Número total de visualizações de páginas

quinta-feira, 24 de março de 2016

o clube da vergonha

Era uma vez um grupo de animais que vivia escondido, refugiado numa quinta abandonada. Todos achavam que tinham características muito feias nas suas aparências.
Eles conheciam-se apenas de vista, nunca se falavam, e mal se olhavam. Reparavam nas diferenças, mas não as comentavam, porque respeitavam e também eles não gostavam de se sentir observados.
Ali sentiam-se bem, porque não eram acusados, nem ouviam comentários desagradáveis a seu respeito, e podiam andar à vontade. Um dia, numa linda noite de Lua Cheia, todos se reuniram sem combinar, no mesmo sítio: num descampado, onde havia um grande lago com cisnes. Todos adoravam a Lua Cheia, e olhar para ela.
- Quem me dera ser bonita como ela…! – Suspira uma macaca com uma pata torta.
- Também eu! – Concorda uma gaivota com uma asa muito mais pequena que a outra.
- Eu já me contentava se fosse linda como aqueles cisnes…! – Diz uma unicórnio com uma cauda muito comprida.
- E eu, se não tivesse estas malditas orelhas quase a chegar-me aos pés, tudo seria muito diferente! – Suspira um salsicha.
- Ai, como eu gostava de ser mais leve, como tu, gaivota, e cisne. – Comenta uma vaca que tinha umas enormes tetas.
- E eu, adorava ter as duas patas direitas, em vez destas que não me deixam apoiar! Pareço um anormal a andar…ai…que vergonha. – Suspira um cavalo preto.
- Queria tanto ter um pelo lustroso como o daquele cavalo, em vez destas falhas de pêlo… - Lamenta-se um tigre.
- E eu adorava não ter estas cicatrizes…! – Acrescenta uma leoa.
            A Lua Cheia ri, e os Cisnes suspiram.
- Mas que seca de conversa, meninos. – Resmunga um cisne.
- Realmente! Não sabem falar de outras coisas, a não ser de tristeza e de coisas que não têm? – Acrescenta outro cisne.
- Ora…tu falas porque és bonito! – Responde o cão.
- Eu sei que sou bonita! – Confirma a cisne vaidosa.
- Nem todos temos a mesma sorte! – Diz um cisne irónico e vaidoso.
- Se tivesses umas cicatrizes como estas, e falhas de pêlos, queria ver se falavas em coisas bonitas…! - Comenta a leoa.
- Toda a gente tem cicatrizes! – Diz a cisne.
- Onde estão as tuas? – Pergunta a leoa.
- Não se vêem…! Mas acredita que existem e doem muito, fazem-me chorar. – Responde a cisne.
- Pois…as minhas estão bem visíveis, doem e fazem-me chorar muito. Além das que não se vêem e que doem. – Diz a leoa.
- Entendo! – Diz a cisne.
- Eu também entendo as cicatrizes que não se vêem, mas existem e doem… sei do que estás a falar. – Diz a leoa.
- Entendes…? Como? – Pergunta a cisne.
- São como as minhas! – Responde a leoa.
- És mulher…entendes! – Acrescenta outro cisne.
- Claro! – Responde a leoa.
- Vocês são todas iguais…! – Comenta outro cisne.
- É por isso que ela me entende, e tu não! – Acusa a cisne.
- Solidariedade feminina contra os homens…? – Pergunta outro cisne.
- Não! – Responde o sexo feminino em coro.
- Entre as mulheres há comunicações misteriosas…! – Comenta outro cisne.
- Porque são todas iguais. – Responde outro cisne.
- Nada disso! – Responde o sexo feminino em coro.
- Porque sentimos as mesmas dores…! – Responde a macaca.
- Pois! – Concordam todas.
- Os nossos olhos comunicam-se, mesmo sem palavras! – Confirma a leoa. 
- Se tivesses um braço torto queria ver se não querias ser como alguém muito mais bonito, e muito mais perfeito, como vocês cisnes! – Acrescenta a macaca.
- Mas tens dois braços, que têm as mesmas funções que todos os braços, certo…? Já eu…não posso abraçar como vocês…e acredito que seja um abraço bem bom! – Responde outra cisne.
- Sim, é verdade…são abraços muito bons…! – Responde a macaca.
- Eu nunca os senti…e bem gostava…porque vejo…! Mas não posso, por isso também não sou assim tão perfeita e tão maravilhosa! – Comenta a cisne.
- E se não tivesses nenhum braço…? – Pergunta outro cisne.
- Que horror…! – Suspira a macaca.
- Pois era…! Mas há muitos animais que não têm braços, nem patas…e andam aí…como podem…lutam…! Tu devias ficar feliz por teres braços…os dois…mesmo que não sejam perfeitos como gostavas de fossem…um mais torto…que grande defeito…vejam lá! – Responde o cisne.
- Sim…nunca tinha pensado nisso! Mas é verdade! – Concorda a macaca.
- Ou umas orelhas que quase cais nelas próprias…! Até servem de baloiço e de rede de descanso…e outras coisas. – Diz o salsicha desgostoso.
- E tu, óh pequeno…reclamas das tuas orelhas, mas são tuas, e tens-nas…não te falta nenhuma…e com elas podes ouvir tudo na perfeição, podes sacudir as moscas que pousam em ti…já viste as vantagens que tem, teres orelhas grandes…? Já pensaste se não as tivesses…? Nem uma nem outra…? – Pergunta o cisne ao cão.
- Não tinha pensado nisso…! – Diz o salsicha.
- Então pensa bem, e agradece as orelhas que tens, tal como elas são! – Diz o cisne.
- É…ou uma asa mais pequena que a outra…que nem pudesses voar… - Comenta a gaivota de asa mais pequena.
- Ora, gaivota…isso são coisas da tua cabeça…! Alguma vez experimentaste voar? – Pergunta outro cisne?
- Sim, já experimentei…não consigo. – Responde a gaivota.
- Não consegues porque achas que não consegues, só porque tens uma asa mais pequena que a outra…! Tenho a certeza que isso não te impede de voar…não andas com elas pousadas no chão…! – Comenta outro cisne.
- Sim, mas desequilibra-me o voo. – Diz a gaivota.
- Experimenta…desperta a força de feminina que há em ti…! Eu ensino-te! – Incentiva outra cisne.
- Mas o primeiro passo é tirares da cabeça que tens uma asa mais pequena que a outra, e pensares que tens as duas asas, que te permitem ir onde queres. – Aconselha outra cisne.
- Huummm… - Pensa a gaivota.
- Ou estas tetas enormes… e este tronco… - Suspira a vaca.
- E se não as tivesses? Não era muito pior…? Assim, mesmo com elas enormes, podes matar a fome e a sede a muita criança, e adulto. – Responde outra cisne.
- Sim…isso é verdade…mas não fica bonito! – Diz a vaca.
- Devias orgulhar-te delas! – Responde outra cisne.
- Todos se lamentam por ter diferenças no corpo, mas…e se não tivessem membros, ou se precisassem que alguém fizesse tudo por vocês? Têm aspectos que não gostam, tudo bem…eu também não gosto de tudo, mas fico feliz por todos os membros, mesmo não sendo perfeitos…! Haveria certamente muita gente e animais que gostariam de ter o que eu tenho, mesmo com as diferenças…e o mesmo que vocês! – Explica uma cisne.
- Até as cicatrizes, que não agradáveis ao olho, e causam dor…devem ser aceites, porque contam uma história de força e de sobrevivência…! Tens-nas, mas sobreviveste…! – Diz a cisne.
- Sim, é verdade! – Diz a leoa.
- És uma guerreira, vencedora! – Diz a cisne.
- Sim, tens razão…! – Diz a leoa.
- As outras dores e cicatrizes que não se vêem, mas doem…no fundo…mais cedo ou mais tarde, todas temos a força suficiente para as ultrapassar.
- É verdade! – Responde o sexo feminino em coro.
- E vocês, reclamam das falhas no pêlo, das patas de tamanho inferior…de não sei quê, não sei que mais… mas…antes de reclamarem…lembrem-se dos que não têm! E quanto eles não dariam para ter o que vocês têm! – Comenta outra cisne.
            Faz-se silêncio. Todos ficam pensativos.
- Nós, cisnes, agradecemos tudo o que temos…tudo o que somos…todos os dias! – Diz uma cisne.
- Que tal fazerem isso connosco, agora? – Propõe outra cisne.
- Sim! – Respondem todos.
- Mas como fazemos isso? – Pergunta o salsicha.
- Mentalmente…em silêncio, fechem os olhos, e digam: muito obrigada universo, por todo o meu corpo, por tudo o que tenho, e por tudo o que sou…muito obrigada por todos os meus membros…muito obrigada pela minha respiração…e pela boa saúde…! Muito obrigada pela minha perfeição…! Peçam perdão por reclamarem tanto…Agradeçam os pais que têm, e tudo o que eles vos dão…todo o amor com que vos fizeram! E agradeçam tudo mais que quiserem. – Explica outro cisne.
- Vão ver se vão sentir muito melhores. – Diz outra cisne.
            E em silêncio, todos se juntam numa roda, fecham os olhos, e agradecem.
- Cada um é como é…! – Comenta uma cisne.
- Todos temos coisas boas, e outras coisas que não gostamos tanto, ou não gostamos mesmo…mas nem tudo o que somos, depende de nós, da nossa vontade. – Explica outra cisne.
- Os nossos pais também não têm culpa…! Eles fizeram-nos com todo o amor, e dedicação…mas também não são perfeitos…mesmo assim, acham-nos sempre lindos e perfeitos…para eles somos! E somos mesmo. Temos o principal. – Explica um cisne.
- É um disparate terem vergonha de ser como são, e lamentarem-se por não serem perfeitos como gostariam…! – Comenta uma cisne.
- Podemos ser perfeitos, na nossa imperfeição, se formos bons! Connosco e com os outros…com o mundo! – Comenta outra cisne.
- Temos de valorizar tudo o que temos, e o que somos. – Acrescenta um cisne.
- E ficarmos felizes de sermos como somos…diferentes uns dos outros! – Diz outro cisne.
- Tens toda a razão…! – Concordam os animais em coro.
- É tão bom sermos diferentes…e há coisas em que todos somos iguais…mas infelizmente esquecemo-nos muitas vezes disso…! Todos merecemos respeito por sermos assim, e todos merecemos ser valorizados, mesmo imperfeitos. Todos temos sentimentos, e todos gostamos de amor, de carinho! Todos temos coração. – Explica outra cisne.
- É verdade! – Dizem em coro.
- Assumam-se como são! Tenham orgulho em ser assim…em tudo o que têm e em tudo o que são. – Aconselha outra cisne.
            E nessa noite todos se abraçam, todos partilham as tristezas e os acontecimentos mais marcantes das suas vidas, com os cisnes. Fazem uma grande festa, e a partir dessa noite, os animais que viviam escondidos, com vergonha das suas imperfeições, aprenderam a olhar para o espelho sem medo e sem vergonha, e passearam-se pelos outros campos, onde antes não iam…sorridentes, e metendo conversa com todos os que se cruzavam, fazendo grandes amigos, sem nunca mais serem gozados ou humilhados pelos seus defeitos. Até porque, todos os animais com quem se cruzaram, tinham as suas imperfeições, e viviam felizes e orgulhosos por ser assim, pois os seus pais amavam-nos de verdade, e valorizavam-nos. Todos nós, seres humanos devemos fazer o mesmo: gostar do que temos, e do que somos, aceitar as nossas imperfeições, e respeitar as imperfeições dos outros…até porque…não há perfeição! Numa coisa somos todos iguais: somos seres humanos, com coração, e queremos ser amados, respeitados, e temos amor para todos, se quisermos.  

FIM
Lálá 
(15/Setembro/2013)

Sem comentários:

Enviar um comentário

Muito obrigada pela visita, e leitura! Voltem sempre, e votem na (s) vossa (s) história (s) preferida (s). Boas leituras