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sexta-feira, 29 de novembro de 2019

minhas queridas sombras - momólogo e diálogo sobre anorexia e bulimia (psicólogos; estudantes de psicologia; população em geral)


Minhas queridas sombras

1ª parte – monólogo



            Minhas queridas sombras! Onde estão? Abandonaram-me? Fizeram como todos os outros? Ingratas, depois de tudo o que vivemos juntas naquele nosso sítio secreto! O deserto escuro sem água, sem comida, só eu e vocês. Era tão bom. Fartamo-nos de trocar carinhos, brincar rir e fotografar. Fizemos longas caminhadas, rolamos na areia, treinamos andares.

Esquecia tudo, enquanto estava lá convosco. Até me esquecia de mim mesma, que era o que eu queria. Lá não havia espelhos, felizmente. Era tão agradável aquele espaço. Melhor que a realidade assombrada que me cerca, cheia de gente falsa, julgadora, que só critica, humilha, fere.

Tenho saudades vossas, apesar de quase me terem matado, eu sentia o vosso apoio. Sei que só fizeram isso para me ajudar a concretizar o meu desejo, de emagrecer. Vocês amavam-me, davam-me valor! Nunca me chamaram gorda, baleia, nem recusavam entradas, não me rejeitavam.

Eu queria ser como vocês, por isso é que me juntei convosco. No meio de tanta indiferença, vocês preenchiam-me. Nunca vos encontrei na cidade, entre todos os que passavam por mim indiferentes, a olhar de canto e a apontar, a disparar risinhos, e comentários.

Não era esta vida que queria, mas é esta a que tenho agora. Dizem que foi escolha minha. Mais uma vez, lá está a maliciosa sociedade que só sabe apontar o dedo. Tanta falsidade! A vida que tive já desapareceu, e depois desta vida, terei outra com certeza muito diferente. Não sei como será, mas uma coisa é certa: não voltarei a passar fome para agradar aos outros.

Ainda tenho pouca força, e estou aqui a receber vida por este tubinho. Foi fácil espetarem-me uma agulha nesta minha mão, que só tem pele e osso. Não sei se doeu, se não doeu. Não me lembro de mais nada. Sei que estava a caminhar pelo deserto, vocês não estavam lá, o deserto ficou cada vez mais escuro, parecia que tinha sido engolida por um buraco de areias movediças, e afundava-me não sei onde.

Eu procurava-vos. Fiquei triste como a noite por não vos ver lá, no sítio de sempre onde já fomos tão felizes. Acho que foi isso que acabou comigo. Algo neste tubinho impede-me de me encontrar convosco, e ir para o nosso esconderijo.

Tenho saudades vossas. Não sei há quanto tempo não nos vemos, perdi a noção de tudo! Aliás, nem sei há quanto tempo estou aqui. Ouço para aqui a falar em números e não sei sobre o que se referem.

Não sei quem é esta gente. Não sei se isto que vejo é real ou não. Não sei se isto que vejo é uma mão ou um engaço, um garfo ou um pente. Estou muito confusa das ideias. Umas que andam sempre por aqui dizem que é a minha mão. Até essas são cruéis.

Tenho de vos agradecer, queridas sombras, por me terem ajudado a atingir o objetivo de ser elegante. Esta sociedade respira e explode em maldade por todos os poros.

Quando era gorda, chamavam-me um jardim zoológico ambulante, uma incrível variedade de bichos… vaca, porca, baleia, tubarão, lontra, foca, monstro, e produtos de mercado, como pote de banha, banha de porco, bola de unto, e outros piores que eu nem conhecia.

Todos os outros, riam, não sei onde estava a piada. Se estou elegante, dizem que estou magra ou perguntam-me se estou doente. Se estou um balão, perguntam se estou grávida.

Tudo o que era diferente, comentavam, até os meninos com deficiência, eram gozados, humilhados, imitados, afastados, desrespeitados. Para que comentam?

Os meus pais nunca se pronunciaram sobre isso, mesmo assim, eu achava que eles não gostavam de mim por ser tão gorda. Eu queria emagrecer para deixar de ouvir aqueles comentários maldosos, e para agradar a todos, para não afastar os meus colegas, ter muitos amigos, ser apreciada, e escolhida, ter namorados como as outras meninas que eram magrinhas.

Eu detestava-me ver ao espelho, ter de me despir e vestir em frente às outras, porque elas riam-se e chamavam-me gorda. Quando eu ia tomar banho, fugiam, e nos balneários punham-se bem longe. Nas aulas não queriam ficar á minha beira.

Ficava triste como a noite! Fiz de tudo para emagrecer, consegui umas míseras gramas perdidas, quando a médica de família regrou a minha comida. Cortou-me à ração. Consegui cumprir, mas sempre que sentia fome, comia o triplo, a toda a hora, escondida.

Não percebiam que o comer tanto deixava-me feliz, preenchia o maldito vazio dentro de mim que aumentava de dia para dia com a solidão cada vez maior. 

E eu, engordava! Claro que só podia engordar. Quanto maior era a minha vontade de emagrecer, mais eu engordava, e mais me apetecia comer, com o desgosto. Cheguei a uma altura em que não queria saber do que os outros pensavam, o mais importante era eu preencher-me. Era tudo sol de pouca dura.

Quando aderi aos conselhos da médica, pesava-me todos os dias, várias vezes por dia, e o maldito peso assombrava-me. Estava sempre na mesma! Não descia nem uma grama.

Desisti. Continuei a comer. Só quando vos conheci, querida Anorexia e querida Bulimia, é que consegui emagrecer. Primeiro conheci a Bu, Bulimia. Era linda, uma rapariga sexy, simpática, magra, que me ensinou o segredo dela para ser magra!

Vomitar depois de comer. Claro! Mas que ideia genial, como é que eu nunca tinha pensado nisso? Era uma maneira fácil. Que espetáculo. Quase a pus no altar. Quando apliquei esse truque, consegui finalmente emagrecer.

Conseguia controlar a cena. Uau! Que liberdade. Era um alívio indescritível. Habituei-me, e os vómitos várias vezes por dia, depois de comer tudo o que mais gostava e queria, fizeram parte do meu ritual diário.

Senti-me poderosa a ninguém reparou. Esse foi o problema. Ninguém reparou que havia qualquer coisa de diferente em mim. Como era possível? Eu ia todos os dias para a balança, várias vezes por dia, e perdia uma grama de cada vez. Era uma festa quando perdia um kilo depois de quase um mês a vomitar o excesso.

Não ficava satisfeita, é claro, porque o excesso continuava. Queria uma coisa mais rápida…então…além de provocar o vómito, enfrasquei uma série de produtos laxantes e de emagrecer, comecei a ter disenterias, cólicas horríveis, dores de estômago e da cabeça, acidez, mas a partir daí, as coisas começaram a melhorar.

Eu achava que sim, independentemente dos efeitos secundários. Emagreci realmente mais rápido. E tu, querida Bu, sempre presente do meu lado, a incentivar-me a não desistir e a continuar.

Obrigada, amiga! Era de pessoas como tu que eu precisava, mas ninguém à minha volta fazia isso. Escondia isso tudo dos meus pais, e comia com eles, como se estivesse com fome, e tudo estava bem.

Mas tu, Bu, era assim que eu te tratava carinhosamente, achaste que me estava a sentir sozinha, e para me incentivar, apresentaste-me a Ano, como carinhosamente a tratava, porque o nome dela era estranho… Anorexia!

Ela era uma brasa, até fazia inveja! Pálida, pele e osso, e com olheiras. Usava uns vestidos que lhe ficavam na perfeição. Foi muito especial quando comecei a andar mais com ela.

Ela foi tão espetacular e gostou tanto de mim à primeira, que não largava. Ensinou.me muita coisa, principalmente, fez com que os outros começassem a reparar mais em mim, eu estava a ficar parecida com ela! Aliás, eu acho que ainda consegui perder mais peso do que ela, até vir para aqui.

Estava tão feliz, sentia-me preenchida, que não tinha necessidade de comer. Era correspondida na amizade, mesmo feminina, e elas davam-me tudo o que eu precisava para me livrar do enorme vazio.

Não sei porque é que ela desapareceu. Eu estava a passear no deserto e não a vi, depois acordei aqui. Onde estás, Bu? Onde estás Ano? Tiraram-me daquele deserto escuro, mas eu estava lá bem, e estava convosco. Agora não sei onde estão.

Devem ter posto alguma coisa aqui neste tubinho, além de vida e comida, tomo carradas de medicamentos. Já quiseram que me visse ao espelho, mas não tenho força para me levantar e segurar nas pernas.

Disseram-me que ainda tenho um longo caminho a percorrer, mas que vou ficar bem. Pensando bem…a Ano não era muito bonita, mas era magrinha, isso agrada aos outros. Ela tinha qualquer coisa de especial, não sei explicar muito bem o que era.

Talvez na verdade, eu própria, não sei se gostava muito de ser assim como ela! Só que, gorda também não podia ser. Ao ser gorda era motivo de gozo, desgraçavam-me.



2ª Parte

(Diálogo)

Aparecem duas mulheres no quarto dela, vestidas de azul.

RAPARIGA (sorri) – Buli…Ano…

AS DUAS – Olá!

RAPARIGA – Estava mesmo aqui a recordar os bons tempos que passamos juntas. Porque é que vocês despareceram?

AS DUAS – Estamos aqui.

RAPARIGA – Ano…estás diferente!

ANOREXIA – Sim, estou mais refeitinha, mais saudável, não te parece?

RAPARIGA – Sim! Mas eras tão magra quando te conheci.

ANOREXIA – Era doente! Como tu.

RAPARIGA – Mas eu não sou doente.

AS DUAS – És.

RAPARIGA – Ei, já parecem a sociedade.

BULIMIA – Desde que eu te conheci! A minha presença na vida das pessoas é para as alertar de que estão doentes.

ANOREXIA – A minha também!

RAPARIGA – Não acho nada. Para mim, vocês foram uns anjos.

BULIMIA – É por isso que estás aqui.

RAPARIGA – Foram vocês que me trouxeram para aqui?

AS DUAS – Não.

RAPARIGA – Foram vocês que me tiraram do deserto?

AS DUAS – Não.

RAPARIGA – Não me lembro de coisas más, só me lembro dos momentos bons que passava convosco.

ANOREXIA – Nós desaparecemos quando te trouxeram para aqui!

BULIMIA – Porque desmaiaste na rua, e descobriram que estavas pele e osso.

RAPARIGA – Mas isso era mesmo o que eu queria, como te contei, Bu. E foste tu que me ensinaste o truque de vomitar.

BULIMIA – Mas já aí estavas doente.

RAPARIGA – Toda a gente vomita de vez em quando, e toda a gente quer ser magra. E eu também queria ser, porque quando era gorda, toda a gente fugia de mim; gozavam comigo, chamavam-me nomes feios. Eu odiava ver-me ao espelho.

ANOREXIA – E agora, gostas?

RAPARIGA – Não sei, ainda não me vi, não me seguro nas canetas…mas acho que gosto.

AS DUAS – Não!

BULIMIA – Quando vires a tua imagem no espelho não vais gostar.

RAPARIGA – Porque não?

ANOREXIA – Estás na pele e osso.

RAPARIGA – Mas era isso que eu queria ser.

BULIMIA – Magra, não é pele e osso como tu estás.

ANOREXIA – Porque é querias tanto ser magra?

RAPARIGA – Para ter amigos, e para repararem em mim. Nas gordas não reparam, ou se reparam é para dizer mal. Queria sentir orgulho em mim, e senti porque consegui controlar o meu impulso selvagem de comer, e não engordar mais. Senti-me forte, corajosa, atraente e apreciada. Foi difícil emagrecer, mas consegui. Sinto-me realizada! Vocês não estão orgulhosas de mim?

AS DUAS – Não.

ANOREXIA – Estou orgulhosa por tu não teres desistido, mas estou triste porque quase perdeste a tua vida, e agora tens muito para recuperar, só por causa dessa tua ideia fixa de ser magra.

RAPARIGA – Como não? Foram as primeiras a incentivar-me a emagrecer.

BULIMIA – Não era para teres chegado a este ponto.

RAPARIGA – Não estou a perceber.

BULIMIA – Tu foste longe demais nessa obsessão pela magreza.

RAPARIGA – Claro. A sociedade só me criticava.

ANOREXIA – Porque é que a sociedade era tão importante para ti?

RAPARIGA – Faziam-me sentir uma porcaria.

BULIMIA – Porquê?

RAPARIGA – Porque humilhavam-me, gozavam-me.

ANOREXIA – Porque é que a opinião deles era assim tão importante para ti?

RAPARIGA – Porque não me integravam, e eu sentia-me isolada, sozinha, feia, gorda.

BULIMIA – E os outros, eram iguais a ti?

RAPARIGA – Não. Mas eram mais magros.

ANOREXIA – Achas que gostavam todos da mesma maneira uns dos outros?

RAPARIGA – Não sei.

BULIMIA – Então porque é que dizes que eles te isolavam e gozavam?

RAPARIGA – Era o que eles faziam.

ANOREXIA – Alguma vez tentaste aproximar-te deles, para quanto mais não fosse mostrar-lhes que estavam errados a teu respeito?

RAPARIGA – Tentei…

BULIMIA – Como é que tentaste?

RAPARIGA – Aproximava-me, a sorrir, mas eles ignoravam-me na minha cara.

ANOREXIA – Tu é que fugias, porque achavas que eles te iam rejeitar.

RAPARIGA – Acho que não. Como é que vocês sabem?

AS DUAS – Não és a única.

ANOREXIA – A tua função era ignorar os outros e gostar de ti como eras.

RAPARIGA – Mas eles não sabiam que eu não gostava de mim.

BULIMIA – Na verdade suspeitavam que não gostavas de ti.

RAPARIGA – Eu nunca falei com eles sobre isso. E eles também nunca me perguntaram.

BULIMIA – Há outros sinais que eles percebem.

RAPARIGA – E não sabiam ajudar-me?

BULIMIA – E se eles tentassem ajudar-te, será que tu deixavas?

RAPARIGA – Claro que sim, eu não sou como eles.

BULIMIA – Não sei.

RAPARIGA – Acho que eles deviam ter dito e ter-me ajudado.

ANOREXIA – Foi por isso que desaparecemos.

RAPARIGA – Para me fazer sofrer?

AS DUAS – Não.

BULIMIA – Para tu veres que eras tu que não estavas a deixá-los aproximar-se para te ajudar.

ANOREXIA – A culpa foi tua, não foi nossa.

BULIMIA – Não tinhas de nos seguir, nem de te deixar influenciar pelos outros.

RAPARIGA – Mas eu gostei tanto de vocês.

BULIMIA – Já sabes que os outros falam sempre. Mas tens de gostar de ti, o suficiente para não ficares tão afetada com os comentários.

ANOREXIA – A tua oportunidade de renascer é agora. Esquece os outros. não prejudiques a tua saúde e a tua vida, para agradar aos outros, pelos outros.

BULIMIA – O teu vazio interior não vai ser preenchido pelo excesso de comida, vómito e magreza.

ANOREXIA – Quando aprenderes a gostar de ti e esqueceres os outros, vais ver a diferença.

BULIMIA – Para quê, ser magra e doente, infeliz, só para os outros gostarem? tens é de mostrar o teu valor interior.

ANOREXIA – O dentro é que faz toda a diferença.

BULIMIA – O que os outros falam de ti, não é o que te alimenta, não te faz feliz. São só opiniões, como tu tens as tuas!

ANOREXIA – Podem não corresponder ao que és mesmo.

BULIMIA – Escusavas de estar aqui, a receber vida e alimento por um tubinho.

ANOREXIA – A felicidade está em ti, não no teu físico, não nos outros.

BULIMIA – Dá valor a ti própria, como és. O teu corpo é perfeito, como é! Funciona bem, tem tudo no sítio. É teu! Não é dos outros. os outros têm o deles, se não gostam é problema deles, ou inveja de não ser como tu!

ANOREXIA – O teu corpo é único, tu és única, cada um é único, para quê, ser outro, que nem sequer é saudável, para os outros? cada um tem a sua beleza!

BULIMIA – Enquanto não gostares de ti, e enquanto puseres os outros à frente, nunca vais ficar satisfeita, nunca vais ser feliz, e nunca te vais sentir plenamente realizada nem preenchida.

RAPARIGA – Estão a querer dizer que a culpa foi minha?

AS DUAS – Sim.

RAPAIGA – Isso é muito mau.

ANOREXIA – Mas tem retorno.

BULIMIA – E é a partir de agora.

RAPARIGA – E os meus pais não estão orgulhosos de mim por eu ter emagrecido?

AS DUAS – Claro que não.

BULIMIA – Estão os dois muito tristes e muito preocupados. Acham que a culpa foi deles, porque não estiveram atentos, ou que não te deram amor suficiente.

RAPARIGA – Tristes…? Envergonhados?

AS DUAS – Sim.

RAPARIGA – Isso é muito mau.

AS DUAS – É.

BULIMIA – Mas tem retorno.

ANOREXIA – A partir de agora!

RAPARIGA – O que é que tenho de fazer?

BULIMIA – Cumprir tudo o que as pessoas especializadas vão dizer-te para fazer.

RAPARIGA – Não são vocês?

AS DUAS – Não.

ANOREXIA – A nossa missão contigo, está cumprida. Sê forte! Ainda tens uma nova e longa caminhada pela frente, mas acredita em ti, e em quem te quer ajudar.

RAPARIGA – Não quero! Estou cansada!

ANOREXIA – Agora estás cansada, mas não quer dizer que te vais entregar ao cansaço, e que vais ficar o resto da vida cansada.

BULIMIA – Não voltes a brincar com a tua saúde.

RAPARIGA – E vou ficar gorda outra vez?

ANOREXIA – Gorda não! Com um ar saudável, sim, um corpo saudável, e uma menina, mulher feliz que gosta dela. Respeitada, valorizada, bonita.

RAPARIGA – Óh, vocês são tão simpáticas. E vocês o que vão fazer?

ANOREXIA – Nós vamos estar por aí.

BULIMIA – A ensinar outras jovens e adultas como tu.

RAPARIGA – Há mais?

AS DUAS – Claro que sim.

RAPARIGA – Eu vou deixar de voa ver?

AS DUAS – Não…

ANOREXIA – Nós vamos visitar-te nos próximos dias.

BULIMIA – Mas promete-nos que vais recuperar, que vais gostar de ti, e que vais ficar bem.

RAPARIGA – É difícil.

ANOREXIA – O que é que é difícil?

RAPARIGA – Prometer-vos isso.

AS DUAS – Porquê?

RAPARIGA – Não sei o que fazer.

BULIMIA – Mas vais saber.

ANOREXIA – Sê paciente. As coisas demoram o seu tempo. Prometes?

RAPARIGA – Vê lá se cumpres, se não, vamos embora!

RAPARIGA – Óh, por favor… não vão embora. Não vão abandonar-me aqui, pois não? Depois de tudo o que passamos juntas, aqueles momentos tão bons, tão nossos…

(As 3 sorriem)

BULIMIA – Não, não te vamos abandonar, mas vamos encontrar-nos cada vez menos.

RAPARIGA – Não! Vou ficar sozinha?

AS DUAS – Não.

ANOREXIA – Não vais precisar de nós.

BULIMIA – Vais ter muitos amigos, muita gente a gostar de ti, e a ajudar-te.

ANOREXIA – Vamo-nos encontrar, mas só para matar saudades.

RAPARIGA – Mesmo?

AS DUAS – Sim.

RAPARIGA – Obrigada por tudo, amigas!

AS DUAS – De nada!

ANOREXIA – É essa a nossa missão.

AS DUAS – Até já.

(Trocam carinhos e abraços)



3ª PARTE

(Monólogo)

Passados uns longos meses…a rapariga está em recuperação, e escreve uma carta à Anorexia e à Bulimia.



            Queridas amigas Ano e Bu: escrevo-vos da minha casa. Finalmente sai do hospital. Não reconheci o meu quarto, à primeira. Parece que dormi um sono de meses, ou que emigrei e voltei.

Ainda é tudo muito novo para mim, tenho a sensação que nunca estive nesta casa, mas aos poucos, vou reconhecendo. Depois de vários meses em acompanhamento psicológico, psiquiátrico e alimentar, exercício físico, passeios, relaxamentos, culinária e muitas outras atividades, estou quase nova. Irreconhecível.

As refeições com os meus pais são fantásticas, parece que estão a ensinar um bebé a comer, provar sabores, comer bocadinhos e horas certas. Vejo que eles estão felizes. Eles são um apoio incansável.

A minha alimentação sofreu grandes mudanças, mas sinto-me cada vez melhor, e tanto eu como os meus pais festejamos todos os mais pequeninos progressos. Cumpri o que vos prometi. Engordei, quer dizer…recuperei o peso até ao valor saudável e indicado para mim, de acordo com a altura e idade.

Ainda tomo suplementos alimentares, mas agora gosto muito de mim. Aprendi que tenho muitas qualidades que a obsessão pelo peso não me deixava ver.

Agora que estou mais composta, gosto muito mais do meu aspeto. Todos repararam que estou bonita e elegante. Sinto-me maravilhosa! Ganhei uma série de amigas, que me têm dado muito valor, rio muito com elas, saímos muitas vezes, vamos às compras, elas preenchem-me de carinho. Estou feliz, e não sinto aquele vazio.

Não voltei ao nosso local secreto, mas também não sinto falta. Gosto mais da luz que há à minha volta, a que os meus olhos veem. Estou a aprender a gostar da perfeição, imperfeição do meu corpo.

Eu estava mesmo feia, Ano, com a pele e o osso, parecia uma radiografia, via os ossos todos. Não gostava de mim, gorda, nem assim tão esquelética. Estou a aprender a não ligar ao que os outros dizem, e a perceber as belezas de cada um que se cruza comigo.

Antes ficava ofendida, agora, sorrio ou ignoro. Talvez fiquem surpresos por ver as minhas mudanças, e se não virem já não me preocupo. O mais importante é que estou a gostar.

Os profissionais que me estão a ajudar desde o início, são uns anjos, e tenho conhecido outras raparigas, bonitas, que estiveram na mesma situação que eu, nas terapias de grupo. Como aprendo com elas!

Gosto das minhas mudanças e estou feliz com as minhas vitórias. Registo-as todas, desde as mais insignificantes, às maiores. Faço os trabalhos de casa que eles marcam.

Alguns fazem-me chorar, no início antes de escrever, sinto coisas más, mas depois de as escrever e de falar sobre elas nas terapias, é um alívio. Sinto que cresço e que me transformo.

Às vezes releio-as, e nem imaginam como me sinto quando vejo tudo o que passei, tudo o que mudei, o que melhorei e as descobertas que esse episódio me ofereceu.

Sinto-me mesmo orgulhosa. Desculpem, amigas. Vou ter de sair para a minha ginástica. Outro dia escrevo-vos mais, porque acho que também ficarão orgulhosas por todas as minhas vitórias.

Saudades.

Beijinhos, e até já.

Olha para o espelho, ajeita-se, sorri, manda um beijo e sai.





FIM

Lara Rocha

(23/Novembro/2019)






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