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domingo, 14 de outubro de 2018

EU, A RITA QUE RI, E A DORA QUE CHORA (Psicólogos, estudantes de psicologia; população geral)





                Partilho o meu corpo com duas gémeas, que me transformam numa autêntica marioneta, conforme a telha! Uma chama-se Rita, a outra chama-se Dora. Vejo-as. Umas vezes nos espelhos, outras vezes fora de mim. Fisicamente são muito parecidas, mas uma tem um feitio insuportável, a Dora, a outra, é mais simpática, a Rita. Umas vezes aparece só uma, e passa muito tempo comigo, outras vezes é a outra. No início pensei que apesar de ser adulta, tinha voltado de repente a ser criança, àquela idade dos amigos imaginários, e por isso era eu a imaginar, para não me sentir sozinha. Depois achei que seria efeito secundário do stress no trabalho, por estar a fazer o que não gostava, de onde felizmente fui despedida porque disse na cara da besta do patrão umas quantas e boas que ele já estava a pedir há muito. Nesse dia senti que a Rita estava comigo, não é que ela me tenha feito rir, mas deu-me força, muito raiva, tornou-me a voz mais forte, e extrovertida! Nem parecia eu. Ela, a Rita, é mesmo assim. Quando toma conta de mim, faz-me rir, sair da casca, é super fácil atrair a atenção dos gajos, e fazer deles tudo o que eu quero…ai…adoro vê-los todos encolhidos com o medo, mas ao mesmo tempo, com vontade de me comer…! Cromos! Eu uso-os e deito-os fora, é o que eles merecem. Mas com a Rita, dá-me gozo fazer isso, parecemos duas lobas selvagens! Ao lado da Rita sinto-me linda, atraente, maravilhosa, uma felicidade que não tem explicação, mas é tão boa…só sinto quando ela está comigo. Ela não tem papas na língua, é tão engraçada (ri) fala que nunca mais acaba, mas diz coisas acertadas, tudo o que lhe vem à cabeça. Vou com ela às compras, gasto dinheiro, mas assim sinto-me preenchida. Quem é que nunca se sentiu bem a fazer compras? É terapêutico. O pior, descobri mais tarde, quando a Rita me deixou sem dinheiro para pagar as contas, e a minha família teve de suportar os gastos. Não sabia como lhes explicar, não podia dizer que foi a Rita porque não iam acreditar, só eu é que a vejo. A Rita até me desafia e incentiva a fazer coisas arriscadas, perigosas, que achava nunca ser capaz. Felizmente nunca aconteceu o pior, nem pensava nisso, e fazia-o, mas se fosse agora, talvez não o fizesse. A Rita é louca! Mas até gosto dela, farto-me de rir com ela! Até nem sei de quê, mas também não interessa. Olhamos para a cara uma da outra, e as coisas que ela diz, e partimo-nos a rir. Rir é bom! Fica tudo a olhar para nós…para mim…quando me veem a rir. Rir é bom, e eu gosto da companhia da Rita que ri. A outra gémea, a Dora, é completamente diferente: mais metida nela, tristonha, quase não fala, chora por tudo e por nada, é muito infeliz, queixinhas, está sempre com sono e outras vezes com as paranoias e aqueles pensamentos suicidas. Acha que é feia, que ninguém gosta dela, é um fracasso, não vale nada, é esquecida, vê tudo feio, tudo mau, tudo escuro, dói-lhe tudo, não quer saber de nada, não se envolve com nada, parece um esqueleto em pé. Tem uma série de ideias estranhíssimas, que quando as ouço até fico assustada. Acha sempre que ela é a pior em tudo! Desconfiada! Eu tenho pena dela porque está sempre a chorar e não consegue sair daquele estado de tristeza, como se não houvesse amanhã. A Rita nem me deixa dormir. Mas eu compreendo a Dora que tanto chora, porque às vezes também me sinto assim! E como a compreendo, choro sem fim, porque sei o que ela sente. E quando a Dora está comigo, fico como ela… sempre triste, revoltada, ansiosa, cheia de medos, pensamentos estranhos e assustadores, com vontade de acabar comigo. Às vezes quando estou com a Dora sei que não sou a única, não estou sozinha na tristeza, partilhamos uma com a outra as coisas más, e até já pensamos em conjunto num suicídio. Nunca o concretizamos porque aparece a Rita que nos faz rir. A Rita não nos compreende. Só eu e a Dora é que nos entendemos. O que eu não gosto nas duas é quando aparecem de surpresa, sem avisar, sem hora nem lugar marcado, e muitas vezes já paguei caro por isso. Porque se aparece a Rita que ri, faz-me rir com pessoas que me estão a contar tristezas. Ora, nesse momento devia aparecer a Dora que chora, tal como quando me insultam…eu pareço uma trovoada, respondo, estouro, é a Rita que me faz agir dessa forma. Diz ela que é para me defender, mas às vezes corre mal. Outras vezes, a Dora chega, e reajo com tanto choro a coisas tão estupidas e insignificantes que até é ridículo, porque a Dora que chora é mesmo assim. É muito sensível. Dizem que sou maluca. Porque devia ignorar, mas a Dora não aparece nesse momento, diz ela que é para os outros não me humilharem tanto, e para eu não ouvir e calar, coisas que magoam, como ela faz. Já lhe disse que isso não é bom! Coitada! Não consegue ser diferente. Não sei se gosto mais de uma ou da outra! São diferentes. Acho que gosto das duas, mas prefiro a Rita que ri, só que…a Dora que chora também tem coisas positivas. Antes de conhecer as duas, eu era mais do estilo da Dora, ficava muitas vezes como ela, mas depois, fiquei mais parecida com a Rita que ri…hoje, acho que sou uma mistura da Rita que ri, com a Dora que chora, tenho coisas de uma, e coisas da outra. Afinal…eu…a Rita que ri, e a Dora que chora, seremos a mesma pessoa? Ou três pessoas diferentes? Todo o ser humano tem uma Rita que ri, e uma Dora que chora!

FIM

Lara Rocha

(14/Outubro/2018)



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