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terça-feira, 6 de outubro de 2020

Coisas estranhas (monólogo para psicólogos; estudantes de psicologia e público em geral - adolescentes e adultos)

 

Coisas estranhas

    (monólogo)

Sou a Dara, tenho 19 anos feitos há pouco tempo, e estou a fazer uma cura de sono. Estudo na Faculdade e andava numa fase de muita euforia, a viver noitadas de borga, convívio, até quase de manhã, copos e comes, tudo a que há direito.

Bem, aquele ambiente com toneladas de adrenalina por todo o lado, uau! Impossível ficar indiferente e não alinhar. Temos que aproveitar, porque tudo passa muito rápido, e é um tempo que não volta!

Assumam! Esse é o nosso, vosso pensamento quando para a faculdade, não é? Parece-nos que vamos acabar amanhã, então temos que viver tudo e mais alguma coisa, hoje. Uns mais, outros menos, e compreende-se!

Depois de vários anos no secundário em que é só marrar, livros, copianço, testes, aulas, trabalhos, explicações, notas, bué, bué de competição, e limitações.

Ufa, fica cansada e stressada só de dizer esta parte. Que loucura. Por fim podemos respirar, pelo menos algum tempo...patrão fora, já se sabe, dia santo na loja. Eu diria mais: Universidade, igual a libertação, e segunda adolescência. (ri)

Sim, ainda somos adolescentes, metidos a adultos. Queremos curtir, já somos de outra idade, já irre...responsáveis por nós, claro! Está-se bem, é o mundo perfeito!

Que espetáculo, agora é a nossa altura de provocar inveja aos mais novos, que ainda estão no secundário, como nos acontecia quando lá estávamos e pensávamos como seria fixe, ansiávamos e até contávamos os dias para estar nas Universidades.

Socializamo-nos, praxes, brincadeiras, integração, orgulho, vaidade, baldas a algumas aulas. Beber até cair. Não faz mal. No dia seguinte podemos dormir a manhã toda e de tarde estamos nas aulas, corporalmente, revitalizadas, mentalmente a pensar na noite que se aproxima, de mais convívio, mas temos de beber menos porque de manhã temos aulas, e somos muito atinadinhos.

Claro. Claro. O mundo ideal é irreal. Nada disto condizia com os nossos planos. Chegámos à noite, desse dia e… pimba. Quando damos por ela, ou sem dar por isso, convívio, copos, até de manhã, o sol nascer.

E de manhã, passávamos em casa, nos apartamentos, que estava longe de casa, banho, mudar de roupa, pequeno-almoço, material para as aulas e lá estávamos, frescos, como se tivéssemos dormido a noite toda.

Arranjadinhos, bem-dispostos, lúcidos, cheios de pica, com o fogo todo para mais um dia, cheio de coisas novas para aprender. E voltava tudo ao mesmo. Noites, copos até o fígado suportar a última gota, ou transbordar onde calhasse, até de manhã.

Qual sono? Tínhamos muito tempo para dormir, estávamos só no início, depois a coisa acalmava! Interessava era curtir, socializar, fazer amigos para a vida!

Começa a fase dos trabalhos. Noites, mas não era para os fazer, a vida da faculdade é muito mais do que estudo e trabalho, não é só estudo, livros, aulas, temos muito tempo para os fazer, para tudo isso, o que interessa é estar presente.

Havemos de recuperar. Se chumbarmos à primeira, tá-se bem, acontece a qualquer um, passaremos à segunda, terceira ou quarta...ninguém corre connosco. O que interessa é aproveitar.

Pois, é que o corpo e a cabeça têm raízes daquelas como as árvores que saem para os passeios! É que o corpo e a mente têm adrenalina que nunca mais acaba e habitua-se a não precisar de dormir e repousar.

Ora pois! Talvez no mundo ideal, perfeito, isso acontecesse, se não precisássemos de dormir, nem de silêncio e descanso. Mas não vivemos no mundo ideal, e sim, no mundo real, bem diferente.

Só nos lembramos disso quando? Quando ao fim de dois ou três meses, umas vezes menos, outras pessoas nem precisam de tanto tempo, começamos a quebrar! Tudo se transforma, tudo começa a falhar!

Quando é que eu me apercebi que vivia no mundo real, e que nada do que eu estava a fazer e a viver, era o melhor para mim? Quando é que eu me lembrei que sou falível, e que não sou sempre aquela adolescente, cheia de vontade de achar que leva o mundo à frente, que é tudo dela.

Dela e dos amigos que acham que vão para a faculdade e controlam tudo, sabem muito bem o que estão a fazer, e aguentam borgas o ano todo, tanto como as aulas, noitadas seguidas, diretas, como se nada fosse!

Só acordamos, eu e as minhas amigas de apartamento, quando nos começamos a passar. Sim, a passar completamente. A primeira a dar sinal, foi uma delas, que num dia passou pela mesa, olhou para a toalha que tinha uns desenhos curtidos, de alimentos e bolos, chávenas, garfos e facas.

Perguntou-me porque é que eu tinha posto tanta coisa na mesa, se ia haver alguma festa. Disse que via as coisas da toalha em 3D, como se estivessem fora da toalha e a mexer.

Eu não as vi a mexer, mas realmente, pensando bem, via-as muito grandes, talvez maiores do que o que elas eram. Disse-lhe que a mesa ainda não tinha nada, e eram os desenhos da toalha. Partilhamos a mesma ideia… se calhar estamos com a vista cansada.

Sim, poderia ser, não demos muita importância. Uns dias depois, a outra minha amiga foi à despensa, e começou aos gritos, porque diz que viu uma sombra a entrar, antes dela acender a luz, e quando acendeu a luz, não viu a sombra, mas sentiu a sua presença.

Fez-nos andar a procurar na casa toda, porque ficamos sugestionadas, nunca sabemos o que pode andar por um sítio desconhecido. Realmente, depois de revirar a casa, espreitar nos sítios mais inesperados, cheias de medo, aramadas com vassouras e facas, não vimos ninguém.

À noite, a outra minha amiga, deu um grito na casa de banho, fomos ver o que tinha, e estava branca, sentada na sanita. Perguntamos o que tinha acontecido. Disse que tinha visto no espelho uma cara que não era a dela. Ficamos todas assustadas, e juntas fomos todas olhar para o espelho.

Não sei se foi sugestão, ou influencia umas das outras, todas vimos caras que não eram as nossas, a mexer, e com uns olhares penetrantes, fundos. Desatamos todas aos gritos, deitámo-nos na cama e cobrimo-nos com os lençóis.

Olhamos em volta, e não conhecíamos aquele espaço. Perguntamos umas às outras onde estávamos, e quem éramos. Depois de algum tempo sem dizermos nada, fez-se luz. Reconhecemos o lugar e umas às outras. Ficamos alerta, de luz apagada, prontas a agir no mais pequeno movimento ou som estranho.

Uma das amigas, depois de apagar a luz, fica agitada, e grita: meninas, não vos quero assustar, mas...estou a sentir uma coisa estranha...não sei o que é!

Acendemos de imediato a luz, à procura dela, e ela disse: sinto uma presença diferente neste quarto. Presença? Perguntamos nós, a olhar para todo o lado, numa grande inquietação.

Garantimos-lhe que só estávamos 4… Contamo-nos umas às outras várias vezes, parecia que nem sabíamos contar, apontávamos, e incluíamo-nos, contávamos sempre 4, mas ela continuava a dizer que éramos cinco.

Não víamos mais ninguém, nós só nos víamos a nós as 4. Perguntamos se ela via alguém, em corpo como nós, ela jurou que não via outro corpo, mas sentia a presença.

Uma das nossas amigas sugeriu que ela não se preocupasse, porque devia ser uma reação ao desconhecido, ou ao escuro, e depois do susto que tínhamos apanhado a ver outras caras no espelho, podia ser normal.

Ela concordou, pediu desculpa, apagamos a luz, e tentamos dormir, mas aquela sugestão misturada com medo de estar lá mais alguém, acho que nos perturbou.

Caiu uma peça de roupa que estava mal acomodada e como estávamos todas demasiado alerta, parece que o barulho foi muito intenso. Ouviram alguma coisa, meninas? Ouvimos!

Demos um salto na cama, acendemos a luz, e vimos o que podia ter sido. Aparentemente só a roupa. Foi ela, a presença estranha que deitou a roupa abaixo. Disse a minha amiga. Mostra-te! Gritou a minha amiga. Eu…? Perguntamos todas. Não, a presença, respondeu ela, quase da cor da parede.

Ai, senti uma vibração no chão… eu também…disseram duas amigas. Será um tremor de terra, ou a presença? Começamos todas a gritar e atentas ao que ia acontecer a seguir.

Não apareceu ninguém, e a vibração foi o telemóvel de uma delas que estava no chão, com uma mensagem. Ela tinha-se esquecido que estava a carregar.

Ficamos mais aliviadas, e sobre a presença que a outra sentia, enchemo-nos de coragem aparente, e espreitamos debaixo da cama. Só estavam os sapatos dela.

Decidimos tomar um chá, e uns comprimidos sedativos que usávamos de vez em quando, no secundário antes dos exames. Foi remédio santo. Não sentimos mais nada, dormimos como já não acontecia há muito tempo. De manhã acordamos bem-dispostas, e nem falamos mais no assunto.

Na noite seguinte, a minha amiga voltou a sentir a presença, mas não nos disse nada, só que outra, diz que ouviu um estrondo que parecia estarem a deitar a nossa porta abaixo.

Mas o estrondo só ela é que tinha ouvido, mais nenhuma de nós. Sai disparada do quarto para a porta, com uma faca em punho, muito aterrorizada. Fomos atrás dela, e tivemos medo por a vermos de faca em punho a olhar para a porta.

O que vais fazer com isso? Perguntamos. Está alguém a tentar entrar aqui. Eu ouvi um estrondo, parecia que estavam a deitar a porta abaixo. Esta porta! Negamos, e ela não ficou muito convencida. Tivemos de espreitar pelo olho da porta, e realmente não estava ninguém.

Começamos a achar tudo muito estranho e confuso. No dia seguinte, outra amiga, sentiu que lhe cheirava a fumo e a enxofre pela casa toda. A nós não cheirava.

A outra continuava a sentir a presença e todas a ver caras que não eram a nossa. Decidimos ir juntas ao médico, porque pensamos ter alguma coisa muito grave.

Contamos todos estes acontecimentos, e o médico receitou-nos uma pedra para dormir, regularizar o sono. Já estamos a tomar há várias semanas, e realmente, pouco depois de começarmos a tomar, deitámo-nos e não ouvimos mais nada, não sentimos mais nada.

Conhecemos bem o espaço, sentimo-nos bem neste apartamento, e temos muito trabalho para fazer, que deixamos acumular, mas não conseguimos ficar até muito tarde.

Não voltamos a sair à noite, pelo menos enquanto temos trabalhos para entregar. Não, não façam isso, não se armem que aguentam noites atrás de noites, com copos, até de manhã. Isso é só uns dias, mas depois, tudo vira ao contrário.

Depois desse susto, somos raparigas diferentes. Com os medicamentos não podemos consumir álcool, vamos a jantares convívio, claro, mas muito menos, e voltamos cedo para os apartamentos porque há trabalhos a fazer.

Aprendemos a descansar, e aproveitamos todos os tempos para trabalhar, compensar o tempo perdido que não foi mau, mas foi demasiado eufórico e agitado.

Quase nos destruía. Aproveitem, divirtam-se, mas acima de tudo, sejam responsáveis e tenham cuidado, com regra. O mundo não acaba amanhã, e têm muito tempo para tudo, divertir, aprender, estudar, brincar e muito importante, descansar.

Não abusem! Boa sorte.


FIM

Lara Rocha

6/Outubro/2020


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