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segunda-feira, 30 de maio de 2022

o casal na sua própria praia

 


       







foto de Lara Rocha 


        Era uma vez um casal de namorados que se encontravam todos os dias numa praia só deles, onde só estavam os dois, o mar, a areia, o vento, o céu, o dia, a noite, a lua, as estrelas e às vezes chuva. Conversavam longas horas, riam, brincavam, trocavam abraços e beijos, colo, palavras bonitas, de vez em quando ele deixava pequeninos presentes para ela, outras vezes encontravam-se a depressa, se fugida, quando tinham muito trabalho, mesmo assim, entravam e saiam dessa praia sempre que queriam. 

          Escreviam sonhos na areia, os dois como um só, que carinhosamente eram guardados nas rochas, na esperança de um dia se realizarem. Cada um escrevia o seu, o que desejava para essa relação, e depois, um completava o que o outro tinha escrito. Liam as respostas, riam, conversavam sobre o que tinham escrito, o que gostavam e o que não gostavam, prometiam coisas um ao outro.

          Os sonhos não se apagavam! Eram sonhos lindos, sonhos de amor, de família, de serem um só, mas cada um continuar a ser o que era. Escreviam sonhos românticos, o que cada um sabia sobre o que era ser romântico, e o que desejavam fazer para serem românticos um com o outro. Eram sonhos de entrega um ao outro, em abraços, entre passeios de mãos dadas, sorrisos, carinhos, escreviam na areia sonhos de alegria e felicidade...

           Eram sonhos sinceros, reais, de amor, tão verdadeiro que as ondas da praia deles, iam e voltavam, e os sonhos escritos continuavam lá, um dia a seguir ao outro. Os seus olhos refletiam o brilho da lua, das estrelas, do sol, e às vezes acompanhados de chuva nas lágrimas que caiam dos seus olhos, no meio dos sorrisos, quando se olhavam, e gargalhadas quando não encontravam palavras para conversas.

            Gostavam de ficar ali, apenas os dois, a baloiçar num abraço, os corpos encostados um ao outro, a olhar para o mar, a construir mais sonhos, e a escrever cada dia do amor que os unia. Deixavam que os seus olhos conversassem, em segredo, e eles os dois, eram apenas as janelas abertas para um mundo que desejavam construir, a dois.

            Prometeram um ao outro que lutariam juntos pelo amor e pelos sonhos que tinham escrito, sozinhos e a dois, naquela areia. Mas, sem que nada fizesse prever, um tsunami atingiu a praia deles, e para grande tristeza dos dois, principalmente dela, as ondas levaram todos os sonhos!

            Não sabem para onde, engoliram-nos, desapareceram da praia. Pouco depois ela descobriu que não foram as ondas que levaram os sonhos, foi ele, que foi viver para outra praia, com outra pessoa, deixando-a naquela praia que era dos dois, sozinha.

            Já não estava escrevia sonhos na areia, apenas juntava as suas lágrimas ao mar, e deixava que o sol as secasse dos seus olhos, da sua cara. Todo o seu corpo ficou transformado em pedra, ela vivia na cidade, mas a sua praia estava vazia, deserta, quase sem vida.

            Ela continuava a sorrir, mas à noite, voltava à sua praia à procura dos sonhos que tinham escrito, e durante algum tempo, à procura dele na praia, sem nunca os encontrar. O amor tinha-se desfeito, e as promessas, os sonhos escritos na areia, desapareceram.

           Desapareceu a sua esperança, o acreditar que alguma vez iria voltar a escrever sonhos na areia, com alguém, naquela praia. Alguns anos mais tarde, alguns sonhos que tínhamos escrito juntos, voltaram a aparecer na areia.

            Sem rosto, sem data, sem brilho, só duas silhuetas, sem que ela sorria, talvez porque saiba que...alguns deles só iria realizar se ele e ela fossem um nós, que existiram nos sonhos escritos na areia, mas esses sonhos tinham mistério...que talvez só outro amor os consiga desvendar.

            Os sonhos que um dia construíram juntos, nessa praia só deles, não passaram disso mesmo. De sonhos sonhados, e escritos na areia, desfeitos pelo tsunami. Quem seria a outra sombra? Que ela soubesse não estava apaixonada por ninguém, e ninguém se tinha declarado! Ela também não tinha esperança, só medo.

            Medo de se apaixonar, medo de se desiludir, medo de se magoar, medo de escrever sonhos e que não se realizassem, medo de se dar, medo de amar. A silhueta sentia os medos dela, e deu uma gargalhada. Ela fica gelada, olha para todo o lado, não vê ninguém.

- Será que estou a alucinar?

- Porque tens medo?

- Quem está aí?

(Gargalhada)

- Eu sinto os teus medos.

- Mas quem és?

- Um dia vais saber quem sou.

- És o meu ex? Aquele com quem escrevi todos os sonhos que se desfizeram?

- Não.

- Pois, realmente com essa voz maravilhosa, com todo o respeito e sem maldade, não és o meu ex.

- Obrigado! (ri)

- Que gargalhada fantástica. (ela ri e ele também).

- Obrigado. Também gosto muito do teu sorriso e riso.

- Obrigada! Mas...conhecemo-nos?

- Ainda não. Mas estamos no caminho um do outro.

- Como é que sabes?

- Sei.

- E como é que eu sei quem és, se não te estou a ver?

- Um dia vais saber quem sou. Vais ver-me, ouvir-me, sentir-me.

- Mas porque é que eu não te vejo?

- Porque tens medo!

- Ãh...?

- Qual é a dúvida? Sim, não me vês porque tens medos, muitos!

- Está bem, sim, é verdade, tenho medos, mas o que sabes sobre eles?

- Sei.

- O que é que os meus medos têm a ver com o tu apareceres ou não?

(Ele ri)

- Um dia vais saber. Enquanto os tiveres, eu não apareço.

- Estás a castigar-me, é?

- Não, muito longe disso, só estou a ajudar-te a crescer.

- Como assim? E porque é que não apareces? Também tens medo?

- Sim, tenho alguns.

- De aparecer é um deles, não?

- Não, disso não.

- Então porque não te vejo? Só te estou a ouvir...tens uma voz sexy (diz ela a sorrir)

(Ele ri)

- Obrigado.

- Como é que apareceste aqui?

(Ele ri)

- Primeiro tens de esquecer o ex...

- Já esqueci, lembro apenas a parte boa.

- Ainda não esqueceste...

- Achas que não?

- Não. Ainda sentes alguma coisa por ele...

- Raiva... ódio, sei lá...

- Isso ainda é sentir alguma coisa por ele. Já vai há tanto tempo...

- Mas eu não estou fechada para a amizade... para o amor...bem, talvez.

- Lembrar os bons momentos é bom, de vez em quando, mas deixa de sentir raiva dele, ou ódio, o que for.

- Mas é isso que está a impedir de te ver?

- Em parte.

- Ui...

- Sim, é verdade.

- Eu acho que já é tarde para encontrar um novo amor.

- Olha para as silhuetas...são duas caras, sem rosto, sem traços definidos, sem data, sem hora, sem lugar... mas ela está lá, e aquela és tu.

- O que é que isso significa?

- Que vou aparecer, mas primeiro tens de curar essa ferida. Deixa-o ir, juntamente com as ondas.

- Como é que faço isso...?

- Escrevias sonhos na areia não era?

- Era.

- Então agora escreve o nome dele, e vê se água do mar o leva.

- E tu apareces?

- Calma. Primeiro escreve, queres libertar-te dele, não queres?

- Quero. Aliás, já queria há muito, e achava que sim, mas disseste que sentir raiva ou ódio ainda é sentir alguma coisa por ele...

- Sim.

- Não sei se consigo deixar de sentir isso!

- Há quanto tempo vai?

- Há...13 anos!

- 13 anos...!

- Achas que ao fim destes anos todos eu ainda vou encontrar alguém?

- Nunca é tarde. É quando tem de ser, quando estamos preparados. E tu ainda não estás!

- Pois, nisso, acho que tens razão.

- Os teus medos impedem-te de mostrares o que és.

- São eles que afastam?

- São. O teu ex já tem outra, desde que acabou contigo, tu tens todo o direito de refazeres a tua vida, e livrar-te dessa desilusão.

- Aparentemente pensei que já me tinha livrado, mas... sim, ainda tenho muitos medos...

- Quer dizer que ainda não te livraste. Vá...escreve o nome dele, na areia, e vê se ele desaparece com a água do mar.

            Ela faz o que ele diz. Vem uma onda, e o nome não desparece.

- Não desapareceu.

- Vês? É sinal que ainda não o esqueceste...só superficialmente, mesmo que não desejes o regresso dele.

- O que faço?

- Arruma essa criatura e fecha essa gaveta na tua cabeça de uma vez por todas. Vai escrevendo o nome dele, e vê o que acontece quando a água vem. Quando o mar o apagar, é porque já estás pronta para me ver, sermos amigos, e quando permitires, quem sabe...escrever novos sonhos comigo.

- Áhhh!!! Porque é que demora tanto tempo a esquecer alguém?

- Só depende de ti, e não é esquecer, é...aceitar que os sonhos que escreveram juntos, eram apenas isso, sonhos, que ficaram nesta areia! Mas desfizeram-se, porque deixou de haver amor. Mas não quer dizer que não volte a aparecer outro nome para escreveres aí, e escreveres outros sonhos, com outro rosto.

- Áh! Está bem. E como é que eu me liberto dos medos?

- Isso, só tu poderás saber...e fazer.

- Gostava de te ver.

- Isso vai acontecer. Só depende de ti, do tempo que demorares a livrar-te dessa dor. Bem, vamo-nos falando por aqui. Até um dia destes...bom trabalho.

- Obrigada!

- De nada.

- Voltas?

- Voltarei. Até já.

- Até já.

            A voz desaparece, e ela fica pensativa. Passado uns dias, faz um trabalho de libertação da desilusão, e vai vendo que quando escreve o nome do ex na areia, este vai-se tornando mais esbatido, até que uns tempos depois, ela escreve e desaparece.

            Aí, ela soube que tinha finalmente conseguido adormecer ou arrumar essa dor. Não sabia se estava pronta para voltar a apaixonar-se e a amar, mas também se lembrou da conversa da silhueta, da voz, que ela ficou cheia de curiosidade para saber quem era.

            E por falar na voz, ela reaparecer, ainda sem rosto:

- Boa! Bom trabalho. Conseguiste.

            Ela fica estática, com os olhos muito abertos, e gelada.

- Quem és tu?

- Sou eu! Já nos falamos antes.

- Viste o meu trabalho?

- Vi.

- Estiveste aqui enquanto fiz esse trabalho?

- Estive várias vezes.

- Como é que eu não te vi?

- Estavas ocupada.

- Não falaste?

- Não. Para não te distrair.

- Achas que consegui.

- Tenho a certeza que sim.

- E porque é que eu não te vejo?

- Vais ver em breve.

- Achas que já estou preparada?

- Para me ver, sim... um dia destes...sem pressa.

- Como é que eu vou saber que és tu?

- Saberás! Se tiveres dúvidas, eu relembro-te.

- Está bem. Esperas por mim?

- Espero!

- Obrigada, até já.

- De nada! Até já.

           Quando estava preparada, de forma inesperada, a silhueta apareceu em forma de homem, com a voz que ela tinha ouvido. E uma linda amizade foi escrita nessa praia, até que um foi escrito um novo recomeço! Com outra pessoa, com alguns sonhos iguais, e muitos outros diferentes, construída na amizade sólida, na confiança, com muito diálogo, muita diversão, gargalhadas, brincadeiras, carinho, respeito, apoio e amor.

           É sempre possível voltar a amar, a sonhar, a acreditar que há alguém que nos faz escrever sonhos em conjunto, que nos permite sermos nós próprios, como ele ou ela, num abraço único, cheio de abraços sem fim, afetos, sorrisos, algumas lágrimas.

          Os ex construíram a sua história connosco, enquanto estiveram connosco, e foi bom certamente, mas o amor não prende, por isso quando não fica connosco, apesar da dor, é porque há outra pessoa mais merecedora da nossa pessoa.

          Os sonhos e os bons momentos, ficaram na areia da nossa praia privada, mas se o mar os levou é porque não passavam disso mesmo...sonhos. Podem aparecer outras silhuetas que escreverão connosco outros sonhos.

         Silhuetas sem rosto, sem data, sem hora, sem lugar...mas elas estão lá, na praia de cada um à espera de viver momentos únicos.

                                                                        FIM

                                                                    Lara Rocha

                                                                    30/Maio/2022


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quarta-feira, 25 de maio de 2022

Ver, ouvir, cheirar, sentir, através das janelas na cidade, no campo, na praia



Foto de Lara Rocha 


M1 - Da minha janela vejo 
TODOS - Ver...
M1 - monte, onde está uma hélice pousada que gira com o vento, mas fica parada se não há vento. 
M2 - E por falar em vento...
M3 - Consigo sentir 
TODOS - Sentir... 
M3 - os seus mimos, na minha cara, no meu cabelo quando abro as janelas para arejar a casa. 
M4 - Sinto 
TODOS - Sentir... 
M4 - o seu gelo, às vezes é forte e frio, outras vezes forte e quente, sem gostar muito de um e de outro, sei que ele é bom para secar a roupa. 
M5 - É outra coisa que vejo da minha janela, 
TODOS - Ver... 
M5 - as roupas dos vizinhos a secar, outras vezes vejo-os a estendê-la, a lavá-la, torcê-la e pô-la a secar. Eu faço o mesmo com as minhas roupas. 
M6 - Quase todos os dias vejo 
TODOS - Ver...
M6 - dois morcegos lá fora, a dançar, 
M7 - pombas a voar 
M8 - outras a bicar, 
M9 - passarinhos mais pequeninos a esvoaçar e a piar. 
M10 - A minha Avó ouve 
TODOS - Ouvir...
M10 - mochos a piar no seu jardim, 
M11 - e alguns pousam na árvore que ela tem à porta. 
M12 - Ela diz que ouve os mochos e as gaivotas 
M13 - de manhã cedo ou ao fim da tarde, 
M14 - porque vive perto da praia 
M15 - e existe uma lixeira onde elas vão comer. 
M16 - Quando vou dormir a casa dela, também vejo e ouço 
TODOS - Ver e ouvir... 
M16 - o mar, 
M17 - as gaivotas a piar, e a esvoaçar, 
M18 - às vezes pousam na varanda, 
M19 - sinto 
TODOS - Sentir... 
M20 - a areia quando vou passear pela praia, 
M21 - e aquele cheirinho a maresia, 
M22 - o ar fresco, húmido de mar, 
M23 - vejo 
TODOS - Ver...
M23 - a neblina, 
M24 - e o pôr do sol, 
TODOS  - na cidade, na praia e na aldeia. 
M25 - Ver e ouvir... 
M26 - Eu, gaivotas já ouvi, 
TODOS - na minha cidade, 
M27 - vi-as, na praia e na cidade. 
M27 - Da minha janela vejo e oiço 
TODOS - Ver e ouvir... 
M27 - carros a sair das garagens, 
M28 - a buzinar aflitos, 
M29 - crianças a sair à pressa com os pais a correr,
M30 - ainda meias a dormir, 
M1 - cães a ladrar, 
M2 - bicicletas, 
M3 - motos, 
M4 - e gente a passar na rua, 
M5 - a conversar, 
M6 - a falar alto, 
M7 - a gritar, 
M8 - a rir, 
M9 - aos molhos 
M10 - para ir para as escolas, 
M11 - colégios ou trabalho. 
TODOS - Ouvir e ver...
M12 - A minha mãe e o meu pai acordam com melros a cantar pousados na árvore gigante em cima do passeio quase a tocar na varanda deles, 
M13 - quando abrimos a varanda, 
M14 - ouvimo-los 
M15 - e vemos 
M16 - a linda coleção de cores que cada árvore tem. 
M17 - Todas variadas, 
M18 - cada cor mais bonita que a outra, 
M19 - parece que alguém andou lá a salpicá-las. 
M20  - Da minha janela vejo 
TODOS - Ver e ouvir... 
M21 - pessoas a passear cães que oiço a ladrar por tudo e por nada, 
M22 - outros passam silenciosos. 
TODOS - Ver...
M23 - Da minha janela vejo flores noutras janelas, 
M24 - luzes, 
M25 - sombras de pessoas, 
TODOS - Sentir...
M26 - sinto o sol, 
TODOS - Ver e ouvir.. 
M27 - vejo e oiço a chuva, 
M28 - os clarões e os trovões, 
M29 - foguetes quando há festa, 
M30 - música alta que não sei de onde vem, 
M1- barulhos irritantes de camiões frigoríficos a descarregar carne. 
TODOS - Ao contrário de mim, 
M2 - os meus avós 
TODOS - Ouvir... 
M3 - ouvem galos a cantar, 
M4 - galinhas a cacarejar, 
M5 - patos a grasnar, 
M6 - vacas e bois a mugir, 
M7 - ovelhas a bramir, 
M8 - gatos a miar, 
M9 - cães a ladrar, 
M10 - cigarras e grilos a cantar. 
TODOS - Ver... 
M11 - Veem as suas flores 
M12 - cada qual com a sua cor, 
M13 - e cada qual a mais bonita, 
M14 - borboletas a voar 
M15 - e algumas a pousar na janela, 
M16 - nas flores. 
TODOS - Na cidade, no campo e na praia, 
M17 - oiço gatos a miar, 
M18 - e vejo-os passar, 
M19 - à noite vejo das janelas onde estou, 
M20 - as estrelas, 
M21 - a lua, 
M22 - as nuvens quando chove, 
TODOS - Ouvir e ver... 
M23 - ouço e vejo os trovões quando troveja, 
M24 - ouço o vento furioso 
M25 - que parece uma pessoa a gritar, 
M26 - e que vai levar tudo pelo ar. 
M27 - O que gosto mais de ver 
M28 - e ouvir 
M29 - através da minha janela, 
TODOS - é o que ouço, vejo e sinto 
M30 - quando vou para casa dos meus avós, 
M1 - uns na praia 
M2 - e outros no campo. 
M3 - Lá não há confusão de carros, 
M4 - na praia 
TODOS - Ver e ouvir... 
M5 - vejo e ouço o mar, 
M6 - no campo 
M7 - vejo os montes, 
M8 - as montanhas, 
M9 - os vales à volta, 
M10 - os terrenos, 
M11 - oiço os animais noturnos 
M12 - que fazem belos concertos, 
M13 - vejo animais da quinta, 
M14 - cavalos a correr e a relinchar, 
M15 - passarinhos a cantar. 
TODOS - E vocês? 
M16- o que veem, 
M17 - sentem 
M18 - e cheiram 
M19 - através da vossa janela?

                                                                       FIM 
                                                                    Lara Rocha 
                                                                  25/Maio/2022

Nota-----------------------------------------------------------------------------------------------------
Este texto tem letras e números, mas pode ter nomes de crianças, para uma atividade coletiva, de treino de leitura fluída, encadeada mas esperando cada um pela sua vez, ou dramatizada. O encadeamento e distribuição das falas, fica ao critério de cada responsável. 
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Imaginem outra janela. O que veem através dela? 
Podem deixar nos comentários as vossas respostas. 

A voz da fonte

        


          Era uma vez um casal que foi passear de mão dada pela aldeia, numa noite quente de Verão, um céu cheio de estrelas e uma lua cheia que parecia quase dia. 

        Para eles era mágico, pareciam estar num mundo à parte, com um silêncio quase total, apenas interrompido pelas palavras deles, e pelos bichos noturnos que cantavam em coro. 

        Pelo caminho ouviram alguém a cantar. Não era uma canção qualquer, nem uma voz como a deles, muito diferente dos sons dos animais que ouviam. 

        Ficaram parados uns momentos, a olhar para todo o lado, em silêncio, para descobrir de onde viria a voz que soava tão bem. 

- É por ali. - diz ele 

        Os dois avançam devagar, sempre a ouvir aquela voz deliciosa. À medida que caminham a voz soa mais alto. 

- É da fonte? - diz ela 

- Parece que é. - diz ele 

         Aproximam-se da fonte e confirmam, a voz vem mesmo de lá. Mas...não está ninguém. 

- Cuidado, pode ser uma armadilha. 

- Qual armadilha. Aqui não há disso! 

- Mas não está aqui ninguém. 

- Pois não, mas não quer dizer que seja uma armadilha. 

         Aproximam-se ainda mais, e para surpresa deles, está um lindo ser pequenino, que eles nunca tinham visto antes, dentro da água, no laguinho a cantar para a fonte, com o reflexo branco da luz da lua a ondular da água a cair, parecia cor prateada ou feita de estrelas.  

- Uau, que lindo o reflexo da lua na água. - diz ela a sorrir 

- É mesmo. Parece prata! 

- Olha a voz..- repara ela 

- Estás a ver o mesmo que eu? - perguntou ele

- Sim, e tu? - perguntou ela 

- Acho que sim! 

- Nunca vi este ser por aqui. 

- Nem eu. 

- Mas que voz maravilhosa! 

- É mesmo. 

        Como era possível aquele ser que mal se via, cantar assim? Parecia um ser mágico, da mitologia. Tão bonito, e a voz dele nem se fala. Era limpa, pura, transparente e clara como a água, fina. A criatura cala-se, os dois aplaudem. 

- Óh, porque paraste de cantar pequeno ser? 

- Que voz tão mágica, maravilhosa. Quem és tu?

        O ser, sorri-lhes: 

- Obrigado. Eu sempre estive  aqui. 

- Mas nós nunca te ouvimos! - diz ela 

- Eu canto muitas vezes. 

- Deve depender da posição do vento. - diz ele 

- Sim, também não vimos para aqui todos os dias. 

- Estava a cantar para a fonte! 

- Porque cantas para a fonte? - pergunta ela 

- Para lhe agradecer a minha casa, a minha família, a minha saúde, tudo o que eu tenho de bom, incluindo o amor. E como falo de amor, ela enche-me de mais coisas maravilhosas, incluindo a vossa presença. 

- Áh! Que lindo.

       O ser volta a cantar para a fonte, de braços abertos, outra canção diferente, mas igualmente bonita. 

- A vossa presença traz amor. - diz o ser 

- Traz? - perguntam os dois 

- Sim, são namorados, não são? 

- Somos. 

- O vosso amor é puro, e lindo como esta água. 

- A sério ? - dizem os dois a sorrir 

- Sim, é transparente! 

- Áh! - exclamam os dois 

- Consegues ver? - pergunta ela

- Consigo. Também estou a cantar para a fonte, para ela vos iluminar. 

- Mas como é que nunca te ouvimos antes? 

- Não sei, talvez porque o vosso amor estivesse em crescimento, ou a tornar-se mais claro e puro. Eu senti-o quando se aproximaram e ainda mais aqui. 

- Vem aqui muita gente? 

- Não! Ninguém, ou...talvez...os vossos antepassados tivessem vindo aqui. 

- E tu cantas só aqui?

- Não. Canto noutras fontes também. Canto para os verdadeiros amigos, para o amor em todas as suas formas, que na verdade não tem forma, só se mostra com pessoas diferentes, que escolhem os seus amores, os seus amigos. Canto para as famílias onde ele está, canto para os namorados que o sentem de verdade. Eu canto quando sei que esse amor é puro, inocente, verdadeiro. Para os que não são amor, não canto. 

- Eles ouvem-te? - pergunta ela 

- Dizem que sim, os que têm amor. Os outros não. - diz o ser 

- Que lindo! - dizem os dois a sorrir 

        Os dois olham-se a sorrir, abraçam-se, e a voz volta a cantar a olhar para eles, feliz. Era um ser com sensibilidade para sentir o amor puro, de corações bons, de casais que se amavam de verdade. E quando sentia esse amor, ele gostava tanto, ficava tão feliz, que incluía no seu canto à fonte, o existir amor à sua volta. 

- Nunca percam essa sinceridade. Quando duvidarem do vosso amor, venham a esta fonte, e se me ouvirem cantar, não tenham dúvidas que ele é verdadeiro e sincero. Amem e sejam felizes! - diz o ser 

        O ser volta a cantar, e a encantar. O casal ouve deliciado, dança e sorri. O ser canta mais alto por sentir amor. E dessa noite em diante, o casal visitou mais vezes o ser da fonte, não que tivessem dúvidas sobre o amor que sentiam um pelo outro, mas por adorarem ouvir aquela voz que cantava sempre que os via. 

        Foi nessa fonte que decidiram casar, uma cerimónia simples, só os dois, os pais, os irmãos, os amigos mais chegados. O ser que cantava foi o padrinho de casamento, molhando as alianças que trocaram na água da fonte, e cantando canções, feliz, com a sua voz deliciosa, porque ele sentiu amor verdadeiro naquelas pessoas.

                                             FIM 

                                          Lara Rocha 

                                         25/Maio/2022 

        E vocês, se fossem o ser da fonte, como seriam? Cantavam para quem? 

Podem colocar as vossas respostas nos comentários. Crianças, adolescentes e adultos. 


segunda-feira, 16 de maio de 2022

A lua e os lobos


foto de Lara Rocha (máquina fotográfica semiprofissional) 

MENINO/A (ADULTO) - Quando a Lua aparece no céu, 

MENINO/A (ADULTO) - os lobos fazem uma vénia, 

CORO - com respeito e encanto. 

MENINO/A (ADULTO) - A Lua sorri, o seu sorriso reflete-se nos olhos dos lobos 

CORO - que se deixam tocar por ele, 

MENINO/A (ADULTO) - sorriem para ela, 

MENINO/A (ADULTO) - uivam baixinho 

MENINO/ A (ADULTO) - e os seus olhos faíscam com a Lua. 

MENINO/A (ADULTO) - Quando os lobos uivam, 

CORO - a Lua cala-se e ouve-os. 

MENINO/A (ADULTO) - Quando a Lua uiva 

CORO - os lobos calam-se, 

MENINO/A (ADULTO) - ouvem-na e uivam com ela, em coro. 

MENINO/ A (ADULTO) - Quando os lobos uivam a Lua dança. 

MENINO/A (ADULTO) - Quando a Lua dança, 

CORO - os lobos ficam em silêncio e dançam com ela. 

MENINO/A (ADULTO) - Quando a Lua ri, 

CORO - os lobos riem com ela, 

MENINO/A (ADULTO) - Quando a Lua chora, 

CORO - os lobos choram com ela, 

MENINO/A (ADULTO) - soltando os seus uivos sonoros, 

CORO - e a Lua cala-se. 

MENINO/A (ADULTO) - Quando os lobos choram, 

MENINO/A (ADULTO) - a Lua envolve-os com a sua Luz, 

MENINO/A (ADULTO) - como se estivesse a abraçá-los, 

CORO - e os lobos calam-se. 

MENINO/A (ADULTO) - Quando a Lua engorda, 

CORO - os lobos apaixonam-se por ela, 

MENINO/ A (ADULTO) - quando a Lua emagrece, 

CORO - os lobos abraçam-na, 

MENINO/A (ADULTO) - e tocam-na com os seus uivos ternos, e suaves, mas sabem que faz parte dela. 

MENINO/A (ADULTO) - Quando a Lua traz uma amiga estrela, 

CORO - os lobos brincam com elas. 

MENINO/A (ADULTO) - Quando a Lua vem sozinha, 

CORO - brincam em conjunto 

MENINO/A (ADULTO) - a correr uns atrás dos outros, a uivar. 

MENINO/A (ADULTO) - Quando está frio, 

CORO - a Lua encolhe-se, 

MENINO/A (ADULTO) - desce para a beira dos lobos,

MENINO/A - e os lobos aquecem-na 

CORO - com os seus bafos, uivos e pelos. 

MENINO/A (ADULTO) - Quando está frio para os lobos, 

MENINO/A (ADULTO) - estes ficam apenas a apreciar a Lua, 

MENINO/A (ADULTO) - recolhidos nos seus abrigos, 

CORO - a ouvir as histórias que ela conta. 

MENINO/A (ADULTO) - Quando os lobos estão tristes, 

CORO - a Lua canta-lhes uma canção de embalar, e envia-lhes estrelas para os animar. 

MENINO/A (ADULTO) - A seguir, os lobos sorriem e uivam de gratidão e encanto por este mimo da Lua. 

MENINO/A (ADULTO) - Os lobos sabem que a Lua está sempre lá para eles, 

MENINO/A (ADULTO) - e ela sabe que eles também estão lá para ela. 

MENINO/A (ADULTO) - Quando a Lua desaparece, 

CORO - os Lobos sentem saudades, 

MENINO/A (ADULTO) - mas rapidamente ela volta, 

MENINO/A (ADULTO) - para uivar, 

MENINO/A (ADULTO) - cantar, 

MENINO/A (ADULTO) - contar histórias, 

MENINO/ A (ADULTO) - ouvi-los, 

MENINO/A (ADULTO) - acariciá-los, envolvê-los. 

CORO - Os lobos e a Lua, a Lua e os lobos. 

MENINO/A (ADULTO) - Quando a Lua uiva, 

MENINO/ A (ADULTO) - os lobos calam-se, 

MENINO/A (ADULTO) - ou uivam em coro. 


                                           FIM 

                                       Lara Rocha 

                                      16/Maio/2022 

        

segunda-feira, 9 de maio de 2022

A borboleta beijoqueira

 
  

  Era uma vez uma criança pequenina que estava num carrinho, num grande campo à sombra, a ver os seus Avós a trabalhar, com quem ficava enquanto os pais iam trabalhar. 
      Os Avós conversavam com ela, enquanto plantavam coisas deliciosas para comer, e ela ria à gargalhada, enchendo os Avós de ternura, e riso. 
      Numa manhã de sol e calor, uma borboleta enorme, tão grande que quase parecia um pássaro, pousou no narizinho da pequena. Era tão grande que lhe tapou a carinha e ainda foi além das suas bochechas. 
      A pequenina arregalou os olhos, ficou a borboleta que lhe deu um beijinho na bochecha, ri à gargalhada, a borboleta ri com ela. Tinha umas cores mais que bonitas, como ninguém tinha visto. 
      Os Avós assustaram-se, porque pensavam que a borboleta era um pássaro, a Avó grita, o Avô encolhe-se: 
- Olha o maldito pássaro, daquele tamanho em cima da menina. - diz a Avó assustada 
- Não o tinha visto! - diz o Avô 
- Nem eu! 
       A avó preparava-se para chutar a borboleta porque pensava mesmo que era um pássaro, mas quando se aproximam da criança, a Avó recua: 
- Ai, afinal não é um pássaro! Que coisa tão grande! O que é isto? De onde é que isto saiu? - diz a Avó assustada 
- Pois não, é uma borboleta inofensiva! Realmente, é enorme. E olha as cores dela, que coisa maravilhosa, parece uma pintura. Como é linda...- diz o Avô 
- Áh! Nunca vi nada assim, parece um pássaro. 
- Pois parece, mas é uma borboleta! Eu queria oferecer-te uma borboleta gigante, quando começamos a namorar. Nunca encontrei nenhuma, só aquela que te desenhei. - lembra o Avô a rir 
- Áh! A sério...? Que querido! Foi o que tu me disseste...se pudesses oferecias-me uma borboleta gigante. - recorda a Avó a sorrir 
       A borboleta ouve, suspira, sorri, pousa no nariz do Avó e dá-lhe um sonoro e repenicado beijo na bochecha, abrindo as suas asas mesmo em frente aos olhos do Avô. A pequenina fica espantada e ri à gargalhada abanando todo o corpo, os Avós riem com ela. O Avô fica muito surpreso, e encantado: 
- Áh! Deu-me um beijo... - dá uma gargalhada
- Isso era o que tu querias! - diz a Avó a rir 
- Deu mesmo! 
- Pois, pois, na tua imaginação. É bom manter esse espírito brincalhão. Eu não sou ciumenta. - ri a Avó 
       Os dois riem, e a borboleta pousa no nariz da Avó, abre as asas gigantes, dá-lhe um sonoro e repenicado beijo na bochecha. 
- Áh! Deu mesmo. A mim também. - diz a Avó a rir 
- Vês? Eu disse. E olha como a nossa neta está feliz! - repara o Avô.
       A borboleta ri, abana as suas asas gigantes e maravilhosas, como se estivesse a dançar. Pousa nos narizes, e nas bochechas, mais beijinhos à Avó, mais beijinhos ao Avô, mais beijinhos à pequenina.         Os três parecem hipnotizados ao ver aquela magia, acompanham todos os movimentos da borboleta, aplaudem, fotografam, levam mais beijinhos, a pequenina também, e riem. 
- Nunca vi uma borboleta assim, tão bonita, tão gigante. - diz a Avó
       Os dois voltam ao trabalho, sempre de olho na bebé e na borboleta, que voa por cima das plantações, das flores, beija cada pétala de flor, beija árvores, beija outra vez os Avós, e a bebé.              Caminha por cima da água de riachos, os Avós deliciam-se com a marca das patinhas tão pequeninas e redondinhas da sua passagem leve, abre as asas, salpica-as, ri,  dá beijinhos aos peixinhos, dá beijinhos às pedras, dá beijinhos às folhas, e deita-se em cima de uma folha que vai na corrente, sem pressa, parecia de veludo. 
        Mais à frente, volta e mais beijinhos aos avós, mais beijinhos à bebé, e quando fica muito calor recolhem para casa. 
       A borboleta instala-se num vaso grande, da varanda, debaixo de uma flor enorme, que ela gostou. A família gostou tanto dos beijinhos que ela dava a tudo e a todos, que disse para ela lá ficar. 
      A borboleta ia para os seus passeios, e voltava sempre para o mesmo sítio, carimbando os avós, a pequenina e os pais da criança com beijinhos e mais beijinhos. 
      O Avô até construiu uma casotinha para a borboleta, na beirada de uma janela, logo que o tempo arrefeceu, bem confortável, bem agradável, onde ficava protegida do frio, do calor, do vento, da chuva.
       A bebé deliciava-se com a borboleta, tal como toda a gente que lá ia, recebendo beijinhos e mais beijinhos da simpática borboleta. Era mais um elemento da família, e deram-lhe o nome de borboleta beijoqueira, com todo o carinho. 

                                             FIM 
                                         Lara Rocha 
                                         9/Maio/2022