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sábado, 21 de agosto de 2021

O unicórnio com raiva

     

      Era uma vez um unicórnio que vivia num lugar secreto da terra, juntamente com outros unicórnios, quase todos generosos, bonitos, simpáticos, divertidos. 

     Quase todos porque alguns eram focinhudos, pesados, resmungões, sempre de mau humor, irritados. Esses ficavam muito tempo sozinhos porque os outros não gostavam da sua companhia. 

      Um dia, um dos unicórnios zangados foi passear. Ficou completamente fora dele quando viu terrenos totalmente verdes, cheios de árvores e flores, lagos.        

      Ele odiava verde, e tudo o que fosse bonito. Como estava irritado, começou aos gritos, parecia uma trovoada com tanta raiva, a sacudir-se todo e a dar coices no ar. 

         Usou os seus poderes e lançou sobre os terrenos, folhas de árvores secas, castanhas, beges, amarelas, vermelhas, roxas. 

         Era uma chuva de folhas, no outro terreno verde, depois de outro ataque de raiva por estar tudo verde, despejou toneladas de castanhas, nozes, ouriços e uvas. 

         No outro ao lado, igualmente verde, abanou as árvores com tanta força que as folhas caíram todas, e ainda correu de forma selvagem, saltou, relinchou, gritou, pisou as folhas todas e riu à gargalhada, voltou para a sua casa mais aliviado, orgulhoso e satisfeito com o que tinha feito e visto. 

         O vento nem queria acreditar no que estava a ver...ele conhecia o unicórnio irritada, e sabia que aquela confusão toda tinha pata dele. Como não era Outono, ainda faltava um mês, e estava calor, não podia haver folhas secas no chão, aliás essa era a tarefa do vento, e não do unicórnio. 

         Num valente sopro, juntou todas as folhas em cada campo, numa carcaça de uma árvore muito velha, guardou as castanhas, as nozes, os ouriços e as uvas num celeiro, até que fosse altura própria. 

        O unicórnio ficou completamente histérico ao ver que o vento tinha arrumado tudo, e os dois tem uma conversa quando se encontram: 

- Ei, óh ventolo, de quem foi a ideia de arrumar a obra maravilhosa que eu fiz? - pergunta o unicórnio 

- Ei, óh unicórnio desmiolado, foi minha, porquê? 

- Porque não tinhas nada que fazer isso. 

- Como não tinha nada que fazer isso? Ainda não é altura de estes mimos aparecerem! 

- Como não é altura? Eu quero lá saber da altura ou do abaixo, quero é libertar a minha raiva! 

- E achas bem as pessoas terem de aguentar a tua raiva? 

- Acho maravilhoso. 

- Estes produtos são do Outono, não são do Verão. Ainda estamos no Verão. 

- Não conheço esses. 

- Como não conheces? 

- Não sei de quem estás a falar. 

- Sabes sim senhora. 

- Não sei. 

- Então porque é que atiraste estes produtos? As folhas secas, destas cores, atiraste ouriços, castanhas, uvas, nozes...

- Ora, porque foi o que me saiu com...a minha raiva. Expulsei-a de mim, dessa maneira. 

- Raiva, raiva...só falas em raiva. Não sei qual é o teu problema.

- Odeio coisas verdes. 

- E o que tens a ver com isso? Não gostas da cor verde, olhas para outras. Não tens de atirar com essas coisas, só porque estás de mal com a vida. 

            Faz-se silêncio. 

- Tu...odeias-me não é? Como todos? - pergunta o unicórnio triste 

- Não, não posso dizer que te odeio ou que gosto de ti, porque de ti só conheço as asneiras que fazes. Mas acredito que até és um bom animal. Porque dizes isso? 

- Porque...na minha terra toda a gente me odeia, só porque sou mais explosivo. 

- Sorri. - sugere o vento 

- Faço o quê? 

- Sorri! 

- Não sei o que é isso...

- Não sabes sorrir? 

- Não. 

- Olha para mim...

            O vento sorri, e solta uma leve brisa. O unicórnio fica boquiaberto, de surpreso e ao mesmo tempo encantado. 

- Óh, posso dizer-te uma coisa…- pede o unicórnio 

- Claro que sim! 

- Não sei o que fizeste, mas...achei bonito! 

            O vento abre um grande sorriso. 

- Boa! Fizeste-me sorrir, obrigado. 

- Isso é que é sorrir? 

- Sim. Tu não sabes sorrir? 

- Não. 

- Nem sabes o que é um sorriso, e como ele faz bem? 

- Não. 

- Anda comigo... 

- Ui...o que me vais fazer? Já sei, vais dar-me uma tareia... 

- Nada disso! 

            O vento dirige o Unicórnio para um lago de águas congeladas, onde se consegue ver a imagem dos rostos, e do que passar por lá, como se fosse um espelho. 

- Vais afogar-me? 

- Não. Claro que não. - o vento dá uma gargalhada, levantando-se uma ventania passageira à volta deles 

- Que barulho foi esse? - pergunta o unicórnio assustado 

- Foi uma boa gargalhada que dei, pelo que tu disseste. 

- A sério...? E o que faço agora? 

- Agora...olha para ali. Vês este? 

- Sim. 

- Sou eu, e ao meu lado...aqui...estás tu. 

            O Unicórnio olha para a sua imagem, em silêncio. 

- Sou eu? 

- Sim. 

- O que vês? 

- Ele está...com raiva a olhar para mim. 

- Com raiva? Achas que sim?

- Acho que sim, eu estou sempre com raiva, por isso, se ele sou eu, está com raiva. 

- Não. Ele está a sorrir para ti. 

- A sorrir? 

- Exatamente. 

- Mas...como...? 

- Porque também sabes sorrir. 

- Não. 

- Sabes sim, se ele está a sorrir tu também sabes sorrir, só nunca viste o teu sorriso, porque estás sempre com raiva, e quando estamos com raiva, não sorrimos. 

- Há mais gente a ficar com raiva? 

- Há. Todos com quem te cruzas sentem raiva, eu incluído, mas não a liberto em cima dos outros, a fazer asneiras como tu, e muitas outras pessoas. 

- Há mais pessoas a fazer asneiras com raiva? 

- Sim, e graves. Mas gostas da imagem a sorrir? Olha para ti...este és tu com raiva, e este és tu a sorrir. Qual gostas mais? 

            O Unicórnio pensa durante alguns minutos, em silêncio, olhando para uma e para outra imagem. Gosto...desta! 

- A que estás a sorrir. 

- Isso, o que é diferente de mim. 

- Experimenta imitá-lo. 

            O Unicórnio já ia explodir de raiva, mas o vento grita-lhe: 

- Parou...imita o que gostaste. Não é esse, é o outro, o que está a sorrir

            O vento ensina-o a sorrir, a controlar a raiva, respirando, diz-lhe para quando sentir raiva respirar corretamente, contar mentalmente até 10, desviar-se do lugar ou das pessoas que ele diz provocarem-lhe raiva, saltar, gritar, correr num sítio onde não estivesse ninguém, ver outras coisas, e formas de a descarregar sem fazer asneiras. 

         Explicou-lhe que todos sentem raiva muitas vezes, mas é melhor não descarregar em cima das outras pessoas porque pode magoar-se, e magoar os outros, sem terem responsabilidade sobre isso.

        Ensinou-lhe que nem tudo corre como esperamos, não gostamos de tudo o que nos acontece, nem de todas as pessoas, mas por causa disso, não somos obrigados a estar com elas, mas podemos ser educados com elas, e não precisamos de falar com elas. 

          Existem muitas outras coisas para ver, para fazer, e muitas pessoas que gostam de nós, como nós gostamos delas, e não gostamos de outras, mas damos-lhes espaço. Não precisamos de fazer guerra por causa disso. 

         Ainda conversam mais um bom bocado, enquanto o vento mostra coisas bonitas para o Unicórnio ver quando estiver com raiva. 

        O unicórnio aprendeu boas maneiras com o vento, e no seu meio, todos ficaram muito surpresos com a sua mudança: sorridente, delicado, ajudava os outros, elogiava, e quando sentia raiva, aplicava tudo o que o vento lhe ensinou, sem se magoar, e sem magoar os outros. 

        No dia em que o Outono começou, o vento convidou o amigo unicórnio para o ajudar a pintar os espaços com as cores Outonais. 

        O unicórnio não cabia em si de orgulho e vaidade, os dois decoram os campos com as folhas, as uvas, as castanhas, as nozes, os ouriços, brincam um com o outro, rebolam, esfregam-se em cima das folhas, saltam, riem, conversam alegremente, atiram folhas um ao outro com muita gargalhada. 

        O unicórnio nunca mais foi o mesmo, graças ao amigo vento, com quem dava longos passeios, onde via coisas que ele nunca imaginou que existissem, tão bonitas que não via por causa de sentir raiva. Até convidava outros unicórnios para passear, e divertirem-se. 

                                                                FIM 

                                                            Lara Rocha 

                                                        (21/Agosto/2021) 


Atividade de reflexão e debate sobre a emoção da raiva. 

Acham que a ideia do vento foi boa? 

Acham que o unicórnio estava certo, ao fazer asneiras só porque sentia raiva, e estava sempre mal humorado, zangado? 

E vocês: o que diziam ao unicórnio se o vissem a fazer as asneiras, só porque estava com raiva?             

E vocês? O que fazem quando sentem raiva? 

Já viram outras pessoas com raiva? A fazer asneiras? 

O que é que vocês fizeram? 

Sugestões: 

- atividade de expressão facial de raiva 

- atividade de mímica da emoção da raiva 

- desenho da raiva 


                                                                            



 

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

A alga com o colchão e a almofada à cabeça

         



 Era uma vez uma alga gigante que vivia quase na superfície. Mudava de cor sempre que queria passar despercebida, e quando passeava por praias poluídas. 

          Foi por causa de uma descarga muito poluente que a pobre alga foi obrigada a fugir do sítio onde vivia. 

         Quando a viram passar acharam muito estranho o que ela levava, além do cheiro que saía dela, e perguntavam: 

- Ui, que cheiro! - comenta uma lula enjoada 

- Ela está podre. - ri o polvo 

            Todos riem. 

- Humm...não está com bom ar! - repara uma estrela do mar 

- Coitadinha, acho que está doente. - diz um caranguejo 

- O que levas aí, alga? - pergunta um peixinho 

- Vais vender alguma coisa? - pergunta um golfinho

- Estás com umas cores estranhas. - repara uma baleia 

- Vais atuar, óh palhacinha? - diz um carapau irónico 

        Todos riem. 

- Mais respeito, por favor... - pede a alga 

- Oh, acordaste muito zangada! - diz um peixe balão 

- Isto que estou a passar não é para brincadeira. Se levassem com uma descarga de não sei o quê, e se tivessem de fugir também acho que não teriam vontade de rir pois não? - responde a alga 

- Descarga? - perguntam em coro, assustados 

- Sim. Não dá para ver a minha cor, e o meu cheiro que me provoca náuseas...? - pergunta a alga 

- Sim, realmente está estranha a tua cor.

- E o teu cheiro! 

- Mas como é que sabes que foi descarga poluente? - pergunta o golfinho 

- Olhem para ali, o que vem para cá. - aponta a alga 

          Parece que ficam todos congelados, quando veem uma mistura de cores na água, gordura a flutuar, pedaços de esponja e cola, bolas de alguma coisa que cheirava terrivelmente mal. 

          Começam todos a gritar quando aquela porcaria toda começa a dirigir-se rapidamente para eles, e fogem em grupo, metros e metros a nadar depressa. 

          Param num sítio mais seguro, uma gruta onde já costumam proteger-se quando sentem descargas, e quase nem conseguem respirar. 

- Que nooooooojjjoooooooooo... - gritam todos 

- Percebem agora porque é que eu cheirava tão mal, e tinha estas cores? - pergunta a alga 

- Sim! Desculpa. - dizem todos 

- Mas o que levas aí na cabeça? - pergunta a lula 

- Levo o meu colchão e a minha almofada. São as únicas coisas que consigo levar sempre que tenho de fugir destas descargas nojentas, que devia ser quem as faz a engoli-las. - diz a alga desiludida e irritada 

- Pois é. - dizem todos 

- Tens razão! - diz o golfinho 

- E para onde vais? - pergunta o polvo

- Vou para onde posso! Ao fim de alguns dias consigo voltar à minha casa original, mas enquanto isso, meto-me onde encontro. Pelo menos posso agasalhar-me, e estar confortável enquanto aquele lixo não desaparece. - explica a alga 

- Mas porque é que temos de levar com isto? - pergunta o carapau 

- Realmente...lá fora não tem onde pôr? - pergunta o golfinho 

- Tem, sim, mas não sei porque mandam tudo para aqui. E não é o único lixo que deitam. - responde a alga 

- Pois. - dizem todos 

         O mau cheiro torna-se mais intenso, e da gruta veem mais lixo diferente a boiar. As lágrimas caem-lhes dos olhos, de tristeza, pelo cheiro e por todo o lixo. Espirram e tossem. 

        A poluição é tanta que passa muito lentamente e nunca mais acaba. Enquanto isso, a Alga está cansada e os outros animais marinhos também, é hora de eles dormiram. 

        A alga abre o seu colchão e convida os outros a deitarem-se também com ela, deita a cabeça na almofada e os outros instalam-se confortavelmente. 

       Nessa noite não dormiram, só fecharam os olhos para descansar, tentavam falar uns com os outros para se distraírem e tentaram ter pensamentos bonitos, mas o lixo sempre a passar não deixava. 

        No final do dia seguinte, a alga voltou a ter as suas cores originais, o lixo passou, e todos conseguiram voltar às suas casas, muito agradecidos à alga pelo seu colchão, almofada e companhia, com o desejo que não tivessem de voltar a passar pelo mesmo. 

        Quando os outros animais viam que a água estava a ficar com lixo ou às cores, iam logo avisar a alga, e fugiam com ela para um lugar seguro. A alga levava o seu colchão e a sua almofada, que servia para os outros amigos. 

Mistério resolvido...era uma alga a fugir da poluição. 

                                                                    FIM 

                                                                Lara Rocha 

                                                                20/Agosto/2021 

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

O ser misterioso

 

foto de Lara Rocha 



    Era uma vez uma misteriosa criatura que só aparecia à noite, tinha medo dos humanos, e escondia-se como uma flecha atrás das árvores, ou nos ramos mais altos sempre que tentavam encontrá-la. 

Os seus lugares preferidos para andar, eram jardins cheios de flores, fontes, onde se encontrava com outros animais noturnos, gatos e cães vadios que a viam. 

Os gatos e os cães já sabiam quem era e por isso não miavam, nem ladravam. Muitas vezes brincava com os pirilampos, e todos dançavam ao som de músicas tocadas por pequeninos gafanhotos saltitões, pareciam elétricos, tocavam e cantavam em conjunto com as cigarras e os grilos. 

        Na verdade era uma borboleta transparente, parecia bordada e toda feita de estrelas, nascida de uma lenda antiga, criada pela imaginação de um povo que viveu nesse lugar há muitos, muitos anos. Diziam que ela tirava o medo da noite, utilizando para isso, toda a sua beleza e leveza, das pequeninas estrelinhas nas suas asas que cintilavam. 

        Aquela magia distraia as pessoas, acalmava-as, fazia-as sonhar e realmente porque sabiam que ela estava lá todas as noite, deixavam de ter medo da noite e do escuro. Era uma espécie de guardiã. As pessoas só viam pequenas estrelas cintilantes a brilhar e a mexer-se que parecia ter a forma de uma borboleta, quando acendiam as luzes, ela desaparecia. Achavam impossível serem estrelas caídas do céu, mas pareciam mesmo! 

        Nem todos conheciam essa lenda, e só alguns a viam, de certeza com o mesmo encanto que os outros viram, mas estes deixaram de a procurar, de noite e de dia, apenas...apreciavam o ser misterioso e tão bonito que era, sem saber se era real ou lenda e por isso imaginação. 

                                                                 FIM

                                                               Lara Rocha

                                                              11/Agosto/2021

Ninhos na poluição

         


           









         foto de Lara Rocha 


   Era uma vez dezenas de pássaros que voaram vários quilómetros de uma aldeia, porque tiveram de fugir para a cidade, a pensar que lá, o ar estaria mais leve, mas estavam enganados! Na aldeia, pelo caminho, na cidade, tudo estava igual: um céu que metia medo, vermelho, laranja, cinzento, um calor insuportável. 

        Estavam rodeados de incêndios, e em alguns lugares viam as chamas de cima. Quase não se via um palmo à frente dos bicos, um ar irrespirável, repleto de fumo, muito pesado; isso fê-los tossir, espirrar, outros desmaiaram e caíram desamparados no solo, sem que os outros se apercebessem dos que ficaram para trás, pois não se conseguiam ver, muito menos ao solo. 

    Também não sabiam o que estava realmente a acontecer, mas pressentiam que era grave. Os pobres pássaros ficaram tão aflitos que se desorientaram e aterraram no primeiro sítio onde lhes pareceu mais ou menos seguro! Em jardins, próximos de água, onde foram mergulhar para se refrescar e matar a sede. 

        Quando mergulharam nem queriam acreditar no que estavam a ver e a sentir...a água estava cinzenta e preta, saíam faúlhas das suas penas, o que os deixou muito assustados. Olharam uns para os outros para ver se tinham as penas todas, ou se havia partes do corpo sem penas. 

        Mergulharam várias vezes enojados, beberam muita água, tossiram, espirraram, limparam os bicos e as narinas, pentearam as penas, e encontraram restos de comida, lixo que os humanos desperdiçaram e deixaram no parque. 

        Encontraram flores com pétalas abertas, que sabiam o que estava a acontecer e convidaram-nos a abrigar-se daquela poluição. À sombra, um lugar fresco, muitas flores de espécies diferentes libertaram das suas pétalas um cheirinho tão bom, que cada pássaro instalou-se rapidamente na que mais gostou.

        Que bem que estavam, protegidos e instalados confortavelmente, dormiram um sono reparador, até ao dia seguinte, de tão cansados que estavam. Nem se aperceberam que as pétalas quase fecharam à noite, aconchegando-os, aquecendo-os e guardando-os do ambiente poluído. 

        E assim continuaram mais uns dias, mas gostaram tanto do sítio, do carinho e simpatia das flores que de dia voavam por outras paragens, e ao anoitecer, regressavam, cada um para a flor que escolheu, e conversando alegremente com elas. Apesar da poluição, encontraram um ninho perfeito. 

Fim 

Lara Rocha 

11/Agosto/2021 

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Os pássaros da Vila (exercício de relaxamento por imaginação/ história)



foto de Lara Rocha 

   Era uma vez uma Vila com muitos poucos habitantes, perdida num recanto de um vale.  
  Ficava longe da cidade, onde se respirava ar puro, via-se uma paisagem indescritível, tal como as cores. 
 A Vila estava rodeada de vários tons de verdes, castanhos, amarelos dourados, às vezes cinzas e brancos, ou laranjas, e vermelhos conforme as tonalidades do céu, se havia nuvens, ou estava azul, se chovia ou estava sol. 
     Viam-se as estrelas, a Lua nas suas diferentes fases. A Vila estava repleta de lendas, e era um lugar tão mágico, tão especial que os inspirava a criarem muitas outras, a partir do que a imaginação ditasse, com tanta magia. 
    As águas dos ribeiros, riachos, cascatinhas naturais, recebiam as mesmas variedades de cores, parecia que alguém tinha andado lá com pincéis e tintas a tingir a água. 
    Era de perder de vista! Cheia de grutinhas para descobrir as suas belezas raras, as montanhas geladas no Inverno, os laguinhos e tanques vidrados no Inverno, e aquele frio cortante a que os habitantes já estavam habituados. 
  Os perfumes das flores, o cheiro de eucalipto dos pinheiros, invadiam as almas e enchiam de serenidade. Ouvia-se a chuva, os seus suspiros e cantos, guinchos, lamentos, que a água fazia pelos diferentes sítios onde passava, tal como a trovoada quando havia. 
  Conheciam de cor todas as variedades de sons, e o mesmo acontecia com o vento que parecia fazer música quando passava por entre as agulhas dos pinheiros, entre o milho, e até a passar nas pétalas das flores, as pessoas conseguiam ouvir os risinhos delas. 
   O silêncio às vezes era aterrador, tanto que alguns habitantes queixavam-se, queriam mais barulho, não aquele da cidade, mas outros agradáveis, por exemplo, tinham muitos animais, que quebravam o silêncio, mas não havia pássaros. Imaginavam como seria agradável ouvir pássaros. 
    Reuniram-se, partilharam essa vontade, e pensaram durante algum tempo, o que poderiam fazer, como fazer para atrair pássaros. A primeira ideia, foi deixar comida para eles nas beiradas das janelas.      Os pássaros chegaram lá, comeram, e foram embora, deixando apenas algumas penas, bonitas, os habitantes sempre na expectativa que voltariam para ficar. 
     Passaram-se vários dias, deixavam comida, os pássaros comiam, e levantavam voo, nem se ouviam cantar, alguns ainda os viram pousados, que lindos que eram, mas logo que as pessoas abriam as janelas, os pássaros levantavam voo, e deixando de presente algumas belas penas. 
   Decidiram fazer outra coisa: construir uma grande gaiola, com comida, bebida e ninhos confortáveis, esta estratégia só funcionava ao fim do dia, e noite, onde os pássaros recolhiam, abrigavam-se, aconchegavam-se nos ninhos, alimentavam-se, e saiam, mas as pessoas não se aproximavam, pois se o fizessem, fugiriam no mesmo instante. 
    Mas que alegria, ouviam o seu chilrear contínuo, sonoro, em coro, conseguiam ver uma enorme variedade de espécies, pássaros que nunca tinham visto, cada qual o mais raro e bonito. 
   Tiveram outra ideia, para tentar que os pássaros pousassem mais próximos deles: mantiveram a grande gaiola, sem portas, para poderem entrar e sair quando quisessem, e cada um na sua casa, plantou pequenas árvores que cresciam rápido, e eram frondosas. 
   Quando estas cresceram, os pássaros voavam entre a gaiola grande, e para alegria de todos, pousavam nas árvores, o que permitia aos moradores ver ao pormenor toda a beleza de cada pena, dos diferentes pássaros, e quebrar a solidão, ao deliciar-se com os cantos, que pareciam diálogos entre eles.         
   Os habitantes não podiam aproximar-se, para não fugirem, mas aos bocadinhos, foram-se aproximando, e os pássaros habituaram-se a eles, tanto que também pousavam nas janelas. Recebiam comida, bebida e mimos dos humanos. 
    Tornaram-se quase família das pessoas, a voar dia e noite, a cantar e a encantar, pousando nas janelas, nas árvores, e na grande gaiola, às centenas. 
     Os habitantes aprenderam que deviam deixar os pássaros livres, e tinham a sua amizade, companhia garantida, se os prendessem para apreciar, eles fugiriam e foi uma maneira de quebrar tanto silêncio que às vezes entristecia os habitantes da Vila. 
        Era mais um som mágico, a juntar a todos os outros, ainda mais especiais, e mais uma fonte de inspiração para as lendas. 

                                                                            FIM 
                                                                        Lara Rocha 
                                                                        10/Agosto/2021 


sábado, 7 de agosto de 2021

As rotinas do sol

     

pintado a óleo por Lara Rocha 

      Era uma vez um Sol, que desceu de paraquedas muito lá de cima, até à Terra, onde ainda estava muito escuro, mas sabia que a hora de despertar se aproximava. Esta é uma rotina que ele adora! Começa sempre com o aterrar numa praia gigante, deserta, exótica, daquelas que parece que nem existe, e não. Só o Sol sabe dessa praia, só ele é que vai para lá, acordar partes do mundo! 

      Quando aterra, espreguiçou-se, estende todos os seus raios e abre um sorriso tão grande que espalha brilhantes por todo o lado. Boceja com tanta vontade que salpica o mar, com a sua luz, que ao pousar na água ganha muitas cores, umas mais claras, outras mais escuras. 

      Levanta-se lentamente, e começa a saltitar na água como se fosse um balão vermelho num elástico. Enquanto continua a levantar lentamente,  olha para a paisagem, aprecia os pescadores em alto mar e na costa a recolher o peixe fresco. 

     Vê e ouve as gaivotas esfomeadas, cheias de energia, a esvoaçar à procura da primeira refeição, a mergulhar em busca de alimento. Vê pessoas à janela de casas, outras a caminhar pela rua, a passear cães nos passadiços e na própria praia, ainda quase a dormir em pé, e outras de carro, a correr de um lado para o outro. 

      Fica cansado de ver tanta agitação e de ouvir tanto barulho, que regressa à praia. Saltita na areia, deita-se, rebola, enche os raios de areia, pega nela, acaricia-a, sorridente, clareando toda a praia, e porque brinca na areia aquece-a. 

      Como fica cheio de areia, vai tomar banho ao mar, que ainda está gelado, mas depois de brincar com a água, aqueceu-a. Uma série de amigos marinhos vem logo cumprimentá-lo, e alguns humanos, como surfistas, desportistas que adoram treinar logo de manhã, e artistas fotógrafos ou pintores, para aproveitar toda a beleza que espalha. 

       Também gosta de conversar com o vento marinho que não resiste à sua passagem, e os dois ainda dão umas boas gargalhadas, passeando-se pela praia e abraçando as amigas palmeiras que adoram senti-los. 

       É o sol que as desperta, e o vento que as penteia..bem...ele acha que penteia, mas a maior parte das vezes, despenteia. O que vale é que elas não ficam zangadas, porque gostam do carinho do vento, dizem que acordam com uma nova energia, bem dispostas e frescas. 

    Depois de tudo feito, volta a subir e fica próximo da Terra, até a sua amada Lua chegar, para trabalhar, sempre maravilhosa, linda, com o seu vestido em tons brancos e azulados, e brilhante, umas vezes mais curto outras noites, mais comprido. Mas sempre elegante. 

      O sol gosta de a ver, enquanto ela está a trabalhar, sentado na Via Láctea, da janela do seu quarto onde se deita e descansa numa nuvem macia, ou debaixo de uma grande árvore feita de estrelas cintilantes, no jardim, onde se senta confortavelmente até voltar ao trabalho, despertando o Mundo às mesmas horas, ou a horas diferentes, sempre feliz, enchendo-nos a todos que o vemos, com a sua energia, alegria e calor. 


                                                                                FIM 

                                                                             Lara Rocha   

                                                                            7/Agosto/2021