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sexta-feira, 25 de março de 2016

Amo-te mesmo com rugas (Adultos)





NARRADORA – Era uma vez um casal especial e diferente: ela uma bruxa, e ele um feiticeiro. Viviam numa casa isolada da floresta, e eram felizes à maneira deles…embora sempre a discutir e a resmungar um com o outro, amavam-se e adoravam estar juntos. Certo dia…numa manhã, a bruxa olha para o espelho e assusta-se com a sua própria imagem, pois esta reflectida no espelho dá uma valente e sonora gargalhada…estridente…na cara da bruxa. A bruxa não sabe quem é…nem que a imagem que ela vê no espelho, é ela mesma, por isso dá um grito que abana a casa toda. Os gatos fogem. O feiticeiro que estava descansado na sala a ler, assusta-se e murmura:
FEITICEIRO – Que grito foi este…? (p.c) Pois…já foi aquela bruxa com quem casei…fez alguma…! (p.c) É melhor ir ver…ou…não…não vou nada ver! (p.c) Ela já costuma ter estes ataques de loucura…e aqueles guinchos… (p.c) É…. Bruxa louca… fica para lá com a tua loucura… antes que me transformes numa coisa horrenda…! (p.c) Daqui a pouco vem aqui reclamar que não fui lá vê-la… mas… não me interessa. Já estou habituado! (p.c) Deve ser da idade… está cada vez mais histérica… coitada! (p.c) Tenho que lhe dar um desconto. (p.c levanta-se e vai à porta do quarto, põe-se à escuta) Está tudo bem contigo, bruxinha linda…?
BRUXA (disfarça) – Sim. Está tudo bem… queres entrar…?
FEITICEIRO – Não…! Qualquer coisa, estou na sala.
BRUXA – Está bem. Eu estou aqui…!
FEITICEIRO (murmura e encolhe os ombros)  Eu vi logo… Já lhe passou. Mas pelo sim, pelo não… perguntei… às vezes podia estar com algum problema… sim… porque podia acontecer… pelo grito que ela mandou… até os gatos fugiram. (p.c para o público em tom de confissão, e com alguma pena) Estas mulheres… são muito estranhas… mas… nós não vivemos sem elas, não é? Reclamamos delas... e elas de nós… mas no fundo… queremo-las! (p.c) Além disso, foi a mulher que escolhi… e gostei dela… mas às vezes… põe-me o sal na moleira…! (p.c) O que vale é que a chama do amor… ainda continua viva… Ela não sabe… porque eu ainda não lhe disse… mas… acho que tem ganho mais rugas ultimamente! (p.c) Só que… mesmo assim… eu continuo a achá-la… linda…! Porque afinal de contas… se casei com ela… é porque gostei dela! (p.c) E gostei… (sorri) Apaixonei-me ao primeiro olhar… (p.c) Ela era tão bonita… (p.c) Sabem, homens…? Era daquelas mulheres… boas… jeitosas… sexys… com que qualquer homem sonha… nem que seja só para se sentir poderoso… e dar umas curvas com elas… para desfilar…! (p.c) Na verdade… depois quando mergulhamos nelas… vemos que é só pacote por fora, porque por dentro… não têm nada para nos oferecer… só para nos chupar a carteira…! (p.c) Pelo menos consolam os olhos… (p.c) Mas sejamos sinceros… não é uma gaja dessas que nós queremos mesmo pois não…? (p.c) Apesar de bonitas… e boas… mas elas na verdade não cuidam de nós… não fazem nada nas casas… e… bem… não servem! (p.c) Com a minha mulher foi diferente… como eu ia a dizer… ela era novinha… jeitosa… bonitona… atraente… e… claro… apaixonei-me pela beleza dela… depois… conheci-a a fundo… como pessoa… e olhem… estou com ela até hoje… desde há muitos, muitos anos! (p.c) Eu sabia que ela não ia ter sempre aquele ar… mas… a sua beleza interior é tão grande, que a torna mais bonita por fora. (p.c) E mesmo com rugas… ela continua linda! E como sempre a amei, e amo… respeito-a e valoriza-a… porque ela faz tudo por mim… mesmo quando não sou assim lá muito bom! (p.c) Se ela der mais um grito, vou lá ver…
NARRADORA – O feiticeiro volta a sentar-se e continua a ler e a bruxa está a olhar o espelho intrigada, e pergunta.
BRUXA – Quem és tu?
BRUXA DO ESPELHO – Sou tu!
BRUXA – O quê?
BRUXA DO ESPELHO – A imagem que tu estás a ver… esta que está a falar contigo… és tu!
BRUXA – Mas…eu dupliquei – me foi?
BRUXA DO ESPELHO – Não! Tu é que te estás a ver ao espelho, como fazes todos os dias!
BRUXA – Sim, eu vejo-me todos os dias ao espelho…mas nunca vi.
BRUXA DO ESPELHO – Como nunca me viste? Ao veres-te ao espelho todos os dias, vês-me…vês a tua imagem… e essa imagem… sou eu! Que és tu!
BRUXA – Mas que raio de língua é que tu falas, mulher?
BRUXA DO ESPELHO – A mesma que tu… Português…!
BRUXA – Não deve ser a mesma que eu… porque não estou a perceber nada do que estás a dizer! (p.c) Quando me vejo ao espelho… vejo a minha imagem… linda…de deusa… princesa… elegante… atraente… sexy…como sempre fui… e não…esta coisa feia que estou a ver! (p.c) Tu és horrível…! És casada?
BRUXA DO ESPELHO (ri) – Obrigada pelos elogios. Sim, sou casada…tu és…eu também sou.
BRUXA – Ai, coitado do teu marido…deve ver muito mal!
BRUXA DO ESPELHO (ri) – Usa óculos…só para ler… sabes que com a idade…!
BRUXA – Não tem nada a ver com o meu maridão…ele sempre viu muito bem, e continua a ver…!
BRUXA DO ESPELHO (ri) – Devias levá-lo ao oftalmologista…e tu também devias ir…porque não estás a ver bem.
BRUXA – Não estou a ver bem? Claro que estou a ver bem! Não uso óculos…
BRUXA DO ESPELHO (sorri) – Por estares sem óculos é que não vês, como és feia…!
BRUXA (zangada) – O quê? (p.c) Que palavra odiosa… passo já pimenta com cebola na tua língua…sua porca…imunda…!
BRUXA DO ESPELHO (ri) – Tu é que a vais engolir…!
BRUXA (zangada) – Vamos ver quem é que vai engolir o quê…! (p.c) Mas quem és tu…óh grande ordinária…, feiosa… cheia de coisas…vincas na fronha…
BRUXA DO ESPELHO (ri) – Obrigada…és mesmo adorável…só não te dou um beijo porque estou no espelho…! (p.c) Eu sou uma bruxa…
BRUXA (zangada) – Eu também sou uma bruxa…!
BRUXA DO ESPELHO (ri) – Somos uma bruxa…! (p.c) Não te esqueças que eu sou tu…e tu…és eu.
BRUXA (resmunga ofendida) – Tu bem querias ser igual a mim, porque eu sou muito mais bonita que tu… (p.c) Felizmente… graças a todos os bruxos e bruxas…não temos nada a ver uma com a outra.
BRUXA DO ESPELHO (suspira) – Ai, ai, não me estou a fazer entender…!
BRUXA – De onde vens, óh criatura tenebrosa…?
BRUXA DO ESPELHO (irónica) – Ai, assim até me deixas sem jeito…fico vaidosa! (p.c) Venho daqui…do mesmo sítio que tu!
BRUXA – Tu moras aqui?
BRUXA DO ESPELHO – Claro…!
BRUXA – Onde?
BRUXA DO ESPELHO – Aqui…neste quarto, neste espelho, e nesta casa.
BRUXA (zangada) – Isso querias tu, grande usurpadora…! Maria nabiça que tudo cobiça. (p.c) Porque é que não vais para outro sítio…?
BRUXA DO ESPELHO – Tu é que sabes…! Se tu fores…para outro sítio, eu também vou.
BRUXA (zangada) – Quem é que te deu autorização para estares aqui…? (p.c) Nunca te vi antes, nem te convidei!
BRUXA DO ESPELHO (ri) – Nem tinhas nada que convidar…! As pessoas não se convidam a si mesmas…!
BRUXA (grita, zangada) – Vai-te embora…feiosa…intrometida…! (p.c) Tu queres é ficar com o meu marido…e estás a ver se me confundes a cabeça, para ele achar que estou louca, livrar-se de mim, e ficar contigo, não é…? Confessa…! ~
BRUXA DO ESPELHO (ri) – Eu…? Ficar com o teu marido…? (p.c) Ainda se ele fosse um pedaço de mau caminho, ou um gato…agora…aquele troglodita…? Sinceramente…!
BRUXA (grita) – Vê lá como falas do meu marido! (p.c) Eu bato-te.
NARRADORA – A bruxa tenta fazer uma maldade mas não consegue. A do espelho ri-se. A bruxa fica nervosa e guincha, salta, bate com as mãos no espelho, abana-o, dá pontapés…e a imagem do espelho ri-se às gargalhadas.
BRUXA (grita) – Vai-te embora sua ordinária. Deixa-me em paz! (p.c) És horrível, feia, parvalhona, ainda por cima estás a rir-te da minha cara! (p.c) És tu que me estás a tirar os poderes, não és, sua bruxa maldita? (p.c) Invejosa…Malvada!
BRUXA DO ESPELHO (às gargalhadas) – É! Estás mesmo a ficar velha! (p.c) Olha para essa fronha…cheia de rugas…! (p.c) Sim…! Já foste isso tudo…maldita…invejosa…malvada…horrível…feia! (p.c) Estás a perder os poderes…é normal…estás velha…já não precisas de poderes! (p.c) Mais te vale aceitares isso, e viveres feliz com o teu marido.
BRUXA – Mas que atrevimento… (grita) ordinária! (p.c) Estás cheia de dor de cotovelo…é por isso que me estás a chamar essa coisa feia!
BRUXA DO ESPELHO (ri) – Eu? Com dor de cotovelo…de ti…? (ri) essa é boa! (p.c) A tua época de glória já passou! (p.c) Velha! Carcaça.
BRUXA (nervosa) – Eu desfaço-te!
(Tenta fazer magia, mas não consegue e fica fora dela).
BRUXA DO ESPELHO (ri) – Velha! (p.c) Esquece!
BRUXA (grita) – Eu vou dar cabo de ti!
BRUXA DO ESPELHO (ri) – Porque é que continuas a insistir? (p.c) Já não serves para nada!
BRUXA (nervosa) – O quê? Sua maldita…és tu que estás a acabar comigo!
BRUXA DO ESPELHO (ri) – Eu? Tenho mais o que fazer…! (p.c) Velha…horrível…feia (p.c) Vai descansar que bem precisas!
BRUXA (grita) – Se voltas aqui…não sei do que sou capaz de te fazer…desaparece!
NARRADORA – A bruxa do espelho desata às gargalhadas e desaparece. A bruxa explode de raiva…grita, saltita aos guinchos, tenta fazer magia mas não consegue…olha outra vez para o espelho a medo e vê-se a ela própria.
BRUXA – Mas…o que é que aconteceu? (p.c) Não percebi…! (p.c) Há bocado estava ali uma anormal…a falar comigo…a chamar-me nomes…a dizer que estou velha…e agora…não está ali…? (p.c) Aquela…já é a imagem que vejo todos os dias! (p.c) Mas…estarei a ficar louca? (p.c) Já nem consigo fazer…mas…onde estão os meus poderes…? (p.c) Deve ser aquele palerma do meu marido…que me está a tirar os poderes…! (p.c) Ou…será que me rogou uma praga…? (p.c) Se foi ele…nem sei do que sou capaz de lhe fazer… (p.c) Vou ter que tirar isto a limpo! (olha-se ao espelho) Eu…vou ter que melhorar este aspecto…tenho aqui umas coisas estranhas…foi aquela parva. De certeza, ou então é o maridão que está a ver se vai porta fora…!
NARRADORA – A bruxa vai á sala ter com o marido, carrancuda, chateada e nervosa. Os gatos poem-se de volta dela. Ela acaricia-os e olha para o marido, que viu que ela entrou mas ignorou.
BRUXA (murmura) – Mau…! (p.c) Estarei invisível? (p.c) Não…não pode ser…estou a tocar nos gatos! (p. c, grita) Olá!
FEITICEIRO (sorri) – Olá, amor…minha bruxinha adorada!
BRUXA – Pensei que não me estavas a ver!
FEITICEIRO – Estava nas minhas leituras, e tu entraste silenciosa! Desculpa.
BRUXA – Eu…? Entrei silenciosa…?! (p.c) Deves estar a ouvir um bocado mal…!
FEITICEIRO – Eu? A ouvir mal…? Não! (p.c) Estava só concentrado!
BRUXA – Pois… (grita) Achas que eu nasci ontem?
FEITICEIRO – Não…eu sei que já nasceste há muitas centenas de anos.
BRUXA (Zangada) – Também tu, me estás a chamar velha…? (p.c) Dou cabo de ti.
FEITICEIRO (irónico) – Eu…? A chamar-te velha…? Claro que não, minha bruxinha encantadora…! (p.c) Somos da mesma idade…eu não sou velho, por isso tu também não és! (p.c) Quem te disse que eras velha?
BRUXA (zangada) – Uma estúpida de uma gaja que estava no nosso quarto!
FEITICEIRO – Uma mulher no nosso quarto?
BRUXA (zangada) – Sim…uma mulher! (p.c) Não sei de onde ela veio, nem como ela entrou…só sei que foi muito estúpida comigo! (p.c) Apareceu no espelho e pôs-se lá com uma conversa…que eu…era ela…ou que ela era eu… e depois…riu-se descarada e escandalosamente na minha cara…além de me ter chamado…velha…! (p.c) Maldita! (p.c) Ela disse que vivia ali no nosso quarto, na nossa casa… (p.c) Eu nunca a vi!
FEITICEIRO (ri) – Ora, minha querida…não ligues! Não te preocupes…se calhar sonhaste! E essa rapariga não existe!
BRUXA – Não sonhei. Estava bem acordada! Ela apareceu…só para me provocar e chatear…e humilhar…tentei transformá-la, para a castigar…e não consegui…e ela disse que eu já estava velha…que estava a perder os poderes com a idade!
FEITICEIRO – Não, filha…deves ter sonhado (p.c) Até fui ver o que se passava quando te ouvi gritar, e perguntei-te…lembras-te? Tu disseste que estava tudo bem. Os teus gritos até abanaram a casa toda.
BRUXA – Sim…pois foi…! E nessa altura foi quando entrou aquela palerma.
FEITICEIRO – Deixa lá…não penses mais nisso. Já passou.
BRUXA (zangada) – Tu…ainda gostas de mim?
FEITICEIRO (sorridente) – Claro que sim, meu pimpolhinho demoníaco…! Tu sabes que sim!
BRUXA (sorridente e vaidosa)  Ai…adoro quando me chamas isso…meu monstrão…!
FEITICEIRO (sorridente) – Ai, que doçura…! Monstrão…tão fofinha…! (p.c) Vês…como ainda te amo?!
BRUXA (sorridente) – É! Estou a ver…E…olha para mim… (p.c) Ainda me achas horrivelmente atraente?!
FEITICEIRO (sorridente) – Sim…minha venenosa enrugada…!
BRUXA (zangada) – O que é que tu me chamaste?
FEITICEIRO (sério e embaraçado)  Princesa…foi o que te chamei!
BRUXA – Pois…bem me pareceu! (p.c) Achas-me atraente?
FEITICEIRO – Sim! Muito!
BRUXA (sedutora, sorri) – Óh…meu bonecão, monstrão…rechonchudão…macacão…ursão…bonzão...então se me amas mesmo…põe-me mais nova e devolve-me os poderes.
FEITICEIRO – O quê? Eu vi logo que querias alguma coisa…!
BRUXA (zangada) – Mas que lata…estás a insinuar que quando sou carinhosa contigo…ou quando te faço muitos elogios…é porque quero alguma coisa…?
FEITICEIRO (irónico) – Não… (p.c) Que ideia… eu já te conheço…!
BRUXA (zangada) – Amas-me ou não?
FEITICEIRO – Já te disse que sim!
BRUXA – Então…?
FEITICEIRO – Então, o quê?
BRUXA (zangada) – Faz o que eu te disse…põe-me mais nova.
FEITICEIRO – Mas…tu queres que te ponha mais nova e que te dê os poderes para quê? (p.c) Queres ficar mais nova, para andares aí á caça de outros…?
BRUXA (zangada) – Estás totó…! Já para te aturar às vezes não é fácil…ia agora caçar outros…! Para quê? (p.c) Achas que sou alguma tarada…?!
FEITICEIRO – Não sei…podias querer um mais novato…!
BRUXA (ralha) – Queres que te castigue…?
FEITICEIRO – Não….fica quietinha…!
BRUXA – Fico…quietinha…porquê…? O que é que anda atrás de mim, ou à minha volta…?
FEITICEIRO – Nada…só quero é que não digas mais disparates.
BRUXA – Então se não queres que eu diga mais disparates, põe-me mais nova! (p.c) E escusas de ser cínico…ao dizer que ainda gostas de mim… (p.c) Só dizes isso para ser simpático. Na verdade, sei que já nem reparas em mim…
FEITICEIRO – Mas eu estou a dizer a verdade!
BRUXA – Não estás nada! (grita) Há bocado chamaste-me velha…eu bem entendi. Tenho olhos na cara…sei muito bem que estou com umas coisas novas aqui na cara, e os meus poderes estão mais fracos. (p.c) Só tu podes devolver-mos! (p.c) Foste tu que mos tiraste não foste?
FEITICEIRO – Não! porque faria isso?
BRUXA (resmunga) – Não sei…por não gostares de mim, ou…podes ter medo de mim.
(Feiticeiro dá uma gargalhada)
FEITICEIRO (ri) – Eu…? Medo de ti…? (p.c) Querida…bebeste alguma coisa que não devias… (p.c) Eu gosto de ti.
BRUXA (resmunga) – Como é que gostas de mim?
FEITICEIRO – Porque…casei contigo!
BRUXA (grita) – Isso não é garantia nenhuma…não quer dizer nada.
FEITICEIRO – Não sei porque é que para ti, não é garantia nenhuma…se eu não gostasse de ti, podes ter a certeza que já me tinha ido embora.
BRUXA (zangada) – Já estamos casados há tantos anos…e já há muito tempo que parecemos dois monstros desconhecidos na mesma casa!
FEITICEIRO – Cada um de nós tem uma vida diferente…e trabalha…estamos sempre tão ocupados…que depois não temos tempo para nós!
BRUXA – Mas devíamos ter tempo para nós… (p.c) Mesmo com trabalho! (p.c, suspira) Ai…tenho tantas saudades de quando éramos namorados.
FEITICEIRO – Não estás feliz por estar casada comigo, podes deixar-me.
BRUXA – É claro que estou feliz por estar casada contigo…mas sinto falta, daqueles momentos…bons…só nossos… (sorri) quando éramos namorados!
FEITICEIRO (com pena) – Pois, mas por não termos muito tempo para namorarmos…não quer dizer que não goste de ti, ou não te ame…! (p.c) Eu também tenho saudades dos tempos em que namorávamos, mas assumimos juntos o casamento…já sabíamos que não íamos ter muito tempo para nós…mas a companhia um do outro seria bom.
BRUXA – E é muito boa a companhia um do outro…mas eu queria mais! (p.c) Erramos…em não termos aproveitado mais…tivemos pressa de casar.
FEITICEIRO – Estás arrependida?
BRUXA – Não. Só que queria ter mais tempo contigo…! (p.c) Tu não demonstras há muito tempo que gostas de mim, e que me amas, como acontecia no nosso namoro…que me oferecias coisas bonitas…davas-me muito mimo…flores…nunca mais me deste nada disso. (p.c) Eu era tão feliz!
FEITICEIRO – Eu sei que não tenho sido um marido muito dedicado…ou nada…nem muito presente…! (p.c) Mas meu amor…pensei que não era preciso demonstrar-te…que tu sabias… e sentias o meu amor por ti.
BRUXA – Eu sinto o teu amor por mim…mas…sabes como é…as mulheres gostam sempre de pequenos gestos dos maridos… (para o público) Verdade… mulheres aqui presentes…? Mesmo casadas, nós precisamos de provas dos nossos maridos, não é? E gostamos que eles nos ofereçam pequenos mimos…! (p.c, para o feiticeiro) Sabes, eu gostava que nós os dois voltássemos a namorar… (p.c) Deixássemos o trabalho mais um pouco de lado, e que nos dedicássemos um bocadinho mais a nós… (p.c) Eu sinto que a nossa fogueira está fracota… preciso de a reacender… (p.c) Qualquer relação precisa disso, (para o público) …verdade? (p.c) Não é mesmo isso que queremos, e precisamos… mulheres? (p.c) Eles não percebem mesmo nada de nós, pois não…? (p.c) Para eles, isso não significa nada, mas para nós…é tudo… preenche-nos…! Não é…? (se obtiver resposta…bater palmas e sorrir) Pois…eu sei que vocês me compreendem…mulheres…aqui presentes…! (p.c) Claro…como eles nos dizem…somos todas iguais, não é…? 
FEITICEIRO (sorri) – Já percebi…! (p.c) E tens toda a razão. Mas de uma coisa podes ter a certeza… e não duvides nunca disso… apesar de eu não demonstrar… continuo a amar-te como no primeiro dia! (p.c) Nós os homens somos um bocado…tímidos nessas coisas… de demonstrações… (para o público) não é homens…? Mas elas acham que por não demonstrarmos, já não gostamos delas ou temos outra… não é? (p.c) Estamos fritos…! (p.c) Elas são complicadas… não são…? (p.c) Como é que as vamos entender…? (p.c) São um mistério…exigem de mais… (p.c) Não acham…? (p.c) Mas… temos de as respeitar… e fazer-lhes as vontades…! Bem…aquelas que estão ao nosso alcance! (p.c) Elas podem ter muitos defeitos, mas temos de as respeitar…e merecem…! Não vivemos mesmo sem elas.
BRUXA – Tu amas mesmo?
FEITICEIRO – Outra vez…? Sim, minha Bruxosa… jeitosa… apetitosa…! (para o público) Ai, ai… elas adoram ouvir isto…mas torna-se cansativo para nós, porque temos de estar sempre a repetir… (p.c) E mesmo assim… parece que estão sempre desconfiadas…!
BRUXA – Mesmo com estas coisas na minha cara?
FEITICEIRO (sorri) – Isso…são…rugas, minha bruxinha…!
BRUXA (zangada) – Rugas…? Tira-mas! Se me amas…tira-mas! Já…! Ou atiro-te já pela janela fora!
FEITICEIRO (zangado) – Que disparate. (p.c) Não vou tirar isso, coisa nenhuma.
BRUXA (zangada) – Porquê?
FEITICEIRO (zangado) – Porque não posso! Nem quero!
BRUXA (zangada) – E porque é que não queres?
FEITICEIRO – Porque gosto de ti assim.
BRUXA (zangada) – Mentiroso…! (p.c) Eu estou muito feia…é claro que não gostas de mim assim!
FEITICEIRO (zangado) – Estás a precisar de óculos. É claro que gosto de ti assim.
BRUXA (zangada) – Só estás a ser agradável, porque estou zangada, não é?
FEITICEIRO – Não. Estou só a dizer a verdade! (p.c) Não sei porque duvidas de mim… nunca te menti!
BRUXA (grita, zangada) – Mentiroso! (p.c) Tira-me esta porcaria da cara e dá-me os poderes de volta.
FEITICEIRO – Não! (p.c) Pede-me tudo o que quiseres, menos isso.
BRUXA (zangada)  Porquê?
FEITICEIRO – Porque eu não posso fazer isso.
BRUXA (fula) – Mas que raio! Amas-me, ou não?
FEITICEIRO (zangado) – Sim, amo-te! É por isso que não posso fazer o que me estás a pedir.
BRUXA (zangada) – Mas o que é que tem uma coisa a ver com a outra? (p.c) És feiticeiro…tens poderes.
FEITICEIRO – Mas tu também tens! (p.c) Eu gosto de ti…não é pelos teus poderes…gosto de ti por aquilo que és…não me apaixonei pelos teus poderes…nem pelas tuas rugas! Eu também tenho rugas! Amo-te e quero passar o resto da minha vida contigo! Não é com os teus poderes que quero viver.
BRUXA – Óóóhhhh…que lindo! (p.c) Palavras leva-as o vento… (para o público) É lindo, não é…? E sabe bem ouvir isto…mas nós queremos provas… verdade…mulheres…? (p.c) Acham que ele está a dizer a verdade…? (para o feiticeiro) Mas eu odeio estas coisas na minha cara.
FEITICEIRO – Rugas! Isso chama-se rugas, meu amor!
BRUXA (horrorizada) – Aaaaaaaiiiiiii…Odeio essa palavra…até me dá calafrios ouvi-la… e odeio estas coisas… tira-me isto…por favor…! (p.c) Eu não quero esta porcaria!
FEITICEIRO – Não! (p.c) Eu também as tenho.
BRUXA (zangada) – Mas tu és homem.
FEITICEIRO (zangado) – E tu és mulher…grande diferença…!
BRUXA (zangada) – Nos homens quase não se notam as rugas…mas nas mulheres é diferente…e quando ganhamos rugas…ficamos muito feias…e com medo que vocês arranjem uma gaja jeitosa…mais nova…!
FEITICEIRO (ri) – Que disparate! (p.c) Vocês é que tem a mania que nós, homens, só olhamos para as novas, para as catraias…! (p.c) Isso era enquanto éramos novos…! Chegamos a uma certa idade, essas coisas já não contam para nada…principalmente depois de aturarmos a mesmo mulher anos e anos…! Queremos paz e sossego! (p.c, para o público) Não é homens, aqui presentes…? (p.c, para a Bruxa) Tu odeia-las, mas vais ter de te habituar a elas!
BRUXA (irritada) – Mas eu não as quero! (p.c) Fico muito feia com elas aqui! (p.c) E ao ficar feia…tu não vais gostar mais de mim.
FEITICEIRO (zangado) – Outra vez…?
BRUXA (zangada) – Estás a tentar convencer-me de que gostas de mim…com estas coisas feias na minha cara!
FEITICEIRO (chateado) – Eu não casei contigo pela tua beleza física! Não sei porque estás a fazer tanto alarido por causa de uma coisa tão natural, que toda a gente tem…rugas! (p.c) Olha para as minhas.
(A bruxa olha para o marido, sorri)
BRUXA – Quase nem se notam…! Tu és tão bonito.
FEITICEIRO (sorri) – E tu também és muito bonita. Por fora, e por dentro… (p.c) Eu amo-te minha bruxinha diabólica…tal e qual…como tu és. (p.c) Isso inclui rugas! (p.c) E rugas…não quer dizer que estás velha…só quer dizer…experiência de vida, sabedoria…até devias ficar feliz, porque estás bem…tens saúde, tens tudo no sítio…estás mais madura… e continuas linda…sexy…com rugas…aliás…até parece que estás ainda melhor.
BRUXA (sorri) – Só tens treta! (p.c) Só estás a dizer isso para me animar.
FEITICEIRO – Eu sou algum palhaço, ou bobo da corte, para animar…? (p.c) Eu nunca fui simpático…só sou…sincero.
BRUXA (sorri) – Amas-me mesmo…? (p.c, zangada) Então tira-me estas maldições. 
FEITICEIRO (grita) – Não tiro, já disse! (p.c) Se fosse uma coisa muito feia ou muito má…tirava-te, agora isso não tiro! Eu quero-te assim…como és…e ponto final. (p.c) Esquece que tens rugas…e tu amas-me?
BRUXA – Sim, amor…mas…não queres que eu fique mais bonita?
FEITICEIRO (zangado) – Não! Já tens beleza que chegue assim…não é lá por teres mais rugas que vais ser feia… eu quero-te assim! (p.c) Amo-te com todo o meu coração… com peles penduradas, enrugada, com elas pingonas… gorda… baleia… esquelética… de cabelo preto, branco, cinzento, roxo, vermelho, de qualquer maneira… não me interessa! (p.c) O que me interessa é que o meu amor por ti, continua igual desde o primeiro dia em que te conheci! (p.c) Usa os teus poderes para coisas boas e bonitas…para ajudar os outros… (p.c) o que me importa é o teu coração…e esse sim…nunca deve enrugar…nem o teu amor por mim, deve acabar. (p.c) Por favor…não mudes nada em ti! É assim que eu gosto de ti! (p.c) Só estás a pensar nas rugas…os teus poderes não funcionam bem…claro! (p.c) Mas sabes que eles nunca acabam…podem enfraquecer…mas não acabam. (p.c) Por favor…não voltes a dizer que estás velha! Ou feia! Ou a perguntar se te amo…e a pedir-me para te tirar rugas ou outra coisa… (p.c) Eu quero-te assim. (p.c) Prometo-te que te vou dar mais atenção, e provar-te que te amo como tu és! (p.c) Também me prometes que não falas mais nisso?
BRUXA (sorri) – Prometo.
FEITICEIRO – Tu ainda tens muito para dar, e para ensinar…lembra-te que daqui a pouco temos alunos…e tu precisas de estar bem dessa cabeça!
BRUXA (sorri) – Tens razão!
FEITICEIRO (sorri) – Vamos dar uma volta? Passar uns dias fora daqui…?
BRUXA (sorri) – Excelente ideia…vamos.
FEITICEIRO (sorri) – Sou todo teu! (p.c) Esquece a porcaria das rugas, e lembra-te só de mim, está bem? Minha princesa Bruxosa…?
BRUXA (ri) – Está bem.
NARRADORA – Os dois abraçam-se e vão passear alegremente, como dois adolescentes apaixonados, muitas trocas de carinho, muitas gargalhadas, e truques de magia para aquecer o momento. É assim mesmo, feiticeiro…grande lição…isso sim…é o verdadeiro amor e respeito pela mulher que se escolheu…com rugas ou sem elas…a beleza interior é que mantém acesa a chama do amor…e é possível isso acontecer em qualquer idade…desde que se saiba olhar para o outro com respeito, com sinceridade, carinho e com os olhos do coração! Porque a beleza física sofre alterações ao longo dos anos, mas a beleza interior mantém-se, ou até melhora muitas vezes com o passar dos anos…! Devem tratar a mulher que escolheram, como um ser humano…porque…com rugas, de cabelos brancos, ou mais cheinha…a mulher é sempre mulher! Um ser especial, digno de amor…em qualquer idade…é sempre possível acender ou reacender o fogo da paixão, do desejo e do amor. Maridos…dêem valor à mulher que têm ao vosso lado! Digam às vossas mulheres que as amam, constantemente…e mostrem sem medo e sem vergonha esses sentimentos…! Reconquistem-na todos os dias…com pequenos gestos de carinho e atenção, respeito e dedicação… companhia e compreensão… pequenas surpresas…elas dão muito valor a esses pequenos salpicos de romantismo…redescubram-na todos os dias…elas possuem mistérios e verdadeiros tesouros que se vão ganhando com a idade…respeitem-nas sempre…e as suas vontades! E terão um verdadeiro vulcão ao vosso lado…

FIM.
Lálá 
(6/Setembro/2012)



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