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sexta-feira, 30 de junho de 2023

A mulher música

 


            

Era uma vez uma mulher que só se via de noite, a passear nos jardins, parada junto às janelas dos quartos das crianças, e ouviam-se músicas suaves, melodiosas, por vários sítios onde passava. 

      Não sabiam quem era, se era uma mulher, ou um rádio, ou seres que viviam na Natureza, porque ao mesmo tempo sentiam curiosidade e medo. 

      Quando a viam, não percebiam que era um corpo de uma mulher, pois no início só viam o que pareciam notas musicais luminosas a andar pelos jardins, e perto das janelas dos quartos dos bebés. 

      Uma noite, uma mãe espreitou do quarto do seu bebé que estava a sorrir, quando ouviu uma música suave. Olhou para a janela e viu apenas as notas musicais luminosas. 

      Ficou muito intrigada, e encantada com a música, o bebé adormeceu rapidamente, porque só os pequeninos conseguiam ver a mulher completa com notas musicais por todo o corpo. 

      Era uma mulher linda! A mãe olhou para o jardim, e viu as notas musicais flutuantes, luminosas, ouviu as músicas agradáveis, mas não viu mulher nenhuma.

      Na manhã seguinte, encontra-se com uma amiga e vizinha, e as duas conversam: 

- Amiga, ando preocupada! 

- Então, porquê? O que há? 

- Ando a ouvir umas músicas, muito bonitas, de embalar, parece uma voz assim...misteriosa, não sei explicar, é tão bonita! Ando a ver umas notas musicais luminosas e a flutuar...o meu filho não tira os olhos da janela, sorri, e pouco depois adormece. Mas como é que ele ouve e vê, e eu não? Nem no quarto dele, nem no jardim? 

- Olha que a mim também já me aconteceu isso, várias vezes, eu até tenho medo! 

- Viste alguém? 

- Não! Mas também já ouvi melodias, músicas de embalar, tão doces, até eu parece que flutuo...e realmente, a minha pequenina também não tira os olhos da janela, a sorrir. Na janela não vejo nada. 

- Que estranho! Será que mais alguém viu e ouviu? 

- Vamos saber... 

      Durante o dia perguntaram a todas, e todas disseram o mesmo. Decidiram investigar. Na noite seguinte juntaram-se. 

      Aconteceu o mesmo, só viram as notas musicais flutuantes, luminosas e ouviram a música melodiosa. Passearam pelos jardins, e finalmente viram que as notas musicais luminosas vinham de uma linda mulher, que as tinha por todo o corpo. 

      Todos se assustaram, deram gritos, ela assustou-se também, e disse: 

- Calma, não se assustem, não estou aqui para fazer mal. 

- Desculpe! - dizem todos 

- Quem é você? - pergunta uma senhora 

- Sou uma mulher musical, que embala os vossos bebés. 

- Como é que embalas os nossos bebés, com esse ar? 

- Porque está a julgar o meu ar? O que tem? 

- Tem um ar assustador, não sei como é que as crianças não gritam! 

- Que comentário! - diz a esposa do senhor 

- Antipático. - grita outra 

- Tens razão! - concorda a esposa do senhor 

- É muito bonita! - diz uma menina 

- Nunca a tínhamos visto por aqui, desculpe, não estamos a ser simpáticos. - diz uma senhora 

- Não faz mal, eu compreendo! Não me conhecem. 

- Até vocês sentiram medo. - Insiste o homem 

- Sim, tivemos. 

- Mas já vimos que estávamos erradas.

- Desculpe-nos! - dizem todas 

- Eu não gosto do seu ar. Quero é saber o que faz aqui nessa figura! Vem fazer mal aos nossos filhos é? - diz o homem zangado 

- O que acha de mim não me preocupa, o mais importante é que os vossos bebés gostam de mim. Eu canto-lhes com alma, com amor, com carinho, é por isso que adormecem tão facilmente! 

- Confirmo! - dizem todas as mães 

- E a sorrir! - acrescenta outra 

- Eu já vi o meu filho a olhar para a janela, a sorrir, ouvi a sua música, que não sabia que era sua, mas são realmente maravilhosas, não admira que gostem mesmo das suas músicas. 

- Concordo! Eu vi notas notas musicais luminosas a dançar na janela do quarto do meu filho. - diz outra 

- Mas como toma essas músicas tão bonitas? 

- Tem instrumentos? 

- Não! (sorri) Tenho a música na minha alma, no meu coração, na minha pele! Sou uma fada. 

- Áh, uma fada...claro! Grande treta. Esta ainda não cresceu, ou tem uns pirulitos a menos. - comenta outro senhor a rir 

- Cala-te. Olha o respeito! Desculpe, Fada. 

- Não se preocupe! 

- É só para não ficares com ciúmes. - diz o homem a disfarçar 

- Pois, pois, eu nasci ontem. Achas mesmo que fico com ciúmes, por apreciares quem é bonita. Eu também aprecio, mulheres bonitas, e homens bonitos! 

- Mau…! - diz o homem 

- Aldrabão...apanhei-te! (todos riem) Mas o que eu digo é verdade! Não tenho qualquer problemas em apreciar, tenho olhos na cara, nem que tu aprecies! - diz a esposa

- Isso mesmo! Abre-lhe os olhos. Eu também aprecio e sei que o meu marido aprecia outras. Não come nenhum pedaço. - comenta outra rapariga e todos riem 

- Eu acredito que seja uma Fada, para ser tão meiga, tão bonita, cantar tão bem, adormecer os nossos bebés só com esses cantos, e sem instrumentos! - comenta uma mãe 

- É verdade! - concordam todas 

- É mesmo bonita! 

- Tem qualquer coisa de muito especial. 

- Tem notas musicais em todo o corpo? 

- Sim, a minha pele é a minha pauta, e o meu instrumento é a minha voz.  

- Áh! Que lindo! - suspiram todas 

- São tatuagens…- contradiz outro senhor desconfiado 

- Essa deve ser uma ladra...vem toda sedutora! - comenta outro 

- Pense o que quiser! 

     E de repente, desaparece o corpo dela, aparecem as notas musicais, luminosas a dançar. Todos soltam grandes exclamações, suspiros, aplaudem, parece que ficam hipnotizados. Volta a aparecer em mulher, com as pautas no corpo. 

- Que maravilha! - suspiram todos 

- Bom...desculpe, realmente é fantástica! - reconhece um senhor que no início não foi muito simpático 

- É, é verdade, não sei como consegue cantar e tocar, mas gosto muito! 

- Estamos habituados a ouvir música com os olhos, instrumentos, mas não a sentimos com o coração, com os arrepios que nos causam na pele, as emoções que nos despertam. 

- É verdade…! - dizem todos pensativos 

- Mas porque desaparece enquanto canta e toca? - pergunta uma senhora 

- Precisamente para que as pessoas não olhem para a minha cara, para o meu corpo, para o meu aspeto, e sintam a música que canto, que toco com a minha voz. 

- Mas a sua cara é tão bonita! - diz outra senhora 

- Obrigada, mas se eu aparecesse inteira, talvez os vossos bebés se concentrassem na minha cara e não na música que lhes toca. As caras das mães são muito mais especiais para eles. 

- Essas notas musicais não desaparecem? - pergunta uma senhora curiosa 

- Desaparecem, sim! À medida que vou tocando, elas vão desaparecendo. E quando descanso, ou preparo novas músicas. São as minhas pautas, sem papel. De dia e de noite quando não toca, sou uma mulher normal, como vocês. Sem notas musicais. 

- Áh! Que lindo! 

- E não se esquece nem se engana em nenhuma? 

- Não! 

- Como consegue vê-las para as tocar e cantar? 

- É o meu coração que me guia! 

- Que lindo!!! - sorriem todas 

- Também canto pelos jardins, para os animais. 

- Uau! - dizem todos 

- Por isso nós víamos e ouvíamos os cânticos nos jardins, juntamente com as notas musicais luminosas. 

- Isso mesmo! 

- A minha gratidão gigantesca, pelas músicas e melodias tão bonitas, que o meu bebé adora, basta ver o sorriso dele, a olhar para a janela, e por adormecê-lo tão rápido. - diz uma mãe a sorrir 

- De nada! É um gosto! 

- Desculpe qualquer coisa. - diz um dos homens 

- Não tem problema. 

- Volte de dia, sem tocar, por favor...para vermos o seu rosto! - pede uma senhora 

- Voltarei. 

- Adoramos conhecê-la. 

- Obrigada. 

        Transforma-se outra vez em pauta musical, toca mais uma música e diz: 

- Boa noite a todos. 

- Boa noite, e obrigada. - todos aplaudem 

        No dia seguinte, como prometido, a mulher aparece no jardim sem as pautas no corpo, como uma outra mulher, linda. 

        Ninguém a reconheceu, mas não tiraram os olhos dela, ela tinha qualquer coisa de atraente, sorria, mesmo sem as pautas por todo o corpo. Era mesmo uma mulher normal. Começou a cantar, e todos a reconheceram, boquiabertos: 

- Sim, sou eu, essa que estão a pensar! Estão a ver como também conseguem apreciar a música com a alma, com o coração, sem ver a minha cara? (sorri) Eu disse que viria de dia como me pediram. Cá estou eu. 

- Áhhhh!!! - suspiram todos 

- Como é possível? 

- Mas ainda é mais bonita agora do que imaginava. 

- Obrigada! 

       Todas as mães a convidam para ir ver os seus bebés, estes, mesmo sem saber quem era, abriram grandes sorrisos, e ela canta para eles. As mães ficam deliciadas com a sua voz, e com a reação dos bebés.

Nas noites seguintes já sabiam quem era, sorriam, conversavam um pouco com ela, depois dos bebés adormecerem, e ela cantava também para os adultos que sofriam de insónias. 

     Uma tarde, passeava sem pressa, pelo jardim a sorrir, a apreciar a beleza toda, a cantar baixinho, para as flores, para as fontes, para as árvores. Encontra uma criança que lhe pergunta:  

- O que fazes neste jardim, de dia? - pergunta uma criança 

- Vim ouvir as músicas deste jardim. 

- Este jardim tem músicas? 

- Tem. Muitas. 

- Não oiço nada.

    A fada dá-lhe a mão, e mostra-lhe todas as músicas do jardim: as músicas das águas a correr nas fontes, as canções dos ventos entre as folhas das árvores, as canções das flores, os espirros dos musgos, as ondinhas do movimento das águas nos lagos, o cantar e o dançar da erva grande, as aves, os patos a grasnar, as rãs, as cigarras, os grilos a cantar escondidos, os cães a ladrar ao longe e perto. As estrelas, a lua, o sol, a chuva, a trovoada, tudo era música e servia para cantar.  

- Vês? Tudo aqui tem música, até o teu riso e o de qualquer pessoa. 

- E o nosso coração, certo? 

- Certíssimo! 

- Áh! Que lindo. Adorei este passeio. Obrigada por me mostrares tanta música, aqui. 

- De nada, também adorei este passeio. 

    A fada leva-a até casa, e prometem encontrar-se mais vezes. Desde esse dia, tornou-se família de todos, adorada por todos, ensinou música sem instrumentos, só com a voz, e a alma, o coração, os sons à sua volta. 

    Fizeram vários espetáculos de sonho, maravilhosos, em que todos aplaudiam, riam, emocionavam-se, utilizavam alguns utensílios da natureza, umas vezes aparecia como mulher, com as pautas no corpo, outras vezes como mulher normal, cantava para os bebés e para todos os que precisavam. 

    Outras vezes, deixava que as notas musicais, luminosas circulassem livremente, pelo espaço, para ser apreciadas, enquanto ela preparava novas músicas, ou ia para outros lugares mas voltava sempre.

    A aparência às vezes confunde a música do coração!

E vocês, gostavam de conhecer essa mulher? Como a imaginam? Que músicas acham que ela tocaria? 


                                    FIM 

                                Lara Rocha 

                                30/Junho/2023 


terça-feira, 27 de junho de 2023

Baú

 

Palavras soltas, pensamentos sem sentido, perdidos, recordações 


Durante os anos em que vivemos o nosso amor, fomos duas duas árvores que crescemos juntas. Duas árvores com alma, frágeis, que ensinaram uma à outra e aprenderam juntas. 

Duas sementes inocentes, ainda debaixo da terra, com medo de aparecer depois de um longo sono de muitos invernos, com medo do mundo à sua volta, e com medo do amor, de amor, sem sequer saber conscientemente o que era Amor, e o que era Amor. 

Estávamos dispostos a aprender, e era um desejo comum. Duas sementes que se encontraram no momento delas, em que estavam destinadas a encontrar-se para continuar a amar. 

Talvez o amor que nos unia, sempre tivesse existido, e quando menos creditei, já tinha desistido, tu provaste que os meus amigos tinham razão. 

Diziam-me que havia alguém guardado para mim, alguém especial, que ia aparecer no momento certo, quando tivesse de ser. Com a minha idade, comparava-me com os que tinham (alguns); e achava que nunca teria. 

Tenho a sensação que as nossas almas se reconheceram e reencontraram para cumprir o seu propósito, igual ou diferente, só elas saberão pelo que nos fizeram viver um com o outro.

Não senti medo, entreguei-me a ti, deste-me uma oportunidade, eu aceitei. Lançaste a primeira semente! Começou uma amizade simples, sem pressa, com bons momentos, partilhas, telefonemas, mails, alegrias, passeios, almoços, brincadeiras, gargalhadas. 

Pediste-me em namoro de uma forma tão bonita, inocente, simples, mas sincera. Eu aceitei. O meu primeiro amor! Correspondido! Como estava feliz, alguém que me valorizava como eu era, que gostava de mim, que me conquistou sem pressa, pela amizade, que tanto me ensinou, que era como eu imaginava muitas vezes. Foi num sítio maravilhoso, com uma música que chamamos «a nossa música», um dia muito emotivo, os dois adorávamos. 

Senti-me como se naquele dia alguns dos meus medos tivessem desaparecido. Sim, tu sabes, tinha medo de amar, medo de me entregar, eu tinha-te dito isso. E tu compreendeste-me, porque também sentias alguns, acolheste-me, conquistaste-me sem pressa, ofereceste-me um livro que me ajudou. 

Essa foi outra raiz que construiu a nossa relação. Um amor que vimos crescer. juntos, e as sementinhas de carinho, amizade, respeito, companheirismo, felicidade, que regamos com amor, e mesmo com dor. 

Um amor que fizemos por crescer e vimo-lo crescer, cada raminho, cada folhinha, cada raminho, cada tronco com os nossos abraços. A cada troca de olhares, tão mágico, como só nós soubemos como era especial, quando nós nos calávamos, os nossos olhos falavam uns com os outros, contemplavam-se, olhavam-se. 

Enquanto isso acontecia, sorriamos sem saber bem de quê, talvez fossem os nosso olhos que se tocavam, abraçavam ou beijavam. A cada troca de olhares, vimos despertar folhinhas, das mais pequeninas, às maiores, que cresceram com cada lágrima que chorei sempre que ias embora. 

Fomos flores abertas a cada sorriso, a caba brilho no olhar, quando deixávamos que eles falassem uns com os outros. Fomos árvores com folhas de todas as cores, acompanhando as estações do ano.

Descansamos à sombra das raízes, que se foram tornando mais fortes, com os sonhos que construímos juntos, de vida a dois, de sermos dois num só, como já nos sentíamos, a cada enlace de mãos, a cada abraço, a cada gargalhada, a cada passeio, de cada vez que ouvíamos a nossa música juntos, e a emoção quase transbordava, transformando-se em estrelas brilhantes. 

Tudo estava bem encaminhado, com pedido de casamento, e de repente, alguma coisa terrível aconteceu...a árvore de raízes fortes, bonita, foi enfraquecendo, ficou doente, secou. 

Deixou de haver sonhos a dois nas raízes, fusões de raminhos e troncos que se entrelaçavam com os abraços, a nossa música não tocou mais, os olhos deixaram de falar, as bocas também, tornamo-nos flores fechadas.

Passou a ser noite sem estrelas, sem lua, o dia todo para mim, para ti talvez fosse dia 24h, sem noite. Tantos anos depois, não me interessa saber como está a tua árvore, a que plantaste com outra. 

A minha árvore desapareceu, não voltaram a aparecer sonhos, nem projetos, nem sorrisos, nem raízes, muito menos sementes para as construir. 

Os medos voltaram, e deixei de acreditar outra vez no amor. Pelo menos nessa forma de amor. A única coisa que resta, não é sequer que haja alguém especial à minha espera, ou pensar que vai aparecer no momento certo....deixei de acreditar nisso! 

O que resta, são as boas lembranças, estrelas cadentes, astros que de vez em quando percorrem a mente, e de longe a longe, fazem sorrir. Não sei se a nossa história ficou completa, talvez tivesse durado o que tinha de durar, para cumprirmos a nossa missão um com o outro, sem que os nossos sonhos juntos, de sermos um só e outros, tantos que construímos, tivessem de ser real, e de acontecer. 

O fim foi inesperado, doeu, entristeceu, morri, nunca mais foi a mesma, não sei se melhor ou se pior (eu acho); já falo em ti, há muito sem chorar, sem dor, mas com ódio e raiva (algumas vezes), pela pessoa que fui e levaste contigo, e pela pessoa pior em que me tornei depois de ti. 

Quis muitas vezes vingar-me, tu sabes do que estou a falar, e como ia fazê-lo, a tua sorte foi que ainda tive a capacidade de pensar duas vezes... 

Devolve-se as minhas melhores partes, que ficaste com elas. Para que as queres, se a outra é melhor? A reconstrução ainda está a acontecer...

Foste o meu melhor, e o meu pior. Que pena! Mas é porque não tinha que ser...isso às vezes dóis, sabes?! Mas tu não quiseste ser o meu melhor, nem conhecer tanto de melhor que tinha para te dar. 

A carne foi fraca. Resta-me agradecer-te por tudo de bom, por tudo o que aprendi contigo, e desejar que fiques feliz, em paz, com quem rega agora a tua árvore. 


                                                FIM 

                                            Lara Rocha 

                                            27/Junho/2023 

quinta-feira, 8 de junho de 2023

A aldeia do riso

   

desenhado por Lara Rocha 


     Era uma uma aldeia desviada de uma grande cidade com famílias numerosas, onde não havia luxos, mas tinham o essencial: casa, comida, água, roupa, calçado, medicamentos e outros serviços. 

       Mas o que fazia toda a diferença era a humildade, simplicidade, boa disposição, alegria e amizade das pessoas que viviam nesta aldeia. As crianças tinham poucos brinquedos, mas muita imaginação. Elas próprias inventavam os seus brinquedos, com o que encontravam, os adultos ajudavam e riam à gargalhada. 

       Um dia, uma fada passeava por cima dessa aldeia e ficou deliciada com as gargalhadas das crianças, a maneira como elas brincavam felizes, e a beleza de todos os habitantes, que com pouco, não pediam nada. 

       A fada riu à gargalhada ao ouvir as crianças a rir, que eram risadas contagiosas, e transforma-se em menina, igual a eles para saber de onde vinham aquelas gargalhadas. 

       Apareceu num campo de futebol onde estavam a brincar, vestida como eles. Todos param, olham-na, sorriem:

- Olá! - diz a fada 

- Olá! - respondem todos 

- Nós não te conhecemos! - diz um rapaz 

- Sou a Solrria (gargalhadas), vivo noutra aldeia. Desculpem aparecer aqui, mas gostei tanto de ouvir as vossas gargalhadas que vim ver se havia aqui algum circo! 

- Solrria? Que nome tão raro! - comenta uma menina

- Mas soa bem! - comenta outra 

- É! - concordam todos 

- Não fiques zangada, Solrria, porque os nossos nomes também são raros e engraçados.  Queres ouvir? - diz um menino

        A Solrria ri-se, e os meninos riem com ela. Cada um diz o seu nome, dá uma gargalhada e os outros respondem com gargalhadas. A Solrria ri com eles. 

- Muito interessantes os vossos nomes! (ri a fada e todos riem) O que vos faz rir tanto? 

- Tudo! - respondem em coro 

- Já é de nós! 

- Rimos de tudo! 

- Temos o que é preciso e muitas aldeias não têm. 

- Isso! Temos casa, comida, água, roupa, médicos, remédios quando precisamos, temos saúde, família, somos amigos.

- É! Tudo o que é preciso para sermos felizes e rirmos com alegria! 

(Todos riem) 

- Muito bonita essa vossa maneira de viver. Têm razão! Eu também sou feliz porque tenho tudo o que preciso, gosto do que tenho. Não é preciso muito para ser feliz - diz a fada 

- Pois não! - dizem todos 

- E esses brinquedos, quem vos deu? - pergunta a Fada 

(Gargalhadas gerais) 

- Fomos nós que inventamos! - diz um menino a rir-se 

- Que lindos! - diz a Fada 

- Anda ver mais! - convida outro 

       Uma menina dá a mão à Fada e vão com ela para o recanto onde guardam muitos brinquedos criados por eles. A cada brinquedo dão uma risada, e a fada ri com eles. 

- Adoro estes brinquedos! - diz a fada 

- Nós também! - dizem todos a rir 

- Os meus são um bocadinho diferentes, mas estes, adoro. - diz a fada 

- Boa! Anda brincar connosco. 

- Está bem. 

        A fada passa uma tarde muito feliz com brincadeiras diferentes, aqueles meninos tão simpáticos, que estavam sempre a rir, e ela ria com eles. 

       Depois foram lanchar, os meninos cantaram uma canção tradicional da cultura deles, como era hábito, numa língua que ela não conhecia. 

- Que canção tão gira! - diz a Fada - cantam-na sempre? 

- Sim! - respondem em coro 

- É para agradecer a comida que temos neste lanche! - explica um menino 

        Todos dizem que sim, e riem. 

- Boa! - diz a Fada 

- Cantamo-la em cada refeição que fazemos! - explica uma menina 

- Que giro! - diz a Fada a rir 

        Todos riem, e comem com vontade, sempre numa conversa muito animada, com algumas cantorias pelo meio, palmas, muita gargalhada. 

        Brincam mais algum tempo, e quando vão jantar, pedem à Fada para voltar. Ela promete voltar e agradece. Cada um abraça-a carinhosamente e dá dois beijos, com um sorriso de orelha a orelha, ela retribui. 

- Adorei conhecer-vos! Obrigada por esta tarde, pelas brincadeiras e pelo vosso riso! Voltarei, muito em breve. 

        Todos riem: 

- Nós também. 

- Adoramos conhecer-te! - diz um menino 

- Sim, volta sempre que quiseres. Riem, e vão para casa. A Fada está repleta de alegria e carinho. Decide oferecer um presente aos meninos. Uma bola transparente grande, com brilhantes a boiar que mexem de um lado para o outro, de todas as cores.

        Deixa um bilhetinho: «Esta bola com água e brilhantes de todas as cores, representa o meu agradecimento por tanta coisa boa que me deram hoje. Principalmente o vosso riso e a felicidade, a simplicidade e a alegria com que vive, brincam, o vosso carinho! Muito obrigada a cada um e a todos por tanto que aprendi convosco. Encheram-me de boa energia, preencheram-me, adoro-vos. Voltarei...até já. 

        Deixa a bola no meio do campo, e vai para a sua casa ainda a rir pelo caminho. No dia seguinte, os meninos veem o presente, primeiro ficam muito surpresos, olham e voltam a olhar: 

- Áh! Que linda bola! - comenta uma menina 

- É mesmo! 

- Tantos brilhantes. 

- Uau! Parecem estrelas! 

- Nunca vi nada assim. 

- Nem eu. Quem terá deixado aqui isto? 

- Não sei. 

        Leem o bilhete, riem à gargalhada, dançam, cantam, uma canção com palavras estranhas, abraçam-se, saltitam. a Fada aprecia a reação dos amigos pousada na árvore e solta sonoras gargalhadas no interior de um tronco. 

- Que gargalhadas maravilhosas, tão lindos! 

        Um menino pergunta: 

- Será que podemos brincar com esta bola? 

        A Fada aparece novamente como menina. As crianças abraçam-na, beijam-na, uma de cada vez, a rir, dizem «bom dia», com um sorriso de orelha a orelha. 

- Bom dia! - diz a Fada a cada um e a rir de tanto carinho que recebe. 

- Olha que lindo, este presente que deixaram aqui! 

- Não sabemos quem foi. 

- Fui eu! - diz a Fada a rir 

- A sério? - perguntam todos em coro 

- Sim. 

        Dão um abraço coletivo à volta dela, a rir à gargalhada. 

- Muito obrigada. 

- Adoramos! 

- Podemos brincar com ela? 

- Claro que sim! - diz a Fada a rir 

- Como vamos brincar com ela? 

- Como quiserem! Ela não parte. - diz a Fada 

        Põem-se em roda, atiram a bola uns para os outros, sem deixar cair, a dizer poemas, a cantar, a rir e a conversar. Inventam brincadeiras e danças diferentes com a bola de brilhantes, explicam à Fada as brincadeiras, e esta ri à gargalhada com eles, entra nas brincadeiras, almoça com eles, e de tarde voltam a brincar. 

        Os meninos levam a Fada a visitar e a conhecer a aldeia, um espaço muito bonito, com muita natureza, flores encantadas, árvores, borboletas enormes e com cores mágicas, pássaros com penas de uma beleza rara, uma pequena praia de areia branca, muito limpa, um mar que parece um lago, e convida a um mergulho. 

        Todos mergulham numa grande alegria, num mar transparente, com água quente, um sol brilhante, igualmente quente, algas, pedras de cores, formatos e tamanhos diferentes, muito bonitas, conchas e búzios enormes, peixinhos exóticos. 

        A Fada fica maravilhada, com aquela beleza da aldeia e com a alegria, as danças e brincadeiras que as crianças inventaram, sempre a sorrir e a rir. 

        A Fada tornou-se mais um membro do que chamavam família, na aldeia do riso, onde havia tudo o que precisavam, não era muito, mas para eles era motivo de festa, alegria, agradecimento. 

        Realmente, se pensarmos bem, temos muitos, mesmo poucos, motivos para festejar e agradecer, como estes meninos. Vocês fazem como estes meninos? Com o quê? Podem deixar a resposta nos vossos comentários. 

                                                FIM 

                                            Lara Rocha 

                                            8/Junho/2023 


quarta-feira, 7 de junho de 2023

O deserto das águias

 

    Era uma vez uma águia gigante, quase do tamanho de um adulto quando pousada.        Uma espécie rara, num mundo estranho, muito seco, um deserto onde pensar em vida seria praticamente impossível.

    Nesse lugar não havia qualquer vestígio de água. e sombra só existia numas grutas misteriosas, fundas, cavadas nas rochas igualmente secas. 

    Só elas e a areia poderiam resistir, mas será que tinha visto água alguma vez? Ou seriam árvores árvores que não precisavam de água? Todas precisam, quem as regaria? Estava no segredo de algures naquele sítio. 

   Entretanto...alguma coisa de mágico aconteceu, totalmente inesperado! A águia, num dos seu voos viu esse deserto e quis senti-lo. 

   Pousou na areia, em silêncio, com os olhos a girar, um ar quente que quase não conseguia respirar, a areia fervia, o sol parecia um vulcão em ebulição. 

   Não se ouvia um único som, estava um silêncio que até arrepiava. 

- Nem um sinal de vida! - comenta a águia 

   Levantou voo novamente, pensativa, a voar devagar e a observar aquele espaço que não era muito grande, mas nunca devia ter sido explorado. 

   Apanhou algumas sementes, espalhadas no chão, não sabia de quê, levou-as no bico e largou-as no deserto. 

- Não sei se vai vingar...mas farei de tudo para que sim! Vou trazer água a seguir. 

     Tapou as sementes com as patas, deixando a marca para saber onde estavam. Voou novamente, pegou num cântaro meio partido que estava à beira de um caixote do lixo. 

    Segurou-o no seu bico, foi a uma fonte de um jardim da cidade, encheu o cântaro até onde foi possível, e levou-o, seguro pelas patas até ao deserto.

      Despejou a água em cima das sementes, sorriu e disse: 

- Vamos ver que surpresas isto trará! 

    Passaram-se vários dias, a águia levava lá água todos os dias, e até teve companhia de outras águias, tão grandes como ela, que quiseram ajudá-la por acharem o que gesto tão bonito. 

    Tudo continuava na mesma: seco, com as mesmas cores, silencioso, mesmo assim as águias não desistiram. Outra águia acrescentou sementes que não sabia se eram as mesmas que já lá estavam ou se eram outras. 

     Todos os dias, várias vezes ao dia, as águias encheram os cântaros e outros recipientes que encontraram, despejaram a água e esperaram.

   Ao fim de algum tempo sem sinais, algumas águias estavam quase a desistir de achar que ia nascer alguma coisa naquele espaço. Mesmo assim, continuaram o seu trabalho com dedicação. 

    Um dia em que foram regar, ouviram uma voz que soou como um grito vindo das profundezas da gruta ou da terra: 

- Continuem...a vossa recompensa está a chegar! 

    As águias estremeceram, ficaram quietas no mesmo sítio, olharam umas para as outras: 

- Ouviram alguma coisa? - pergunta uma águia, a medo 

- Sim! - respondem todas 

- Ouvi uma voz. 

- Eu também. 

- Boa! Achei que estava a imaginar, ou que era do calor! - disse outra 

- O que ouviste da voz? 

- Para continuarmos que a nossa recompensa está a chegar. 

- Isso! - Disseram todas 

- Eu já estava a começar a pensar que aqui não iria nascer nada. 

- Olha que eu também! 

- Mas de onde veio esta voz?! Não está aqui ninguém. 

- Pois, também não vejo ninguém! 

- Parecia uma voz das gruta, ou das profundezas da terra. 

- Sugiro que demos por aqui uma volta para ver se vemos alguém. 

- Boa. 

    As águias caminham levemente, sem pressa, por cima da areia, atentas a tudo o que as rodeava. Nem sinal. Tudo silencioso, ficaram intrigadas com aquela voz. 

    Mais uns dias passaram e quando iam regar, veem umas cabecinhas verdes, umas agulhinhas de fora muito finas, que pareciam ser pequeninos pinheirinhos, uns botõezinhos de flores, ainda fechados, e outras pequeninas futuras árvores. 

    Todas as águias regaram e aplaudiram, tocaram com as patas nas sementes. Continuaram a sua dedicação até que chega a recompensa. 

     Numa noite, a voz que tinham ouvido, vai em forma de raio de trovoada, e transforma-se numa mulher transparente com estrelas. 

   Percorre todo o deserto, e ao passar por cima das sementes, todas começam a abrir. Uma por uma, sai da terra a cantar, a rir, a esticar as pétalas como se estivessem a espreguiçar-se, sacodem-se. 

      Nascem dezenas de flores com cores de uma beleza rara, nunca antes vista. Arbustos, árvores de frutos, palmeiras crescem rapidamente, e até um rio de água vem à superfície. 

      Tudo isto só é visível com o nascer do sol, e a misteriosa voz não cabe em si de encanto. Cumprimenta e acaricia flor por flor, elogia-as, solta exclamações de surpresa, delicia-se com as árvores e a sombra que elas provocam. 

  Chegam as águias, e soltam grandes exclamações, encantados. 

- Áh! Como é que tudo isto nasceu aqui? 

- Ainda ontem não acreditava que fosse possível nascer aqui o que quer que fosse e hoje está repleto de flores tão bonitas, árvores. 

- Maravilhoso, não é? É a recompensa da vossa dedicação e amor! Plantaram-nas, regaram e o carinho com  que as trataram deu nisto! - diz a voz 

- Nunca pensamos que tal ia acontecer...neste espaço. 

- Nem sabíamos de que eram as sementes. 

- Mas...espera aí...quem és tu? 

- Sou aquela que vos disse para continuarem e a vossa recompensa estava a chegar. Eis a recompensa. Agora...por favor não as abandonem! Continuem a cuidar delas, a dar-lhes atenção e carinho. Existe água debaixo delas, a que vocês ofereceram, mas elas gostam de sentir a vossa presença. 

- Obrigada! - dizem as águias 

- Voltaremos. - garante outra 

- Também estarei aqui, mas o principal trabalho é vosso. Conto convosco! - diz a voz 

     As águias cumprem o prometido, voltam todos os dias para o que antes era um deserto, levando água, regando as flores e as árvores como antes. 

  Ficam lá a descansar, deliciadas com aquele espaço, deitam-se na areia à sombra das árvores e das palmeiras, apreciam a beleza das flores, tocam nas pétalas, conversam com as flores, e levam para lá recipientes com água para beberem, refrescar-se. 

    A misteriosa voz também marca presença e fazem festas. As flores merecem ser bem tratadas com carinho, dedicação, regadas com água e com amor. Este deserto foi transformado num jardim. 

    Imaginem que vocês são águias, ou como meninos(as) e adultos, em que transformavam este lugar? O que plantavam? Acham que a voz misteriosa tem razão na mensagem que transmitiu às águias? Porquê? 

    Vocês cuidam bem das flores e das árvores? Regam-nas? Falam com elas? E os adultos que vos acompanham cuidam bem das flores? Como? 

    Podem deixar as vossas respostas nos comentários. 

                                          FIM 

                          Lara Rocha 

                         6/Junho/2023 


    

            

terça-feira, 6 de junho de 2023

A nuvem de sementes

 

        
         Era uma vez uma gaivota obessecada e completamente apaixonada por raízes e sementes de qualquer espécie. 
     Fazia dezenas, centenas e às vezes milhares de voos para a Terra, pousava em lugares altos como telhados, paredes, torres de castelos e de sinos, árvores, e janelas com os olhos bem abertos.

      Os seres humanos corriam-na com paus, vassouras e braços logo que a viam aproximar-se, porque já conheciam a sua obsessão pelas sementes e raízes. 

       Mas a expulsão durava poucos segundos, porque a gaivota ia para outros locais, e voltava silenciosa quando percebia que estavam distraídos.

    Pousava na Terra acabada de plantar, porque sentia um cheiro diferente a sementes novas e raízes. 

      Debicava e retirava-as da terra, escondia-as no seu ninho feito de nuvem, onde dormia abrigada do calor, do frio, num tronco de árvore já muito velha.

     Para ela era o lugar perfeito. A sorte dele é que muitas vezes os lavradores, não se apercebiam da falta de uma semente ou outra, porque a gaivota tinha cuidado de juntar a terra outra vez com as patas.

    No seu ninho deliciava-se a olhar, a cheirar e a comer algumas raízes, sementes, guardava outras. 

    Um dia, o vento perguntou à gaivota porque é que ela fazia aquilo, e se já tinha pensado que aquelas sementes poderiam fazer falta aos agricultores.

  Ela respondeu que tinha a certeza que aquelas sementes e raízes não faziam qualquer falta aos agricultores dos campos onde ela ia debicar. 

    Todos tinham direito a comer, ela incluída, e ainda por cima era sempre corrida dos campos sem se poder aproximar.

     Além disso adorava sementes e raízes, aqueles cheirinhos da terra acabada de semear, as sementes e as raízes frescas, por isso levava-as e não havia qualquer problema nisso.

    O vento não concordou e disse para ela devolver essas sementes e raízes.

- Mas nem pensar. Depois o que vou comer? - pergunta a gaivota

- Ora...peixe...e não te falta o que comer.

- Não!

- Sim. Eu arranjo-te o que comer.

- Mas eu quero estas, e já não sei onde as fui buscar! Passei por tantos sítios.

- Que malvada! Não voltes a fazer isso. Eu dou-te nas mesma comida, mas não tires mais sementes, nem raízes dos campos cultivados.

- O que é que me vais trazer? Eu só gosto destas sementes.

- Porque nunca provaste outras, mas conheço outras e tenho a certeza que vais gostar delas. Não demoro.

      A gaivota fica irritada, esconde as sementes e as raízes noutro sítio mais seguro, para o vento não as levar. 

    Promessa cumprida! O vento dá-se ao trabalho de percorrer campos abandonados, onde existe raízes secas, forma redemoinho, varre as terras e recolhe muitas sementes que nem sabia o que era, mas estavam secas, não tinham vingado.

- Aquela atrevida já tem raízes e sementes para dois anos. Assim, deixa os lavradores em paz, que tanto trabalho tem a semear e a regrar, para comer e vem esta gulosa, leva tudo o que quer. Egoísta. Com tanto que comer.

    Põe toda a colheita numa nuvem gigante, e deixa à porta da gaivota. Bate à porta:

- A esta hora? - pergunta a gaivota

- Venho trazer-te comida para dois anos ou mais!

        A gaivota vê aquela nuvem.

- Eu vou comer essa nuvem? O que é que ela tem?

- Tem o que tu mais gostas.

- Foste à pesca?

- Fui...não, não é peixe! Cheira.

    A gaivota cheira a nuvem. Abre-a com o bico e as patas.

- Sementes e raízes? Óóóóhhh…mas...estas devem ser falsas! Não cheiram a nada.

- Prova-as! Tenho a certeza que vais adorá-las. Não comes o cheiro, pois não?

- Não. Como o sabor. Mas eu quero aquelas que têm cheiro.

- Come e cala-te.

- Onde foste buscar isto tudo?

- Não interessa. Elas estão aqui e não as roubei dos campos cultivados.

  A gaivota prova e saboreia vagarosamente:

- Hummm….realmente, isto é muito diferente! Não tem cheiro...mas...até são saborosas.

- Eu disse-te! Agora já não precisas de destruir os campos e os trabalhos dos agricultores. Não voltes a fazer isso, combinado? Sempre que precisares de comer e já não tiveres, avisa-me e eu vou buscar-te.

- Estás a ser injusto? - resmunga a gaivota

- Ora...tu é que estás a ser injusta, ao roubar as produções. Tu só te alimentas a ti, não precisas da quantidade nem da qualidade das sementes e raízes que eles plantam.

- Óh! Eu não roubo nada! Só luto pela sobrevivência como eles!

- Tens mais o que comer.

     O vento conta à gaivota o que vê nas casas e nos campos cultivados, o quanto eles trabalham, os sacrifícios que passam, a quantidade de horas que trabalham com bom e mau tempo, como é difícil cultivar, enquanto ela come confortavelmente sentada.

   Até a desafia para ir dar uma volta com ele e ver como é difícil, como ela está a fazer mal e a ser egoísta. 

     Uma senhora que trabalhava na terra, viu a gaivota e ralha com ela:

- Ou vens para me ajudar, ou vai-te embora, antes que eu dê cabo de ti, como tu e as da tua espécie dão cabo das minhas plantações.

- Experimenta. - diz o vento

      A gaivota diz à Sra. Que quer experimentar, e ajuda a senhora, abrindo buraquinhos na terra com as patas, a sra coloca as sementes, ela tapa, sempre cheia de vontade de abocanhar aquelas deliciosas sementes.

  Rapidamente, a gaivota percebeu o que custava, o cansaço no rosto da senhora, nas suas rugas, no seu corpo arqueado, e ficou a apreciar a dedicação da sra. 

   A gaivota chorou, sentiu pena da sra. Ajudou-a, e no fim, como recompensa, a boa senhora ainda lhe deu meia dúzia de sementes umas secas, outras mais frescas.

  A gaivota não cabe nela de felicidade com aquelas sementes cheirosas.

- Muito obrigada pela tua ajuda, gaivota. A tua ajuda foi preciosa!

- De nada, boa senhora. Foi um gosto. Obrigada eu, pelas sementes.

- Ora...foi só um carinho, a recompensa e o meu agradecimento pela tua ajuda e por não me teres comido, nem estragado as novas plantações. Volta sempre que quiseres...principalmente para me ajudares!

- Claro que sim! Voltarei com muito gosto.

- Vou descansar! - diz a senhora

- À vontade.

- Até já.

- Até já.

     A sra. Vai descansar e a gaivota sente-se orgulhosa, agradecida ao vento e à senhora. 

    O vento também está feliz e os dois conversam pelo caminho. Quando che4ga ao seu ninho, guarda as sementes no seu lugar seguro, juntamente com as outras.

     Agradeceu ao vento, deitou-se a sorrir e adormeceu rapidamente de tão cansada que estava, mas a pensar do que viu, no que experimentou. 

     Desde esse dia, a gaivota comeu as sementes e as raízes da nuvem que o vento encheu, e deixa as outras na coleção.

      Percebeu que realmente estava errada, a roubar mesmo que fosse para se alimentar, e decidiu oferecer a sua ajuda a todos os lavradores que via. 

     Estes aceitaram de imediato, e a tentação de comer as sementes frescas, provocada por aquele cheirinho, deixa-a quase em êxtase, mas conseguia resistir.

  Os lavradores, em vez de a correrem à vassourada, ofereciam-lhe algumas sementes de vez em quando, e ela comia deliciada. 

 Agradecia e continuava a trabalhar. Quando outras da sua espécie se aproximava, ela própria corria-as, em conjunto com os lavradores. 

      Elas não gostavam, e achavam estranho. O vento explicava-lhes o que ensinou à gaivota, e isso fez com que algumas quisessem também ajudar, para ganharem sementes frescas. Que belas aliadas ganharam os lavradores.

     E vocês? Acham que o vento e a gaivota fizeram bem? Se fossem esta gaivota faziam o mesmo que ela? Podem deixar as vossas respostas nos comentários.

                                                  

                                                      FIM                                                  

                                                   Lara Rocha                                                                                          

                                                    5/Junho/2023

segunda-feira, 5 de junho de 2023

O diário, a caneta e as mãos

Foto e material de Lara Rocha 

        Era uma vez um diário com cadeado, arrumado numa prateleira de uma jovem adulta. Tinha algumas páginas escritas pela jovem quando esta era adolescente talvez ela já nem se lembrasse do que lá tinha contado.

        A jovem andava com a chave, mas já não o abria há muito tempo, entretanto, estava uma caneta pousada na mesma prateleira. O diário ficou tão feliz por ver a caneta que deu uma sonora gargalhada, bateu palmas, saltitou e saiu do sítio onde estava.

       Os outros livros apanharam um grande susto e ficam a apreciar. Até a caneta dá um grito, assustada.

- O que é que lhe deu? - pergunta um livro

- Não sei! Passou-se… - responde outro

- Nunca o vi assim! - acrescenta outro livro

- Uma caneta! - suspira o diário

- Estás a falar comigo? - pergunta a caneta

- Sim! - responde o livro

- O que é que eu tenho?

- (ri) já não via uma caneta há tantos séculos!

- Azar o teu. O que é que eu tenho a ver com isso? Estou onde a menina me põe!

- Eu sei! Desculpa a minha manifestação de alegria, mas é que não via uma caneta tão de perto há tantos séculos, que quando te vi, não contive a minha emoção.

- Foi por isso que gritaste daquela maneira?

- Foi.

- Ah! Está bem.

(Todos riem)

        Entra a jovem. Faz-se silêncio. O diário pensa para si próprio: «será que é desta que vou ser outra vez utilizado, acariciado, riscado…? Que mãos bonitas aquelas! Porque deixaste de escrever em mim? Eu gostava tanto do que partilhavas comigo!»

       Enquanto o diário está mergulhado nos seus pensamentos, a jovem pega na chave, a seguir no diário, pega nele e depois na caneta.

- Olá! - diz a jovem

- Ah! Mas o que é que aconteceu aqui? Vais-me tirar o pó?

        A menina sacode o pó do diário. Este ri à gargalhada de felicidade.

- Desculpa, não percebo qual a tua histeria com o que está a acontecer. - diz a caneta

- É que já só tinha mais pó do que palavras…

- E depois?

- E depois? Não gosto de pó, nem de estar sozinho, sem palavras, sem ser escrito, já tinha muitas saudades de sentir uma caneta e de estar entre duas mãos.

      A jovem relê as páginas escritas do diário, este está tão feliz que até pensa ser um sonho.

- Óh, diz-me que isto é real!

- Sim, é real! Não sei se ela vai realizar o teu desejo de… me sentires e de escrever em ti, mas pelo menos tirou-te o pó.

- É verdade.

         A jovem ri e comenta:

- Eiiii...que coisa mais pré-histórica. Já nem lembro desta criatura, felizmente não voltei a vê-la. Acho que não ia dar certo...parecia quase um romance daqueles de filmes...ele já nem se deve lembrar de mim! E…nem eu me lembro dele. Vou voltar a escrever no diário, tem acontecido coisas tão boas que são para ser registadas, não vá a memória atraiçoar-me daqui a uns anos.

         O diário chora de alegria, e ri à gargalhada:

- O meu desejo foi realizado. Ah! Finalmente, vou livrar-me do pó, abraçar outra vez palavras, e sentir canetas…que maravilha! Obrigada, amiga! Como ela está diferente! Realmente as palavras que escreveste aqui, não me souberam muito bem, mas a minha função não é avaliar o que me contas, é apenas ouvir...ou...ler...bem, não sei como se diz...mas...receber as tuas palavras e guardá-las. Obrigada pela tua confiança em mim, menina…!

- Nunca outra vi…! - ri a caneta

- Desculpa…?!

- Nunca vi um diário fazer tanta desta por ser escrito.

- Deixa para lá!

        A menina acaricia o diário, sorri, o diário fica tão feliz que sorri, suspira e comenta:

- Óh! Que saudades que eu tinha deste carinho! Que mãos maravilhosas, macias, delicadas...adoro!

       Pega na caneta e começa a escrever. O diário fica deliciado ao sentir a caneta, ao vê-la dançar tão bem no papel e as palavras a aparecer no papel com todas as formas, cores, cheiros, sons, tamanhos. O diário aplaude a dança e o cantar da caneta, ela ri.

     A jovem escreve páginas e páginas, milhares de palavras, sobre acontecimentos atuais que a fazem sentir-se realizada, feliz, coisas que a preocupam, medos, pessoas e situações que a irritam e fazem sentir raiva. Sonhos que gostava de realizar, outros que sabe não serem possíveis, fantasias, palavras que gostava de dizer e não pode, porque magoará outros, recordações.

      Descreve paisagens, aventuras com pessoas, escreve letras de músicas, poemas, que gosta, e de repente…o diário fica totalmente preenchido. A jovem para:

- Óh! Acabou este diário. Vou comprar outro, para te fazer companhia. Obrigada querido diário, por estares aí! Ao fim de tanto tempo em que conversava contigo, deixei de o fazer, porque achava que escrever diários era coisa de adolescentes, mas agora que sou adulta, voltei a sentir necessidade de escrever. Pelo menos, sei que em ti posso confiar.

- Eufórico – Ela está a agradecer-me, que querida! Eu é que fico feliz e agradeço a partilha, a confiança, a amizade...não há idades para escrever num diário, pelo menos, foi o que sempre ouvi dizer, e vi mãozinhas pequeninas, a escrever, mãos maiores, outras com muita experiência de vida que usavam muito as mãos com certeza...qualquer um pode usar-nos! Mas...espera aí...depois destas coisas tão boas, e bonitas...ela vai deitar-me para o lixo? Só porque já tenho todas as folhas escritas?

- Não! Ela vai comprar outro, e pôr à tua beira. - diz a caneta.

- Ah! Que susto. Seria muito injusto, não achas?

- Sim!

- Tu também tens um diário?

- Claro que não! Eu só escrevo o que me mandam.

- Estás cansada?

- Não! Gosto muito de transmitir o que me pedem nas folhas.

- Gostei muito de te ver dançar, e de todas as palavras que deixaste sair.

- Até já, querido diário. Obrigada. Vou buscar um companheiro para ti.

- Até já!

        O diário e a caneta continuam numa conversa muito animada enquanto a jovem vai buscar outro diário. Este diário não podia estar mais feliz, e vocês, usam diários? O que escrevem neles? Se quiserem podem partilhar nos comentários.


                                                                 FIM

                                                           Lara Rocha

                                                          5/Junho/2023