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sábado, 21 de agosto de 2021

O unicórnio com raiva

     

      Era uma vez um unicórnio que vivia num lugar secreto da terra, juntamente com outros unicórnios, quase todos generosos, bonitos, simpáticos, divertidos. 

     Quase todos porque alguns eram focinhudos, pesados, resmungões, sempre de mau humor, irritados. Esses ficavam muito tempo sozinhos porque os outros não gostavam da sua companhia. 

      Um dia, um dos unicórnios zangados foi passear. Ficou completamente fora dele quando viu terrenos totalmente verdes, cheios de árvores e flores, lagos.        

      Ele odiava verde, e tudo o que fosse bonito. Como estava irritado, começou aos gritos, parecia uma trovoada com tanta raiva, a sacudir-se todo e a dar coices no ar. 

         Usou os seus poderes e lançou sobre os terrenos, folhas de árvores secas, castanhas, beges, amarelas, vermelhas, roxas. 

         Era uma chuva de folhas, no outro terreno verde, depois de outro ataque de raiva por estar tudo verde, despejou toneladas de castanhas, nozes, ouriços e uvas. 

         No outro ao lado, igualmente verde, abanou as árvores com tanta força que as folhas caíram todas, e ainda correu de forma selvagem, saltou, relinchou, gritou, pisou as folhas todas e riu à gargalhada, voltou para a sua casa mais aliviado, orgulhoso e satisfeito com o que tinha feito e visto. 

         O vento nem queria acreditar no que estava a ver...ele conhecia o unicórnio irritada, e sabia que aquela confusão toda tinha pata dele. Como não era Outono, ainda faltava um mês, e estava calor, não podia haver folhas secas no chão, aliás essa era a tarefa do vento, e não do unicórnio. 

         Num valente sopro, juntou todas as folhas em cada campo, numa carcaça de uma árvore muito velha, guardou as castanhas, as nozes, os ouriços e as uvas num celeiro, até que fosse altura própria. 

        O unicórnio ficou completamente histérico ao ver que o vento tinha arrumado tudo, e os dois tem uma conversa quando se encontram: 

- Ei, óh ventolo, de quem foi a ideia de arrumar a obra maravilhosa que eu fiz? - pergunta o unicórnio 

- Ei, óh unicórnio desmiolado, foi minha, porquê? 

- Porque não tinhas nada que fazer isso. 

- Como não tinha nada que fazer isso? Ainda não é altura de estes mimos aparecerem! 

- Como não é altura? Eu quero lá saber da altura ou do abaixo, quero é libertar a minha raiva! 

- E achas bem as pessoas terem de aguentar a tua raiva? 

- Acho maravilhoso. 

- Estes produtos são do Outono, não são do Verão. Ainda estamos no Verão. 

- Não conheço esses. 

- Como não conheces? 

- Não sei de quem estás a falar. 

- Sabes sim senhora. 

- Não sei. 

- Então porque é que atiraste estes produtos? As folhas secas, destas cores, atiraste ouriços, castanhas, uvas, nozes...

- Ora, porque foi o que me saiu com...a minha raiva. Expulsei-a de mim, dessa maneira. 

- Raiva, raiva...só falas em raiva. Não sei qual é o teu problema.

- Odeio coisas verdes. 

- E o que tens a ver com isso? Não gostas da cor verde, olhas para outras. Não tens de atirar com essas coisas, só porque estás de mal com a vida. 

            Faz-se silêncio. 

- Tu...odeias-me não é? Como todos? - pergunta o unicórnio triste 

- Não, não posso dizer que te odeio ou que gosto de ti, porque de ti só conheço as asneiras que fazes. Mas acredito que até és um bom animal. Porque dizes isso? 

- Porque...na minha terra toda a gente me odeia, só porque sou mais explosivo. 

- Sorri. - sugere o vento 

- Faço o quê? 

- Sorri! 

- Não sei o que é isso...

- Não sabes sorrir? 

- Não. 

- Olha para mim...

            O vento sorri, e solta uma leve brisa. O unicórnio fica boquiaberto, de surpreso e ao mesmo tempo encantado. 

- Óh, posso dizer-te uma coisa…- pede o unicórnio 

- Claro que sim! 

- Não sei o que fizeste, mas...achei bonito! 

            O vento abre um grande sorriso. 

- Boa! Fizeste-me sorrir, obrigado. 

- Isso é que é sorrir? 

- Sim. Tu não sabes sorrir? 

- Não. 

- Nem sabes o que é um sorriso, e como ele faz bem? 

- Não. 

- Anda comigo... 

- Ui...o que me vais fazer? Já sei, vais dar-me uma tareia... 

- Nada disso! 

            O vento dirige o Unicórnio para um lago de águas congeladas, onde se consegue ver a imagem dos rostos, e do que passar por lá, como se fosse um espelho. 

- Vais afogar-me? 

- Não. Claro que não. - o vento dá uma gargalhada, levantando-se uma ventania passageira à volta deles 

- Que barulho foi esse? - pergunta o unicórnio assustado 

- Foi uma boa gargalhada que dei, pelo que tu disseste. 

- A sério...? E o que faço agora? 

- Agora...olha para ali. Vês este? 

- Sim. 

- Sou eu, e ao meu lado...aqui...estás tu. 

            O Unicórnio olha para a sua imagem, em silêncio. 

- Sou eu? 

- Sim. 

- O que vês? 

- Ele está...com raiva a olhar para mim. 

- Com raiva? Achas que sim?

- Acho que sim, eu estou sempre com raiva, por isso, se ele sou eu, está com raiva. 

- Não. Ele está a sorrir para ti. 

- A sorrir? 

- Exatamente. 

- Mas...como...? 

- Porque também sabes sorrir. 

- Não. 

- Sabes sim, se ele está a sorrir tu também sabes sorrir, só nunca viste o teu sorriso, porque estás sempre com raiva, e quando estamos com raiva, não sorrimos. 

- Há mais gente a ficar com raiva? 

- Há. Todos com quem te cruzas sentem raiva, eu incluído, mas não a liberto em cima dos outros, a fazer asneiras como tu, e muitas outras pessoas. 

- Há mais pessoas a fazer asneiras com raiva? 

- Sim, e graves. Mas gostas da imagem a sorrir? Olha para ti...este és tu com raiva, e este és tu a sorrir. Qual gostas mais? 

            O Unicórnio pensa durante alguns minutos, em silêncio, olhando para uma e para outra imagem. Gosto...desta! 

- A que estás a sorrir. 

- Isso, o que é diferente de mim. 

- Experimenta imitá-lo. 

            O Unicórnio já ia explodir de raiva, mas o vento grita-lhe: 

- Parou...imita o que gostaste. Não é esse, é o outro, o que está a sorrir

            O vento ensina-o a sorrir, a controlar a raiva, respirando, diz-lhe para quando sentir raiva respirar corretamente, contar mentalmente até 10, desviar-se do lugar ou das pessoas que ele diz provocarem-lhe raiva, saltar, gritar, correr num sítio onde não estivesse ninguém, ver outras coisas, e formas de a descarregar sem fazer asneiras. 

         Explicou-lhe que todos sentem raiva muitas vezes, mas é melhor não descarregar em cima das outras pessoas porque pode magoar-se, e magoar os outros, sem terem responsabilidade sobre isso.

        Ensinou-lhe que nem tudo corre como esperamos, não gostamos de tudo o que nos acontece, nem de todas as pessoas, mas por causa disso, não somos obrigados a estar com elas, mas podemos ser educados com elas, e não precisamos de falar com elas. 

          Existem muitas outras coisas para ver, para fazer, e muitas pessoas que gostam de nós, como nós gostamos delas, e não gostamos de outras, mas damos-lhes espaço. Não precisamos de fazer guerra por causa disso. 

         Ainda conversam mais um bom bocado, enquanto o vento mostra coisas bonitas para o Unicórnio ver quando estiver com raiva. 

        O unicórnio aprendeu boas maneiras com o vento, e no seu meio, todos ficaram muito surpresos com a sua mudança: sorridente, delicado, ajudava os outros, elogiava, e quando sentia raiva, aplicava tudo o que o vento lhe ensinou, sem se magoar, e sem magoar os outros. 

        No dia em que o Outono começou, o vento convidou o amigo unicórnio para o ajudar a pintar os espaços com as cores Outonais. 

        O unicórnio não cabia em si de orgulho e vaidade, os dois decoram os campos com as folhas, as uvas, as castanhas, as nozes, os ouriços, brincam um com o outro, rebolam, esfregam-se em cima das folhas, saltam, riem, conversam alegremente, atiram folhas um ao outro com muita gargalhada. 

        O unicórnio nunca mais foi o mesmo, graças ao amigo vento, com quem dava longos passeios, onde via coisas que ele nunca imaginou que existissem, tão bonitas que não via por causa de sentir raiva. Até convidava outros unicórnios para passear, e divertirem-se. 

                                                                FIM 

                                                            Lara Rocha 

                                                        (21/Agosto/2021) 


Atividade de reflexão e debate sobre a emoção da raiva. 

Acham que a ideia do vento foi boa? 

Acham que o unicórnio estava certo, ao fazer asneiras só porque sentia raiva, e estava sempre mal humorado, zangado? 

E vocês: o que diziam ao unicórnio se o vissem a fazer as asneiras, só porque estava com raiva?             

E vocês? O que fazem quando sentem raiva? 

Já viram outras pessoas com raiva? A fazer asneiras? 

O que é que vocês fizeram? 

Sugestões: 

- atividade de expressão facial de raiva 

- atividade de mímica da emoção da raiva 

- desenho da raiva 


                                                                            



 

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