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terça-feira, 9 de outubro de 2018

O gigante esfomeado

  

Era uma vez um ser gigante, que sobrevoava muitas cidades. Quer dizer...na verdade ele não era assim tão gigante! 
Só parecia, porque quando o viam ele estava muito esfomeado, como só conheciam a sua sombra e os barulhos que fazia, imaginavam-no com um tamanho assombroso, uma bocarra enorme, garras e patas que impunham respeito.
Mas ao aterrar para ir buscar comida, ninguém pensava que ele era a figura escura que viam, porque tinha um tamanho normal, não passava de um gato grande. 
Como é que ele parecia tão gigante, ninguém sabe explicar. Talvez fosse a sua fome, que o tornava muito maior do que era na realidade.
Mesmo assim, ele continuava a assustar, porque a sua fome não era bem de comida. Corria atrás das pessoas, e todos gritavam, porque pensavam que ia atacá-los, ou comê-los. O pequeno gigante não entendia porque todos fugiam dele.
Um dia, o sábio da aldeia, farto de queixas desse ser assustador, pediu para ser chamado quando esse tal monstro aparecesse que ele queria vê-lo. O sábio não acreditava que fosse um monstro, havia alguma coisa que lhe dizia que as pessoas estavam a exagerar.
         E assim foi. Quando o terrível monstro imaginário voltou a aparecer, todos os habitantes gritaram. O sábio apareceu. O gigante ficou assustado, e tremia, branco, com o medo.

- É ele! - Gritam todos

- Cuidado! - Recomenda um vizinho

- Ele é perigoso, olhe que tem máscaras e tudo, porque quando o vemos aqui por cima é enorme e ruidoso, aqui em baixo é esta amostra.

- Não se deixe levar pelo ar dele... é falso.

- Calem-se! Vão para as vossas casas. Eu quero ficar a sós com ele.

- Mas... - dizem todos surpresos

- Eu já disse. Vão para casa.

- Mestre...

- Casa! - Ordena o sábio

- Veja lá!- Alertam todos

- Casa. - Diz o sábio firmemente

- Se precisar...

- Vão!

Todos se retiram, com medo, e o gigante ainda com mais medo. O sábio olha-o de cima a baixo. Suspira, fecha os olhos, fica em silêncio uns segundos e dá uma risadinha...depois... solta uma valente gargalhada, que quase congela o gigante.

- Óh, pequeno...desculpa a minha gargalhada! - Diz o sábio

O gigante está quase congelado com o medo

- Então... tu... é que... (outra gargalhada) és o...tal monstro... que sobrevoa a cidade e ataca?

- Ah... sou? Talvez... não sei, acho que é o que dizem para aí.

O sábio dá outra gargalhada

- Muito gosto em conhecer-te...(gargalhada) tenebroso gigante.

- Não se ria para ele! - grita uma voz dentro de uma janela

O gigante ri nervoso.

- Onde está o teu gigantismo? - pergunta o sábio a rir

- Não sei porque dizem que sou gigante.

O sábio ri:

- A cabeça desta gente inventa cada uma...é o medo do desconhecido que desperta a imaginação!

- Áh! Não sei o que é isso. Mas...E o senhor não tem medo de mim? Está-se a rir?

- Não! Claro que não tenho medo de ti. Sei que és do bem!

- Como é que sabe?

- Sei! O que fazes por aqui?

- Estou esfomeado... vim à procura de comida.

- Comida...? Huuummmm... mas não é uma comida qualquer, como a nossa pois não? - pergunta o sábio

- É. - Diz o gigante

- Não é! Sentes fome?

- Sinto!

- Fome de comida?

- Sim.

- Não!

- Então... eu é que sei como está a minha barriga. Está vazia.

- Certo...mas... e a tua alma está alimentada?

- Está... - Diz o gigante, triste

- De quê?

- De... da comida que lhe dou.

- Vá lá... tu sabes que não é desse tipo de comida que estou a falar.

- Não?

- Claro que não! Tu vens à procura de comida para a tua alma! Queres saciar a tua fome de carinho, amizade, amor, atenção, afeto, risos... companhia... não é?

- É? - Pergunta o gigante muito surpreso

- É! E tu sabes muito bem do que estou a falar!

                O gigante faz silêncio e olha para o chão.

- Porque é que toda a gente diz que sou gigante?

- De facto não és assim tão grande em tamanho, mas as pessoas vêem o tamanho da fome da tua alma, com o tamanho dos ruídos que fazes, e por correres atrás deles.

- Mas eu não corro atrás deles para lhes fazer mal.

- Certo, mas eles não sabem da fome da tua alma. Tu só transmites a fome interior...que eles não conhecem! Como é gigante a tua fome! Toda a gente tem fome...as mesmas fomes que tu...a do corpo e a da alma, mas só conhecem a do corpo. Se conseguissem ver a da alma, tudo seria diferente.

- E porque é que eles não conseguem a fome deles...?

- Há muitas coisas que não os deixa ver essa fome interior deles...

- Como é que eu posso matar a minha fome...?

O sábio suspira.

- Deixa-me pensar um pouco, por favor. Enquanto isso, podes vir a minha casa.

O sábio entra em casa com o gigante, os dois conversam durante muito tempo, enquanto tomam chá. O Sábio decide fazer um baile com todos os habitantes, a que chamou: baile dos gigantes, e apresenta o gigante.

O sábio fala da fome interior, e todos deixam escapar algumas lágrimas, quando reconhecem que também eles têm um gigante dentro deles, ruidoso e faminto de amor, de atenção, carinho, afeto, diálogo, amizade, companhia.

Nesse dia todos os gigantes esfomeados se encontraram, partilharam afetos, abraços, carinhos, amizade, conversaram, acolheram o gigante, pediram desculpa, e encheram-no de carinho. Ele não podia estar mais feliz, e passou a ser mais um daquela cidade.

Somos cada vez mais, gigantes esfomeados de valores, de amor, de amizade, dos outros, embora tenhamos medo de nos aproximarmos. Há muitos fatores que não deixam ver os gigantes uns dos outros, se não, veríamos que afinal somos mais iguais na nossa essência, do que alguma vez imaginamos, e por muito diferentes que sejamos, não deixamos de ser... gigantes esfomeados!



FIM

Lara Rocha

9/Outubro/2018



                                                                







  

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