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sexta-feira, 30 de junho de 2023

A mulher música

 


            

Era uma vez uma mulher que só se via de noite, a passear nos jardins, parada junto às janelas dos quartos das crianças, e ouviam-se músicas suaves, melodiosas, por vários sítios onde passava. 

      Não sabiam quem era, se era uma mulher, ou um rádio, ou seres que viviam na Natureza, porque ao mesmo tempo sentiam curiosidade e medo. 

      Quando a viam, não percebiam que era um corpo de uma mulher, pois no início só viam o que pareciam notas musicais luminosas a andar pelos jardins, e perto das janelas dos quartos dos bebés. 

      Uma noite, uma mãe espreitou do quarto do seu bebé que estava a sorrir, quando ouviu uma música suave. Olhou para a janela e viu apenas as notas musicais luminosas. 

      Ficou muito intrigada, e encantada com a música, o bebé adormeceu rapidamente, porque só os pequeninos conseguiam ver a mulher completa com notas musicais por todo o corpo. 

      Era uma mulher linda! A mãe olhou para o jardim, e viu as notas musicais flutuantes, luminosas, ouviu as músicas agradáveis, mas não viu mulher nenhuma.

      Na manhã seguinte, encontra-se com uma amiga e vizinha, e as duas conversam: 

- Amiga, ando preocupada! 

- Então, porquê? O que há? 

- Ando a ouvir umas músicas, muito bonitas, de embalar, parece uma voz assim...misteriosa, não sei explicar, é tão bonita! Ando a ver umas notas musicais luminosas e a flutuar...o meu filho não tira os olhos da janela, sorri, e pouco depois adormece. Mas como é que ele ouve e vê, e eu não? Nem no quarto dele, nem no jardim? 

- Olha que a mim também já me aconteceu isso, várias vezes, eu até tenho medo! 

- Viste alguém? 

- Não! Mas também já ouvi melodias, músicas de embalar, tão doces, até eu parece que flutuo...e realmente, a minha pequenina também não tira os olhos da janela, a sorrir. Na janela não vejo nada. 

- Que estranho! Será que mais alguém viu e ouviu? 

- Vamos saber... 

      Durante o dia perguntaram a todas, e todas disseram o mesmo. Decidiram investigar. Na noite seguinte juntaram-se. 

      Aconteceu o mesmo, só viram as notas musicais flutuantes, luminosas e ouviram a música melodiosa. Passearam pelos jardins, e finalmente viram que as notas musicais luminosas vinham de uma linda mulher, que as tinha por todo o corpo. 

      Todos se assustaram, deram gritos, ela assustou-se também, e disse: 

- Calma, não se assustem, não estou aqui para fazer mal. 

- Desculpe! - dizem todos 

- Quem é você? - pergunta uma senhora 

- Sou uma mulher musical, que embala os vossos bebés. 

- Como é que embalas os nossos bebés, com esse ar? 

- Porque está a julgar o meu ar? O que tem? 

- Tem um ar assustador, não sei como é que as crianças não gritam! 

- Que comentário! - diz a esposa do senhor 

- Antipático. - grita outra 

- Tens razão! - concorda a esposa do senhor 

- É muito bonita! - diz uma menina 

- Nunca a tínhamos visto por aqui, desculpe, não estamos a ser simpáticos. - diz uma senhora 

- Não faz mal, eu compreendo! Não me conhecem. 

- Até vocês sentiram medo. - Insiste o homem 

- Sim, tivemos. 

- Mas já vimos que estávamos erradas.

- Desculpe-nos! - dizem todas 

- Eu não gosto do seu ar. Quero é saber o que faz aqui nessa figura! Vem fazer mal aos nossos filhos é? - diz o homem zangado 

- O que acha de mim não me preocupa, o mais importante é que os vossos bebés gostam de mim. Eu canto-lhes com alma, com amor, com carinho, é por isso que adormecem tão facilmente! 

- Confirmo! - dizem todas as mães 

- E a sorrir! - acrescenta outra 

- Eu já vi o meu filho a olhar para a janela, a sorrir, ouvi a sua música, que não sabia que era sua, mas são realmente maravilhosas, não admira que gostem mesmo das suas músicas. 

- Concordo! Eu vi notas notas musicais luminosas a dançar na janela do quarto do meu filho. - diz outra 

- Mas como toma essas músicas tão bonitas? 

- Tem instrumentos? 

- Não! (sorri) Tenho a música na minha alma, no meu coração, na minha pele! Sou uma fada. 

- Áh, uma fada...claro! Grande treta. Esta ainda não cresceu, ou tem uns pirulitos a menos. - comenta outro senhor a rir 

- Cala-te. Olha o respeito! Desculpe, Fada. 

- Não se preocupe! 

- É só para não ficares com ciúmes. - diz o homem a disfarçar 

- Pois, pois, eu nasci ontem. Achas mesmo que fico com ciúmes, por apreciares quem é bonita. Eu também aprecio, mulheres bonitas, e homens bonitos! 

- Mau…! - diz o homem 

- Aldrabão...apanhei-te! (todos riem) Mas o que eu digo é verdade! Não tenho qualquer problemas em apreciar, tenho olhos na cara, nem que tu aprecies! - diz a esposa

- Isso mesmo! Abre-lhe os olhos. Eu também aprecio e sei que o meu marido aprecia outras. Não come nenhum pedaço. - comenta outra rapariga e todos riem 

- Eu acredito que seja uma Fada, para ser tão meiga, tão bonita, cantar tão bem, adormecer os nossos bebés só com esses cantos, e sem instrumentos! - comenta uma mãe 

- É verdade! - concordam todas 

- É mesmo bonita! 

- Tem qualquer coisa de muito especial. 

- Tem notas musicais em todo o corpo? 

- Sim, a minha pele é a minha pauta, e o meu instrumento é a minha voz.  

- Áh! Que lindo! - suspiram todas 

- São tatuagens…- contradiz outro senhor desconfiado 

- Essa deve ser uma ladra...vem toda sedutora! - comenta outro 

- Pense o que quiser! 

     E de repente, desaparece o corpo dela, aparecem as notas musicais, luminosas a dançar. Todos soltam grandes exclamações, suspiros, aplaudem, parece que ficam hipnotizados. Volta a aparecer em mulher, com as pautas no corpo. 

- Que maravilha! - suspiram todos 

- Bom...desculpe, realmente é fantástica! - reconhece um senhor que no início não foi muito simpático 

- É, é verdade, não sei como consegue cantar e tocar, mas gosto muito! 

- Estamos habituados a ouvir música com os olhos, instrumentos, mas não a sentimos com o coração, com os arrepios que nos causam na pele, as emoções que nos despertam. 

- É verdade…! - dizem todos pensativos 

- Mas porque desaparece enquanto canta e toca? - pergunta uma senhora 

- Precisamente para que as pessoas não olhem para a minha cara, para o meu corpo, para o meu aspeto, e sintam a música que canto, que toco com a minha voz. 

- Mas a sua cara é tão bonita! - diz outra senhora 

- Obrigada, mas se eu aparecesse inteira, talvez os vossos bebés se concentrassem na minha cara e não na música que lhes toca. As caras das mães são muito mais especiais para eles. 

- Essas notas musicais não desaparecem? - pergunta uma senhora curiosa 

- Desaparecem, sim! À medida que vou tocando, elas vão desaparecendo. E quando descanso, ou preparo novas músicas. São as minhas pautas, sem papel. De dia e de noite quando não toca, sou uma mulher normal, como vocês. Sem notas musicais. 

- Áh! Que lindo! 

- E não se esquece nem se engana em nenhuma? 

- Não! 

- Como consegue vê-las para as tocar e cantar? 

- É o meu coração que me guia! 

- Que lindo!!! - sorriem todas 

- Também canto pelos jardins, para os animais. 

- Uau! - dizem todos 

- Por isso nós víamos e ouvíamos os cânticos nos jardins, juntamente com as notas musicais luminosas. 

- Isso mesmo! 

- A minha gratidão gigantesca, pelas músicas e melodias tão bonitas, que o meu bebé adora, basta ver o sorriso dele, a olhar para a janela, e por adormecê-lo tão rápido. - diz uma mãe a sorrir 

- De nada! É um gosto! 

- Desculpe qualquer coisa. - diz um dos homens 

- Não tem problema. 

- Volte de dia, sem tocar, por favor...para vermos o seu rosto! - pede uma senhora 

- Voltarei. 

- Adoramos conhecê-la. 

- Obrigada. 

        Transforma-se outra vez em pauta musical, toca mais uma música e diz: 

- Boa noite a todos. 

- Boa noite, e obrigada. - todos aplaudem 

        No dia seguinte, como prometido, a mulher aparece no jardim sem as pautas no corpo, como uma outra mulher, linda. 

        Ninguém a reconheceu, mas não tiraram os olhos dela, ela tinha qualquer coisa de atraente, sorria, mesmo sem as pautas por todo o corpo. Era mesmo uma mulher normal. Começou a cantar, e todos a reconheceram, boquiabertos: 

- Sim, sou eu, essa que estão a pensar! Estão a ver como também conseguem apreciar a música com a alma, com o coração, sem ver a minha cara? (sorri) Eu disse que viria de dia como me pediram. Cá estou eu. 

- Áhhhh!!! - suspiram todos 

- Como é possível? 

- Mas ainda é mais bonita agora do que imaginava. 

- Obrigada! 

       Todas as mães a convidam para ir ver os seus bebés, estes, mesmo sem saber quem era, abriram grandes sorrisos, e ela canta para eles. As mães ficam deliciadas com a sua voz, e com a reação dos bebés.

Nas noites seguintes já sabiam quem era, sorriam, conversavam um pouco com ela, depois dos bebés adormecerem, e ela cantava também para os adultos que sofriam de insónias. 

     Uma tarde, passeava sem pressa, pelo jardim a sorrir, a apreciar a beleza toda, a cantar baixinho, para as flores, para as fontes, para as árvores. Encontra uma criança que lhe pergunta:  

- O que fazes neste jardim, de dia? - pergunta uma criança 

- Vim ouvir as músicas deste jardim. 

- Este jardim tem músicas? 

- Tem. Muitas. 

- Não oiço nada.

    A fada dá-lhe a mão, e mostra-lhe todas as músicas do jardim: as músicas das águas a correr nas fontes, as canções dos ventos entre as folhas das árvores, as canções das flores, os espirros dos musgos, as ondinhas do movimento das águas nos lagos, o cantar e o dançar da erva grande, as aves, os patos a grasnar, as rãs, as cigarras, os grilos a cantar escondidos, os cães a ladrar ao longe e perto. As estrelas, a lua, o sol, a chuva, a trovoada, tudo era música e servia para cantar.  

- Vês? Tudo aqui tem música, até o teu riso e o de qualquer pessoa. 

- E o nosso coração, certo? 

- Certíssimo! 

- Áh! Que lindo. Adorei este passeio. Obrigada por me mostrares tanta música, aqui. 

- De nada, também adorei este passeio. 

    A fada leva-a até casa, e prometem encontrar-se mais vezes. Desde esse dia, tornou-se família de todos, adorada por todos, ensinou música sem instrumentos, só com a voz, e a alma, o coração, os sons à sua volta. 

    Fizeram vários espetáculos de sonho, maravilhosos, em que todos aplaudiam, riam, emocionavam-se, utilizavam alguns utensílios da natureza, umas vezes aparecia como mulher, com as pautas no corpo, outras vezes como mulher normal, cantava para os bebés e para todos os que precisavam. 

    Outras vezes, deixava que as notas musicais, luminosas circulassem livremente, pelo espaço, para ser apreciadas, enquanto ela preparava novas músicas, ou ia para outros lugares mas voltava sempre.

    A aparência às vezes confunde a música do coração!

E vocês, gostavam de conhecer essa mulher? Como a imaginam? Que músicas acham que ela tocaria? 


                                    FIM 

                                Lara Rocha 

                                30/Junho/2023 


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