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segunda-feira, 5 de outubro de 2020

DANÇAR ATÉ CAIR (MONÓLOGO para Adolescentes e Adultos; psicólogos)

        

                                desenhado por Lara Rocha 

    Sou a super Márcia...ou serei Marciana? Ainda não vai há muito, acho eu, que sabia como me chamava! Agora estou confusa. Não interessa. Sou uma dessas que vai dançar até cair! Não sei quem era essa que gosta assim tanto de dançar, não me lembro de dançar, mas sonhei muitas vezes que dançava e que era feliz ao dançar. Dava autênticos xous! Até quase furava o chão, pelo menos era o que me diziam. Sonhava ou foi real? Parecia mesmo real. Disseram-me que aconteceu mesmo, mas se essa que adorava dançar, dançava assim tanto, que quase furava o chão, até cair...eu não a conheci! Disseram que era eu. Como fui eu, se estou aqui neste sítio tão estranho, que não é o meu quarto? Ou se é o meu quarto, aquele sítio confortável, seguro, bonito, onde me transformava...eu…ou a outra tal de quem falam, que me imitava, ou que era eu, está muito diferente. Não tenho qualquer memória de ter modificado, com esta decoração mórbida. Acho que tinha bom gosto, mas talvez tenha sido a outra, aquela de quem se fala...louca...que mudou o que era o meu quarto. Não sei quem lhe deu autorização para mexer nas minhas coisas, nem sequer falei com ela, nunca a vi mais gorda, nem mais magra, não sei se é bonita ou feia, ou se dança bem! Duvido que dance bem, eu é que dançava bem, espetacularmente bem, até cair. Essa tal, que devia ser eu...mas se era eu, porque é que eu não me lembro? Como estava a dizer...essa que adorava dançar, dava espetáculo, às 6ªs feiras e aos sábados, acho que era isso...pelo menos é o que dizem por ai. Era quase a minha espiritualidade, um ritual…! Bem, e que ritual! Lembro-me que bebia alguma coisa, acho que era água, não sei, estão para aí a dizer que tinha mais alguma coisa, eu nunca senti, a minha cena, era dançar até cair. Acho que de tanto dizer...até cair, cai mesmo! Sei que estava a dançar e de repente o palco virou-se ao contrário. As luzes estavam loucas, piscavam sem parar, e encandeavam-me. Na plateia não tinha gente, só tinha extraterrestres, caras horrendas, monstros que se riam na minha cara, unhacas que saiam do teto, das cortinas, dos holofotes, e tentavam agarrar-me. Umas aranhas gigantescas saltaram não sei de onde, e puseram-se em cima de mim, sentadas, a apertar-me, quase me abafavam. Que nojo! Eu gritava, ou a tal, gritava… e quanto mais gritava, mais garras apareciam em chamas, vindas do Inferno, só pode. Tudo girava, tudo ria, os monstros da plateia pareciam possuídos, riam, mostravam-me línguas bífidas, gigantescas, que rodopiavam, os seus olhos aumentavam cada vez mais, saiam de órbita e entravam, com luzes psicadélicas. Sentia um cheiro estranho, não sabia o que era, ouvia estrondos que pareciam explosões, e vozes aos gritos que não percebia nada do que me diziam. A minha roupa, ou a roupa dela...parecia ter ganhado vida própria, até ela dançava, tanto como a artista. Apertavam o meu corpo, como serpentes, beliscavam-me, as cores tinham-se transformado todas em fosforescentes psicadélicas. Umas mãos saíam de buracos no palco e apertavam-me as pernas, os pés, eu tentava libertar-me, e as mãos arranhavam-me. Depois os monstros da plateia, voltaram a ser pessoas, com ar esgazeado, olhos brilhantes, vidrados, insultavam-me, apontavam-me dedos, os homens mostravam-me a … arte sacra… com luzinhas a piscar, do mais horrível que pode haver. Que nojo, aquilo abria e fechava, quase parecia que me iam sugar, e mostravam os rabos, feios...que medo! Eu não queria ver tanto! As mulheres dançaram comigo, esfregavam-se, umas nas outras e em mim, gritavam, riam, até que pegaram em mim, a cantar, as luzes estavam cada vez mais fortes, e perturbadoras, os sons cada vez mais estridentes. As safadas estavam tão loucas e tão eufóricas, que me atiraram pelo ar, para a plateia, e era suposto os gajos segurarem-me! Mas não! Deixaram-me cair redonda no chão e ficaram a olhar para mim. Apaguei. Deixei de ver coisas, ouvir coisas...tudo ficou escuro e silencioso. Acordei num quarto parecido com este, e disseram-me que estava no hospital...porque tinha caído do palco abaixo, e havia uma substância na água que tinha bebido, e pelos vistos já há muito tempo. Confirmou-se. Depois de ter contado o que tinha visto e ouvido, disseram-me que tinham colocado uma substância alucinogénia. Fizeram-me uma limpeza ao estômago, deram-me não sei o quê, mas foi remédio santo. Ao fim de algum tempo, estava nova. Completamente possuída de raiva, fui a casa de cada um dos meus amigos que costumavam ir comigo, ou com a tal...e a cara de pau deles, deixou-me ainda mais demoníaca! Armaram-se em santinhos e disseram-me que não sabiam de nada, que eu estava normal, nessa noite, muito feliz, como em todas as outras noites…, super divertida, super bem-disposta, mas de repente caí e perdi os sentidos. Como não sabiam de nada? De certeza que também tinham visto aquelas coisas todas. Não! Não viram nada! Duvidei, voltei ao médico e ele confirmou, que foi tudo um delirium por uma substância que tinham posto na minha bebida. Então, os meus amigos tinham razão! Eles não tinham visto nada daquilo que eu vi. Fiquei muito estranha, e como gostei tanto do efeito de um calmante que tomei uma altura, decidi tomar não me lembrava da dose, mas era grande. Fiquei tão perturbada e irritada que tomei...dois diazepans...é isso! Lembrei-me agora do nome. Mas que grande anormal! Se eu tivesse dormido um sono, teria feito melhor. É verdade! Pouco depois de ter tomado Diazepam, alguém na minha casa tomava, acho que era a flechada da minha Avó...uma dose que acho que nem aos cavalos se dá, coitados deles se tomam isso. Voltei a delirar, antes de adormecer. Tinha a certeza que o que estava a ver era real, mas mais uma vez levaram-me ao hospital, aspiraram-me o estômago e puseram-me a soro, lá com umas coisas mais, uns medicamentos para proteger. Esses deliriuns, não foram tão agressivos como os primeiros. Mas foram igualmente estranhos! Tinham a ver com...pareciam...pesadelos, não sei. Penhascos, quedas, ondas gigantes, peixes devoradores, pedras que se mexiam, areias movediças, cheias de falsos, onde caí. Depois houve uma explosão por baixo dos meus pés, e eu voei com o impacto porque a areia movediça era a cobertura de uma cratera de um vulcão. O meu corpo destilava, na verdade eu estava banhada em suor. Ia a voar por cima da praia, e chegava a uma outra cratera, cheia de lava a fervilhar. Eu brincava com a lava, como se aguentasse a temperatura dela, comia-a, mastigava-a, cheirava-a...cheirava-me a enxofre...e acabei a vomitar no chão da minha casa. Os médicos disseram-me que foi consequência de intoxicação de medicamento, e logo esse. Horrível. Depois disto, não voltei às discotecas, nem a dançar. Ganhei muito medo, não sei. Não sei quanto tempo durou, perdi a noção do tempo, e ainda hoje, agora, não sei que dia é, nem semana, nem há quanto tempo estou aqui, ou que horas são. Mas foi o suficiente para saber como é mau! Recuperei, mas tenho muito medo, há gente capaz de tudo. Se eu soubesse quem foi, não sei o que lhe fazia. Talvez...dava-lhe o mesmo para ver se ele ou ela, via o mesmo que eu, mas numa dose a triplicar. Um dia, vai ter a paga! É a minha esperança. Talvez esse ser maldito já tenha feito o mesmo a muitas outras e outros. O médico disse que já não era o primeiro, mas não disse se foi no mesmo sítio que eu, ou se viu a mesma coisa que eu. É muito mau, não sei como há gente tão perigosa e tão mal intencionada. Agora estou aqui...num quarto que não é o meu, numa casa que não é a minha, rodeada de batas brancas a toda a hora, a escrever os meus delírios, a pedido de um estagiário de psiquiatria, para o seu relatório de estágio. Jeitoso e giro por sinal, mas é claro que esta parte não lhe vou escrever...ou será que posso escrever isso? Não! É melhor contar só a parte dos deliriuns, não vá ele pensar que esse comentário simpático, é outro delírio meu! Acho que não estou a delirar...o futuro Dr. É mesmo giro, jeitoso e carinhoso. Ups...espero não ter nenhum delírio com ele (ri à gargalhada), só se for...um sonho...erótico...ou da minha imaginação. É uma visão agradável. Ora… está aqui uma pergunta difícil. Acreditei no que vi, e ouvi? Sim, esta é fácil, acreditei. Que conselho dou às pessoas…? Hummmnão beba, nas discotecas, ou, bebam com alguém ao lado da vossa confiança, não sei. Nunca se sabe quem está por lá, e o que vai pôr na bebida. Há gente que fica feliz por dar cabo dos outros. Quase conseguiram dar cabo de mim. Eu caí, qualquer um pode cair. Não sei se fui clara nesta mensagem, mas é o que me ocorre. O Dr. Giro que faça o resto, como entender. (ri) Daqui a pouco está aí. Se eu tivesse delírios com ele, até teria sido bom...acho que voltava a repetir, só para ter alguma coisa com ele, pelo menos, por alguns instantes...encontro delirante! (ri à gargalhada) Que giro! Acho que até vou escrever esse romance! (ri) Quem sabe serei famosa. Não. É melhor não, podem querer experimentar e ainda me arranjam problemas. Qual será o alucinogénio para ter esse delírio, com o Dr. Giro? (ri à gargalhada) que loucura! Que máximo. Acho que estou a delirar outra vez. Não! Uau! É ele! Jeitoso! (ri à gargalhada) Comporta-te, Márcia ou Marciana ou lá quem és! Óh… uma pergunta difícil...que dia é hoje? Dia de semana, mês, ano…? Já estou aqui há muito tempo? Que dia foi ontem? Quantos anos tenho? O nome dos meus pais…? Tenho irmãos…? Não sei! Sei lá! Nem sei quantos são hoje, quanto mais ontem, nem se o ontem já aconteceu. Hummm… não sei! Será grave, não saber isto? (pensa um pouco) Não sei mesmo. (grita) Doutooooooooooorrrrrrrrrrrrr… venha cá rápido, se faz favor…não sei que dia é hoje. Óh não. Acho que ainda estou a delirar, ou será que o delírio limpou a minha memória? Doutoooorrrr….


                                         Fim

                                    Lara Rocha

                                (4/Outubro/2020)



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