Número total de visualizações de páginas

segunda-feira, 30 de maio de 2022

o casal na sua própria praia

 


       







foto de Lara Rocha 


        Era uma vez um casal de namorados que se encontravam todos os dias numa praia só deles, onde só estavam os dois, o mar, a areia, o vento, o céu, o dia, a noite, a lua, as estrelas e às vezes chuva. Conversavam longas horas, riam, brincavam, trocavam abraços e beijos, colo, palavras bonitas, de vez em quando ele deixava pequeninos presentes para ela, outras vezes encontravam-se a depressa, se fugida, quando tinham muito trabalho, mesmo assim, entravam e saiam dessa praia sempre que queriam. 

          Escreviam sonhos na areia, os dois como um só, que carinhosamente eram guardados nas rochas, na esperança de um dia se realizarem. Cada um escrevia o seu, o que desejava para essa relação, e depois, um completava o que o outro tinha escrito. Liam as respostas, riam, conversavam sobre o que tinham escrito, o que gostavam e o que não gostavam, prometiam coisas um ao outro.

          Os sonhos não se apagavam! Eram sonhos lindos, sonhos de amor, de família, de serem um só, mas cada um continuar a ser o que era. Escreviam sonhos românticos, o que cada um sabia sobre o que era ser romântico, e o que desejavam fazer para serem românticos um com o outro. Eram sonhos de entrega um ao outro, em abraços, entre passeios de mãos dadas, sorrisos, carinhos, escreviam na areia sonhos de alegria e felicidade...

           Eram sonhos sinceros, reais, de amor, tão verdadeiro que as ondas da praia deles, iam e voltavam, e os sonhos escritos continuavam lá, um dia a seguir ao outro. Os seus olhos refletiam o brilho da lua, das estrelas, do sol, e às vezes acompanhados de chuva nas lágrimas que caiam dos seus olhos, no meio dos sorrisos, quando se olhavam, e gargalhadas quando não encontravam palavras para conversas.

            Gostavam de ficar ali, apenas os dois, a baloiçar num abraço, os corpos encostados um ao outro, a olhar para o mar, a construir mais sonhos, e a escrever cada dia do amor que os unia. Deixavam que os seus olhos conversassem, em segredo, e eles os dois, eram apenas as janelas abertas para um mundo que desejavam construir, a dois.

            Prometeram um ao outro que lutariam juntos pelo amor e pelos sonhos que tinham escrito, sozinhos e a dois, naquela areia. Mas, sem que nada fizesse prever, um tsunami atingiu a praia deles, e para grande tristeza dos dois, principalmente dela, as ondas levaram todos os sonhos!

            Não sabem para onde, engoliram-nos, desapareceram da praia. Pouco depois ela descobriu que não foram as ondas que levaram os sonhos, foi ele, que foi viver para outra praia, com outra pessoa, deixando-a naquela praia que era dos dois, sozinha.

            Já não estava escrevia sonhos na areia, apenas juntava as suas lágrimas ao mar, e deixava que o sol as secasse dos seus olhos, da sua cara. Todo o seu corpo ficou transformado em pedra, ela vivia na cidade, mas a sua praia estava vazia, deserta, quase sem vida.

            Ela continuava a sorrir, mas à noite, voltava à sua praia à procura dos sonhos que tinham escrito, e durante algum tempo, à procura dele na praia, sem nunca os encontrar. O amor tinha-se desfeito, e as promessas, os sonhos escritos na areia, desapareceram.

           Desapareceu a sua esperança, o acreditar que alguma vez iria voltar a escrever sonhos na areia, com alguém, naquela praia. Alguns anos mais tarde, alguns sonhos que tínhamos escrito juntos, voltaram a aparecer na areia.

            Sem rosto, sem data, sem brilho, só duas silhuetas, sem que ela sorria, talvez porque saiba que...alguns deles só iria realizar se ele e ela fossem um nós, que existiram nos sonhos escritos na areia, mas esses sonhos tinham mistério...que talvez só outro amor os consiga desvendar.

            Os sonhos que um dia construíram juntos, nessa praia só deles, não passaram disso mesmo. De sonhos sonhados, e escritos na areia, desfeitos pelo tsunami. Quem seria a outra sombra? Que ela soubesse não estava apaixonada por ninguém, e ninguém se tinha declarado! Ela também não tinha esperança, só medo.

            Medo de se apaixonar, medo de se desiludir, medo de se magoar, medo de escrever sonhos e que não se realizassem, medo de se dar, medo de amar. A silhueta sentia os medos dela, e deu uma gargalhada. Ela fica gelada, olha para todo o lado, não vê ninguém.

- Será que estou a alucinar?

- Porque tens medo?

- Quem está aí?

(Gargalhada)

- Eu sinto os teus medos.

- Mas quem és?

- Um dia vais saber quem sou.

- És o meu ex? Aquele com quem escrevi todos os sonhos que se desfizeram?

- Não.

- Pois, realmente com essa voz maravilhosa, com todo o respeito e sem maldade, não és o meu ex.

- Obrigado! (ri)

- Que gargalhada fantástica. (ela ri e ele também).

- Obrigado. Também gosto muito do teu sorriso e riso.

- Obrigada! Mas...conhecemo-nos?

- Ainda não. Mas estamos no caminho um do outro.

- Como é que sabes?

- Sei.

- E como é que eu sei quem és, se não te estou a ver?

- Um dia vais saber quem sou. Vais ver-me, ouvir-me, sentir-me.

- Mas porque é que eu não te vejo?

- Porque tens medo!

- Ãh...?

- Qual é a dúvida? Sim, não me vês porque tens medos, muitos!

- Está bem, sim, é verdade, tenho medos, mas o que sabes sobre eles?

- Sei.

- O que é que os meus medos têm a ver com o tu apareceres ou não?

(Ele ri)

- Um dia vais saber. Enquanto os tiveres, eu não apareço.

- Estás a castigar-me, é?

- Não, muito longe disso, só estou a ajudar-te a crescer.

- Como assim? E porque é que não apareces? Também tens medo?

- Sim, tenho alguns.

- De aparecer é um deles, não?

- Não, disso não.

- Então porque não te vejo? Só te estou a ouvir...tens uma voz sexy (diz ela a sorrir)

(Ele ri)

- Obrigado.

- Como é que apareceste aqui?

(Ele ri)

- Primeiro tens de esquecer o ex...

- Já esqueci, lembro apenas a parte boa.

- Ainda não esqueceste...

- Achas que não?

- Não. Ainda sentes alguma coisa por ele...

- Raiva... ódio, sei lá...

- Isso ainda é sentir alguma coisa por ele. Já vai há tanto tempo...

- Mas eu não estou fechada para a amizade... para o amor...bem, talvez.

- Lembrar os bons momentos é bom, de vez em quando, mas deixa de sentir raiva dele, ou ódio, o que for.

- Mas é isso que está a impedir de te ver?

- Em parte.

- Ui...

- Sim, é verdade.

- Eu acho que já é tarde para encontrar um novo amor.

- Olha para as silhuetas...são duas caras, sem rosto, sem traços definidos, sem data, sem hora, sem lugar... mas ela está lá, e aquela és tu.

- O que é que isso significa?

- Que vou aparecer, mas primeiro tens de curar essa ferida. Deixa-o ir, juntamente com as ondas.

- Como é que faço isso...?

- Escrevias sonhos na areia não era?

- Era.

- Então agora escreve o nome dele, e vê se água do mar o leva.

- E tu apareces?

- Calma. Primeiro escreve, queres libertar-te dele, não queres?

- Quero. Aliás, já queria há muito, e achava que sim, mas disseste que sentir raiva ou ódio ainda é sentir alguma coisa por ele...

- Sim.

- Não sei se consigo deixar de sentir isso!

- Há quanto tempo vai?

- Há...13 anos!

- 13 anos...!

- Achas que ao fim destes anos todos eu ainda vou encontrar alguém?

- Nunca é tarde. É quando tem de ser, quando estamos preparados. E tu ainda não estás!

- Pois, nisso, acho que tens razão.

- Os teus medos impedem-te de mostrares o que és.

- São eles que afastam?

- São. O teu ex já tem outra, desde que acabou contigo, tu tens todo o direito de refazeres a tua vida, e livrar-te dessa desilusão.

- Aparentemente pensei que já me tinha livrado, mas... sim, ainda tenho muitos medos...

- Quer dizer que ainda não te livraste. Vá...escreve o nome dele, na areia, e vê se ele desaparece com a água do mar.

            Ela faz o que ele diz. Vem uma onda, e o nome não desparece.

- Não desapareceu.

- Vês? É sinal que ainda não o esqueceste...só superficialmente, mesmo que não desejes o regresso dele.

- O que faço?

- Arruma essa criatura e fecha essa gaveta na tua cabeça de uma vez por todas. Vai escrevendo o nome dele, e vê o que acontece quando a água vem. Quando o mar o apagar, é porque já estás pronta para me ver, sermos amigos, e quando permitires, quem sabe...escrever novos sonhos comigo.

- Áhhh!!! Porque é que demora tanto tempo a esquecer alguém?

- Só depende de ti, e não é esquecer, é...aceitar que os sonhos que escreveram juntos, eram apenas isso, sonhos, que ficaram nesta areia! Mas desfizeram-se, porque deixou de haver amor. Mas não quer dizer que não volte a aparecer outro nome para escreveres aí, e escreveres outros sonhos, com outro rosto.

- Áh! Está bem. E como é que eu me liberto dos medos?

- Isso, só tu poderás saber...e fazer.

- Gostava de te ver.

- Isso vai acontecer. Só depende de ti, do tempo que demorares a livrar-te dessa dor. Bem, vamo-nos falando por aqui. Até um dia destes...bom trabalho.

- Obrigada!

- De nada.

- Voltas?

- Voltarei. Até já.

- Até já.

            A voz desaparece, e ela fica pensativa. Passado uns dias, faz um trabalho de libertação da desilusão, e vai vendo que quando escreve o nome do ex na areia, este vai-se tornando mais esbatido, até que uns tempos depois, ela escreve e desaparece.

            Aí, ela soube que tinha finalmente conseguido adormecer ou arrumar essa dor. Não sabia se estava pronta para voltar a apaixonar-se e a amar, mas também se lembrou da conversa da silhueta, da voz, que ela ficou cheia de curiosidade para saber quem era.

            E por falar na voz, ela reaparecer, ainda sem rosto:

- Boa! Bom trabalho. Conseguiste.

            Ela fica estática, com os olhos muito abertos, e gelada.

- Quem és tu?

- Sou eu! Já nos falamos antes.

- Viste o meu trabalho?

- Vi.

- Estiveste aqui enquanto fiz esse trabalho?

- Estive várias vezes.

- Como é que eu não te vi?

- Estavas ocupada.

- Não falaste?

- Não. Para não te distrair.

- Achas que consegui.

- Tenho a certeza que sim.

- E porque é que eu não te vejo?

- Vais ver em breve.

- Achas que já estou preparada?

- Para me ver, sim... um dia destes...sem pressa.

- Como é que eu vou saber que és tu?

- Saberás! Se tiveres dúvidas, eu relembro-te.

- Está bem. Esperas por mim?

- Espero!

- Obrigada, até já.

- De nada! Até já.

           Quando estava preparada, de forma inesperada, a silhueta apareceu em forma de homem, com a voz que ela tinha ouvido. E uma linda amizade foi escrita nessa praia, até que um foi escrito um novo recomeço! Com outra pessoa, com alguns sonhos iguais, e muitos outros diferentes, construída na amizade sólida, na confiança, com muito diálogo, muita diversão, gargalhadas, brincadeiras, carinho, respeito, apoio e amor.

           É sempre possível voltar a amar, a sonhar, a acreditar que há alguém que nos faz escrever sonhos em conjunto, que nos permite sermos nós próprios, como ele ou ela, num abraço único, cheio de abraços sem fim, afetos, sorrisos, algumas lágrimas.

          Os ex construíram a sua história connosco, enquanto estiveram connosco, e foi bom certamente, mas o amor não prende, por isso quando não fica connosco, apesar da dor, é porque há outra pessoa mais merecedora da nossa pessoa.

          Os sonhos e os bons momentos, ficaram na areia da nossa praia privada, mas se o mar os levou é porque não passavam disso mesmo...sonhos. Podem aparecer outras silhuetas que escreverão connosco outros sonhos.

         Silhuetas sem rosto, sem data, sem hora, sem lugar...mas elas estão lá, na praia de cada um à espera de viver momentos únicos.

                                                                        FIM

                                                                    Lara Rocha

                                                                    30/Maio/2022


0 comentários

Sem comentários:

Enviar um comentário

Muito obrigada pela visita, e leitura! Voltem sempre, e votem na (s) vossa (s) história (s) preferida (s). Boas leituras