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sábado, 3 de outubro de 2015

A flor vistosa e a flor murcha




















fotos de Lara Rocha 

Era uma vez umas flores num jardim. De entre todas as flores, todas bonitas, cada uma com a sua beleza particular e diferente da outra, havia uma que chamava mais a atenção de todos. Era uma flor grande, com pétalas lindas, tão macias que pareciam de veludo, e salpicos de várias cores, ao contrário das outras que tinham pétalas de uma só cor.
Toda a gente reparava nela, e servia de inspiração para muitos artistas que a pintavam, bordavam, fotografavam e filmavam, e escreviam lindas frases a pensar nela. Fartavam-se de a elogiar. Era por isso que ela ficava cada vez mais bonita, vaidosa e sentia-se realmente especial.
No inicio a flor tinha muitas amigas, porque embora ela fosse a preferida, as suas amigas sabiam disso, e também sabiam que eram bonitas, mas o tempo passou, e quanto mais as pessoas reparavam na amiga, menos reparavam nelas. Por isso…elas começaram a ficar tristes e a deixar de ligar à sua bela amiga, a murchar, a perder a cor e as pétalas a ficarem secas.
Até começaram a comentar entre si:
- Olha para ela…
- Já estou farta de olhar para ela.
- Convencida.
- Tem a mania que é boa.
- Só me apetece desaparecer daqui…só reparam nela.
- Realmente, parece que não há mais nenhuma flor neste jardim.
- Toda a gente repara nela.
- Eu sinto-me horrível.
- Eu também…no inicio até gostava dela, e achava que tinham razão em apreciá-la, mas agora até mete nojo.
- Também acho. Eu achava que também era bonita, mas agora já não tenho tanta certeza disso!
- Pois! – Dizem todas
De repente chegam dois meninos: o Gonçalo e a Maria Luísa, que reparam nas flores murchas.
- Óh…olha mano…estão cheias de sede! – Diz a Maria Luísa
- Coitadinhas! Até já estão a ficar secas, e murchas…a perder a cor. – Confirma o Gonçalo 
Pegam num regador e regam-nas. As flores abrem um grande sorriso por estarem a ter atenção!
- Olha esta que linda… - Repara o Gonçalo
- E esta…tem uma cor tão bonita! – Diz a Maria Luísa
Os manos reparam em cada pormenor, e acariciam as pétalas de cada flor. Elas renascem…aqueles elogios, os mimos e a atenção que receberam dos meninos fez-lhes mesmo bem. Estavam como novas. A última flor em que reparam é na mais bonita.
- Óh mano…olha que gira esta… - Elogia a Maria Luísa
E a flor fica vaidosa.
- Estava a ver que não reparavam em mim.
Mas ela começou a ser ignorada, deixam de reparar nela, e de a elogiar. Ela começa a fazer de tudo para que voltem a reparar em si, mas não consegue…então, começa a murchar, a perder as cores, a ficar seca, como aconteceu com as suas amigas. Uma voz soa do interior da flor mais bonita:
- Aaaaaiiiiii…. Que tristeza!
A flor estremece.
- Estou a ouvir coisas?
- Sim…estás-me a ouvir?
- Estou a ouvir alguém a falar.
- Sou eu.
- Quem?
- A flor murcha.
- Onde estás?
- Estou aqui.
- Onde…?
- Aqui.
- Estás a gozar comigo?
- Não. Estou aqui.
- Não vejo aqui nenhuma flor murcha. Só eu. Mas não me estou a ver ao espelho.
- Pois não. Mas estás a falar com a flor murcha.
- Eu era uma flor vistosa, linda, maravilhosa, sexy, a mais bonita do jardim, mas agora já ninguém repara em mim. Toda a gente gostava de olhar para mim, de me tocar, e diziam coisas bonitas… sem querer, eu até ficava vaidosa. Mas tinha razão para ficar, não é…? Agora…Já ninguém toca nas minhas pétalas, já ninguém diz que elas são bonitas, já ninguém vê as cores que eu tenho em cada uma delas! Já ninguém me fotografa, nem me pinta, nem me borda! Já ninguém me escreve poemas. Parece que de repente deixei de existir neste jardim. Será?
- Pois, eu sou a flor murcha. Estou murcha pelos mesmos motivos que tu…porque deixei de ter atenção, deixei de receber elogios, carinhos e palavras bonitas.
- Óh…é muito triste!
- É. Mas então…espera eu…eu não te vejo, mas estou a ouvir-te. Se nos aconteceu a mesma coisa…
- Não sei o que estás a pensar.
- Estou confusa!
- Eu também.
A Maria Luísa acabou de ter uma conversa com a sua Avó, sobre flores. E a sua Avó disse-lhe que as flores são como as pessoas…gostam de receber mimos, e atenção, gostam que reparem nelas, que as elogiem e conversem com elas.
A Maria Luísa ficou a pensar que talvez fosse por isso que aquela flor estava murcha, como as outras, e lembrou-se do que tinha acontecido uns dias antes, quando ela e o mano regaram as outras flores, repararam em todos os seus pormenores e belezas, tocaram-lhes nas pétalas delicadamente, e elas ficaram como novas. E foi mesmo isso que aconteceu!
A Avó tinha toda a razão…quando a menina foi regá-las, uma por uma, acariciou as pétalas de cada uma, carinhosamente e delicadamente, disse coisas bonitas a cada uma delas, aconteceu uma verdadeira magia: todas as flores que estavam quase a murchar, por falta de carinho, atenção e dedicação, ficaram como novas, voltaram a despertar e as suas pétalas vistosas como sempre.
A outra flor bonita, não via a flor murcha porque elas são uma só…era o lado dela que ninguém via…o seu coração…a sua maneira de ser, os seus pensamentos, o que ela achava de si própria, os seus sentimentos. Quando voltou a despertar mais bonita, a outra flor murcha que falava com ela responde-lhe:
- Áh! Agora sim…estamos bem! Lindas como éramos antes, vistosas…vais ver que toda a gente vai voltar a reparar em nós. Uau! Obrigada menina, que nos regaste, que nos deste carinho, que tocaste nas nossas pétalas, que nos disseste coisas bonitas… lá porque somos flores, também gostamos e precisamos disso tudo. Não são só os humanos.
- Áh! A Avó tem razão. Olha que lindas que elas voltaram a ficar… precisam mesmo de carinho, atenção e dedicação. Voltarei mais vezes! Sabem, eu e o mano, os meus pais, os meus Avós…todos gostamos muito uns dos outros, e às vezes dizemos coisas bonitas, trocamos carinhos, abraçamo-nos, brincamos e conversamos muitos. Mas outras vezes, eu e o mano ficamos muito tristes porque os papás dizem que não têm tempo para brincar connosco, ou para conversar e ouvir o que queremos dizer…outras vezes, eu e o mano fazemos umas surpresas à mamã e ao papá, e eles nem reparam…não dizem nada! Às vezes só reparam nas asneiras que fazemos. Na escola, a nossa professora às vezes dá-nos os parabéns pelos trabalhos, e assim eu e o mano, e os outros meninos, até gostamos mais da escola, de fazer os trabalhos, esforçamo-nos mais, mas outras vezes…achamos que está bem feito e bonito, mas a professora não diz nada. Ficamos tristes! Também ficamos tristes quando os papás e os avós não nos dão carinhos, quando fazem de conta que nos ouvem, mas nem olham para nós, e depois não sabem o que dissemos. Na escola também há meninos maus, que têm a mania de nos chamar nomes feios, de dizer mal do que vestimos, de se rirem quando não fazemos as coisas direito…sentimo-nos muito envergonhados. Eu acho que às vezes eles não pensam que quando não nos ligam ou quando não falam connosco, quando não nos dizem coisas bonitas e agradáveis, ou quando não nos dão carinho…deixam-nos muito tristes, e a pensar que somos maus, que não prestamos, que não merecemos o que eles têm de melhor…até achamos que não temos nada de bom que os agrade!
Convosco também vos acontece o mesmo?
Quando? Onde? Como se sentem? O que pensam disso?
O que conseguem ver de vocês?
O que não conseguem ver de vocês?
Gostam da vossa imagem?
Sabem, às vezes o que os outros dizem de nós, e quando não reparam em nós, ficamos tristes, e tudo o que dizem de nós, vai ajudar-nos a construir a nossa visão de nós mesmos…aquilo que achamos que somos como pessoas, aquilo que os outros não vêem à primeira vista, como vêem a nossa cara! A flor vistosa também não via a flor murcha, mas ouvia a sua voz…a voz dos seus sentimentos.
Sabes uma coisa…? Não podemos deixar que o que os outros dizem de nós, nos transforme noutras pessoas, só para eles gostarem. Somos todos diferentes, mas só assim é que vale a pena…podemos ser amigos de todos, e não precisamos de ser iguais em tudo.
Nem sempre o que nos dizem sobre nós é a verdade que nós somos!

FIM
Lálá
(24/Agosto/2015)


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