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sábado, 26 de março de 2016

A toupeira e o mocho



           Era uma vez uma toupeira que vivia debaixo do solo, e um mocho que vivia à superfície. O mocho conhecia a toupeira, mas a toupeira nunca tinha ouvido falar no mocho. Um dia a toupeira quis ir visitar a superfície à noite. Saiu da sua toca e na árvore em frente estava pousado o mocho, atento a tudo, de olhos e ouvidos bem abertos. Ele percebe qualquer movimento. Olha para baixo:

- Boa noite! O que temos aqui? – Pergunta o mocho, apesar de já saber a resposta

- Boa noite! Com quem estou a falar?

- Com o mocho. E tu és uma toupeira!

- Eu chamo-me…

- Toupeira.

- Não sei como me chamo.

- É assim que te chamam!

- Quem?

- Os humanos!

- Quem são esses?

- São os que plantam o que tu comes!

- Raízes?

- Sim, raízes e sementes.

- Áh! Mas que simpáticos. Então tenho de lhes agradecer.

- Acho que não é boa ideia.

- O que é que não é boa ideia?

- Agradeceres aos humanos.

- Porque não?

- Porque eles não vos veem com bons olhos!

- Então que arranjem outros olhos.

- O que eu quero dizer é que eles não gostam de vocês.

- Não?

- Não!

- Porquê?

- Porque vocês dão cabo de tudo!

- Mas então porque é que nos dão alimento? Se fazem isso, estão a cuidar de nós…e se cuidam de nós é porque nos querem bem, certo?

- Não!

- Foi o que sempre nos ensinaram.

- Mas no caso deles não é assim! Vocês destroem tudo, e eles não gostam disso.

- Mas é o nosso alimento! Porque é que põem lá essas coisas? Eles também as comem, é? Se é por isso, partilhamos, não tem problema.

- Não! Eles não comem essas coisas. Vocês é que comem, sem autorização.

- Sem autorização? Como? É preciso autorização para comermos? Nunca vi lá em baixo nenhuma placa!

- Vocês dão cabo do trabalho deles.

- Temos de comer, para sobreviver, como eles! Se não nos querem, não ponham a nossa alimentação!

- Mas eles precisam!

- Então comem isso?

- Não! Comem outras coisas.

- Tudo isto que estás a dizer é muito estranho.

- Sim! É verdade.

- Mas, e tu, quem és?

- Um mocho.

- Vives aqui?

- Sim!

- O que fazes?

- Tomo conta deste espaço, à noite.

- Trabalhas de noite, só?

- Sim!

- E de dia?

- Durmo!

- Conheces bem este espaço?

- Muito bem.

- E como é?

- É bom, sossegado, silencioso.

- Onde estão os que vivem aqui? Vive gente?

- Sim, vive gente e animais. Estão a dormir!

- E tu estás acordado?

- Sim!

- Porque não estás a dormir como eles?

- Porque trabalho de noite! De dia não é preciso vigiar, mas de noite, eles descansam, e alguém tem de garantir a segurança!

- Áh! E é difícil trabalhar de noite?

- Não! Já estou habituado!

- Tu vês bem?

- Vejo, muito bem!

- Eu não! Mais ou menos.

- Não usas óculos?

- Não sei o que é isso!

- Umas coisas para ajudar a ver bem, quem vê mal.

- Áh! Não sei. Nunca nos falaram nisso. Vemos mal, mas cheiramos na perfeição! Tu usas essas coisas?

- Não! Para já não. O que vieste fazer cá fora?

- Vim ver como era!

- Como era o quê?

- Este espaço!

- Ááááhhhhh!

- Posso subir para aí, e ver o que se vê daí?

- Podes.

            A toupeira vai para o ramo do mocho, sobe pelo tronco e quando chega ao ramo…

- Ei…tu és tão grande! Lá de baixo parecias mais pequeno.

(O mocho ri-se)

- Ao longe tudo parece mais pequeno. Até de lá de baixo.

- Já experimentaste?

- Já.

- E também vês mais pequeno?

- Sim.

- Podes dizer-me o que vês, por favor?

            O mocho suspira, e compreende a toupeira que não vê bem. Então, pacientemente, e com o máximo de pormenor, descreve tudo o que consegue ver, em todas as direções. A toupeira ouve, sorri e segue a voz do mocho, maravilhada.

- Áh! Que maravilha que é a superfície! Lá em baixo não temos nada disto! É tudo igual, tudo feio, que tristeza…! Obrigada pelas tuas descrições.

            Ela olha para cima.

- Que pintas são aquelas?

- Onde?

- Ali…no telhado da tua casa.

- Não são pintas, são estrelas, e não estão no telhado da minha casa.

- Áh!

- O telhado da minha casa é de madeira, não tem estrelas! Aquelas estão muito longe daqui.

- E estão sempre ali?

- Estão, mas só se vêm à noite…como está agora!

- E têm outra coisa além da noite?

- Temos…a manhã, a tarde e a noite!

- Tantas coisas. Eu pensei que estava sempre escuro cá em cima, como lá em baixo.

- Não! De manhã e de tarde temos dia, claridade, sol, chuva…

- Sol?

- Sim!

- Nunca vi!

- Um dia vais ver. Mas tens de vir de manhã, quando estiver claro!

- Não sei se consigo! Gostaria! Descreve-me como é o sol, por favor!

- É amarelo, redondo, dá luz, aquece, alegra, faz nascer plantas…é bom!

- Áh! Tantas qualidades. É um candeeiro?

- Não! É um astro!

- O que é isso?

- Está lá em cima, com as estrelas…

- Porque é que ele não está ali com elas, agora?

- Porque é noite! E as estrelas é que aparecem de noite! O sol aparece de dia, e enquanto há sol, não há noite, por isso, não há estrelas. Quando é noite, não há sol, e há estrelas!

- Áh! Não aparecem ao mesmo tempo?

- Não!

- Que giro! Conta-me mais coisas da superfície, por favor!

- O que queres saber mais?

- Estes barulhos, o que são?

- Que barulhos?

- Estes que eu estou a ouvir! Tu não ouves barulhos?

- Ouço! Muitos barulhos.

- Eu também. O que são?

- São cigarras, grilos, sapos, rãs. Há pirilampos a voar, aquelas luzinhas que vês à volta das flores e das árvores, há corujas, cães a ladrar, gatos a miar, carros da cidade, na estrada, há vento a bater nos galhos, há música nas ruas da cidade.

- E aquela claridade?

- São as luzes da cidade!

- Que lindo! Já foste à cidade?

- Não vou há muito tempo. Há demasiado barulho, confusão, luzes, fiquei muito agitado.

- Obrigada pelas informações.

            Os dois conversam mais um bom bocado, riem, e a toupeira fica a conhecer o lugar. Já de madrugada alta, depois de muita conversa, a toupeira fica com sono e volta para a sua toca no solo, com a promessa de voltar. E assim foi. Nos dias seguintes, a toupeira voltou à superfície, e acompanhou no solo, as rondas noturnas do mocho, a conversar de vez em quando, mas não tanto porque o mocho tinha de estar atento, e a toupeira tinha medo de predadores, mesmo assim ela fez bons amigos nesses passeios.

Se vocês fossem o mocho, o que mostrariam à toupeira? Escrevam…


                                               FIM

                                               Lálá

                                   (25/Março/2016)

  

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