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sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Delírios de solidão, esquizofrenia, ou demência?

         A bebé, a criança, a adolescente, a Adulta e a Avó 

        Uma Sra. na casa dos 70 anos, não sabia dizer ao certo quantos tinha, nem o dia e ano em que tinha nascido, ou onde. Já soube, mas agora tinha coisas muito mais importantes para tratar, do que saber essas coisas que já se tinha esquecido. 

        Ou se alguém lhe perguntava, ela desconfiava que era para lhe fazer alguma, para sondar a vida dela e depois roubá-la, ou fazer-lhe mal. Dizia que todo o cuidado era pouco, porque só havia gente mal intencionada e invejosa à sua volta. 

       Era vista sempre sozinha, a vaguear, como se estivesse a conversar com alguém. Os filhos estavam longe mas iam marcando presença por telefone, e quando podiam, de longe a longe marcavam presença. Estava separada do marido há muitos anos que a maltratava. 

        Tinha os braços numa posição que às vezes parecia segurar um bebé no colo, outras vezes a empurrar o carrinho imaginário, numa conversa terna e alegre com quem ninguém via. 

     Sentava-se num banco da rua, de jardim, ou numa cadeira da sua casa, uma vez com o bebé «invisível», outras vezes materializava o bebé com um boneco muito antigo, provavelmente da sua geração, com quem tinha longas conversas. 

        Chorava muito, ria com sonoras gargalhadas, muitas vezes não se percebia o que contava, apenas murmurava e acariciava, abraçava o boneco, beijava-o, sorria-lhe, cantava para ela. 

        Por vezes parecia que estava a alimentar o bebé com o biberão e a embalá-lo para adormecer. Noutros dias, ralhava com outras pessoas, inclusive parecia estar a ralhar com uma criança. 

        Em casa, e na rua, gritava com ela, parecia dar uma sapatada, e ordens para que a criança parasse quieta, ou se calasse. Fazia movimentos, falava com ela, contava-lhe coisas que fazia com aquela idade, como eram os pais, os avós, os tios, os primos. 

        Contava a essa criança «imaginária» que tinha animais muito variados na casa, como era a casa, os rituais, as festas na escola, a exigência e os castigos dos professores, o que tinha aprendido, a vida dura. 

        Às vezes, além de pegar no «bebé imaginário», também parecia pegar nessa criança ao colo, abraçá-la, beijá-la, sorria, mostrava-lhe coisas, cantava, embalava-a nos seus braços como se estivesse a adormecer. 

        Outras vezes fazia movimentos como se estivesse a bater-lhe e a castigá-la, ameaçava-o. De vez em quando, em casa, quando estava com o bebé «imaginário»; ao colo (ou o boneco), tanto ralhava com a criança para parar quieta, como a chamava com carinho para ir para a beira dela, e falava-lhe com carinho. 

        Parecia não ir sempre com a mesma pessoa, outras vezes dava a entender que ia com uma adolescente «invisível» ao seu lado. A essa Adolescente ela falava do que diziam ser pecado, do que era proibido, da gravidez Adolescente, dos amores muito diferentes de agora como a própria dizia. 

        Era um assunto que parecia tê-la perturbado, ou traumatizado, pois falava das tareias que algumas adolescentes levavam, e das famílias antigas, dos namoros. 

        Entre as conversas, lá saiam algumas lágrimas, gritos de raiva, «palavrões», e ria sozinha. As conversas eram longas com essa adolescente, umas vezes mais leves, outras mais duras. 

        Mas também era vista com o que parecia ser uma Adulta ao seu lado. Em casa, ouviam-na a falar também, mas não viam ninguém a não ser ela. 

        Quando lhe perguntavam se estava tudo bem, ela dizia que sim, que aquelas criaturas às vezes davam-lhe cabo da cabeça. Queriam saber quais criaturas, e ela respondia, os que viviam na casa dela, um bebé, uma criança, uma adolescente, uma adulta e uma velha. 

        Ela nem as conhecia, mas já tinham aparecido lá em casa, nem sabe como, talvez enviadas por algum dos filhos, acolheu-os, mas os mais pequenos não são sempre fáceis. 

        Dizia aos vizinhos que perguntavam, que a Adolescente tinha a mania que era adulta, então, saia com os amigos e chegava tarde, o que a deixava muito preocupada e acordada até ela chegar. 

        Ralhava com a suposta adolescente, por estar de vestido tão curto, ou com um top que via quase as entranhas, e o que estava debaixo da pele, ralhava com ela por usar aqueles sapatos tão altos, por estar toda pintada. 

        Ralhava porque achava que devia ficar em casa, ou não andar com aquela gente horrorosa que aparecia à porta, e que lhe ligava vezes sem conta. 

        Ralhava porque estava atrasada, porque era uma desavergonhada, porque ela tinha era que estudar, e não andar aí a desfilar. Gritava-lhe para desligar aquela porcaria de rádio ou telefone, e ir comer, se não, levava uma chapada ou uma chinelada. 

        Ameaçava-a que punha um polícia à porta para não a deixar sair. Uns dias parecia que estava muito bem, que não falava com quem ninguém via, nem levava nenhum bebé ao colo, nem criança, adolescente ou adulto. 

        Os vizinhos ouviam-na a gritar, a chorar, a ralhar, a insultar, a atirar coisas. Corria a casa toda, aos gritos, batia portas, abria e fechava.

        Os vizinhos perguntavam se estava tudo bem, se precisava de ajuda, e ela parecia não estar em si, ou uma outra pessoa, totalmente contrastante com a que viam à janela no dia seguinte, muito calma, a olhar para o vazio no espaço. 

        Ela respondia-lhes de noite que tinha de fechar as portas e as janelas dos quartos várias vezes, para as sombras não entrarem, umas sombras perigosas, maléficas, pois ela tinha a missão de proteger os hóspedes. 

        Ela dizia que as sombras horrorosas, com formas estranhas, faziam barulhos irritantes, outras tinham meio corpo, outras quase nem se percebia como eram. Umas sombras tinham olhos e dentes gigantes, guinchavam, as unhas eram nojentas, enormes e bicudas. 

        Mas as sombras tinham medo dela, e do bater das portas, das janelas, do que ela atirava, portanto, quando ela entrava nos quartos, porque pressentia o barulho delas, e o bebé e a criança começavam a chorar, desapareciam.

        Não descansava enquanto não verificasse várias vezes se as sombras tinham ido mesmo embora, e se estavam em segurança. Os vizinhos achavam tudo muito estranho, porque só a viam a ela, e só a ouviam, não viam nem ouviam mais ninguém. 

        Na manhã seguinte, tanto a viam com os supostos «hóspedes», muito bem disposta, como estava à janela, cumprimentava os vizinhos, sorridente, conversava sobre tudo e mais alguma coisa, como se nada se tivesse passado. 

        Avisaram os filhos que a levaram ao médico, mas ela negou que estaria com algum problema de saúde mental. Tinha a convicção que aquelas pessoas existiam, não sabiam como se chamava, talvez lhe tivessem dito, mas esqueceu-se com a preocupação de cuidar deles. 

        Afirmava com toda a segurança que aquelas sombras também invadiam os quartos, eram mesmo monstruosas, tenebrosas, maléficas, queriam mesmo dar cabo dos hóspedes, mas tinham medo dela, dos barulhos das portas e das coisas que ela atirava. 

        Dizia que o bebé, a criança, a adolescente, a adulta e a mais velha deviam ser todos da mesma família, porque eram parecidos. Também não andavam sempre colados nela, mas até a tratavam com carinho. 

        Mostravam-lhe um espelho e ela umas vezes dizia que era a própria, outras vezes que era a mais velha que andava com os outros elementos. 

        Os médicos também não viram ninguém, mas fizeram-lhe vários exames. 

Delírios (de solidão)? 

Esquizofrenia? 

Demência? 

Outros... 

Não há uma resposta única, depende da interpretação, e podem imaginar mais pormenores para que haja um diagnóstico definitivo, através das características. 

Podem trocar impressões nas aulas, entre vocês, ou responder individualmente, aqui nos comentários. 


                                        FIM 

                                    Lara Rocha 

                                 28/Outubro/2022


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