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segunda-feira, 5 de junho de 2023

O diário, a caneta e as mãos

Foto e material de Lara Rocha 

        Era uma vez um diário com cadeado, arrumado numa prateleira de uma jovem adulta. Tinha algumas páginas escritas pela jovem quando esta era adolescente talvez ela já nem se lembrasse do que lá tinha contado.

        A jovem andava com a chave, mas já não o abria há muito tempo, entretanto, estava uma caneta pousada na mesma prateleira. O diário ficou tão feliz por ver a caneta que deu uma sonora gargalhada, bateu palmas, saltitou e saiu do sítio onde estava.

       Os outros livros apanharam um grande susto e ficam a apreciar. Até a caneta dá um grito, assustada.

- O que é que lhe deu? - pergunta um livro

- Não sei! Passou-se… - responde outro

- Nunca o vi assim! - acrescenta outro livro

- Uma caneta! - suspira o diário

- Estás a falar comigo? - pergunta a caneta

- Sim! - responde o livro

- O que é que eu tenho?

- (ri) já não via uma caneta há tantos séculos!

- Azar o teu. O que é que eu tenho a ver com isso? Estou onde a menina me põe!

- Eu sei! Desculpa a minha manifestação de alegria, mas é que não via uma caneta tão de perto há tantos séculos, que quando te vi, não contive a minha emoção.

- Foi por isso que gritaste daquela maneira?

- Foi.

- Ah! Está bem.

(Todos riem)

        Entra a jovem. Faz-se silêncio. O diário pensa para si próprio: «será que é desta que vou ser outra vez utilizado, acariciado, riscado…? Que mãos bonitas aquelas! Porque deixaste de escrever em mim? Eu gostava tanto do que partilhavas comigo!»

       Enquanto o diário está mergulhado nos seus pensamentos, a jovem pega na chave, a seguir no diário, pega nele e depois na caneta.

- Olá! - diz a jovem

- Ah! Mas o que é que aconteceu aqui? Vais-me tirar o pó?

        A menina sacode o pó do diário. Este ri à gargalhada de felicidade.

- Desculpa, não percebo qual a tua histeria com o que está a acontecer. - diz a caneta

- É que já só tinha mais pó do que palavras…

- E depois?

- E depois? Não gosto de pó, nem de estar sozinho, sem palavras, sem ser escrito, já tinha muitas saudades de sentir uma caneta e de estar entre duas mãos.

      A jovem relê as páginas escritas do diário, este está tão feliz que até pensa ser um sonho.

- Óh, diz-me que isto é real!

- Sim, é real! Não sei se ela vai realizar o teu desejo de… me sentires e de escrever em ti, mas pelo menos tirou-te o pó.

- É verdade.

         A jovem ri e comenta:

- Eiiii...que coisa mais pré-histórica. Já nem lembro desta criatura, felizmente não voltei a vê-la. Acho que não ia dar certo...parecia quase um romance daqueles de filmes...ele já nem se deve lembrar de mim! E…nem eu me lembro dele. Vou voltar a escrever no diário, tem acontecido coisas tão boas que são para ser registadas, não vá a memória atraiçoar-me daqui a uns anos.

         O diário chora de alegria, e ri à gargalhada:

- O meu desejo foi realizado. Ah! Finalmente, vou livrar-me do pó, abraçar outra vez palavras, e sentir canetas…que maravilha! Obrigada, amiga! Como ela está diferente! Realmente as palavras que escreveste aqui, não me souberam muito bem, mas a minha função não é avaliar o que me contas, é apenas ouvir...ou...ler...bem, não sei como se diz...mas...receber as tuas palavras e guardá-las. Obrigada pela tua confiança em mim, menina…!

- Nunca outra vi…! - ri a caneta

- Desculpa…?!

- Nunca vi um diário fazer tanta desta por ser escrito.

- Deixa para lá!

        A menina acaricia o diário, sorri, o diário fica tão feliz que sorri, suspira e comenta:

- Óh! Que saudades que eu tinha deste carinho! Que mãos maravilhosas, macias, delicadas...adoro!

       Pega na caneta e começa a escrever. O diário fica deliciado ao sentir a caneta, ao vê-la dançar tão bem no papel e as palavras a aparecer no papel com todas as formas, cores, cheiros, sons, tamanhos. O diário aplaude a dança e o cantar da caneta, ela ri.

     A jovem escreve páginas e páginas, milhares de palavras, sobre acontecimentos atuais que a fazem sentir-se realizada, feliz, coisas que a preocupam, medos, pessoas e situações que a irritam e fazem sentir raiva. Sonhos que gostava de realizar, outros que sabe não serem possíveis, fantasias, palavras que gostava de dizer e não pode, porque magoará outros, recordações.

      Descreve paisagens, aventuras com pessoas, escreve letras de músicas, poemas, que gosta, e de repente…o diário fica totalmente preenchido. A jovem para:

- Óh! Acabou este diário. Vou comprar outro, para te fazer companhia. Obrigada querido diário, por estares aí! Ao fim de tanto tempo em que conversava contigo, deixei de o fazer, porque achava que escrever diários era coisa de adolescentes, mas agora que sou adulta, voltei a sentir necessidade de escrever. Pelo menos, sei que em ti posso confiar.

- Eufórico – Ela está a agradecer-me, que querida! Eu é que fico feliz e agradeço a partilha, a confiança, a amizade...não há idades para escrever num diário, pelo menos, foi o que sempre ouvi dizer, e vi mãozinhas pequeninas, a escrever, mãos maiores, outras com muita experiência de vida que usavam muito as mãos com certeza...qualquer um pode usar-nos! Mas...espera aí...depois destas coisas tão boas, e bonitas...ela vai deitar-me para o lixo? Só porque já tenho todas as folhas escritas?

- Não! Ela vai comprar outro, e pôr à tua beira. - diz a caneta.

- Ah! Que susto. Seria muito injusto, não achas?

- Sim!

- Tu também tens um diário?

- Claro que não! Eu só escrevo o que me mandam.

- Estás cansada?

- Não! Gosto muito de transmitir o que me pedem nas folhas.

- Gostei muito de te ver dançar, e de todas as palavras que deixaste sair.

- Até já, querido diário. Obrigada. Vou buscar um companheiro para ti.

- Até já!

        O diário e a caneta continuam numa conversa muito animada enquanto a jovem vai buscar outro diário. Este diário não podia estar mais feliz, e vocês, usam diários? O que escrevem neles? Se quiserem podem partilhar nos comentários.


                                                                 FIM

                                                           Lara Rocha

                                                          5/Junho/2023


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