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sexta-feira, 25 de março de 2016

A rapariga e o violino (adolescentes e adultos)



NARRADORA - Era uma vez uma rapariga adolescente, que teve um grande desgosto de amor. Um dia, quando pensou atirar-se da ponte abaixo porque já não aguentava tanta dor.
JOVEM (muito chorosa) – Já chega. Vou atirar-me! Acabou…não aguento mais sofrer. Desculpa mamã, desculpa papá, amo-vos, agradeço tudo o que fizeram por mim, e que me deram…mas não aguento mais. Espero que sejas muito feliz, maldito! Talvez, esborrachada lá em baixo, debaixo de água, tu me dês valor!
NARRADORA – Uma rajada fortíssima de vento, empurra-a para o chão. Ela grita, e tenta novamente, mas é outra vez empurrada.
VOZ – Pára e pensa…sua idiota.
JOVEM (grita, nervosa) – Mas eu não me atirei…?
VOZ – Claro que não. Nunca te deixaria fazer isso.
JOVEM – Porque não o faria? Não aguento mais sofrer.
VOZ (ri) – Mas que ridícula…! Estás armada em desgraçadinha…?
JOVEM – Partiram-me o coração…queres que eu esteja como?
VOZ (ri) – É o fim do mundo, queres ver…? Coitadinha de ti…tenho tanta peninha…como as penas todas das gaivotas juntas que sobrevoam a costa.
JOVEM – Não parece.
VOZ (ri) – Não gosto de penas…nem vejo penas em ti…só vejo um esqueleto coberto por pele, e olheiras até aos pés.
JOVEM – Sim. Claro…não como, nem consigo dormir…só chorar.
VOZ – É por isso que está tudo tão seco…
JOVEM – O quê?
VOZ – Sim, a água foi toda para os teus olhos.
JOVEM – Não gozes…estou a sofrer muito…eu ia-me atirar. Nem sei quem és…mas não tinhas nada que me segurar…
VOZ – Tu tinhas mesmo coragem para fazer isso?
JOVEM – Sim…claro…porque não?
VOZ – Já pensaste nos teus pais?
JOVEM – Sim, muito…amo-os, e agradeço-lhes tudo o que eles fizeram por mim, e me deram…mas até vou libertá-los…
VOZ – O quê? Não posso acreditar no que estou a ouvir…já pensaste no desgosto que lhes ias dar?
JOVEM – Que desgosto?
VOZ – Se te atirasses.
JOVEM – E porque é que seria desgosto?
VOZ – Porque eles amam-te, incondicionalmente…e querem a tua presença…fazem tudo por ti…E tu agora ias agradecer-lhes assim?
JOVEM – Eu queria agradecer-lhes, mas não tenho como. É melhor atirar-me, e acaba-se…
VOZ (ri) – Cobarde…! Achas que isso é solução…? É preguiça mental…e fraqueza.
JOVEM – Sim…sou mesmo fraca.
VOZ – Achas que isso é motivo para acabares com tudo?
JOVEM – Sim.
VOZ – Que limitada…! Achas que ele está preocupado com o que tu vais fazer?
JOVEM – Eu sei que não…aliás foi ele que acabou…deve estar muito feliz.
VOZ – Com certeza…e porque é que tu estás triste?
JOVEM – Porque gosto dele…porque o amei, e porque ele me deixou.
VOZ (gargalhada) – Gostas dele…amaste-o…ele deixou-te…
JOVEM – Onde está a piada nisso? Estou a sofrer muito.
VOZ (gargalhada) – Coitadinha…Ganha juízo mulher…! Tu és muito mais que a tua tristeza…tu tens muita mais força do que imaginas, e do que dizer ter…olha para ti…achas que ele está neste estado lastimável…? Ele está a esfregar-se noutra, ou em meia dúzia delas…e tu aí…a pingar…um molho de ossos e olheiras…sem comer e sem dormir…ora…onde está a tua alcateia?
JOVEM – Não estás a ser nada simpático.
VOZ – Só te estou a abrir os olhos, para não te dar um par de estaladões…
JOVEM – Podes dar.
VOZ – Não…eu não bato em mulheres…!
JOVEM – Mas quem és tu?
VOZ – Sou o teu anjo…falas comigo todos os dias.
(Ela estremece)
JOVEM – E tratas-me assim? Pensei que os anjos não eram assim…!
VOZ – Eu não te estou a tratar mal, só estou a mostrar-te que o que pensas fazer, não faz sentido nenhum, não é solução nenhuma, nem vai fazer com que outros possam reparar na tua beleza!
JOVEM – Já nenhum repara…
VOZ – Não digas disparates…tu é que estás só virada para aquele, que não vês mais nada, enquanto ele já viu muitas outras.
JOVEM – A sério?
VOZ – Não…que ideia. Já nem se deve lembrar de ti…
JOVEM – Mas eu quero-o…
VOZ – Tu não gostas dele, nem o amas…tu queres tê-lo para ti…isso não é gostar, nem amar. Tudo não passou de uma atracção. Ilusão…necessidade de ter alguém, para não ficar atrás das outras…! Hás-de ter muitos mais desgostos.
JOVEM – Como é que sabes?
VOZ – Helloooo…eu vejo tudo…quando estou presente…e protejo-te. Parece uma epidemia…todos falam do mesmo. Umas catraias de palmo e meio, metidas a mulheres…! Ora, ora…! Tu tens é que lhe esfregar na cara que não precisas dele para nada, que ele é que ficou a perder por te ter deixado…
JOVEM – Como?
NARRADORA – Cai-lhe no colo uma máscara, e um violino.
VOZ – Tens aí a resposta.
NARRADORA – A jovem observa a máscara, e o violino.
JOVEM – Para que é que eu quero isto?
VOZ – A máscara serve para te protegeres, e o violino, para tocares, e curares o coração…pode ser que com sorte também recebas dinheiro para retribuir aos teus pais.
JOVEM – Mas…eu não sei tocar.
VOZ – Sabes sim…toca com a máscara, e com as cordas do teu coração.
JOVEM – O coração tem cordas?
VOZ – Sim, tem…
JOVEM – As minhas devem estar todas desafinadas.
VOZ – Sim, enquanto estás triste…talvez o violino também toque músicas desafinadas, mas aos poucos vão soar lindas melodias. Experimenta…lava essa cara, e vai para a tua casa. E ai de ti que te veja outra vez aqui…só se for para passeares ou para tocares.
JOVEM – Mas…
VOZ – Não há mais mas…rua…!
JOVEM – Eu…
VOZ – Até logo…e ganha juízo…eu levo-te a casa.
NARRADORA – O Anjo envolve a jovem nas suas asas e leva-a a casa. Ela leva a máscara e o violino. Ao chegar a casa, lava a cara, come alguma coisa, e põe a máscara. Senta-se na beirada da janela do seu quarto e começa a tocar o violino. Ela sente-se estranha com a máscara, mas dá uns primeiros acordes no violino. Não faz música, mas gosta tanto do seu som, que toca mais um bocadinho.
VOZ – Toca com as cordas do teu coração.
JOVEM – Estás aqui? Como é que eu faço isso?
VOZ – Respira…e sem pensar em nada…deixa que as cordas do teu coração ditem as músicas.
NARRADORA – A rapariga faz isso, mas não sai música, saem apenas uns acordes.
VOZ – Olha-te ao espelho…e deixa as cordas do teu coração tocarem…
NARRADORA – A rapariga olha-se ao espelho, com a máscara, e as lágrimas começam a cair debaixo da máscara. A cada lágrima um acorde no violino…solto…e espaçado…
JOVEM (a chorar) – Não consigo!
VOZ – Consegues, sim…vamos…! Nada de desistir…
JOVEM (a chorar) – Custa tanto…as lágrimas só me caem…
VOZ – Boa! Excelente. A cada lágrima corresponde uma nota musical, das cordas do teu coração…vamos…deixa-as sair e toca…à medida que elas saem.
NARRADORA – A rapariga faz o que o Anjo disse, e a cada lágrima que cai dos seus olhos, ela toca no violino. Primeiro…espaçadas…e soam a notas soltas, depois…mais seguidas, e quando as cordas do seu coração começam a tocar, ela constrói uma primeira melodia, toda desordenada, pois era o que o seu coração lhe ditava…
VOZ – Excelente…agora que a dor e a raiva saíram…pede ao teu coração que toque uma melodia serena…vai fazer-lhe bem!
NARRADORA – A rapariga recorda momentos felizes com os pais, sorri debaixo da máscara, encostada ao violino.
VOZ – Transmite no violino o que estavas a recordar.
JOVEM – Estava a recordar momentos felizes, com os meus pais…!
VOZ (sorri) – Muito bom…estavas a sorrir.
JOVEM – Sim…
VOZ – Isso transmite-te serenidade…?
JOVEM – Sim!
VOZ – Transmite isso ao violino…pede às cordas do teu coração para tocarem…e deixa que elas passem através dos teus dedos. Toca…
NARRADORA – E de repente surge uma linda, e doce melodia, serena, quase uma canção de embalar, com acordes muito suaves e doces…a própria rapariga fica maravilhada e sorri. O anjo deixa escapar umas lágrimas, e sorri deliciado.
VOZ (aplaude) – Lindo, lindo…muito lindo! Maravilhoso! Como te sentes?
JOVEM (sorri) – Feliz, e serena…!
VOZ – Muito bem…pensa noutros momentos felizes…E tranquilos que tenhas vivido.
NARRADORA – A rapariga vai fazendo experiências, e constrói melodias como uma verdadeira profissional de violino. O anjo põe a gravar, desde o inicio, para ela poder relembrar e tocar em público. Os dois ficam encantados, e nos dias seguintes, a rapariga vai para a rua demonstrar essas melodias, com a máscara…e com o anjo em forma de gente, para recolher o dinheiro…umas que transmitem raiva, dor, tristeza…de grande intensidade, que comove toda a gente, e todos lhe deixam dinheiro, outras melodias que parecem músicas de embalar, serenas, doces, agradáveis…que põem toda a gente a sorrir, quase a flutuar, e deixam dinheiro. Ela junta muito dinheiro, e toca músicas cada vez mais maravilhosas. Quanto mais toca, mais o seu coração fica curado, e mais feliz…fica. Um dia, a máscara cai-lhe, e ela continua a tocar como se nada fosse. Um rapaz que passa fica hipnotizado a olhar para ela, emocionadíssimo, e maravilhado com as músicas dela. No fim dela tocar, o rapaz aplaude sem parar, sorridente, e muitas outras pessoas que passaram também. O rapaz põe-se de joelhos, agarra-se às pernas dela, a chorar. Ela não sabe o que fazer, e fica imóvel.
RAPAZ – Óh, deusa…que linda que és…e que músicas tão intensas tocas…muito lindo! Simplesmente fantástico. Adorei…muito obrigada por existires…muito obrigada por libertares o meu coração, que vivia apertado…eu chorei…! Nunca antes…quer dizer…desde a infância…que não acontecia…! Estava a ficar muito doente…estou curado…renasci…! Muito obrigada…toca mais…por favor…!
NARRADORA - Todos aplaudem outra vez. Ela sorri, feliz. O rapaz não sai mais da beira dela…e os dois conversam horas…riem juntos, choram…e tornam-se amigos inseparáveis. Ela ensina-o a tocar.
JOVEM – Toca com as cordas do teu coração!
NARRADORA – E é mesmo isso que ele faz. É lindo e emocionante de ver, os dois a tocar, em conjunto, e individualmente, e os dois às vezes com as lágrimas a cair, enquanto tocam. As pessoas deixam-lhes dinheiro, e aplaudem, maravilhados. Desta maneira, também os dois ajudam os pais, como tanto queriam. Às vezes, quando pensamos que não temos solução para os nossos desgostos, há algo que nos prova que há coisas muito mais valiosas, e muito mais importantes do que uma paixão que acaba…e as nossas emoções, quando não saem, prejudicam a nossa saúde. É muito importante deixá-las sair…ao som das notas musicais do nosso coração…mesmo que algumas dessas melodias sejam tristes…a seguir a essas…virão umas mais alegres…umas mais intensas, outras mais serenas…e outras…parecerão músicas de embalar…e curar o coração ao som de cada lágrima que cai. Um dia…a dor passa…e a cratera fecha-se…pode voltar a abrir…ou permanecer aberta, mas sem lava…sem dor…sem tristeza…ou raiva…e temos força suficiente para recomeçar a tocar e construir novas melodias das mais tristes, às mais alegres… O mais importante é deixar o coração ser o maestro das nossas melodias.

FIM
Lálá 

(11/JULHO/2013) 

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