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quarta-feira, 23 de março de 2016

A lenda do jardim silencioso

                                             foto de Lara Rocha 

Era uma vez um jardim, há muitos, muitos anos, que começou por ser um matagal de silvas, folhas secas, lixo, flores murchas e terra, sombras, árvores muito velhas e secas.
Era um sítio assustador para a maioria das pessoas que passavam por lá, mas nem se atreviam a entrar. Muita gente dizia que ouvia vozes, gritos, barulhos de feras, rugidos, uivos e outras coisas estranhas que arrepiavam a espinha.
Um dia, uma rapariga com uma cara bonita, mas muito histérica, misteriosa, de quem toda a gente fugia pelo seu aspecto, que só gritava, era má, estava sempre irritada, a resmungar, não era nada simpática, e era solitária, lembrou-se de entrar naquele jardim horrível.
Quando a viram entrar para lá, acharam que ela era uma bruxa e que iria fazer maldades…aliás, ela era a única que tinha conseguido entrar no jardim. Entrou e rapidamente desapareceu entre as enormes silvas. Os habitantes ouviram a voz estridente dela, e ficaram atentos, à escuta atrás das janelas.  
Olhou em volta, e gritou:
- Não gosto deste sítio.
O vento soprou, e ela respondeu:
- Isso. Quero mudar, tudo menos as silvas.
O vento falou outra vez, e ela respondeu:
- É. Faz o que eu mando e não me faças perguntas. Sim, quero mudar tudo, menos as silvas da entrada. Já te disse para não me fazeres perguntas.
O vento soprou forte, formaram-se redemoinhos e ventos de diferentes intensidades, trovoadas, chuvas, viam-se chamas altas, saia fumo.
Os habitantes ficaram muito assustados, ouviam barulhos estranhos, estridentes, estalidos, gargalhadas, trovões, e o jardim ficou desfeito. Só restaram as silvas como ela queria.
- Muito bem. Excelente trabalho. Agora…vais pôr tudo o que eu mandar.
Ela senta-se no chão, e começa a dizer palavras soltas, de coisas que ela quer ver no jardim. A cada palavra que diz, aparecem flores de todas as cores e tamanhos, folhas, árvores pequeninas e grandes, fontes de água corrente, cascatas, grutinhas pequeninas, com cristais, um lago com patos, e cisnes, pássaros raros, erva, sol e sombra, borboletas, joaninhas, e várias espécies de fadas, coelhos, pandas, lobos, um barquinho, e uma pequena montanha com muitas espécies de plantas.
Quem via por fora, não conseguia imaginar a beleza em que aquele espaço se tinha transformado. A jovem abriu um grande sorriso, aplaudiu, riu, cheirou todos os aromas fantásticos, e correu o jardim todo.
Enquanto isso conversou com o vento, e contou-lhe que aquele jardim era como o seu interior. Na verdade, por fora, ela era uma figura assustadora, porque a tristeza tomara conta dela, desde muito pequena.
Os seus pais tinham-na abandonado, quando era bebé, e deixaram-na entregue a uma senhora que conheciam, mas apesar de cuidar muito bem dela, ela sentia-se muito sozinha, rejeitada, abandonada, solitária, triste, e revoltada.
Nunca tinha conhecido ninguém que gostasse dela, e nunca a tinham ensinado a ser boa com os outros, a ser amiga dos outros. Ela só percebeu isso muito mais tarde, uns quantos anos depois…quando cresceu.
Ela era fria, distante, má, mas no fundo não gostava de ser assim, porque todos se afastavam. Ela quis mudar, e provar a todos os que pensavam que ela era uma bruxa, por ser tristonha, e por andar sempre vestida de escuro… que não era como pensavam.
O ar malvado dela, era uma máscara, uma defesa para ela não se magoar mais. O seu coração era mesmo um lindo jardim, mas nunca lhe tinham dado oportunidade de o mostrar, porque a julgavam pelo seu ar.
O vento ouviu-a muito atento e comovido, até deixou escapar umas lágrimas, e abraçou-a. Esse abraço, e aquele novo jardim mudaram a jovem por completo.
Ela tornou-se muito simpática, sorridente, tranquila, meiga, preocupada com os outros, até as cores das suas roupas ficaram mais claras.
Todos os que tinham medo dela, viram-na sair daquele jardim muito diferente. Nem parecia ela…ficaram muito surpresos, e não sabiam o que tinha acontecido, mas…não voltaram a ouvir gritos, nem estalidos, nem uivos, nem rugidos…
A rapariga começou a falar com toda a gente, a colaborar com todos e sempre que estava mais triste…ia para esse jardim, em vez de descarregar nas pessoas. Saía de lá como nova.
As silvas à entrada eram para proteger o jardim de invasores, ou de pessoas que pudessem estragar…aquele jardim era só dela, era o seu refúgio, a sua renovação, a sua força e luz.
Dizem que ela foi viver para o jardim. Muito tempo depois, muitas pessoas entraram no jardim à vontade, mas não a viram. Houve quem dissesse que ela estava no vento, que conversava com elas, outras diziam que a viam a dançar com os cisnes no lago, transformada em brilhantes na água, outras diziam que a ouviam a cantar juntamente com os pássaros, outras, sentiam a sua presença nas flores, outras, nos raios de sol que passeavam entre os ramos das árvores, e outras nas pequeninas grutas, transformada em cristais.
Mas todos saiam diferentes desse jardim, tal como aconteceu com ela. A rapariga era a paz que sentimos em todos os jardins, mas todos acreditavam que ela foi uma lenda, mesmo assim, ainda há histórias parecidas com as dela.


E o vosso jardim interior, como é? Acham que nos jardins onde vocês já foram, ou vão, pode estar a rapariga desta história? Onde? Descrevam-no…

Fim
Lálá
(23/Março/2016)


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