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sexta-feira, 25 de março de 2016

A rapariga da máscara (adolescentes e adultos)


Desenhado por Lara Rocha 


NARRADORA - Era uma vez uma rapariga que usava uma máscara. A mesma máscara todos os dias. Só a tirava em casa. Despertava o mistério e aguçava a curiosidade de todos os que ficavam a olhar para ela. Tentavam imaginar porque é que aquela rapariga usaria a máscara, e porque é que nunca a tirava. Seria um ritual? Seria uma questão cultural? Seria para esconder algum defeito no rosto? Ninguém sabia. Na verdade, nem ela própria sabia porque usava a máscara. Um dia, uma criança que espreitava pela sua janela, viu que ela retirou a máscara. A jovem sentiu-se observada e colocou outra vez a máscara. A criança não saiu da janela. A rapariga abre a janela nervosa e assustada e grita: 
RAPARIGA - O que queres? Nunca te disseram que é feio espreitares pela janela? Põe-te a andar...
CRIANÇA - Porque estás tão zangada? 
RAPARIGA - Não gosto que me espreitem.
CRIANÇA - Desculpa...não fiz por mal.
RAPARIGA - Já estavas aqui há muito tempo?
CRIANÇA - Não. 
RAPARIGA - Então volta para o mesmo sítio de onde vieste.
CRIANÇA - Porquê? 
RAPARIGA - Porque não me apetece estar contigo. 
CRIANÇA - Porque não?
RAPARIGA - Porque não te conheço...e és muito pequena. 
CRIANÇA - Isso não é explicação. 
RAPARIGA - És muito entendida nestes assuntos, não? 
CRIANÇA - Não sei do que falas. 
RAPARIGA - Vai para a tua casa.
CRIANÇA - Eu não tenho casa.
RAPARIGA - O quê?
CRIANÇA - Isso mesmo. Vivo na rua.
RAPARIGA - E os teus pais?
CRIANÇA - Não sei deles. 
RAPARIGA - Como não sabes deles?
CRIANÇA - É. Deitaram-me ao caixote do lixo. Nunca os conheci...nem pretendo. 
RAPARIGA - Mas...
CRIANÇA - Não tenhas pena de mim...não quero! 
RAPARIGA - Isso é triste! 
CRIANÇA - O que é que é triste?
RAPARIGA - Não saberes dos teus pais...e...deitarem-te ao caixote do lixo...que horror.
CRIANÇA - Não me lembro...não sei se foi mau. 
RAPARIGA - Mas...não podes andar na rua assim...
CRIANÇA - Assim como? Estou vestido, estou lavado...há quem me dê o que eu preciso...
RAPARIGA - Quem?
CRIANÇA - Uma velhinha bondosa. 
RAPARIGA - Áh! Eu também quero ajudar-te. 
CRIANÇA - Deixa-te estar. Eu não vim atrás de ti...nem venho pedir-te ajuda.
RAPARIGA - Não? Então? 
CRIANÇA - Vim...ver onde moras, porque quero saber porque usas essa máscara. 
RAPARIGA (inquieta) - Ora...o que te interessa...?
CRIANÇA - Porque ficas muito estranha de máscara. Ninguém anda de máscara. 
RAPARIGA - Eu também não ando de máscara só porque os outros não andam. 
CRIANÇA - Porque usas essa máscara? 
RAPARIGA - Já te disse que não tens nada a ver com isso. 
CRIANÇA - Vá lá...diz-me! 
RAPARIGA - Ora...não tenho que dar satisfações a ninguém, muito menos a uma criança. 
CRIANÇA - E se eu chamar um adulto?
RAPARIGA - Muito menos. 
CRIANÇA - Porquê? 
RAPARIGA - Porque não quero...não sou nenhuma montra.
CRIANÇA - Não. Não tens roupa...mas tens uma máscara...e mais ninguém à tua volta tem máscara. Porque a usas?
RAPARIGA (nervosa) - Volta para a tua casa...era só o que me faltava...ter de dar satisfações a uma pirralha. 
CRIANÇA - Não tenho casa. 
RAPARIGA - Vai para onde quiseres...
NARRADORA - A rapariga corre a cortina, mas a criança fica do lado de fora, e não sai de lá. A rapariga tira a máscara, e olha-se ao espelho. Dos seus olhos caem lágrimas, umas atrás das outras. Uma tristeza imensa toma conta dela. A criança que estava do lado de fora aparece-lhe no espelho. 
CRIANÇA - Porque choras? 
RAPARIGA (grita) - Que perseguição... 
CRIANÇA - Agora não tens como fugir. 
RAPARIGA - Como é que entraste aqui? 
CRIANÇA - Eu consigo! 
RAPARIGA - Mas quem és tu?
CRIANÇA - Porque é que me escorraças? 
RAPARIGA - Eu perguntei-te quem és tu! 
CRIANÇA - Porque estás a fugir do assunto?
RAPARIGA - Que assunto? Não tenho nada para falar contigo.
CRIANÇA - Também não precisas...nem podes mandar-me embora. 
RAPARIGA - Claro que te posso mandar embora...estou na minha casa! 
CRIANÇA - Porque me tratas assim?
RAPARIGA (a chorar) - Fizeram o mesmo comigo! 
CRIANÇA - O quê? 
RAPARIGA - Sim. Escorraçaram-me por ser bonita demais. Tive muitos homens apaixonados por mim, casados e tudo...mas nenhum olhou para mim! 
CRIANÇA - Como assim? Se eras assim tão bonita, até deviam ficar orgulhosos...
RAPARIGA - Não. Eu provoquei muitos desgostos noutras raparigas, nas minhas irmãs mais velhas e mais novas, nas minhas amigas...só ganhei inimigas...
NARRADORA - A rapariga conta a sua história. 
CRIANÇA - Porque usas a máscara?
RAPARIGA (a chorar) - Porque não quero que olhem para mim.
CRIANÇA - Mas olham ainda mais...com máscara...porque a máscara é uma coisa diferente. 
RAPARIGA - Não quero que olhem para a minha beleza. Jurei a mim mesma que nunca mais ninguém se ia apaixonar por mim. 
CRIANÇA - Mas isso é impossível...
RAPARIGA - Não. Com máscara é possível. 
CRIANÇA - Devias mostrar a tua beleza. 
RAPARIGA - Não. Ia continuar a magoar muita gente, e não quero. 
CRIANÇA - E para que serve a máscara?
RAPARIGA - Com máscara não vêem quem está por baixo dela. 
CRIANÇA - Mas tens de mostrar. 
RAPARIGA - Não quero. 
CRIANÇA - Então a máscara é uma defesa...?
RAPARIGA - Sim.
CRIANÇA - Mas é uma defesa para quê?
RAPARIGA - Para que não se apaixonem por mim. 
CRIANÇA - Mas...
RAPARIGA - Há coisas que ainda és muito pequena para compreenderes. 
CRIANÇA - Porque não mostras a tua beleza...?
RAPARIGA - Porque quero que olhem para o meu interior, e que se apaixonem por ele. 
CRIANÇA - Então, tapas a cara para que olhem para os teus olhos?
RAPARIGA - Sim. Isso mesmo.
CRIANÇA - E consegues?
RAPARIGA - Não consigo que olhem muito para os meus olhos...mas quero que olhem para eles...
CRIANÇA - É por isso que só tens quase os olhos à mostra?
RAPARIGA - Sim. 
CRIANÇA - E já alguém te conseguiu ver através da máscara?
RAPARIGA - Não. 
CRIANÇA - Já alguém olhou para os teus olhos?
RAPARIGA - Olharam para eles, como olham para a máscara.
CRIANÇA - E se tirares a máscara? A máscara chama mais à atenção...
RAPARIGA - Não quero. Não posso...nunca vou fazer isso.
NARRADORA - A criança desaparece e aparece um belo jovem, no espelho, lindo e sorridente, a olhar fixamente para a rapariga. Ela grita.
RAPARIGA (assustada) - Estou a alucinar? 
RAPAZ (sorri) - Não. Sou verdadeiro. 
RAPARIGA - Mas...a criança que estava aqui a falar comigo?
RAPAZ - Sou eu. 
RAPARIGA - Eras tu?
RAPAZ - Era. 
RAPARIGA - Áhhh...como pode ser?
RAPAZ - Já todos fomos crianças...agora somos adultos. Mas no nosso adulto ainda vive a criança que fomos. 
RAPARIGA - É. 
RAPAZ - Porque usas a máscara?
RAPARIGA - A criança perguntou-me exactamente a mesma coisa...
RAPAZ - E então? É natural...despertas curiosidades...
RAPARIGA - Não quero que me vejam. 
RAPAZ - A máscara tapa a tua beleza.
RAPARIGA - Eu não quero que reparem na minha beleza...quero que olhem para mim, que reparem nos meus olhos. É muito diferente do que simplesmente olhar para mim...
RAPAZ - Claro que sim. Eu consigo ver-te!
RAPARIGA - Sim, toda a gente me consegue ver...por fora. 
RAPAZ - Eu consigo ver os teus olhos. 
RAPARIGA - Consegues entrar?
RAPAZ - Já entrei. Agora tira a máscara.
RAPARIGA - Não me peças uma coisa dessas...
RAPAZ - Porque não? O mais importante já vi...
RAPARIGA - O que viste? 
RAPAZ - O teu interior...
RAPARIGA - Viste?
RAPAZ - Vi. 
RAPARIGA - Como?
RAPAZ - Através da criança...
RAPARIGA - A sério? 
RAPAZ - Sim, vemos melhor o interior uns dos outros, com os olhos de criança...porque é um olhar mais puro, sincero, limpo, inocente, ingénuo, percebe melhor o que se passa. A minha criança não estava a dormir...ela sentiu-te. Viu-te. 
RAPARIGA - Ai...
RAPAZ - Podes tirar a máscara...eu já te vi...
RAPARIGA - Ai, que vergonha. Isto é muito mau. 
RAPAZ - Vá lá...podes confiar em mim. 
NARRADORA - A muito custo, a rapariga lá tira a máscara, e os dois jovens apaixonam-se. O amor deles dura para sempre, porque olharam um para o outro, sempre com os olhos das crianças que foram, por isso sempre souberam o que estavam a sentir, e o que pensavam, sempre foram sinceros um com o outro, e sempre viajaram pelo interior um do outro, com respeito, carinho, dedicação e admiração e amizade. A rapariga, quando se sentiu segura de que o rapaz a amava, deixou de usar máscara. Era realmente muito bonita, mas depois de tirar a máscara, e encontrar o seu amor, todos a olhavam superficialmente, só porque agradava aos olhos. A rapariga não precisou mais de se esconder e dedicou-se inteira ao seu amor. Aquela criança que a viu através da máscara, e o Adulto que a viu com os olhos de criança. 

                                                                       FIM 
                                                                       Lálá
                                                             (30/Novembro/2014)  

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