho para o dono dos cavalos, a sua quinta nunca mais foi a mesma, mas ele ficava muito feliz.
FIM
Lálá

(10/Dezembro/2015)

O novelo


Era uma vez uma aldeia onde viviam muitas pessoas com bastante idade e jovens. Todos se conheciam de vista porque cruzavam-se quando saiam de casa.
- Bom dia menino, bom dia menina! – Diziam os mais velhos com um sorriso que logo ficava fechado e triste porque não tinham resposta
- Estes jovens estão surdos, ou são mal-educados?
- No nosso tempo levávamos logo um bofetão, e era muito bem dado.
- Bom dia dá-se até a um cão.
- Olhe, hoje esses animais são mais simpáticos que pessoas.
- É verdade. – Dizem todos
- Eu acho que eles são mal-educados!
- Mas também não admira que sejam surdos…vão com aquelas rolhas nas orelhas.
- Eu não sei quem foi o infeliz que inventou aquela bodega.
- Nem eu, mas parece que vão noutro mundo.
- Que coisa horrível.
- É. Parece mesmo…passam por nós, parece que somos um calhau, ou um monte de porcaria.
- É verdade! – Dizem todas
- Esta sociedade está perdida!
- Está mesmo! – Dizem todas
- Os jovens não têm nada na cabeça hoje…
- Pois não! – Dizem todas
                Na verdade, embora se cruzassem, viviam na solidão, cada um nas suas casas, muito raramente conversavam. Andavam sempre numa correria, que até deixava os mais velhos tontos da cabeça…pareciam comboios a passar.
- Olhem para isto…a velocidade com que eles andam.
- Terrível.
- Eu até fico atordoada.
- Eu também. – Respondem todas
- Não sei onde vão com tanta pressa!
- Para quê, tanta pressa?
- Parecem uns robôs ou andróides…ou lá como se chamam aquelas maquinetas dos meus netos…
- Pois é!
- Parece que eles nem sentem o chão.
- Eu não sentiria se fosse àquela velocidade com que eles vão.
- A sociedade já não é sociedade há muito tempo…
- É! É uma tristeza, agora.
- Estes jovens vão enlouquecer…!
- Eu acho que já enlouqueceram.  
                Um dia, uma coruja viu toda esta solidão e agitação, e não gostou nada… então, teve uma ideia: foi falar com uma sábia da floresta e contou-lhe tudo o que viu. A sábia deu-lhe a solução: um novelo feito de estrelas que a coruja deixaria cair das suas patas à porta de uma senhora idosa, que a levaria até outra casa de outra senhora, que se juntaria a outra estrela. 
                Assim fez…logo que saiu de casa da sábia levou o novelo nas patas, e ao passar nas portas onde viviam pessoas mais velhas e deixou cair do novelo uma estrela. Cada habitante via alguma coisa a brilhar, abriam a porta, e era uma estrela.
Quando pegavam na estrela, eram levados para se encontrarem com outro vizinho, que tinha outra estrela…com estes movimentos, formaram um lindo cordão humano, sem dar por isso, construído pelos fios do novelo que a sábia tinha mandado pela coruja.
Quando os mais velhos repararam estavam todos juntos no largo da aldeia, onde no tempo das suas infâncias, tinham feito grandes convívios e festas. Olham à sua volta e viram estrelas por todo o lado.
Deram uma valente gargalhada, trocaram longos e sinceros abraços, beijos, entrelaçaram os fios uns com os outros, brincaram, emocionaram-se, conversaram durante longas horas, reviveram os seus momentos felizes de infância.
Sentiram-se outra vez crianças e Adolescentes. As estrelas deram luz e calor a esse encontro, e a muitos outros que se seguiram. Eram um excelente exemplo para os jovens, um convívio feliz, saudável…nada igual aos de muitos que acontecem agora na sociedade moderna. Mas os jovens não tinham tempo para isso…pelo menos era o que eles diziam quando convidados.
A coruja não cabia em si de orgulho, felicidade e ternura. Sempre que podia, fazia de tudo para juntar as pessoas…discretamente…como ela gostava. Até as noites ficaram mais luminosas, com o seu olhar, ao ver a ternura e a felicidade daqueles encontros que quebravam a solidão, e davam vida à aldeia.
Fim
Lálá
(12/Dezembro/2015)


Os duendes da mamã

O Pai Natal trabalha todo o ano, mas o mês de Dezembro, é o mais exigente! O que vale é que ele tem muitos duendes a trabalhar consigo, e são uma grande ajuda. Uns ficam na fábrica a construir brinquedos, outros vão fazer a ronda pelas casas dos meninos, que pedem tudo!
Mas como ele não pode dar tudo, pede aos seus duendes que vejam o que é que os meninos precisam mesmo, o que é mais urgente para eles, ou mais útil, no meio de longas cartas. Para isso, visitam as casas dos meninos sem que sejam vistos, e anotam tudo, vêem tudo e comunicam ao Pai Natal.
Às vezes o Pai Natal é tão generoso que oferece presentes extra, mais um ou dois do que as crianças ou os adultos pedem…quando não pedem nada, o Pai Natal dá a seu gosto…alguma coisa que lhes seja preciso.
Numa dessas casas, os quatro duendes que registavam os pedidos, apanharam um enorme susto quando espreitam pela janela e conversam uns com os outros.
- Ei! – Dizem os 4
- O que é isto?
- Não sei! – Respondem todos
- Vínhamos à procura de um quarto, certo?
- Certíssimo. – Respondem todos
- Pessoal, acho que nos enganamos no sítio!
- Ora confirma aí, Fred…
                O duende confirma na agenda e no GPS, e todos procuram o nome da rua, o número da porta.
- É aqui.
- Confirma-se.
- Está tudo correcto!
- Então, se calhar o quarto é para outro lado.
- Será?
- Porquê?
- Isto não é um quarto!
- Parece mais…
- Um armazém…
- Uma feira…
- Uma dispensa…
- Um sótão…
- Uma garagem…
                Dão a volta à casa toda
- Acho que é mesmo aqui.
- Até custa a acreditar.
- Como é possível?
- Ele consegue entrar aqui?
- Não sei como.
- EU não conseguia.
- Nem eu!
- Brinquedos todos a monte.
- Espalhados.
- Brinquedos destruídos, com estilhaços por todo o lado.
- Tudo fora do sítio…
- E ainda pede mais brinquedos!
- Ele precisa é de armários e gavetas… muitas…para isto tudo.
                De repente a mãe do menino entra no quarto dele, e quase rebenta de tão vermelha que fica, tão irritada.
- Ááááááááhhhhhh…não posso acreditar! Ainda não arrumou um único brinquedo. Que pocilga! Como é possível? Ai…que nervos. Apetece-me pegar nesta porcaria toda e deitar tudo ao lixo…ainda se estivessem bem tratados podia dá-los, mas a maior parte deles está em pedaços. Quantas vezes já o mandei arrumar esta porcaria? Que raiva! Vou ter de o pôr de castigo.
                Os duendes entram no quarto.
- Com licença, Mãe.
- Mais bonecos? – Pergunta a mãe muito irritada
- Calma. Nós somos ajudantes do Pai Natal. Somos duendes e estamos aqui para a ajudar.
- Duendes?
- Sim. – Respondem todos
                Eles fazem uma vénia ao mesmo tempo. Ela sorri.
- E como é que me podem ajudar?
- Percebemos que está desesperada! – Diz um duende
- E não é para menos. – Acrescenta outro duende
- Pois não! Já viram este quarto? Parece uma pocilga. Em vez de o arrumar como já o mandei milhares de vezes… diz que arruma, venho aqui e está tudo na mesma. Ainda me pede mais brinquedos…ele não tem noção. É claro que não vai ter brinquedos, a não ser que outros lhos dêem…mas tinha de arrumar esta porcaria! A minha vontade é pegar nisto tudo e deitar ao lixo, ou os melhores dar a outras crianças…mas até tenho nojo. Acho que essas crianças merecem melhor. – Explica a mãe
- O seu filho precisa de armários e gavetas para arrumar isto tudo! – Diz outro duende
- Armários…e…gavetas? (a mãe fica pensativa) Huummm…não tinha pensado nessa. Mas acho que é uma óptima ideia! Mas será que mesmo assim ele vai arrumar?
- Sim! – Dizem todos
- Serão armários muito bonitos. Deixe connosco, não se preocupe.
- Bem…muito obrigada.
                Os duendes regressam e contam ao Pai Natal. O Pai Natal põe logo mãos à obra e constrói uns lindos armários e gavetas. Na noite de prendas, os duendes levam tudo e ainda arrumam o quarto. A mãe vai espreitar para ver se tinham mesmo trazido os armários e as gavetas. Que grande surpresa…
- Áhhhh… e trouxeram mesmo? Que lindo que ficou. Quem arrumou?
- Nós! – Dizem os duendes
- Agora sim…está um quarto maravilhoso. Óhhhh…Pai Natal…muito obrigada.
                Trocam aplausos, e sorrisos. O menino nem quer acreditar no quarto que está a ver, mas gostou tanto de o ver arrumado que aprendeu a ser arrumado. Combinou com a mãe que depois de usar os brinquedos, os arrumaria. E assim fez. A mãe ficou muito orgulhosa, e o quarto nunca mais ficou desarrumado como estava quando os duendes o viram.
E vocês? Arrumam o vosso quarto? Arrumam sempre depois de brincarem? Tratam bem os vossos brinquedos? É muito importante termos o nosso quarto arrumadinho, tudo nos sítios.
FIM
Lálá
(10/Dezembro/2015)


As transformações da bola de sabão

Era uma vez um artista de rua, com roupa de palhaço, cabelo encaracolado e colorido, que umas vezes trabalhava sozinho, outras vezes acompanhado. Todos esses artistas eram muito apreciados e aplaudidos, fotografados e quase toda a gente lhes deixava uma moedinha.
Um dia, num espetáculo de grupo, os artistas fizeram bolas de sabão, enormes com formas diferentes…que não se desfaziam. Voavam leves mas pareciam muito resistentes, ou que alguma coisa invisível segurava nelas.
Uma dessas bolas gigantes, redonda, transparente, não saiu da caixa. O palhaço insiste com a bola de sabão, mas ela não quer sair. Quem estava a assistir pensou que fazia parte do espectáculo, mas os artistas acharam muito estranho. A bola não queria sair.
- Não vou sair. – Diz a bola de sabão                                                                                                                
- O que é que estás a fazer aí…? Sai… - Pede baixinho outro artista
- Não nos estragues o espetáculo… - Diz-lhe baixinho um artista
- Não saio. – Diz a bola de sabão
- Sai… - Dizem os artistas baixinho e nervosos
- Temos aqui uma bola de sabão envergonhada! – Diz o palhaço ao público
- Porquê? – Pergunta uma criança
- Ela não saiu da caixa! – Responde o palhaço
- Porquê? – Pergunta outra criança
- Tanto porquê…! O que é que lhes interessa…? Não vou sair e pronto… Há muitas bolas de sabão para ser vistas. – Diz a bola de sabão
- Acho que deve ser…por…estar muita gente a olhar para ela. – Responde outra criança antes que o palhaço o fizesse
- Este é dos meus! Isso mesmo. – Diz a bola de sabão a sorrir
- E as bolas de sabão também são envergonhadas? – Pergunta outra criança
- São! – Respondem os artistas
- Quase todas gostam de se mostrar e ser vistas, mas também há algumas que não gostam tanto! – Explica outro artista
- Pois claro! Eu não gosto sempre de ser vista… às vezes apetece-me ser invisível. – Diz a bola de sabão
- As bolas de sabão são mágicas. – Diz outro artista
- Somos! – Diz a bola de sabão  
- Vamos tentar que ela saia…? – Propõe outro artista
- Sim! – Gritam todos
                A bola de sabão dá uma gargalhada.
- Como é que vamos fazer isso? – Pergunta outra criança
- Quero ver isso… - Diz a bola de sabão a rir
- Vamos aí tirá-la? – Pergunta outra
- Não faltava mais nada… - Diz a bola de sabão
- Não. Vamos bater palminhas enquanto ele dá umas batidas ali no tambor. Boa? – Propõe outro artista
- Boa! – Respondem todos
                À medida que batem palminhas e dão batidas no tambor, a bola de sabão começa a sair aos bocadinhos. As crianças riem e aplaudem, fazem tanto barulho que a bola de sabão volta a esconder-se:
- Mas que coisa…tantos gritos… por causa de uma bola de sabão… - Comenta a bola de sabão
- Óhhh…! – Exclamam todos
- Voltou a esconder-se. – Responde outra criança
- Eu acho que ela não quer mesmo aparecer…! – Diz outro artista
- Mas nós queremos vê-la. – Diz outra criança
- Mas se ela não quer aparecer então não devia ter vindo! – Diz outra
- Muito bem pensado! Será? – Diz o artista
- Pergunta-lhe! – Sugere outra criança
                Mas antes que o artista perguntasse, a bola de sabão sai da caixa com cor vermelha, e uma capa vestida! Ficam todos muito surpresos, sorriem e aplaudem.
- Parece que estava mesmo com vergonha e frio. – Diz o artista
- Uau! – Suspiram todos
                E a bola de sabão sai de lá a voar. Todos batem palmas.
- Para onde é que ela vai? – Pergunta outra
- Não faltava mais nada eu dizer para onde vou. Ainda vem atrás de mim. – Comenta a bola
- Não sei! Para onde vais bola de sabão? – Pergunta um artista
- Passear. – Responde a bola
- Ela diz que vai passear… - Diz um artista
- Conhecer a cidade – Diz outro artista
- Boa! - Gritam todos
- Tens sítios muito bonitos para ver! – Diz outra criança
- Vais gostar de tudo, tenho a certeza. – Diz outra
- E vais encontrar-te com as outras? – Pergunta outra
- Não sei… - Responde a bola
- Ela diz que não sabe! Pode ser! – Diz o artista
- Vais voltar aqui? – Pergunta outra
- Talvez. – Responde a bola
- Ela diz que talvez. – Responde o artista
                A bola de sabão segue o seu passeio, enquanto o espectáculo continua na rua com os artistas, e com muitas bolas de sabão. Esta bola de sabão voa devagar, mas assim que ouve gritos de crianças ou quando percebe que estão a reparar nela, ela faz de conta que rebenta e torna-se invisível.
- Esta criançada não pode ver uma bola de sabão. Já não se pode andar na rua à vontade, sem repararem em nós. De certeza que a vontade delas é só rebentar-me a mim e a todas as bolas de sabão! Onde já se viu? Ninguém lhes disse que nós, bolas de sabão, não fomos feitas para sermos rebentadas? Nós somos feitas para sermos vistas, apreciadas, elogiadas, fotografadas, e para andarmos livres por aí, não para acabarem com a nossa raça, em poucos segundos. Não percebo qual é a piada de rebentar…bolas de sabão. Nós já somos tão delicadas, tão frágeis…sempre ouvi dizer que apreciar e ver…é com os olhos, não com as mãos. Muito menos…a destruir. Áhhhh….tanta luz.
                A bola de sabão aproxima-se das lâmpadas e fica cor-de-laranja em vez de transparente, depois fica branca porque passa por candeeiros brancos, depois fica amarela ao passar pelas luzes da iluminação que estão penduradas nos fios, muda para transparente e azul quando pousa em cima de um pequenino candeeiro de jardim com uma luz azulada.
- Aqui está quentinho. – Comenta a bola de sabão a sorrir
                Volta a voar e pelo caminho fica com a cor verde, quando passa por pinheiros de Natal às portas das casas, e parece uma bola de gelatina flutuante, porque fica mais frio. Chega a uma rua onde dormem pessoas debaixo de claustros, e vê um casal com uma filha ainda pequena, que tenta agarrá-la.
- Há quanto tempo não via uma bola de sabão… olha mamã…olha papá. – Diz a criança encantada
- Sim! – Dizem os pais
- É linda… - Diz a mãe
- Mas deixa-a estar…não a rebentes. – Diz o pai
                A bola de sabão sorri, ganha a forma de um coração transparente com estrelas brilhantes.
- Olhem, mudou de forma e cor…! – Repara a criança
- Sim. – Dizem os pais também encantados e surpresos
                A menina conta a sua história e o motivo por estarem na rua. A bola de sabão teve uma ideia para ajudar aquela família. Quando acordam de manhã, a bola de sabão estava lá, transparente, protegida, a dormir num canto quentinha e deixou um frasco de bolas de sabão junto da menina.
A menina não sabia como tinha ido lá parar aquele frasco, nem quem lá tinha deixado, mesmo assim, quis experimentar. Ela sopra feliz, a primeira bola, que para sua grande surpresa era a linda bola de sabão que ela tinha visto nessa noite, em forma de coração transparente, grande, com estrelas azuis.
- Voltaste? – Pergunta a menina sorridente
- Eu estive sempre aqui. – Diz a bola de sabão
- Dormiste aqui?
- Dormi.
- Deixaste aqui o frasco?
- É para ti…para ajudar a tua família a ter uma casa.
- A sério? E o que é que temos de fazer?
- Bolas de sabão. O resto…deixa comigo.
- Mas…
- Só tens de soprar…
- Como…
- Sopra…e deixa o resto comigo.
- Mas uma bola de sabão não faz dinheiro.
- Faz.
- Faz?
- Faz.
                Mesmo sem perceber o que se estava a passar, a menina começa a fazer bolas de sabão, e a bola de sabão transforma todas as que saem do frasco, em verdadeiras obras de arte…bolas enormes, com formas diferentes, estranhas, bonitas, cores diferentes.
Os pais estavam de boca aberta, nunca tinham visto tal coisa. A bola de sabão empurra e sopra as outras para a rua para chamarem a sua atenção e consegue. Todos os que passam na rua, vêem bolas de sabão diferentes, e querem saber de onde vem…percebem que vem debaixo dos claustros.
Aplaudem, tiram fotografias, a menina dança, salta, corre com as bolas e diverte-se, contagiando toda a gente que via. Ela dava espetáculos fantásticos, encantadores, e todos deixavam dinheiro.
A própria bola de sabão transformava-se em formas muito diferentes, e participava o que tornava ainda mais especial o espetáculo. A vida daquela família nunca mais foi a mesma.
Em pouco tempo juntaram muito dinheiro, e graças aos espetáculos de bolas de sabão que a menina fez por todas as ruas da cidade, em sítios diferentes, conseguiram voltar a ter uma casa pequenina, mas tinha todo o conforto, e não lhes faltava nada. A bola de sabão passou a fazer parte dessa família, e a viver com eles sem se desfazer, e sempre a ajudá-los de todas as maneiras quando precisavam.
Esta bola de sabão era mesmo mágica.
Fim
Lálá
(11/Dezembro/2015)