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domingo, 31 de outubro de 2021

decisões precipitadas e decisões acertadas (monólogo para adolescentes e adultos)

desenhada por Lara Rocha 



          Ainda estou em estado de choque até agora! Ligou-me uma amiga a dizer que está grávida. E eu perguntei-lhe como é que tal aconteceu. Ela claro, irritada e muito assustada, perguntou se eu queria que fizesse um desenho. 

          Disse-lhe que não era preciso, mas perguntei-lhe como é que depois de saber como se evita uma gravidez na adolescência, e de saber que podia acontecer, se se deixasse levar pelo fogo, como ela disse que fez, respondeu-me que se não fizesse o que o namorado queria, ia perdê-lo, ambos tinham a certeza absoluta que não ia acontecer nada, e que seria uma noite espetacular.  Ela também achava que não estava na fase de engravidar. 

        Por um lado, fiquei com pena dela, porque uma adolescente, com um bebé a cargo...perguntei como tinham reagido os pais, ela disse que a obrigaram a assumir a responsabilidade, mas iam ajudá-la. Deram-lhe um raspanete, e na minha opinião, com toda a razão! Ela não pensou nas consequências dos atos, deixou-se levar pelo desejo. 

        Acho que no meu caso, os meus pais sempre falaram à vontade sobre sexualidade e afetos, e eu leio muita coisa sobre isso, nos livros. Acho que até fiquei traumatizada, ao ver numas aulas, o que acontecia ao nosso corpo, com as ISTS. Cruzes! Todos nós vemos essas imagens, ficamos com medo e nojo, mas muitos esquecem rápido. 

        Eu pensei muitas vezes em tudo o que aprendi que podia acontecer, com umas palestras que foram dar à nossa escola sobre sexualidade. Alertaram para as consequências das nossas escolhas, do que podia acontecer, e que devíamos aprender a dizer não, mesmo que nos doesse, se essa fosse a nossa vontade. 

        Disseram-nos que devíamos respeitar primeiro o nosso corpo, depois, as nossas vontades e medos, tal como o outro tem de respeitar as nossas escolhas, os nossos nãos. Somos adolescentes, em formação, precisamos de nos envolver uns com os outros, pode fazer-nos bem namorar, mas...com cabeça! 

        Não me esqueci desses conselhos, e já tive dois namorados, que acabaram, porque não quiseram esperar, pelo menos respeitaram os meus nãos. Eu gostava muito deles, mas não me sentia preparada para me entregar daquela maneira. 

        A minha educação, foi um bocado nesse sentido, de que lá porque temos um namorado, não quer dizer que esse vai ser para toda a vida, que devemos estar protegidos, é bom namorar, mas talvez pela minha forma romantizada de ver as relações, pensava sempre no que podia acontecer, e se estava preparada. 

         É claro que não estava preparada. Os meus pais sempre disseram e dizem que ter filhos é uma grande responsabilidade, um filho não é um boneco, dá gastos, exige muitos sacrifícios e investimentos. Avisaram-me que se isso acontecesse comigo na adolescência, era irresponsabilidade minha, e eu tinha de assumir. 

        Eu pensava...como é que vou assumir uma coisa que não faça a mais pequena ideia de como é? Sei que dá muito trabalho, exige dinheiro, e eu tinha que me arranjar. Os meus pais sempre me disseram que podia namorar, mas primeiro estavam os estudos, para ter cuidado, para não me espetar de cabeça, porque nem na idade adulta os namoros são certos, nem os casamentos, quanto mais na adolescência. ~

        É bom para crescermos e formarmos a nossa identidade, a nossa pessoa, termos fantasias com o que gostamos e o que não gostamos, mas daí até ter um filho, vai uma enorme distância. Ela disse que não queria aquele bebé, porque ainda era uma adolescente, só aconteceu, como acontece muitas vezes.

        Achamos que só os outros é que passam por isso, nós, adolescentes, e às vezes adultos, estamos no auge do escaldão, da paixão, queremos é aproveitar enquanto há, senão perdemo-lo, aquele que achamos que vai ser o amor da nossa vida, o príncipe que vai estar sempre do nosso lado. Claro que sim! 

        Não pensamos no sítio em que ele vai estar do nosso lado, até pode estar ao nosso lado na rua, mas o estar do nosso lado...ela disse que queria tirar o bebé, e os pais não autorizaram, como é menor, só tem de obedecer, e agora vai ter que levar com as consequências. 

        Assumam...nunca pensam no que pode acontecer, e agem...cedem ao medo de o perder, que ele vos deixe. Mas...e quando acontece o que não se esperava, o ser vai embora, não quer saber mais de nós? 

        Ela foi com ele, mas não queria, tinha medo, foi porque não queria que ele pensasse que ela era mariquinhas e que afinal não gostava dele, assegurou-lhe que não ia acontecer nada, que ia ser bom. Pois, pois, pois...sabemos de tudo isso, mas na hora, esquecemos isso tudo. 

        Eu não me esqueci do que aprendi. Perdi-o, sim, mas não me arrependo! Pensei muito antes, de dizer que sim, e de ir com ele. Já namorávamos há uns meses, e eu sou adolescente como a minha amiga que está grávida agora. 

        Passei várias noites a pensar...sem dormir. Eu gostava dele, e ele dizia que gostava de mim. Convidou-me, disse que queria ter relações comigo...mas eu disse logo que não...que primeiro queria conhecê-lo melhor, e no dia a seguir, chamou-me de tudo e mais alguma coisa, disse que estava tudo acabado entre nós, que eu era fraca, medricas, e que não sabia o que estava a perder. 

        Fez chantagem, vários dias, tentou fazer-me mudar de perspetiva, mas eu não cedi. Simplesmente não queria, nem estava preparada! Assumi que tinha medo, e que os estudos eram mais importantes para mim, do que ter namorados. Ele ficou possuído, e deixou de falar comigo. Deve ter dito cobras e lagartos de mim, mas não me preocupei. 

        Durante vários dias, chorei, não gostei de mim, odiei-me, senti-me uma porcaria, mas depois comecei a pensar que talvez tenha sido melhor assim. Já o vi com uma série deles, e penso...se ele tem relações com todas elas, desprotegidas, não sei não! 

        Elas cedem à chantagem dele, como é possível, para quê, ter medo de perder quem nos quer apenas como objeto de prazer? Foi o que eu senti, quando ele me propôs, se mal nos conhecíamos e ele já queria...com a mesma idade que eu, já era sabido demais, ou achava-se! 

        Qualquer dia acontece-lhes o mesmo que a minha amiga! E ela que se dizia atinada, que não era fácil de se apaixonar....de se apaixonar, realmente não deve ser, mas de fazer outras coisas, que na realidade são nossas, do ser humano, de todas as idades, mas os meus pais sempre me ensinaram que ainda é muito cedo, e lembro-me sempre das consequências. 

        Será que é mais importante do que a minha saúde, e do que outras coisas a que dou mais valor? Se eles não aceitaram, custou-me muito, dizer que não, mas pensei primeiro em mim, e depois nas consequências das minhas escolhas, caso eu escolhesse ir com ele, para uma noite quente, como ele dizia. 

        Com certeza ele também não gostou dos nãos, mas possivelmente já levou muitos sins, porque já os vi, aos dois namorados que tive, com muitas outras raparigas, que não devem ter medo, nem devem pensar no que pode acontecer. 

        Eu gostava e gosto de crianças, mas não estava nos meus planos ser mãe, tentava imaginar-me como mãe....que filme de terror, via pelas minhas primas, o que elas passavam com os rebentos bebés, achava que não estava preparada, nem de perto. 

        Já tinha ouvido tantas histórias de adolescentes e adultas que engravidaram e o pai dos filhos nunca mais quis saber delas. Talvez porque sou marrona, pus primeiro os estudos à frente, mesmo com medo de o perder. 

        Mas...se o perdesse? Ia ser mau, só que podia não ser ele, o amor do resto da minha vida. Era o meu primeiro namorado, e eu tenho medo de ISTS, não ia ter relações com ele, desprotegidas, a não ser que estivéssemos bêbados, como estava a minha amiga e o namorado, ou o ex, porque ele disse que não ia assumir, que o filho não era dele, só ele esteve com outra antes dela. 

        Ele deixou de lhe falar. Como vão sustentar uma criança? Eu pensei nisso muitas vezes...se eu engravidasse em adolescente, como é que eu ia aguentar? Tinham de ser os meus pais a sustentar-nos, e eu não queria isso para eles. Doeu, perdê-los, claro, fiquei muito triste, mas ao mesmo tempo orgulhosa porque respeitei o meu corpo, a minha vontade, e protegi-me! 

        Eu acho que quando, e se tiver, de acontecer, vai acontecer. Não sei, talvez sinta uma coisa diferente, ou aprenda a não ter medo das doenças que se podem apanhar. Eu acho que quando aparecer um amor que vai para além da adolescência, na idade adulta, talvez, eu saberei reconhecer. 

        Todas as escolhas têm algo que se perde, e algo que se ganha, mas com algumas ganhamos mais do que perdemos, e acho que era o caso, se eu me deixasse levar pelo calor, sem pensar no que podia acontecer. 

        A minha amiga agora dá-me razão, antes, gozava-me, achava que eu era pré-histórica, que nenhuma adolescente quer estar sem namorados, e que na adolescência, faz parte dos namoros, ter relações, se não, eles acabam, e depois ficamos encalhadas. 

        Mesmo assim, eu pensava que era melhor ficar encalhada, ou lá o que fosse, do que envolver-me com alguém que depois dava para o torto, e eu tinha que assumir tudo sozinha. Um filho não é um brinquedo, não é feito assim com o primeiro namorado. 

        A minha amiga, agora dá-me razão, que devia ter pensado antes de ceder ao medo de perder o namorado...temporário, e que devia ter usado proteção, ou devia ter recusado, mesmo que ele não a quisesse mais. 

        Agora, pensa depois de fazer, o ideal é pensar antes de fazer. Parar para pensar, imaginar todos os cenários, tudo o que tem de bom, e infelizmente os riscos que traz, tanto a relação desprotegida, pelo bebé, como pelo abandono do pai da criança, que ela vai tentar convencer, e com razão, porque ela não o fez sozinha. 

        Ambos tiveram a responsabilidade, ambos sabiam o que podia acontecer, e não tomaram medidas para prevenir. Os dois estiveram na mesma palestra que eu, mas esqueceram tudo num instante, quiseram foi logo pôr em prática, sem pensar no resto. 

        Há decisões que têm de ser muito bem pensadas, e esta é uma delas, mesmo com os aspetos mais dolorosos, como a separação, o fim da relação, e um bebé...mãe solteira. Tenho pena dela, e vou ajudá-la no que puder, pelo menos continuar a ser amiga dela, o resto ela vai ter de resolver. 

        Adolescentes e adultos...lembrem-se que é melhor parar e pensar em todos os contras, não tomar decisões que possam estragar-vos o que pode ser mágico. É melhor...parar, pensar, e depois agir de acordo com as nossas decisões, que podem trazer consequências boas e más. 

        Devemos pesar as duas e ver, mas acima de tudo, nestas situações de namoro, devemos pensar mais ainda, viver um namoro e uma sexualidade segura, porque nenhuma relação agora tem garantia total que vai ser para sempre. 

        Respeitar sempre o nosso corpo, a nossa vontade, independentemente da resposta do outro, que pode ser má, mas é problema dele. 

        Há filhos, e depois..? Mais problemas. 

                                                                    FIM 

                                                                Lara Rocha 

                                                                31/Outubro/2021 


       para trabalhar com adolescentes, professores, estudantes de psicologia e outros profissionais  

regulação emocional, auto-estima, respeito pelo corpo, pensar antes de agir, atos e consequências                                                          

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