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segunda-feira, 4 de outubro de 2021

A vela e os morcegos

        


foto de Lara Rocha 


      Era uma vez uma vela que foi deitada fora por umas pessoas de uma casa, numa cidade, sem saber porquê. 

      A vela ficou tão triste por essa atitude que antes que a desfizessem, andou sem rumo, muito devagar, a chorar e a lamentar a sua pouca sorte.                                  Ia tão assombrada pela sua tristeza que nem reparou que entrou numa floresta. Continuou a andar, e só percebeu onde estava quando ouviu uns barulhos desconhecidos. 

      Olhou para cima, e viu árvores; ouviu pios que a arrepiaram dos pés até ao pavio apagado. O solo estava mais ou menos silencioso, até que ouviu folhas a mexer, era um animal que não conseguiu ver qual era, felizmente não o encontrou. 

Ouviu lobos a uivar, arrepiou-se toda, e tentou esconder-se, mas não foi muito feliz na escolha do local: uma toca onde estava um grande morcego, confortavelmente sentado num cadeirão, que já a tinha avistado. 

Saiu a porta de repente e perguntou num tom de voz potente, ao mesmo tempo que a vela recua e fica estática: 

- Boa noite, precisa de alguma coisa? Óh, já sei, está perdida. (olha a vela de cima a baixo, cheira-a) Está gelada de medo, mas não há razão para isso. (dá uma gargalhada) Entre! Vamos conversar um pouco. Nunca a vi por estes lados, mas sinto que precisa de ajuda, e estou aqui para isso. Vá...mostre um sorriso, por favor...sou um morcego mas só tenho tamanho, como dizem por aí. Entre... 

            A vela sorri timidamente, e decide entrar, com a delicadeza do morcego. 

- Não me vai comer? - pergunta a vela 

           O morcego dá uma sonora gargalhada: 

- Ora, deixa-me ver...se fazes parte da minha dieta...hummm....vamos tratar-nos por tu... não, não fazes parte da minha dieta. E então, fala-me de ti. Senta-te...faz de conta que estás na tua casa! 

            A vela, mais à vontade, sorri, instala-se, e começa a continuar a sua pouca sorte ao morcego que a ouve atentamente, abana a cabeça, às vezes fica parado a olhar para ela. 

- Mas que pouca sorte! Como é que vieste aqui parar? 

- Não sei! 

- Não sabes?    

- Não! Comecei a andar, e vim aqui parar, mas não me lembro do caminho que segui até aqui. 

- Óh...estou a ver. Estavas na companhia da tua tristeza tão grande. 

- Sim, foi isso. Também te acontece? 

- Claro, às vezes é noite lá fora, e no meu coração! 

- Porquê? 

- Isso...são longas histórias...mas...por tristezas, desilusões...também voo não sei para onde. Apenas...voo, por aí, para apanhar ar, e limpar as más emoções. 

- Como é que tu as limpas? Com uma vassoura? 

(O morcego ri) 

- Com o ar fresco, e as vistas lá de cima. 

- E resulta? 

- Resulta. Queres experimentar? 

- Eu gostava, mas...não voo... 

- Eu levo-te! 

- Então, está bem. 

            O morcego abraça a vela com as suas asas. 

- São quentinhas e macias, as tuas penas, e a tua pele! - diz a vela 

- Sim, é. 

         O morcego levanta voo com a vela, e leva-a a passear pela floresta, mostrando-lhe cada pormenor, apresenta-a a mais uma série de amigos e família dele que a cumprimentam alegremente, e acompanham o morcego no passeio, numa conversa muito animada.                                                                   Ouvem-se os carros a andar na rua, vozes de pessoas a falar, veem-se luzes da cidade, e o som do mar muito próximo. Os morcegos já conhecem essa praia, e vão até lá. Era um espaço totalmente novo para a vela. 

Pousam na areia, o mar estava longe da areia, viam-se luzinhas. 

- O que é aquilo na água, são pirilampos? - pergunta a vela 

- São luzes de barcos de pescadores! 

- O que fazem a esta hora? 

- Pescam! 

- Deviam estar a dormir. 

- Não...Acho que eles são como nós, morcegos, mas uma espécie muito estranha, parece que dormem de dia, e trabalham de noite, mas não têm asas como as nossas, também comem peixe e nós não. 

- Acho que são parecidos com os que me deitaram fora. - diz a vela 

- Áh, sim. Mas nós não te vamos deitar fora. 

- Tu também dás luz, não dás? - pergunta outro morcego 

- Como é que sabes? - pergunta a vela 

- Eu já vi iguais a ti, que tinham uma luzinha, não sei se era um chapéu, um carapuço ou um carrapito! 

(Todos riem) 

- Ora dá lá um bocadinho de luz! - pede outro morcego 

- Sim, nós queremos ver a tua luz. - acrescenta outro 

- Mas... assim sozinha não consigo. Alguém precisa de me acender! - diz a vela 

- E como é que te acendemos? - pergunta o morcego grande 

- Acho que é com...lume...! - diz a vela

- Lume? - perguntam todos 

- Onde vamos arranjar isso? - pergunta outro morcego 

- Aqueles devem ter... - lembra outro morcego 

(Um morcego vai ter com os pescadores e pergunta delicadamente): 

- Boa noite, por acaso algum de vocês tem lume, para acender uma vela amiga nossa? 

(Os pescadores dão uma gargalhada geral) 

- Um morcego a pedir lume para acender uma amiga vela...este mundo está perdido! - diz um pescador a rir 

- Nunca outra ouvi. Mas sim, temos...onde está a sua amiga...? - comenta com os outros - acho que este ainda está na idade dos amigos imaginários, como os nossos filhos. 

(Gargalhada geral) 

- Está ali... por favor! - pede o morcego 

             Os pescadores seguem o morcego desconfiados, e nem querem acreditar no que estão a ver. Está mesmo uma vela com outros morcegos na areia. 

- Ui, não sei se isto é um bom sinal. - comenta um pescador 

- Por favor, podem acender a nossa amiga? - pede o morcego grande 

- Claro que sim... - dizem os pescadores 

             Um dos pescadores acende a vela com um isqueiro, e os morcegos ficam maravilhados com a sua luz, em silêncio, a contemplar a luz da vela. Nunca tinham visto tal coisa.  

- Áhhhhh... - os morcegos soltam uma grande e sonora exclamação 

- Que bonita que é a tua luz! - diz o morcego grande 

- Porque não estava acesa quando foste para a floresta? - diz outro 

- Pois, assim não terias tanto medo! - acrescenta outro 

- Porque eu fui deitada fora, e não tinha como me acender! - explica a vela 

            Os morcegos enchem-na de perguntas: 

- E como te deitaram fora? 

- Quem? 

- Porquê? 

- Mas que maldade! 

- Meninos, sosseguem, e apenas...apreciem esta maravilha que é a luz dela! Ela agora está connosco, e é mais que linda. 

- Obrigada! - sorri a vela 

            Chega uma morcego ciumenta, que ia barafustar com os morcegos, mas fica calada, quando vê a vela. 

- Onde arranjaram isso? - pergunta a morcega 

- É linda, não é? - comenta o pescador 

- Sim, é! - diz a morcega ciumenta 

- Mas não é uma morcega! 

- E o que é que isso interessa? 

- É na mesma nossa amiga! 

- Estava perdida na floresta, foi deitada fora pelos humanos. 

- Vamos fazer uma festa, para a nossa nova amiga? - sugere a morcega ciumenta 

- Claro que sim. Chama o resto do pessoal. - diz o morcego grande 

            A morcega ciumenta comunica a todos que há uma nova amiga e que vão fazer uma festa. Juntam-se todos, contemplam a vela encantados, a luz da vela aumenta, cada um cumprimenta a nova amiga, batem palmas, cantam, dançam. Arranjam-lhe uma casa, e desse dia em diante, cada morcego leva a vela a passear, fazem festas com ela, acendem-na, e ficam em silêncio a apreciar, ou às vezes cantam e conversam alegremente. Nunca mais a deixam sozinha. 

                                                                      FIM 

                                                                  Lara Rocha 

                                                                 4/Outubro/2021 

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